quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

DÉFICIT FISCAL RECORDE É RISCO PARA TRUMP EM NOVO MANDATO

Editorial Valor Econômico

Estimativas sugerem que propostas de cortes de gastos de Trump podem custar até US$ 7,5 trilhões nas próximas décadas

Em pouco menos de uma semana, Donald Trump assumirá a presidência num momento em que os Estados Unidos registram um déficit fiscal recorde para tempos normais. Essa situação das contas públicas americanas em si já é preocupante, só que as promessas de cortes de impostos feitas pelo presidente eleito durante a campanha ameaçam piorar ainda mais o quadro. Em breve, o novo governo e o Congresso americano, controlado pelos republicanos, terão de decidir que nível de déficit consideram adequado, algo que terá impacto em toda a economia mundial. E já há alguma tensão nos mercados por conta do risco de um período prolongado de descontrole fiscal na maior economia do mundo.

O governo federal dos EUA gastou US$ 1,8 trilhão a mais do que arrecadou no ano fiscal de 2024 (encerrado em 30 de setembro), segundo dados do Escritório de Orçamento do Congresso. Esse déficit equivale a cerca de 6,4% do PIB americano, um nível sem precedentes na história do país em tempos de paz e sem emergências (como uma recessão ou uma pandemia). Para cobrir esse rombo, os EUA precisam se endividar. A dívida pública saltou de US$ 26,7 trilhões em novembro de 2023 para US$ 28,8 trilhões em novembro passado. E deve superar US$ 30 trilhões neste ano.

Democratas e republicanos colaboraram para levar o déficit a esse patamar elevadíssimo. No primeiro governo Trump, foram aprovados cortes de impostos sem cortes equivalentes no gasto público. A pandemia de covid-19 gerou um forte e repentino aumento em despesas extraordinárias, que ainda não foi totalmente revisto. Por fim, o governo Joe Biden aprovou pacotes de estímulo à economia e de subsídios a setores estratégicos que catapultaram o déficit ao histórico patamar atual. A isso se acrescenta a pressão demográfica do envelhecimento da população e da aposentadoria da geração “baby boom”.

Agora há a expectativa de uma nova rodada de renúncia fiscal. O presidente eleito prometeu reduzir impostos para as empresas, além de acabar com a taxação sobre gorjetas, horas extras trabalhadas e benefícios da Seguridade Social. Estimativas sugerem que essas propostas podem custar até US$ 7,5 trilhões nas próximas décadas, em relação ao cenário fiscal atual.

Trump não se comprometeu a equilibrar esses cortes com menos gasto público e foi vago em apontar como pretende reduzir as despesas. Sua principal medida foi indicar os empresários Elon Musk e Vivek Ramaswamy para dirigir o novo Departamento de Eficiência Governamental, cuja missão será justamente esta. O objetivo, segundo Musk, é cortar US$ 2 trilhões em despesas, mas não há detalhes de como eles pretendem fazer isso.

A situação fiscal neste ano tende ser um pouco mais confortável que em 2024, devido principalmente ao corte da taxa de juros pelo Federal Reserve, o que vai diminuir as despesas com juros da dívida pública. Por outro lado, o cenário de longo prazo dos EUA é hoje muito pior do que o encontrado por Trump oito anos atrás.

Segundo a mídia americana, os congressistas republicanos ainda não chegaram nem perto de um consenso sobre o quanto vão tolerar de déficit. Uma parte do partido apoia a política de Trump de cortar impostos primeiro e tentar conter gastos mais tarde, o que teria um impacto fiscal importante no curto prazo. Mas há também uma ala fiscalista, que dificilmente aceitará passar um cheque em branco. Isso ficou evidente na polêmica relativa ao financiamento do governo, em dezembro. Apesar dos pedidos de Trump de que o partido só apoiasse um projeto que eliminasse o teto de endividamento do governo, 38 deputados republicanos votaram contra. Eliminar o teto implicaria que Trump poderia propor um nível de déficit mais agressivo. Como os republicanos têm uma maioria de apenas dois deputados na Câmara, a Casa Branca dependerá dessa ala fiscalista para passar qualquer projeto que afete o orçamento público.

Mas cortar gastos é um tema altamente inflamável nos EUA. É quase impossível fazer cortes significativos sem mexer em despesas com saúde e previdência social, o que seria impopular, politicamente difícil e teria oposição barulhenta da minoria democrata no Congresso. Já os republicanos devem se opor a cortes nos benefícios para veteranos de guerra e nos gastos militares. O próprio Trump já sugeriu que o gasto militar deve subir. Assim, sobra pouco onde cortar.

Trump deixou claro que sua prioridade será cortar impostos, e não equilibrar o orçamento, e questões polêmicas costumam avançar no primeiro ano de governo. Deputados ligados ao presidente eleito admitem que o pacote não será equilibrado e que certamente haverá efeito fiscal negativo. A questão é justamente quanto de déficit os republicanos vão tolerar. Nos últimos meses, os mercados vêm dando sinais de preocupação de uma ulterior deterioração fiscal nos EUA. Desde meados de setembro, o prêmio (yield) dos principais títulos da dívida americana está subindo, o que significa uma percepção de aumento no risco do endividamento americano.

No final de 2022, um plano fiscal considerado irresponsável gerou uma forte reação dos mercados e levou à renúncia da então primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss. O plano previa justamente um corte de impostos não compensado por cortes de gastos, o que levaria a uma ampliação do déficit e da dívida pública britânicos. Os EUA não são o Reino Unido e é improvável que ocorra uma aposta contra a política fiscal de Trump. Mas o recado está sendo dado pelos mercados.

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