sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

EM INFLEXÃO, LULA AJUSTA DISCURSO ÀS PESQUISAS

Andrea Jubé, Valor Econômico

Em entrevista, presidente constrói novo discurso sobre o combate à violência

“É importante colocar os bandidos na cadeia”, exortou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nessa quinta-feira, em entrevista ao programa “Balanço Geral Litoral”, da TV Record, especializado em casos policiais. Não parecia o mesmo presidente, que raramente aborda temas como violência e criminalidade em suas falas.

Era o mesmo mandatário petista, porém, envergando um novo figurino, mais apropriado ao choque de realidade causado pelas recentes pesquisas de opinião que identificaram uma queda expressiva e inédita na avaliação do governo.

No mesmo programa de TV, ao estilo “Cidade Alerta”, Lula afirmou que o governo quer fazer uma “revolução” na segurança pública, e criticou governadores - em um recado velado ao governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) - que se opõem à proposta do governo federal de ampliar as atribuições da Polícia Federal (PF) e de modernizar a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

O objetivo é que as instituições possam atuar conjuntamente, em situações previstas em lei, com as polícias civil e militar, e ainda, com as guardas municipais, no âmbito do Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Em apertada síntese, é o que diz a emenda constitucional (PEC) da Segurança Pública, que o governo deve enviar ao Congresso depois do Carnaval.

Falando ao eleitor paulista, Lula citou exemplo dessa integração das polícias, no município de Votuporanga (SP), em que a PF e a polícia militar, juntas, apreenderam 1 mil toneladas de maconha. “A gente vai ter o dobro de força contra o crime organizado”, defendeu, pedindo ao Congresso a aprovação do texto.

A inflexão lulista não tem mistério. Explica-se pelo susto que o presidente, auxiliares e aliados tomaram com a recente rodada de pesquisas, em que os principais institutos de opinião revelaram os altos índices de reprovação do governo. Um dos dados que mais surpreendeu os governistas foi a pesquisa Quaest, demonstrando que a rejeição a Lula ultrapassa os 60% nos três maiores colégios eleitorais, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em São Paulo, onde o PT encolheu e a oposição é hegemônica, a desaprovação a Lula chegou a 69%.

Rodada do Datafolha de janeiro, mostrou que 21% consideravam, espontaneamente, a saúde o principal problema do país, seguida da segurança pública (12%). Tradicionalmente identificada como uma agenda da direita, e uma das principais bandeiras do ex-presidente Jair Bolsonaro, a segurança pública sempre foi uma área onde a esquerda perdeu de goleada.

Desde o início do governo, Lula era aconselhado a evitar a pauta, ao argumento de que era atribuição dos governadores, e manter distância do tema poderia blindá-lo dos problemas. Nos últimos anos, entretanto, a percepção entre a população de escalada da violência, com assaltantes tirando a vida de cidadãos para roubar celulares, sobrepõe-se a índices que, eventualmente, indicam redução no número de homicídios.

Face a essa realidade, Lula adotou nova postura diante do tema e discursou, nessa quinta-feira, como se tivesse despertado de uma hibernação. “Todo mundo sabe que em todos os Estados da federação a segurança pública é um problema, todo mundo nesse país está preocupado com a violência, com o roubo de celular, com o roubo de carro, com o genocídio [Sic], com o feminicídio”, afirmou. As declarações foram feitas em Santos (SP), durante o evento de lançamento do edital para a construção do túnel que ligará o município ao Guarujá, obra em parceria dos governo federal e paulista.

Assistiam Lula, na primeira fila, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), Geraldo Alckmin. O primeiro é potencial adversário de Lula na eleição de 2026. Já Alckmin tem se projetado como o quadro mais competitivo da esquerda na corrida ao Palácio dos Bandeirantes.

O palco escolhido para a inflexão do discurso de Lula sobre segurança foi estratégico: a Baixada Santista, um dos redutos de maior violência no Estado, dominado por facções criminosas. No começo de 2024, o local foi alvo da Operação Verão, da Secretaria de Segurança de São Paulo, que culminou em 56 mortes em confrontos com a polícia, além de 1.025 presos, e 2,6 toneladas de drogas apreendidas. Foi encerrada depois que oito policiais militares efetuaram 188 tiros de fuzil contra três suspeitos. Pesquisas internas mostraram que parcela expressiva dos paulistas aprovou a ação policial, a despeito das críticas de excesso do uso de violência da parte do Estado.

Antes dessa quinta-feira, que emerge como um divisor de águas na retórica de Lula sobre segurança, o governo era alvo de críticas de aliados pelo silêncio e letargia em torno da agenda. Até então, a principal iniciativa havia partido do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, autor da PEC da Segurança Pública, que enfrentava resistências até mesmo no governo, e dormitou, por meses, nos escaninhos da Casa Civil.

Nos últimos meses, entretanto, Lewandowski saiu em campo em busca do apoio dos governadores, que temem interferência do governo federal nas polícias civil e militar. O ministro ouviu críticas, fez mudanças e construiu o texto mais redondo possível, que seguirá ao Congresso. De alvo de desdém inicial, a PEC de Lewandowski agora virou trunfo de Lula.

