Colecionando erros, o Estado passou mais um ano
desperdiçando chance de se afirmar como tal, tanto para bandidos da esquina
como para organizações criminosas, cada vez mais audazes
A segurança pública foi muito maltratada por governadores de
Estado, por deputados e senadores e pelo governo federal por força de seus
interesses político-eleitorais. Antes tivesse havido apenas estagnação nessa
seara ao longo de 2024. Em alguns casos, o País andou para trás. O voluntarismo
e o populismo penal preponderaram sobre a formulação de políticas públicas
baseadas em evidências. É lastimável que uma área da administração pública tão
fundamental tenha sido subjugada pela pequenez dos falsos estadistas, incapazes
de enxergar um palmo além da próxima eleição.
A começar por São Paulo, em tese o Estado com as polícias
mais bem preparadas e equipadas do País, o que se viu foi a continuidade de uma
política de confronto aberto com supostos criminosos que só produziu um banho
de sangue como há alguns anos não era registrado aqui – e ainda sob
circunstâncias para lá de obscuras. Como se isso não fosse terrível o bastante,
a truculência dos maus policiais não levou ao aumento da sensação de segurança
entre os paulistas – ao contrário, como constataram recentes pesquisas de
opinião.
O governador Tarcísio de Freitas sabe que sua política de
segurança está errada, a ponto de admitir as falhas operacionais e discursivas
de seu governo em público. O principal, porém, Tarcísio continua devendo à
sociedade paulista: a demissão imediata do secretário Guilherme Derrite, a
personificação da ala truculenta da Polícia Militar de São Paulo. O atual
secretário de Segurança Pública não serve à pasta nem aos paulistas; ele se
serve do cargo na expectativa de auferir eventuais ganhos políticos em 2026,
quando pretende se candidatar, segundo consta, a algum cargo majoritário. O
resultado da inexplicável condescendência de Tarcísio com seu péssimo auxiliar
fala por si só.
No Congresso, a paixão pelo atraso deu o tom dos trabalhos.
Da facilitação para a compra de armas de fogo, como se viu na regulamentação da
reforma tributária, até a criação de um cadastro nacional de condenados por
crimes sexuais em primeira instância, que fez letra morta do princípio
constitucional da presunção de inocência, viu-se de tudo, menos a discussão de
políticas públicas de segurança racionais e mensuráveis, as únicas capazes de
garantir a paz dos cidadãos de forma duradoura. Mas quem, afinal, haverá de
pensar em soluções concretas para o problema da violência, sobretudo nas
grandes cidades do País, quando as eleições de 2026 já batem à porta e o mais
importante, ao que parece, é explorar a indignação de boa parcela da sociedade
com a falência do Estado no combate ao crime?
No âmbito do governo federal, por sua vez, o cenário não foi
mais auspicioso. O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo
Lewandowski, até tentou mostrar iniciativa, mas sempre no sentido de transmitir
a ideia de movimento em uma área na qual nem o governo nem o PT têm o que
mostrar. Deu no que deu, ou seja, em nada. Aí está o fiasco da articulação com
os governos estaduais para inserir na Constituição o Sistema Único de Segurança
Pública, medida de resto desnecessária, e da canhestra tentativa do presidente
Lula da Silva de afetar poder de mando por meio de um decreto determinando
regras para o uso progressivo da força pelas polícias, pegando a todos de
surpresa na antevéspera do Natal. Não é assim que se faz uma política pública
séria.
Embora menos loquaz do que Flávio Dino, seu antecessor no
Ministério, Lewandowski também sucumbiu ao viés paternalista de Lula e da
esquerda em geral. Para os ditos progressistas, o combate ao crime deve ser
tratado sob a ótica da luta entre “opressores” e “oprimidos”, uma bela retórica
para escamotear a incompetência.
E assim, colecionando erros nos Três Poderes – porque não se
pode esquecer da incontinência do Supremo Tribunal Federal em legislar sobre
segurança quando lhe dá na veneta –, o Estado brasileiro passou um ano
desperdiçando oportunidades de se afirmar como tal, tanto para os bandidos da
esquina como para as organizações criminosas, cada vez mais audazes e
tentaculares.
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