Queda de ponte sobre o Rio Tocantins reacende polêmica em
torno do Dnit, gestor da infraestrutura de transportes terrestres e aquaviários
há anos usado na distribuição política de cargos
O colapso da ponte sobre o Rio Tocantins, um desabamento que
engoliu carros, motos e caminhões, fazendo 17 vítimas, entre mortos e
desaparecidos, na divisa dos Estados do Maranhão e Tocantins, traz à tona uma
questão tão antiga quanto revoltante: a serventia do Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit), que hoje se limita a funcionar como
cabide de apadrinhados políticos em todo o território nacional.
Alvo, há anos, de investigações sistemáticas por denúncias
de corrupção, superfaturamento de obras e outras irregularidades, o
departamento, vinculado ao Ministério dos Transportes, administra um orçamento
bilionário – foram R$ 16,62 bilhões em 2023 e R$ 14,72 bilhões em 2024, para
citar apenas os últimos dois anos – para gerir a política de infraestrutura de
transportes terrestres e aquaviários. Ou seja, contrata obras e serviços de
manutenção de estradas (com suas pontes, viadutos e túneis), ferrovias, portos
e vias navegáveis.
Conta com superintendências em cada Estado para atender todo
o País e é justamente essa capilaridade, aliada ao orçamento do órgão, a
principal fonte de atração numa disputa suprapartidária. Somente a formação da
diretoria do Dnit já dá a dimensão da quantidade de cargos disponíveis no
departamento. O colegiado é formado por sete membros, e cada um deles comanda
uma diretoria específica que reúne entre 6 e – pasmem – 27 outros integrantes.
A queda do vão central da sexagenária ponte entre
Aguiarnópolis (TO) e Estreito (MA) reúne elementos que sugerem má conservação.
E o pior, o estado precário da via, com trânsito intenso e pesado de veículos
de carga, foi denunciado inúmeras vezes por moradores e políticos. O próprio
Dnit atestou a precariedade da ponte em 2019, dando a ela nota 2, numa escala
de 1 a 5, sendo 1 o estado mais crítico. Depois da ruptura, o órgão informou
que a licitação que havia lançado para a manutenção fracassou.
Não é desculpa para o gritante descaso, ainda mais quando se
trata de uma usina de problemas como se apresenta há anos o Dnit. A autarquia
foi criada em 2001 para reestruturar o sistema de transportes, substituindo o
antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (Dner), de igual má fama.
Como não basta trocar o nome para extinguir o imbróglio – embora seja este um
expediente comum no País –, não demoraram a aparecer novas denúncias.
Em 2011, depois de assumir pela primeira vez a Presidência,
Dilma Rousseff anunciou uma “faxina completa” no Dnit, após denúncias de
superfaturamento em licitações. Afastou diretores e, para deixar claro a adoção
de uma “linha dura”, nomeou oficiais do Exército para cargos de direção, numa
aparente contradição da gestão petista. Reportagem do Estadão da
época reproduziu um diálogo de Dilma com o então recém-empossado ministro dos
Transportes, Paulo Sérgio Passos: “Paulo Sérgio, você tem de fazer uma ‘limpa’
nesse ministério e no Dnit. Todo dia a gente abre o jornal e tem uma crise. Não
tem cabimento isso! Eu não quero mais saber de denúncia contra A, B ou C. Tem
de tirar todo mundo de lá!”.
Pelo andar da carruagem, a faxina promovida por Dilma deve
ter apenas varrido a sujeira para debaixo do tapete, como diz a expressão
popular. O problema continuou ali, como um painel permanente do custo do
loteamento político de cargos em órgãos de controle. Uma barganha, diga-se,
feita às claras, como se fosse o expediente mais natural do exercício do poder
político.
No governo de Jair Bolsonaro, o Dnit foi alvo de
investigações da Operação Rolo Compressor, por desvio de recursos. Em novembro
passado, a Fase 2 da operação, conduzida por CGU, Polícia Federal, Receita e
Ministério Público Federal, relatou denúncias em obras que somam R$ 693,8
milhões no Paraná. Em janeiro de 2023, início do terceiro mandato de Lula da
Silva, o governo informou que ouviria as bancadas estaduais na Câmara para
definir os superintendentes regionais do Dnit. As imagens da ruptura da ponte
do Rio Tocantins estão aí para confirmar, da forma mais cruel, quem acaba
pagando a conta de tanta permuta política.
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