Impactos de medidas de Trump podem moldar
significativamente o cenário econômico global
O ano começa com uma incerteza brutal na economia mundial
com o retorno de Donald Trump à Casa Branca a partir do dia 20. A escolha
geopolítica mais importante de Trump será mesmo como lidar com a China,
concordam analistas. E ele parece não se impor limites para lançar mão de toda
a capacidade da maior potência do mundo para enfraquecer seu grande rival. Isso
terá evidente impacto no comércio, investimentos, acesso a tecnologias
relevantes, entre outros. A pressão sobre parceiros vai crescer em função das relações
com a China, incluindo sobre o Brasil.
O Instituto Internacional de Finanças
(IFF), reunindo as maiores instituições financeiras do mundo, prevê
desaceleração do crescimento global para 2,7%, após 2,9% em 2024 e 3,2% em
2023. Os países emergentes poderiam expandir 3,8% em 2025, abaixo dos 4% em
2024 e 4,3% em 2023. Essas projeções refletem as expectativas em relação às
possíveis políticas do novo governo dos EUA, tanto comerciais como fiscais e de
imigração mais amplas, e riscos geopolíticos mais elevados. Os impactos
previstos podem moldar significativamente o cenário econômico global, se
concretizados.
Para Marcello Estevão, economista-chefe do IIF, o
crescimento mundial será ainda menor se Trump fizer o choque tarifário
exatamente como ameaçado na campanha eleitoral. Aumento de alíquota de
importação de 20% sobre todos os países e especificamente de 60% sobre a China
“seria uma maluquice” e o instituto aposta em algo menor.
O crescimento projetado para a China é de 4,2% para este
ano, ante 4,8% em 2024. Mas diferentes estimativas apontam que a alta tarifária
nos EUA poderia tirar até quase um ponto percentual do crescimento chinês neste
ano e afetar mais a demanda global.
Em recente viagem à China, Estevão conversou com autoridades
e representantes de empresas. Saiu com o sentimento de que a retaliação não é a
preferência dos chineses, mas que eles estão preparados para reagir à guinada
protecionista de Trump.
O governo chinês sinaliza que vai aumentar o peso de medidas
monetárias e fiscais em 2025, para pelo menos manter o crescimento acima de 4%
ao ano. Ou seja, vai gastar mais para impulsionar a demanda interna, levando em
conta que a demanda internacional por produtos chineses também sofrerá.
Há turbulências à vista, mas é preciso ver como será
realmente a economia global depois de 20 de janeiro. Pode ser que os anúncios
de Trump não venham a ser tão brutais quanto ele ameaça. Mas a
imprevisibilidade incomoda, e ainda mais em Pequim, com o Partido Comunista
habituado a trabalhar com um certo grau de estabilidade. O resultado de uma
guerra e, depois, de uma negociação entre Washington e Pequim vai afetar todo
mundo, no entanto algumas regiões poderão se beneficiar com desvio do comércio.
Para a Associação Americana de Produtores de Soja, uma nova
guerra comercial de Trump inicialmente beneficiaria o Brasil e a Argentina com
aumento de exportações e ganhos valiosos de participação no mercado global. As
tarifas chinesas sobre a soja e o milho dos EUA - mas não do Brasil -
incentivariam os agricultores brasileiros a expandir a área de produção ainda
mais rapidamente. Prevê uma queda acentuada nos preços da soja e do milho,
resultando em impacto em cascata nos EUA.
O cenário nesse caso para o Brasil não é - ainda - para
perder o sono, mas também não é para dormir no ponto em relação ao seu
principal parceiro comercial. O desempenho das exportações brasileiras para a
China precisa, de fato, ser monitorado para três produtos (soja, minério de
ferro e petróleo) que representaram 77% das vendas entre janeiro-novembro.
Soja é sobretudo para alimentação animal e não há
perspectiva de redução da demanda chinesa. No caso do petróleo, o Brasil foi em
2024 seu sétimo fornecedor e não há ameaça nessas vendas no curtíssimo prazo,
mas os chineses estão investindo maciçamente na transição energética. E minério
de ferro é uma interrogação; o setor residencial está em crise, e na
infraestrutura os chineses já fizeram muito mais do que resta por fazer.
Por outro lado, não se pode ignorar que o Brasil foi em 2024
o país para o qual a China mais aumentou suas exportações, com alta de 23%, com
o Vietnã em segundo com 18%. O diferencial quase todo nas vendas para o Brasil
é de automóveis chineses eletrificados (+352%) ou híbridos (+263%). Os chineses
desovaram estoques no país, antecipando um eventual aumento da tarifa de
importação de elétricos por Brasília. E certamente vão buscar vender bem mais,
em geral, com os EUA e outros mais fechados.
Bom 2025 a todos.
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