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REJEIÇÃO DE LULA ALAVANCA CANDIDATURA DE TARCÍSIO

Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense

A avaliação do governo Lula contrasta fortemente com a dos governadores pesquisados pela Genial/Quaest, que estão com 60% de aprovação, em média

Engana-se quem vê o ex-presidente Jair Bolsonaro como a sombra que ofusca o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O maior concorrente do petista é o Lula do segundo mandato. Esse é o preço de uma campanha eleitoral para voltar ao poder sem um programa de metas de acordo com a nova realidade e calcado no resgate de sua gestão anterior. A "reconstrução" do slogan do governo, em tese, uma crítica ao desmonte das políticas sociais pelo governo Bolsonaro, tem como mensagem subliminar exatamente isso, a volta ao passado de 2010, o que é impossível 15 anos depois.

Lula está na situação do Príncipe que já não pode contar com a Fortuna, um contexto histórico favorável, e depende apenas de suas próprias virtudes para se manter no poder, como diria o velho e indispensável Nicolau Maquiavel. A conjuntura é completamente adversa, esgotou-se a possibilidade de navegar num ambiente econômico de expansão da globalização e de mudanças demográficas favoráveis (a ampliação do número de pessoas com renda própria nas famílias). Mas ainda há a soberba reinante na "jaula de cristal" do Palácio do Planalto: "Tem gente que só vem aqui para nos ensinar a governar".

A avaliação do governo Lula, que está com rejeição de 41% e 24%, de aprovação (Datafolha), contrasta fortemente com a dos governadores dos estados pesquisados pela Genial/Quaest, entre 19 e 23 de fevereiro, que estão com 60% de aprovação, em média. Alguns deles são candidatos declarados às eleições presidenciais de 2026. Casos do governador de Minas, Romeu Zema (Novo); de Goiás, Ronaldo Caiado (União); e do Paraná, Ratinho Junior (PSD), todos em segundo mandato. Eduardo Leite (PSDB) perdeu o bonde e deve se candidatar ao Senado.

Caiado obteve os melhores números da pesquisa. Seu governo é aprovado por 86% dos entrevistados, enquanto apenas 9% desaprovam sua gestão. Mais antigo adversário de Lula nas eleições de 2026, pois também concorreu à Presidência em 1989, a candidatura de Caiado é irreversível. Com o agronegócio, do qual o governador goiano é um líder histórico, seu estado se tornou um eixo dinâmico da nossa economia do sertão. Caiado tem 74% de avaliações positivas, contra 17% de regulares e 4% de negativas.

No Paraná, Ratinho Júnior também tem ampla aceitação, com 81% de aprovação e apenas 14% de rejeição. Na avaliação qualitativa de desempenho, ele aparece com 65% de avaliações positivas, 24% de regulares e 6% de negativas. É candidato à Presidência pelo PSD, apesar das resistências do seu chefe político, Gilberto Kassab, que lhe promete a legenda, mas não o apoio unificado do partido.

Virado à paulista

Zema é outro adversário de Lula em 2026. No segundo colégio eleitoral do país, aparece com 62% de aprovação. A desaprovação está em 30%. Na avaliação qualitativa, ele apresenta um quadro semelhante, com 41% de avaliações positivas, 37% regulares e 14% negativas. Apesar de estar no segundo mandato, o governador mineiro manteve um perfil de candidato antissistema, com narrativas disruptivas em relação à política tradicional. Veste o figurino do mineiro do interior, que tem como maior sofisticação a simplicidade nata e carrega nos diminutivos.

Mas o fantasma que ronda o Palácio do Planalto é a candidatura de Tarcísio de Freitas, que tem 61% de aprovação. A desaprovação do governador paulista é de apenas 28%. Na avaliação qualitativa, Tarcísio tem 41% de avaliações positivas, 34% de regulares e 14% de negativas. Seu chefe da Casa Civil, Kassab, defende sua candidatura à reeleição ao Palácio dos Bandeirantes, mas as pressões da elite paulista, principalmente do agronegócio e do mercado financeiro, a chamada Faria Lima, é para que concorra à Presidência. A queda de popularidade de Lula alavanca essa candidatura. Se Lula não concorrer à reeleição, a pressão aí será irresistível.

Nesta quinta-feira, Lula e Tarcísio estiveram juntos no lançamento da obra do túnel submerso Santos-Guarujá e trocaram elogios recíprocos à convivência administrativa. Alguns fatores levam Tarcísio a priorizar a reeleição ao governo paulista: a possibilidade de vencer já no primeiro turno, um governo com recursos bilionários para investimentos no seu segundo mandato e o risco de cair do cavalo, como ocorreu com outros governadores paulistas: Orestes Quércia (MDB), José Serra e Geraldo Alckmin (PSDB). O caso de João Doria (PSDB) é um ponto fora da curva; remover sua candidatura foi um surto suicida dos tucanos paulistas.

Nada disso, porém, é o verdadeiro obstáculo à candidatura de Tarcísio. O que realmente a impede é a dificuldade de remover os demais concorrentes e unificar o centro político contra Lula. Nesse cenário de dispersão, o ex-presidente Jair Bolsonaro pode levar seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, ao segundo turno. Por essa razão, as forças que apoiaram a reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB) trabalham para reproduzir seu arco de alianças em níveis nacional e regional. Como? Com Nunes candidato ao Palácio dos Bandeirantes e a entrega da prefeitura ao vice, coronel da Polícia Militar paulista Mello Araujo, homem de Bolsonaro. Eduardo Bolsonaro seria candidato ao Senado e Tarcísio disputaria a Presidência com apoio de Bolsonaro.

