quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

RUMORES SOBRE O OCASO DA DEMOCRACIA SÃO EXAGERADOS

Editorial Folha de S. Paulo

Vitórias com as de Trump e Putin elevam percepção de avanço do autoritarismo, mas liberdade política ainda mostra força

Mais de 70 países, nos quais reside a metade da população do planeta, realizaram pleitos nacionais para definir o poder central em 2024. O simples fato de haver tanta gente indo às urnas sinaliza, parafraseando Mark Twain, que os rumores sobre o ocaso da democracia são exagerados.

A título de comparação, em 1970, pelos critérios do V-Dem, 53% das nações do globo eram autocracias fechadas (ditaduras plenas). As democracias liberais e democracias eleitorais não passavam de 24%. Já em 2023, apenas 19% dos países eram autocracias fechadas, e as democracias liberais ou eleitorais somavam 51%.

Reconhecer o enorme avanço não implica fechar os olhos para ameaças, que existem e vivem um período de alta. A sensação que se tem ao analisar os resultados dos pleitos de 2024 é a de que o autoritarismo avançou.

O principal motivo dessa percepção é a sólida vitória de Donald Trump. Dos anos 90 até a primeira década deste século, os EUA foram o país que mais propugnou pela expansão da democracia em escala global. É preocupante vê-los sob a liderança de um presidente que não tem o menor compromisso com a democracia, nem interna nem externamente, e desconfia-se mesmo de que poderá voltar a golpeá-la, como fez em janeiro de 2021.

Outras vitórias que contribuem para a percepção negativa foram as de Vladimir Putin na Rússia e a de Nayib Bukele em El Salvador, que vai ganhando imitadores no continente. A Venezuela poderia entrar nessa lista, mas nesse caso de eleição fraudada não se pode responsabilizar o eleitor.

Na Europa ocidental, a extrema direita obtém avanços importantes, mas não venceu o principal pleito que disputou —as legislativas antecipadas na França.

Em muitas situações, há nuances a considerar. Na Índia, por exemplo, o líder com tendências autoritárias, Narendra Modiconseguiu obter seu terceiro mandato consecutivo, mas viu sua maioria emagrecer. Terá agora de fazer um governo de coalizão. O autoritarismo avançou (novo mandato) ou recuou (maioria mais magra)?

A situação perder para a oposição, com alternância entre grupos mais à esquerda e mais à direita, é a essência da democracia. Há motivo para preocupação só quando vitoriosos ou derrotados passam a atuar explicitamente contra as instituições ou tentam moldá-las para atender a seus interesses particulares.

Isso tem acontecido com mais frequência. Contudo, ao fim e ao cabo, não foram tantas as nações que deixaram de ser democracias nos últimos anos.

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