Ações que ameaçam a arrecadação federal advêm,
principalmente, do sistema kafkiano de taxação nos três níveis de governo
Todos os anos o governo federal precisa se defender nas
cortes superiores de ações que podem resultar em perdas na casa das centenas de
bilhões em arrecadação. Não é diferente neste 2025, em que casos de natureza
tributária em análise no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de
Justiça somam
até R$ 1 trilhão, conforme noticiou a Folha.
Autoridades do Executivo cumprem seu papel ao proteger o
erário, mas é claro que o setor público nem sempre é inocente nas disputas. O
fato é que o sistema brasileiro de impostos é de tal modo caótico, com regras
variando entre o intrincado e o absurdo, que estimula interpretações
oportunistas de lado a lado, tornando os litígios intermináveis.
A maior fonte de discórdia —e riscos para as finanças
públicas e privadas— é, de longe, a tributação do consumo de bens e serviços,
que, além de excessiva, está distribuída entre cinco impostos e contribuições
sociais nos três níveis de governo. Há PIS, Cofins e IPI, federais; o ICMS,
estadual, e o ISS, municipal, com regras variando conforme o local.
Os tipos de questionamento que esse arranjo kafkiano pode
suscitar beiram o incompreensível. Está na pauta do Supremo, por exemplo, se o
ISS embutido nos preços de produtos integra a base de cálculo do PIS e da
Cofins. Trata-se de um desdobramento de uma decisão de quase oito anos atrás, quando
o ICMS foi excluído do cálculo das duas contribuições federais.
Embora o entendimento tenha sido firmado há tanto tempo e
baseado em lógica que soa elementar, sua aplicação e suas consequências
continuam em discussão nos tribunais. No caso do ISS, espera-se vitória dos
contribuintes, com impacto de até R$ 35,4 bilhões para o Tesouro —o valor
dependerá da extensão e da retroatividade da medida.
Dada a situação ruinosa das contas federais, porém, nem
mesmo se pode comemorar um alívio tributário como esse. As receitas do governo,
afinal, hoje são insuficientes para bancar os gastos com pessoal, custeio
administrativo, programas sociais e investimentos. Qualquer perda impacta as
políticas públicas.
Essa insegurança jurídica, de fato, é desastrosa para
Estado, empresas, consumidores —toda a sociedade. Dada a magnitude dos valores
envolvidos, tribunais tendem a levar em contra outros aspectos, além do
jurídico, em suas deliberações.
A esperança de encerrar ou ao menos reduzir esse contencioso
funesto reside na reforma tributária, que teve boa parte de sua regulamentação
aprovada pelo Congresso no ano passado. No novo sistema, haverá apenas dois
tributos principais e similares sobre o consumo, a CBS federal e o IBS
regional, mais um imposto seletivo sobre produtos nocivos.
Convém, todavia, não subestimar a propensão de governantes,
legisladores e magistrados a criar normas obscuras e interpretações heterodoxas
que complicam a vida dos contribuintes.
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