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VOO ELEITORAL DE TARCÍSIO DEPENDE DE BOLSONARO

César Felício, Valor Econômico

Assim como governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), o de São Paulo tem sua avaliação de governo contaminada pela polarização nacional

Apenas o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), têm sua avaliação de governo contaminada pela polarização nacional, segundo pesquisas Genial/Quaest realizada nos oito maiores colégios eleitorais do país. Nos demais seis Estados, não há uma vinculação entre o lulismo ou o bolsonarismo em relação ao quadro local.

O indicativo é um sinal importante para calcular a estratégia de Tarcísio em relação às eleições de 2026. Seja em uma eventual disputa presidencial como em uma nova candidatura à reeleição, ele não tem como se desvencilhar do bolsonarismo.

A pesquisa Quaest mostra que entre bolsonaristas, Tarcísio tem 61% de avaliações positivas e apenas 7% de negativas. Já entre lulistas há um empate na margem de erro. O governador é bem avaliado por 28% dos eleitores do atual presidente em 2022 e rejeitado por 23% deles.

Essa mesma distinção não se percebe com tanta força entre os outros governadores mencionados como potenciais presidenciáveis. Ronaldo Caiado (União Brasil) é quase uma unanimidade em Goiás, com índices de avaliação positiva jamais inferiores a 70%, independentemente da categoria. Ratinho Júnior (PSD) repete o desempenho no Paraná, em um patamar de 60%.

Romeu Zema (Novo) fica no meio do caminho entre a polarização nacional e a ampla hegemonia local. Ele é aprovado por 54% dos bolsonaristas e entre os lulistas prevalece com uma vantagem consideravelmente maior do que a obtida por Tarcísio: é avaliado de forma positiva por 34% dos eleitores do atual presidente em 2022 e visto de forma negativa por 20% deles.

Esses dados indicam que para Caiado, Zema e Ratinho Júnior é mais fácil construir uma candidatura presidencial distante de Bolsonaro do que para o governador paulista.

O caso de Eduardo Leite (PSDB) no Rio Grande do Sul é menos claro. Leite é um governador popular, no mesmo patamar de aceitação local de Tarcísio e Zema (62%), mas com uma taxa de desaprovação maior (33%). O tucano gaúcho é melhor aceito pelos lulistas (50% a 12%, entre avaliações positiva e negativa), do que pelos bolsonaristas (31% a 20%).

Sem a possibilidade de concorrer novamente à reeleição e fora de qualquer cogitação presidencial, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), é também o único impopular do grupo dos oito pesquisados. Ele tem 48% de desaprovação e 31% de avaliação negativa, ao passo que sua aprovação é de 42% e sua avaliação positiva, 24%. Castro vai pior nas faixas de mais alta renda, com ensino superior e entre lulistas. Se sai melhor entre evangélicos e bolsonaristas, mas ainda assim não consegue vencer a avaliação negativa em nenhuma das categorias pesquisadas. O quadro de impopularidade diminui o passe de Castro nas articulações eleitorais de 2026.

Jerônimo Rodrigues (PT) na Bahia e Raquel Lyra (PSDB, indo para o PSD) em Pernambuco são bem avaliados, mas ambos contam com obstáculos no caminho para a reeleição em 2026. Nos dois casos, a oposição local tem nomes fortes.

Paes lidera disputa para governo do Rio em 2026; Flávio Bolsonaro aparece em segundo lugar. O prefeito de Recife, João Campos (PSB), venceria Raquel Lyra, em Pernambuco, com ampla margem em 2026.

O levantamento mostra ainda ACM Neto (União Brasil) liderando por pequena margem na Bahia.

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AO DEFENDER GOLPISTAS, TARCÍSIO MOSTRA QUE É REFÉM DE BOLSONARO

Bernardo Mello Franco, O Globo

Por apoio em 2026, governador briga com fatos e tenta desacreditar denúncia da PGR

A Procuradoria-Geral da República denunciou a quadrilha que tentou destruir a democracia brasileira para permanecer no poder sem votos. Questionado sobre o tema, Tarcísio de Freitas atacou os investigadores e saiu em defesa dos golpistas.

O governador de São Paulo seguiu a cartilha dos acusados. Em entrevista na terça-feira, desqualificou as conclusões do Ministério Público e descreveu a denúncia como “forçação de barra” e “revanchismo”.

Dias antes, ele já havia ido às redes para se solidarizar com o capitão. “Jair Bolsonaro jamais compactuou com qualquer movimento que visasse à desconstrução do estado democrático de direito. Estamos juntos, presidente”, derramou-se.

Tarcísio sabe que o Supremo já recebeu um caminhão de provas contra os golpistas. Ao brigar com os fatos, escancara sua condição de refém de Bolsonaro. Ele pilota o estado mais rico do país, mas continua subordinado ao padrinho político. Precisa jurar fidelidade irrestrita para não ser carimbado com a pecha de traidor.

