quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

CRISE NO IBGE TORNA ATUAL GESTÃO INSUSTENTÁVEL

Editorial O Globo

Saída de diretores e carta aberta de funcionários expõem inépcia do presidente Marcio Pochmann

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entrou em convulsão na semana passada com o pedido de demissão dos dois diretores responsáveis pela área de pesquisas, a mais importante, alegando falta de interlocução com a presidência. O principal motivo que desencadeou a saída é a tentativa do presidente do IBGE, Marcio Pochmann, de criar uma fundação de caráter público-privado usando a marca do instituto. A iniciativa permitiria a produção de estatísticas e conhecimento de acordo com interesses privados, pondo em xeque a credibilidade histórica do IBGE.

O instituto divulgou comunicado negando crise e defendendo a criação da fundação. No texto, afirma que pode recorrer à Justiça contra o que chama de “desinformação e mentira”. Nesta semana, uma carta aberta assinada por 136 funcionários do IBGE vinculados a três das maiores diretorias (Pesquisas Econômicas, Geociências e Tecnologia da Informação), entre eles gerentes, coordenadores e dois ex-diretores, voltou a criticar a fundação, reclamando que “o clima organizacional está deteriorado, e as lideranças encontram sérias dificuldades para desempenhar suas funções”. A carta, inédita na história do instituto, critica em termos duros o viés “autoritário, político e midiático” atribuído à gestão Pochmann.

Principal fornecedor de estatísticas do país, o IBGE é indispensável para a execução de quase todas as políticas públicas. Dependem dele dados demográficos, geográficos e econômicos — do censo realizado a cada década aos índices mensais de inflação. O risco de manipulação política de indicadores econômicos — que assombrou o Brasil durante a ditadura militar e, mais recentemente, a Argentina nos governos do casal Kirchner— foi levantado assim que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva impôs à ministra do Planejamento, Simone Tebet, a indicação de Pochmann para o cargo.

O nome de Pochmann, economista da Unicamp e quadro histórico do PT, está indelevelmente associado à crise durante sua gestão no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2007 e 2012. Mesmo durante a ditadura, o Ipea, sob o guarda-chuva do então ministro do Planejamento, Reis Velloso, desenvolvera pesquisas e estudos independentemente dos poderosos da ocasião. Com Pochmann, a autonomia histórica foi posta em xeque. Ele congelou pesquisas fundamentais sobre a Previdência, promoveu estudos com nítida inclinação ideológica e esvaziou áreas essenciais, levando ao afastamento de alguns dos principais economistas do país vinculados havia anos ao Ipea — caso de Régis Bonelli e Fabio Giambiagi.

No IBGE, não há até o momento nenhum sinal de intervenção de Pochmann no resultado de pesquisas cuja metodologia está consolidada há décadas. Ele próprio, ao assumir, enfatizou que esse era um “receio injustificável”. “Aqui tem um rigor enorme. Todos os procedimentos são identificados. Não existe essa possibilidade”, afirmou. Mas a criação de uma fundação paralela com o mesmo nome do instituto despertou nos diretores que se demitiram e nos funcionários que assinaram a carta um receio aparentemente mais que justificável. Tebet e Lula devem prestar atenção ao que acontece no IBGE antes que a atmosfera tóxica afete pesquisas essenciais. Não há como deixar de constatar que a permanência de Pochmann no cargo se torna a cada dia mais insustentável.

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