Empolgação com a nova era Trump e iminência de julgamento
do ex-presidente brasileiro aceleram procura por herdeiro do espólio
bolsonarista e reduzem poder de influência do capitão
As eleições municipais já foram um ensaio geral de como a
direita e mesmo a extrema direita entenderam que, cedo ou tarde, terão de
construir um caminho sem Jair Bolsonaro, enrolado até o pescoço com a Justiça.
A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos e sua volta ao poder com ares de
quem pode tudo, colocando suas promessas mais radicais num acelerador de
partículas, parece ter aguçado por aqui a pressa em definir o futuro.
O patético choro do capitão no aeroporto ao não poder
embarcar e ficar de fora da posse de Trump é uma imagem emblemática desse
momento, e seu afã em continuar aparentando que está no jogo, com o factoide de
que poderia assumir a Casa Civil num eventual governo da mulher, Michelle, é a
prova de que ele mesmo percebeu que o chão começa a lhe faltar debaixo dos pés.
Ninguém, da esquerda à direita, acha que o julgamento de
Bolsonaro e de seus ex-colaboradores pela acusação de tentativa de golpe de
Estado passa deste ano. Portanto, à já aprovada inelegibilidade, pode se somar
uma condenação criminal — ainda que não vá preso, sofrerá um desgaste brutal.
Também não se encontra quem, fora da necessidade de
publicamente ainda prestar alguma solidariedade ao ex-presidente, aposte em
reversão de sua inabilitação para disputar eleições ou em anistia para qualquer
um dos crimes a que responde.
O que varia é a avaliação de que peso ele
terá na definição do candidato da direita que disputará a Presidência em 2026 e
dos palanques desse campo político para os governos. Na escolha dos candidatos
ao Senado, sua grande obsessão, ninguém duvida que ele terá voz.
O fato de alguém que só existe na política graças a
Bolsonaro, como é o caso do dublê de senador e astronauta Marcos Pontes, ousar
dar estocadas no criador mostra que mesmo aquele temor reverencial de que se
indispor com ele seria assinar a sentença de morte política já não está em
vigor. Serve de encorajamento até para outros peixes mais graúdos do aquário
bolsonarista, que até aqui têm sido tímidos em ousar desagradar ao
ex-todo-poderoso.
O aparecimento barulhento de Pablo Marçal em 2024 também foi
prenúncio de que ainda existe um mercado para aquela categoria de nomes da
negação da política entre os eleitores órfãos do capitão. Razão pela qual o
cantor Gusttavo Lima, cada vez mais enrolado em investigações diversas, lança o
balão de ensaio de que disputará o Planalto para desviar o foco e mudar de
assunto — e funciona, o que é pior.
A definição do nome da direita na chapa de 26 dependerá de
uma lista de fatores que antecedem a vontade de Bolsonaro e a superam em peso,
a começar, obviamente, pela situação em que estará o governo Lula e pela
percepção do eleitorado a respeito do pêndulo da política, que foi para a
direita em 2018 e, em reação aos desmandos de Bolsonaro, voltou para a esquerda
quatro anos depois.
Nas primeiras semanas do ano, aliados fiéis ao presidente
não demonstram total certeza de que ele disputará o quarto mandato. Também essa
decisão, concordam, dependerá de uma dose mais ou menos segura, por parte dele,
de que vencerá, porque um político com a trajetória única de Lula, que foi do
inferno ao céu em tantas reviravoltas e encarnações, não vai querer encerrar a
carreira com uma derrota.
Com ele, a definição do adversário será uma; sem ele, outra.
Nas duas circunstâncias, no entanto, parece a cada dia menor o poder de
Bolsonaro de conduzir sozinho o processo.
Esse cenário, por si só, deveria levar o governo a focar
cada vez menos na figura do ex-presidente e mais em entender para onde soprará
o vento no mundo e no continente a partir da realidade de um Trump com pressa
de colocar em prática uma política que pode ter imensas consequências para o
Brasil, inclusive inspirar a extrema direita a planejar a volta ao poder sem
ligar a mínima para se Bolsonaro estará solto ou preso.
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