Embora desconverse em público, Tarcísio ambiciona concorrer ao Planalto em 2026. O plano depende do aval do ex-presidente, que ainda resiste a admitir que não estará na disputa. Ao dizer o que tem dito, o governador sugere uma troca: se for lançado candidato, defenderá a impunidade dos golpistas. A começar pelo chefe da tropa.

Ontem Tarcísio e Lula dividiram palanque no lançamento do edital para a construção do túnel entre Santos e Guarujá. Os dois trocaram palavras amistosas, mas o ato foi marcado pelo constrangimento.

O governador teve que ouvir discursos contra o extremismo e em defesa da democracia. O vice-presidente Geraldo Alckmin lembrou fatos narrados na denúncia que ele tentou desacreditar. “Enquanto alguns maquinavam o assassinato de adversários, o presidente Lula promove o diálogo”, provocou.

Diante de uma plateia inflamada, que entoou diversas vezes o coro de “Sem anistia”, Tarcísio preferiu não tocar no assunto.

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É MUITO CEDO PARA SUBIR NO PALANQUE

Vera Magalhães, O Globo

Lula e ministros usam evento institucional para polarização com Tarcísio em momento desfavorável para o petista nas pesquisas

Lula deveria ser o último a querer subir tão cedo no palanque de 2026, mas o vício do cachimbo entorta a boca, e parece que, quanto mais as pesquisas se deterioram, mais o presidente parece ansioso para mostrar que ainda é “o cara”. O resultado, no entanto, tem sido o oposto.

A transformação do evento de assinatura do edital de construção do túnel imerso que ligará Santos ao Guarujá — obra que a Baixada Santista espera há cem anos — poderia ser um ótimo exemplo de relação republicana entre União e governo de São Paulo, funcionando como saudável contraponto à absoluta falta de institucionalidade com que Jair Bolsonaro tratava governadores de oposição.

Essa, inclusive, foi a forma inteligente com que Lula agiu noutros eventos com Tarcísio. O presidente também acertou o tom ao denunciar ocasiões em que outros bolsonaristas, como Romeu Zema ou Cláudio Castro, deixaram de comparecer a eventos com o governo federal por questões político-partidárias.

Mas nesta quinta-feira o script desandou. Ao fazerem questão de constranger Tarcísio com menções explícitas ou veladas à denúncia contra Jair Bolsonaro, Lula e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, trataram de marcar um “x” na testa do governador, reconhecendo que ele pode ser o adversário do petista em 2026. Que vantagem levam com isso?

Manter viva a polarização tem sido o tal vício pelo cachimbo para Lula desde que assumiu. Pode ser eficaz quando as pesquisas são favoráveis, e quando o outro lado está em baixa, como nos meses subsequentes ao 8 de Janeiro. Mas, mesmo diante da gravíssima denúncia contra Bolsonaro e da enorme probabilidade de que ele seja condenado e preso, os levantamentos de avaliação de governo são favoráveis aos nomes de oposição, como o próprio Tarcísio e outros que pensam em se aventurar na disputa no ano que vem.

Armar o palanque antes de saber com quem poderá contar, e com os números trazendo notícias perturbadoras para si em todos as regiões, estratos de renda e escolaridade, é uma atitude temerária. O presidente chamou Tarcísio para uma espécie de duelo numa cidade francamente bolsonarista, no dia em que a pesquisa Quaest apontou que o afilhado de Bolsonaro é aprovado por 61% do estado e rejeitado por 28%.

Na véspera, o mesmo instituto apontara 69% de rejeição para o petista entre os paulistas, ante apoio de 29%. Tarcísio obteve pouco mais de 56% dos votos válidos em Santos em 2022, percentual idêntico ao de Bolsonaro. Lula, pouco menos de 44%. No Guarujá os índices foram semelhantes, assim como em toda a Baixada Santista.

Ao lotar o evento que deveria ser institucional com uma claque que vaiou Tarcísio e entoou o grito de “sem anistia”, o presidente acredita que estava medindo forças com o governador e levando a melhor? Como seria a reação do público se o palanque fosse montado numa das cidades que serão interligadas pelo túnel, sem triagem prévia.

Mais: no palanque precoce estavam nomes como Silvio Costa Filho, cotado para a Articulação Política, e o presidente da Câmara, Hugo Motta, ambos do partido de Tarcísio, que Lula deveria procurar fidelizar a seu time com mais sutileza, sem tanto constrangimento público.

Ao atiçar Tarcísio para uma disputa que ele ainda hesita em topar, o presidente ajuda a oposição, que quer se desvencilhar do embargo que Bolsonaro impõe à própria sucessão. Uma direita dividida e interditada por um Bolsonaro desesperado é um dos poucos trunfos de que Lula dispõe num momento em que, de Norte a Sul, sua gestão não engrena nem consegue convencer o eleitor.

Com esse tipo de erro primário, Lula, que sempre foi reconhecido como um arguto animal político, dá sinais de cansaço e de falta de foco para buscar a recuperação de que necessita para chegar viável a 2026.

