PSDB, surgido em 1988 de uma costela do PMDB, é obra de
pensadores como FH e Giannotti
Depois de ler “Lugar periférico, ideias modernas: aos
intelectuais paulistas as batatas”, eu chorei. Ali se enxerga um país
esfumaçado nas próprias pernas. É aquilo que perdemos. O denso livro de Fabio
Mascaro Querido reconstitui o percurso de personagens seminais do pensamento
brasileiro, digamos, uma das gerações mais brilhantes surgidas no Brasil e, ao
mesmo tempo, incapaz de dominar seu brilhantismo egoísta e vaidoso. Ah, a
soberba.
Para contar a boa história, Querido estabelece o “Seminário
d’O Capital”, em 1958, como um marco histórico. A partir de iniciativa do
filósofo José Arthur Giannotti, se reúnem nomes como Fernando Henrique Cardoso,
Octávio Ianni, Paul Singer, Roberto Schwarz, Michael Löwy e Francisco Weffort,
entre outros, para estudar a obra de Karl Marx. O que propicia o encontro
quinzenal nas tardes de sábado é o ambiente intelectual instado pela
Universidade de São Paulo e sua Faculdade de Filosofia na mítica Rua Maria Antônia.
A USP surge em 1934 como reação das elites paulistas
derrotadas na Revolução Constitucionalista de 1932 pelo governo federal
de Getúlio
Vargas e seu projeto de desenvolvimento. O ditador gaúcho acredita na
indução estatista como motor para o crescimento econômico. Os liberais de São
Paulo defendem a iniciativa privada como ator principal na modernização. O
confronto entre arcaico e moderno vinha já desde o Império, quando a sociedade
se dividira entre a manutenção da escravidão como mão de obra e a
industrialização dos meios de produção. Durante o governo de Dom Pedro II, um
tipo não muito afeito à livre circulação de dinheiro, alguns parlamentares se
horrorizam quando o Banco do
Brasil, sob gestão do barão de Mauá, começou a emprestar a juros
considerados baixos. Aquilo provocaria um mau costume entre a população…
Antes de tudo, os intelectuais estudiosos
de Karl Marx buscavam entender o onipresente atraso brasileiro, os motivos
capazes de explicar a incapacidade de modernização. Por que um país bonito por
natureza se mostrava contundente em sua afeição pelo arcaico, enquanto o
restante do mundo ocidental conseguia aproveitar as chances para criar riqueza
e, em alguns casos, diminuir a desigualdade social? Apesar de o modelo
econômico getulista ter alcançado vários êxitos, baseava-se numa estrutura
econômica limitada, populista e autoritária.
Entre os participantes dos seminários, havia divergências
políticas e, é óbvio, de métodos para enfrentar a realidade. Florestan
Fernandes baseava suas análises a partir da sociologia — a cultura, os hábitos
e até o modo de ser do brasileiro poderiam explicar o comportamento errático
diante das premissas colocadas pelo desenvolvimento. Outros, como FH e mesmo
Giannotti, todos sob a ótica marxista, buscavam respostas na estrutura
econômica, no duelo entre o rural e o urbano, o arcaico da produção e o pensamento
industrial. Schwarz talvez resuma as contradições quando estuda Machado de
Assis e percebe a esquizofrenia entre liberalismo e escravismo. Até a picardia
machadiana é vista como elemento reativo, ou arma, para enfrentar as
incoerências da sociedade brasileira.
Vale lembrar que os integrantes dos seminários, ocorridos em
duas edições, se colocam contra os métodos e análises praticados pelo Partido
Comunista Brasileiro, o Partidão. Veem como ultrapassados seus militantes e
suas estratégias. Não consideram acertado sequer quando elegem parte da
burguesia nacional (sem o capital estrangeiro, por favor) como aliada. Naquele
momento, os comunistas acreditam que os efeitos da industrialização são
necessários para eliminar a desigualdade social. Como sabemos, a coisa deu
ruim, e o Brasil continua desigual.
O golpe militar de 1964 acaba com a festa da esquerda
nacionalista. E compromete a esquerda paulista acadêmica — vários dos
intelectuais, como FH, Weffort, Singer, entre outros, são obrigados a fugir do
país. A ruptura é um choque não apenas pela chegada da ditadura, com a prisão
de centenas de opositores, mas pelo retorno de uma visão
nacional-desenvolvimentista de cepa militar na economia. Isso já é história.
Pode-se dizer que, dos seminários e das visões divergentes
de seus integrantes, resultaram os dois principais partidos da
redemocratização. O PT, a
partir de 1980, terá nomes como Florestan, Weffort e Schwarz entre seus
fundadores. E o PSDB,
surgido em 1988 de uma costela do PMDB, é obra de intelectuais como FH e
Giannotti.
O PSDB, já morto. E o PT, decadente. Foi a soberba, baby.
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