Estimativas sugerem que propostas de cortes de gastos de
Trump podem custar até US$ 7,5 trilhões nas próximas décadas
Em pouco menos de uma semana, Donald Trump assumirá a
presidência num momento em que os Estados Unidos registram um déficit fiscal
recorde para tempos normais. Essa situação das contas públicas americanas em si
já é preocupante, só que as promessas de cortes de impostos feitas pelo
presidente eleito durante a campanha ameaçam piorar ainda mais o quadro. Em
breve, o novo governo e o Congresso americano, controlado pelos republicanos,
terão de decidir que nível de déficit consideram adequado, algo que terá impacto
em toda a economia mundial. E já há alguma tensão nos mercados por conta do
risco de um período prolongado de descontrole fiscal na maior economia do
mundo.
O governo federal dos EUA gastou US$ 1,8 trilhão a mais do
que arrecadou no ano fiscal de 2024 (encerrado em 30 de setembro), segundo
dados do Escritório de Orçamento do Congresso. Esse déficit equivale a cerca de
6,4% do PIB americano, um nível sem precedentes na história do país em tempos
de paz e sem emergências (como uma recessão ou uma pandemia). Para cobrir esse
rombo, os EUA precisam se endividar. A dívida pública saltou de US$ 26,7
trilhões em novembro de 2023 para US$ 28,8 trilhões em novembro passado. E deve
superar US$ 30 trilhões neste ano.
Democratas e republicanos colaboraram para levar o déficit a
esse patamar elevadíssimo. No primeiro governo Trump, foram aprovados cortes de
impostos sem cortes equivalentes no gasto público. A pandemia de covid-19 gerou
um forte e repentino aumento em despesas extraordinárias, que ainda não foi
totalmente revisto. Por fim, o governo Joe Biden aprovou pacotes de estímulo à
economia e de subsídios a setores estratégicos que catapultaram o déficit ao
histórico patamar atual. A isso se acrescenta a pressão demográfica do
envelhecimento da população e da aposentadoria da geração “baby boom”.
Agora há a expectativa de uma nova rodada de renúncia
fiscal. O presidente eleito prometeu reduzir impostos para as empresas, além de
acabar com a taxação sobre gorjetas, horas extras trabalhadas e benefícios da
Seguridade Social. Estimativas sugerem que essas propostas podem custar até US$
7,5 trilhões nas próximas décadas, em relação ao cenário fiscal atual.
Trump não se comprometeu a equilibrar esses cortes com menos
gasto público e foi vago em apontar como pretende reduzir as despesas. Sua
principal medida foi indicar os empresários Elon Musk e Vivek Ramaswamy para
dirigir o novo Departamento de Eficiência Governamental, cuja missão será
justamente esta. O objetivo, segundo Musk, é cortar US$ 2 trilhões em despesas,
mas não há detalhes de como eles pretendem fazer isso.
A situação fiscal neste ano tende ser um pouco mais
confortável que em 2024, devido principalmente ao corte da taxa de juros pelo
Federal Reserve, o que vai diminuir as despesas com juros da dívida pública.
Por outro lado, o cenário de longo prazo dos EUA é hoje muito pior do que o
encontrado por Trump oito anos atrás.
Segundo a mídia americana, os congressistas republicanos
ainda não chegaram nem perto de um consenso sobre o quanto vão tolerar de
déficit. Uma parte do partido apoia a política de Trump de cortar impostos
primeiro e tentar conter gastos mais tarde, o que teria um impacto fiscal
importante no curto prazo. Mas há também uma ala fiscalista, que dificilmente
aceitará passar um cheque em branco. Isso ficou evidente na polêmica relativa
ao financiamento do governo, em dezembro. Apesar dos pedidos de Trump de que o
partido só apoiasse um projeto que eliminasse o teto de endividamento do
governo, 38 deputados republicanos votaram contra. Eliminar o teto implicaria
que Trump poderia propor um nível de déficit mais agressivo. Como os
republicanos têm uma maioria de apenas dois deputados na Câmara, a Casa Branca
dependerá dessa ala fiscalista para passar qualquer projeto que afete o
orçamento público.
Mas cortar gastos é um tema altamente inflamável nos EUA. É
quase impossível fazer cortes significativos sem mexer em despesas com saúde e
previdência social, o que seria impopular, politicamente difícil e teria
oposição barulhenta da minoria democrata no Congresso. Já os republicanos devem
se opor a cortes nos benefícios para veteranos de guerra e nos gastos
militares. O próprio Trump já sugeriu que o gasto militar deve subir. Assim,
sobra pouco onde cortar.
Trump deixou claro que sua prioridade será cortar impostos,
e não equilibrar o orçamento, e questões polêmicas costumam avançar no primeiro
ano de governo. Deputados ligados ao presidente eleito admitem que o pacote não
será equilibrado e que certamente haverá efeito fiscal negativo. A questão é
justamente quanto de déficit os republicanos vão tolerar. Nos últimos meses, os
mercados vêm dando sinais de preocupação de uma ulterior deterioração fiscal
nos EUA. Desde meados de setembro, o prêmio (yield) dos principais títulos da
dívida americana está subindo, o que significa uma percepção de aumento no
risco do endividamento americano.
No final de 2022, um plano fiscal considerado irresponsável
gerou uma forte reação dos mercados e levou à renúncia da então
primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss. O plano previa justamente um corte
de impostos não compensado por cortes de gastos, o que levaria a uma ampliação
do déficit e da dívida pública britânicos. Os EUA não são o Reino Unido e é
improvável que ocorra uma aposta contra a política fiscal de Trump. Mas o
recado está sendo dado pelos mercados.
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