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ESTRELA E COADJUVANTE NA TENTATIVA DE GOLPE

Artigo de Fernando Gabeira

O processo sobre a tentativa de golpe deve ser julgado em setembro. Até lá, o debate entre juristas pode esclarecer alguns pontos. No entanto, existem certos aspectos que permanecem um pouco nebulosos para mim.

Um deles é o elo entre os preparativos para a tentativa de golpe e as invasões de 8 de janeiro em Brasília. É possível depreender dos depoimentos, provas e gravações que a virada de mesa dependia basicamente de dois fatores.

O primeiro deles era a suspeição sobre as urnas eletrônicas. Bolsonaro investiu pesado nisso. Começou por duvidar de sua própria vitória nas eleições de 2018; fez reuniões com embaixadores para disseminar a suspeita; recebeu hacker no Palácio da Alvorada e, de uma certa forma, introduziu a ambiguidade num relatório da comissão das Forças Armadas que não encontrou indício de fraude.

O segundo fator era a mobilização popular. Bolsonaro achava que a denúncia de fraude seria um fator importante para colocar gente nas ruas. A porta dos quartéis foi o lugar de encontro, e no dia 12 de dezembro houve conflitos em Brasília, numa espécie de ensaio geral para o desejado caos.

Os dois fatores essenciais, denúncia das urnas e agitação popular, eram o que Bolsonaro contava para assinar um decreto de golpe e obter o apoio das Forças Armadas para sua aventura. No entanto, quando ocorreu o 8 de Janeiro, uma tríplice invasão aos Poderes da República, Bolsonaro não estava mais no governo, assim, ele não poderia assinar nenhuma minuta de golpe.

Outro aspecto da conjuntura que havia sido alterado entre dezembro e janeiro foi que os comandos das Forças Armadas foram trocados, conforme advertiu, numa mensagem, o general reformado Mário Fernandes.

Portanto, a chamada festa da Selma, que reuniu gente de todo o País em Brasília, tinha a característica de um ato de desespero: Bolsonaro já não podia assinar decretos, as Forças Armadas, que recusaram apoio em dezembro, estavam ainda mais predispostas a se afastar de um golpe. Os líderes mais informados sabiam que a conjuntura mudara. Quem assinaria um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) seria o Lula, um político experiente que perceberia o perigo de uma decisão dessa natureza.

Ainda assim, a manifestação preparada em escala nacional aconteceu. Foi como se dissessem: falhou toda a articulação de cúpula, a iniciativa popular que se resolva.

Para os líderes, era tranquilo porque, na verdade, quem arriscaria o pelo seria a multidão. Bolsonaro estava nos Estados Unidos. Seu ex-ministro da Justiça Anderson Torres também foi para os Estados Unidos, licenciando-se do cargo de secretário de Segurança de Brasília.

A única esperança que movia a multidão era a ideia de que as Forças Armadas, indiferentes ao movimento na porta dos quartéis, iriam se sensibilizar com os conflitos da tríplice ocupação.

Não sei como esses episódios serão examinados juridicamente. Mas a verdade é que os líderes foram incapazes de desmobilizar os manifestantes e esperavam, em lugares seguros, o desfecho daquele drama histórico.

Os participantes do 8 de Janeiro foram uma verdadeira massa de manobra. Colocaram a cara para as câmeras, quebraram o que podiam com as próprias mãos, possivelmente contando com a impunidade e futuras menções de honra.

Certamente, foram iludidos pelas análises, inclusive uma de Olavo de Carvalho, divulgada depois de sua morte, antes da festa da Selma, na qual afirmava que o Exército só se mobiliza quando o caos se instala.

Mas foram iludidos também pelas mensagens ambíguas de generais e militares de outras patentes indicando que algo iria acontecer. O próprio Bolsonaro estava esperando algo, uma esperança bem vaga, mas suficiente para manter as pessoas mobilizadas.

O julgamento é de uma tentativa de golpe contra o Estado de Direito. Mas houve também golpe contra a ingenuidade popular, uma suposição de que todos cumpririam seu papel, quando, na verdade, os líderes estavam abrigados longe dali.

O ideal seria um julgamento que abordasse o conjunto dos acontecimentos, envolvendo todos os acusados. Os manifestantes do 8 de Janeiro foram julgados e condenados por seus atos, é verdade. Mas, vistos num quadro mais amplo, mostraram-se mais destemidos do que seus líderes e, nestes primeiros anos, por outro lado, confirmam o ditado de que a corda arrebenta sempre do lado mais fraco.

Faltam ainda detalhes sobre a preparação do 8 de Janeiro. Assim como algumas informações sobre a preparação do golpe no mês de dezembro ainda podem aparecer. Mas a grande curiosidade é saber como se fará justiça a pessoas que tiveram papéis diferentes, inclusive aquelas condenadas a longa penas: em caso de êxito do golpe de Estado, talvez continuassem sua vida modesta e obscura, completamente esquecidas dos líderes que viriam recolher os aplausos pela tomada do poder.

