quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

MILEI TEM VITÓRIAS NO PRESENTE E DESAFIOS COM O CÂMBIO NO FUTURO

Editorial Valor Econômico

Presidente argentino vive agora um dilema, de olho nas eleições para o Congresso, ciente de que ocasiões anteriores de supervalorização do peso foram seguidas por depreciações abruptas, fuga de capitais e turbulências

O choque econômico executado por Javier Milei em seu primeiro ano como presidente da Argentina está começando a surtir o efeito desejado. A inflação anual, que fechou 2023 em 211,4%, recuou para 117,8% no ano passado, como resultado do drástico ajuste nas contas públicas imposto pelo governo, que segue com amplo apoio popular, mesmo com o alto custo social de suas polêmicas medidas. Apesar do prognóstico animador para um país marcado por crises sucessivas e planos fracassados, a supervalorização do peso, combinada com as turbulências externas, impõem desafios aos próximos passos da estabilização.

Embora a inflação anual ainda permaneça em três dígitos, único caso entre os países da América Latina em 2024, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) encerrou dezembro em alta de 2,7%. Trata-se de uma desaceleração mais do que significativa ante dezembro de 2023, quando o IPC foi de 25,5% logo após a posse.

O resultado é expressivo, ainda que o país esteja longe de “pulverizar a inflação”, como celebrou o ministro da Economia, Luis Caputo, e decorre do programa implementado para domar a rápida escalada dos preços que colocava o país à beira de uma hiperinflação. A estratégia escolhida foi combinar um programa de austeridade sem precedentes em tempos de paz e uma série de medidas para desregular a economia, com um regime pouco ortodoxo de depreciação gradual do peso (“crawling peg”), implementado após uma megadesvalorização da moeda.

De um lado, o corte nos gastos federais permitiu uma consolidação fiscal de quase 5% do Produto Interno Bruto (PIB) e fortaleceu as contas públicas, que tiveram um superávit primário de 1,8% do PIB, o primeiro desde 2010. O rígido pacote de austeridade desacelerou a atividade econômica e causou uma forte recessão, com queda estimada de 2,8%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Milei também implementou uma política de emissões quase zero de moeda pelo Banco Central para o pagamento das dívidas, limitando o crescimento da base monetária local e reduzindo uma grande fonte de pressão inflacionária. Já a depreciação gradual do peso, de 2% ao mês, foi efetiva em atacar outro grave problema: as múltiplas cotações do dólar. Com o “crawling peg”, o governo conseguiu reduzir para menos de 20%, nível historicamente baixo, a diferença entre a cotação oficial do dólar e a do “dólar blue”, negociado no mercado paralelo e usado como parâmetro no cotidiano dos argentinos.

As medidas, especialmente o “crawling peg”, fizeram com que o peso se valorizasse mais do que qualquer outra moeda em termos reais em 2024. Esta forte apreciação, somada aos controles cambiais herdados, agora está trazendo problemas à economia e se tornando um motivo de preocupação para a inflação. As exportações, por exemplo, podem ser prejudicadas, já que os produtos argentinos se tornam menos competitivos no mercado, e as importações, por sua vez, ficam mais baratas, com impacto sobre a conta corrente. Em 2024 a Argentina teve um superávit recorde de US$ 18,9 bilhões. O país ficou muito caro, o que já provocou queda expressiva no fluxo de turistas, outra fonte importante de entrada de moedas fortes para a economia.

Milei vive agora um dilema, de olho nas eleições para o Congresso em outubro deste ano, ciente de que ocasiões anteriores de supervalorização do peso foram seguidas por depreciações abruptas, fuga de capitais e turbulências. Para consolidar a queda celebrada do IPC em 2024 e garantir a manutenção do apoio popular, o governo anunciou a redução do ritmo de depreciação do peso para 1% ao mês, mas hesita em acabar com outros controles cambiais por temer uma nova disparada da inflação, como ocorreu quando o ex-presidente Mauricio Macri iniciou movimento similar, culminando em um quase default da dívida e no resgate histórico de US$ 57 bilhões por parte do FMI.

Embora haja otimismo sobre as perspectivas de crescimento do país neste ano, que pode chegar a 5%, e para inflação, que deve cair para 26%, segundo estimativas privadas, a incerteza sobre as restrições cambiais afasta investidores estrangeiros, pois a manutenção das regras implica restrições à eventual saída do capital, e dificulta a reconstrução das frágeis reservas internacionais do Banco Central, ainda longe do suficiente para garantir a promessa de Milei de dolarizar a economia. A situação já foi pior, no entanto. Um programa de incentivo à repatriação de recursos de argentinos no exterior trouxe US$ 35 bilhões ao país o que, somado ao superávit comercial, deu mais fôlego aos planos de Milei.

O cenário externo também traz dúvidas. Embora Donald Trump seja um aliado de Milei e possa ajudá-lo nas renegociações do acordo com o FMI - que aplaudiu os resultados da economia em 2024 -, suas promessas de campanha tendem a embaralhar o comércio global e fortalecer o dólar, o que colocaria mais pressão sobre a estratégia cambial da Casa Rosada. As medidas também podem acelerar o enfraquecimento do real, o que teria um impacto direto sobre as receitas de exportação da Argentina, que é importante parceiro comercial do Brasil e concorrente em diversos setores, como o agronegócio.

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