É falsa a informação de que Haddad pretende taxar o Pix,
mas o boato só prosperou porque faz sentido, diante da sanha arrecadatória de
um governo que não quer cortar gastos
Fez bem o governo em se empenhar para desmentir a falsa
notícia, que tomou as redes sociais nos últimos dias, segundo a qual as
transações feitas pelo Pix seriam taxadas. Ainda que a coisa em si não tenha
muita importância de fato – afinal, os cidadãos são livres para escolher qual
meio de pagamento querem usar –, é sempre bom combater boatos e desinformação
quando afetam serviços públicos. Dito isso, é preciso notar que um boato só
prospera quando tem um fundo de verdade.
No caso da “taxação do Pix”, o fundo de verdade é a ânsia do
governo de aumentar a receita para fazer frente aos gastos públicos, que não
param de subir. É como diz aquele célebre dito italiano atribuído a Giordano
Bruno: Se non è vero, è molto ben trovato. Ou seja, pode até não ser
verdade (e não é), mas faz todo o sentido, diante de um governo que não se
esforça em cortar as despesas de um Estado balofo que não devolve em serviços
básicos o que os muitos impostos financiam.
O governo, claro, exasperou-se, não tanto pelos efeitos da
desinformação em si, mas porque a boataria ajuda a consolidar a imagem de que é
um insaciável arrecadador. Por isso, a reação foi muito além do desmentido:
como de hábito, os petistas trataram de qualificar como crime de
lesa-democracia tudo o que expõe a verdadeira natureza do governo Lula. Mesmo
uma evidente piada como o agora célebre vídeo, produzido por inteligência
artificial, em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aparece dizendo que
vai cobrar impostos sobre “tudo” – Pix, animais de estimação e fetos – foi
tratada pelo governo como ameaça às instituições democráticas.
Esse boato sobre a “taxação do Pix” vem e volta desde a
campanha eleitoral de 2022. Na época, o então presidente Jair Bolsonaro acusou
o petista de pretender acabar com o meio de pagamento. Agora, também com a
ajuda da família Bolsonaro, a lenda foi atualizada com a taxação do Pix.
A matéria-prima do atual boato foi uma instrução normativa
da Receita Federal que ampliou a fiscalização sobre os pagamentos instantâneos.
A regra obriga operadoras de cartão de crédito e instituições de pagamento a
notificar o Fisco quando houver movimentação mensal, via Pix, superior a R$ 5
mil por pessoas físicas e a R$ 15 mil por pessoas jurídicas, inclusive entre
contas do mesmo titular.
Embora tenha causado certo barulho e revolta nas redes
sociais, não há nada de errado ou mesmo de novo na norma. Em primeiro lugar,
bancos tradicionais públicos e privados e cooperativas de crédito já são
obrigados a fornecer essas informações à Receita. A partir de agora,
maquininhas e fintechs terão de fazer o mesmo. Tampouco se trata de quebra de
sigilo bancário ou fiscal, uma vez que apenas dados como nome, endereço, CPF ou
CNPJ e o número das contas bancárias serão informados ao Fisco.
Não se trata de tributação, mas de mais uma regra que visa a
ampliar a base de dados da Receita e a impedir a sonegação de impostos. Se, com
base nesses dados, o órgão identificar movimentação financeira incompatível com
a renda informada pelo contribuinte, é bem provável que ele cairá na malha fina
e terá de pagar o que deixou de recolher.
O governo deveria ter explicado os efeitos da instrução
normativa ainda em setembro, quando foi publicada, ou no início deste ano,
quando entrou em vigor. Ao não fazer sua parte, criou condições para que o
assunto ganhasse força nas redes sociais.
Foi só então que o governo decidiu agir. E, em vez de
simplesmente esclarecer o assunto, a Secretaria de Comunicação Social, já sob a
direção do marqueteiro Sidônio Palmeira, decidiu fazer disso uma nova disputa
na arena política. Até Lula da Silva foi mobilizado: gravou um vídeo fazendo
uma doação, via Pix, para o Corinthians, a título de contribuir com o pagamento
da dívida do clube pela construção de seu estádio e provar que a transação não
seria taxada.
A instrução normativa, afinal, é apenas mais uma regra que
busca fazer com que contribuintes paguem impostos devidos, o que condiz com a
política defendida por Haddad na área tributária. Não há nada de errado nisso,
como também não há nada de errado com as piadas que caracterizam Haddad como
implacável exator. Ele pode não achar graça, mas agora é tarde.
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