Artigo publicado no Estadão em 28/02/2025

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LULA, CANSADO E IMPOPULAR

liane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo

Impopularidade e inflação andam juntas e, quando disparam, ninguém segura

Lula 3 concilia um líder cansado e desatualizado, falta de estratégia, rumo e marca e oposição feroz

Impopularidade de presidentes é como inflação: ambas começam por motivos objetivos, passam a sofrer efeito psicológico, se retroalimentar e fugir do controle. Lula enfrenta impopularidade e inflação em alta ao mesmo tempo, até porque as duas têm tudo a ver e, juntas, foram decisivas, por exemplo, para Trump e Milei derrotarem os candidatos à reeleição nos EUA e na Argentina.

E não estavam sozinhas, pois foram e são embaladas pela crise e o descrédito do sistema político e instituições mundo afora e foram e são massificadas pela orquestração da oposição na internet, que se transformou no grande fator político, capaz de confundir líderes e opinião pública.

A pesquisa Quaest desta semana é devastadora para Lula, reprovado por mais de 60% em São Paulo, Minas e Rio, os maiores eleitorados do País, e em queda acentuada em Pernambuco, seu Estado natal, onde é campeão de votos faça chuva ou faça sol, e na Bahia, governada pelo PT há duas décadas. Aliás, por Rui Costa e Jaques Wagner. Lula venceu em 2022 por margem apertada. E sem o Nordeste?

Lula 3 concilia um líder cansado e desatualizado, falta de estratégia, rumo e marca, base parlamentar frágil e oposição feroz e ativa nas redes sociais, sem perspectiva de melhora. Lula, seu governo, Congresso e oposição não vão mudar – nem com a “reforma ministerial”, que está virando dança de cadeiras do PT, nem com a eventual, ou previsível, prisão de Jair Bolsonaro.

Lula teve o grande momento na vitória, na posse colorida, no enfrentamento do 8/1 e no belo slogan “o Brasil voltou”, mas foram todos simbólicos, animadores de torcida. O problema começou junto com a rotina, decisões, ações, sinalizações, quando foi ficando claro algo constrangedor: Lula não tinha assimilado as mudanças do Brasil e do mundo, nem na política, nem na economia, nem na comunicação. Estava no passado.

Teria sido fácil brilhar na comparação com Bolsonaro em política externa, saúde, educação, cultura, ambiente..., mas alguém é capaz de lembrar algum golaço em alguma delas? O que todos lembramos é Lula estendendo tapete vermelho para Maduro, a dengue disparando, as interferências na Petrobras, a insistência na exploração de petróleo na Margem Equatorial.

Se algo andou bem foi na economia no primeiro ano, mas, assim como São Sidônio Palmeira, Dom Fernando Haddad não faz milagre e vem dando sinais de cansaço ao ser atacado pelo PT e desautorizado por Lula.

Sobre Janja, não se fala, mas não custa lembrar que Lula reclamou nas redes de coluna minha publicada neste espaço, em setembro de 2021, que me parece bem atual. Título: “Golpe de mestre”. Um golpe de mestre que Lula não soube dar.

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SIM, NÓS PODEMOS

Flávia Oliveira, O Globo

Em uma geração, Brasil avança aos trancos e barrancos

Desde o ano 2000, a proporção de crianças de 4 e 5 anos matriculadas saltou de 51,4% para 86,7%

O Brasil é capaz de feitos incríveis. Não perder de vista essa potência é, ao mesmo tempo, lanterna e sombreiro a nos iluminar e proteger em tempos de trevas. Depois de duas décadas de ditadura, foi capaz de reencontrar a democracia com instituições suficientemente firmes para impedir a tomada de poder por três dezenas de golpistas, entre eles o então presidente da República, seis generais, um almirante, ministro da Justiça, chefe da Abin, diretor da Polícia Rodoviária Federal. O roteiro está contido nas mais de 200 páginas da denúncia que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, protocolou no Supremo Tribunal Federal na semana passada.

Com o Programa Nacional de Imunizações, cinquentão tornado orgulho do sistema público de saúde, o país foi capaz de erradicar a poliomielite e o sarampo. Faz três décadas que a população se engajou, como fizera anteriormente sem sucesso, no Plano Real para dar adeus à hiperinflação, herança da ditadura que agravava a crise social. Em duas décadas, a partir da mobilização da sociedade civil, via Ação da Cidadania, à época liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, o combate à fome virou prioridade. Campanhas maciças de doação de alimentos deram na política pública de transferência de renda que, combinada à exigência de frequência escolar e acompanhamento da saúde dos pequenos, reduziu a desigualdade, melhorou condições de vida e abriu perspectiva para famílias, até então, aprisionadas por gerações na pobreza.

Dias atrás, o IBGE apresentou os resultados da educação no questionário amostral do Censo 2022. Ainda está lá o fosso entre indicadores regionais e raciais. Os números do Norte e do Nordeste estão aquém dos apurados no Sudeste e no Sul. A proporção de pessoas pretas com mais de 25 anos que já completaram o curso superior é de 11,7%, menos da metade dos autodeclarados brancos com a mesma formação. Três em quatro graduados em medicina são brancos, evidência de acesso estreito ao curso que demanda dedicação exclusiva e recursos financeiros.

A escolaridade média dos adultos brasileiros não chega a uma década (9,6 anos), resultado que mal dá conta do ensino fundamental. Cerca de um terço dos brasileiros (35,2%) não foi alfabetizado ou não completou o nível básico de educação regular. Dois terços dos brasileiros de até 3 anos ainda estão fora da escola, sintoma também de dificuldade no acesso das mães ao mercado de trabalho e à qualificação profissional. Dos 5.570 municípios brasileiros, só 646 têm mais da metade das crianças de zero a 3 anos em creche.

