quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

DISPUTAS JUDICIAIS DE R$ 1 TRI REFLETEM CAOS TRIBUTÁRIO

Editorial Folha de S. Paulo

Ações que ameaçam a arrecadação federal advêm, principalmente, do sistema kafkiano de taxação nos três níveis de governo

Todos os anos o governo federal precisa se defender nas cortes superiores de ações que podem resultar em perdas na casa das centenas de bilhões em arrecadação. Não é diferente neste 2025, em que casos de natureza tributária em análise no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça somam até R$ 1 trilhão, conforme noticiou a Folha.

Autoridades do Executivo cumprem seu papel ao proteger o erário, mas é claro que o setor público nem sempre é inocente nas disputas. O fato é que o sistema brasileiro de impostos é de tal modo caótico, com regras variando entre o intrincado e o absurdo, que estimula interpretações oportunistas de lado a lado, tornando os litígios intermináveis.

A maior fonte de discórdia —e riscos para as finanças públicas e privadas— é, de longe, a tributação do consumo de bens e serviços, que, além de excessiva, está distribuída entre cinco impostos e contribuições sociais nos três níveis de governo. Há PIS, Cofins e IPI, federais; o ICMS, estadual, e o ISS, municipal, com regras variando conforme o local.

Os tipos de questionamento que esse arranjo kafkiano pode suscitar beiram o incompreensível. Está na pauta do Supremo, por exemplo, se o ISS embutido nos preços de produtos integra a base de cálculo do PIS e da Cofins. Trata-se de um desdobramento de uma decisão de quase oito anos atrás, quando o ICMS foi excluído do cálculo das duas contribuições federais.

Embora o entendimento tenha sido firmado há tanto tempo e baseado em lógica que soa elementar, sua aplicação e suas consequências continuam em discussão nos tribunais. No caso do ISS, espera-se vitória dos contribuintes, com impacto de até R$ 35,4 bilhões para o Tesouro —o valor dependerá da extensão e da retroatividade da medida.

Dada a situação ruinosa das contas federais, porém, nem mesmo se pode comemorar um alívio tributário como esse. As receitas do governo, afinal, hoje são insuficientes para bancar os gastos com pessoal, custeio administrativo, programas sociais e investimentos. Qualquer perda impacta as políticas públicas.

Essa insegurança jurídica, de fato, é desastrosa para Estado, empresas, consumidores —toda a sociedade. Dada a magnitude dos valores envolvidos, tribunais tendem a levar em contra outros aspectos, além do jurídico, em suas deliberações.

A esperança de encerrar ou ao menos reduzir esse contencioso funesto reside na reforma tributária, que teve boa parte de sua regulamentação aprovada pelo Congresso no ano passado. No novo sistema, haverá apenas dois tributos principais e similares sobre o consumo, a CBS federal e o IBS regional, mais um imposto seletivo sobre produtos nocivos.

Convém, todavia, não subestimar a propensão de governantes, legisladores e magistrados a criar normas obscuras e interpretações heterodoxas que complicam a vida dos contribuintes.

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