É possível — e correto — usar esses dados para maldizer o Brasil, seus atrasos, sua inaceitável desigualdade, sua inviabilidade. Mas também dá para, com outra lente, enxergar que, aos trancos e barrancos, contra quase todos, a despeito de “uma classe dominante razinza, azeda, medíocre, cobiçosa”, como declarou certa vez Darcy Ribeiro, grande antropólogo e político, o país avançou em uma geração. Desde o ano 2000, a proporção de crianças de 4 e 5 anos matriculadas saltou de 51,4% para 86,7%. Na faixa etária de 6 a 14 anos, a escolarização está praticamente universalizada, em 98,3%. Aumentou também entre adolescentes de 15 a 17 anos. A proporção de adultos pretos que concluíram a faculdade quase sextuplicou em duas décadas, obra da política de acesso por cotas à universidade, ainda hoje questionada.

Uma em cada cinco (20,77%) mulheres com mais de 25 anos está formada; a proporção entre os homens é menor, 15,8%. Há dois anos, 18,4% dos brasileiros adultos tinham curso superior; na virada do século eram 6,8%. Os esforços para universalização da educação básica começaram na segunda metade da década de 1990, durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, e continuaram nos mandatos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. É provável que estivessem ainda melhores sem a pandemia da Covid-19 com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto.

Mas, em 2024, 4,3 milhões de brasileiros se inscreveram no Enem, 10% a mais que em 2023. Cerca de 73% fizeram a prova, proporção 1,6% maior. Em três anos, o percentual de alunos formandos do ensino médio que se inscreveram na prova saiu de 54% para 91%. O recorde tem a ver com o pagamento da parcela extra de R$ 200 do Pé-de-Meia para quem faz o exame. O programa federal bonifica mensalmente estudantes que comprovem matrícula e frequência escolar. Ao fim de cada ano concluído, o governo deposita R$ 1.000, que podem ser sacados ao fim do ciclo. É antídoto contra a evasão escolar. Os números animadores são prova de que, sim, o Brasil é capaz de melhorar. Com política pública bem formulada, governo e sociedade comprometidos com prosperidade, em vez de retrocesso, brutalidade, inimigos inventados, desinformação e indignação vazia.

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O HORIZONTE DA INSTANTENEIDADE

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Impaciência característica da modernidade pode ser uma das causas da deterioração da popularidade de Lula

deterioração da popularidade de Lula impressiona, pelo alcance (ela dá as caras até em bastiões eleitorais do presidente) e pela intensidade (até dezembro, o problema dele era que as avaliações positivas do governo não subiam; agora elas despencam).

O movimento é tanto mais surpreendente porque ocorre num contexto em que normalmente não o esperaríamos. O crescimento do PIB dos últimos dois anos foi maior do que 3%, e o índice de desemprego corre perto dos mínimos históricos. Num passado não muito remoto, tais indicadores se faziam acompanhar de avaliação amplamente positiva do governo que com eles coincidisse.

Alguém poderia argumentar que o povo não é bobo. Os bons números exibidos pela gestão Lula se amparam num aumento de gastos públicos que não é perdurável. Verdade, mas análises de sustentabilidade econômica nunca fizeram parte do kit de ferramentas da avaliação popular. Sempre foram os efeitos de momento que deram as cartas.

Um fator econômico que explica ao menos parte do fenômeno é a inflação. Os preços, em especial os dos alimentos, estão num patamar desconfortável para o consumidor. E a sensação de desagrado, que é reforçada a cada ida ao supermercado, acaba se sobrepondo a eventuais efeitos que poderiam ter impacto mais benfazejo para Lula.

Em vários países, cientistas políticos têm recorrido à alta da inflação para explicar a derrota da situação em eleições. Vimos isso agora nos casos de Joe Biden e Olaf Scholz. Não vejo como discordar, mas penso que os preços não explicam tudo. Creio que está em ação também um ingrediente mais etéreo, uma espécie de impaciência anímica que vai se assenhorando das pessoas.

tecnologia nos acostumou mal. Computadores ampliam o horizonte da instantaneidade. Vivemos agora num mundo em que boa parte das coisas que consumimos regularmente, de livros e filmes a informações e refeições, está a poucos cliques de distância. Nesse contexto, não surpreende que exijamos resultados rápidos também da política.

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LULA GOVERNA NO MODO ELEIÇÃO

Dora Kramer, Folha de S. Paulo

Estética de campanha invade espaço reservado a pronunciamentos oficiais urgentes ou relevantes

O novo mago da propaganda oficial teve uma ideia: transformar em horário eleitoral o espaço reservado a comunicados urgentes e/ou relevantes em cadeia nacional de rádio e televisão.

O modelo já havia sido testado no ano passado, naquele anúncio do ministro Fernando Haddad (PT) em que os alhos do pacote fiscal se misturavam aos bugalhos da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000. Choveram críticas à forma e, sobretudo, ao contraditório conteúdo, mas Sidônio Palmeira pelo visto achou que valia a pena apostar na estética de campanha. O plano agora, ao que se diz, é o presidente da República se utilizar desse formato a cada 15 dias para divulgar maravilhas.

No primeiro episódio da série estrelada por Luiz Inácio da Silva (PT) foram requentados dois programas (Pé-de-Meia e Farmácia Popular) já de pleno conhecimento do público.

Ignorados ali os quesitos de relevância e urgência, os mesmos exigidos —e quase nunca observados— para a edição de medidas provisórias, mas esta é uma outra história também relacionada à prática de insubmissão a normas. No contexto em tela, o risco de o projeto de comunicação seguir no modo eleição é que dê margem a contestações sobre campanha antecipada e o caso ir parar nos tribunais, gerando mais polêmicas a serem turbinadas pela oposição.

Na concepção do ministro Sidônio, Lula é o melhor garoto-propaganda de si. Por isso precisa falar mais e o tempo todo. Ora, à exceção de períodos em que precisou se recolher para cuidar da saúde, o presidente não fez outra coisa a não ser falar pelos cotovelos. Frequentemente criando situações confusas, quando não constrangedoras.

Não se espera que Lula se retraia. Dialogar com a população é imprescindível. É imperioso, porém, que o chefe da nação não faça uso indevido de suas prerrogativas momentâneas para favorecer e dar voz ao candidato de amanhã.

O governo se queixa da falta de percepção correta por parte da sociedade. Talvez falte perceber que ela não gosta do que vê.

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VIOLÊNCIA, SAÚDE, PIX E LULA

Vinicius Torres Freire, Folha de S. Paulo

Desemprego e economia têm poucas citações como problema mais grave em pesquisa Quaest

Para quem se ocupa de curvas de juros, relação dívida/PIB, taxa de câmbio ou de condições financeiras em geral, a "economia" piorou bem no final de 2024.

A massa do eleitorado se ocupa disso? Por que, em pesquisas recentes, preocupações com segurança e saúde sejam muito mais citadas do que desemprego e "economia"? Por que a avaliação de Luiz Inácio Lula da Silva é tão pior que a de governadores dos estados mais populosos, de qualquer partido? Por que, faz apenas um ano, o governo Lula era melhor do que o de Jair Bolsonaro por 48% a 29% (pesquisa Quaest) e agora é pior por 36% a 45%? Qual miséria, epidemia ou promessa de golpe teria havido?

Não houve mudança na inflação, na virada do ano, bastante para explicar o desprestígio de Lula 3.

Para 34% dos moradores de São Paulo, violência "é o problema mais grave que o estado enfrenta". Em segundo lugar, vem a saúde, para 19%. Em terceiro, enchentes, para 12%. Está na pesquisa Quaest de fevereiro. "Desemprego" é o problema mais grave para 6%. Para 5%, é a "economia".

Para quem vive em Minas, mais grave é a saúde, para 29%; depois, a violência, com 15%. Violência ou saúde estão no topo da lista também para moradores de Rio de Janeiro, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Goiás.

Não parece o retrato de país mais preocupado com a "economia", um país em que os salários crescem (acima da inflação) como não ocorria faz mais de década (ainda a 3,7% ao ano em janeiro).

A formulação da pergunta e sua posição na sequência do questionário pode alterar respostas. Na pesquisa CNT/MDA, o "pior desempenho" de Lula é na "economia" para 31,8%, na "segurança pública" para 19,9% e na "saúde" para "12,8".

Mas o que o entrevistado entende por "economia" e qual teria sido a piora? A economista Zeina Latif escreveu no jornal "O Globo" que a revolta do Pix pode ter sido uma versão digital, menor, das ruas de junho de 2013 (então, a popularidade de Dilma Rousseff caiu quase pela metade, da casa dos 60% para a dos 30%, em dias).

A campanha da direita sobre o Pix, com mentiras ou suspeitas bem dirigidas, talvez tenha levado parte do eleitorado a refletir sobre o que acha de Lula 3. Quando passamos a falar de um assunto, temos ideias e mudamos, sabem psicólogos, sociólogos e, faz tempo, até padres católicos (mas não muitos politólogos).

Além de talvez ter provocado o medo de nova ameaça qualquer do Estado, o caso Pix pode ter revivido a má lembrança do "imposto das blusinhas" e o ruído das revoltas de ricos contra impostos. Pode ter chamado a atenção para o atraso da isenção do IR. O salto dólar alto pareceu um mau sinal no céu.

Tudo isso pode ter provocado um momento de reflexão sobre o que Lula 3 propôs de novo ou dado a impressão de que não há esperança de novidade, reforçada pela mesmice do discurso de Lula, notada nas pesquisas (além do mais, parte da população era muito jovem sob Lula 1 e 2).

Dólar e juros altos no atacado em certo momento aparecem no crédito ao consumidor. Ainda não foi o caso, de modo notável, em juros; aliás, o crescimento do crédito livre e da banca privada foi grande até agora, novidade em parte surpreendente, assim como foi relevante a alta de consumo, salário, emprego e benefícios sociais.

Se não há apenas surto de mau humor, Lula 3 vai ter de mudar muito a sua conversa para virar o jogo. Marketing apenas não basta.

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TRUMP, PUTIN E XI JINPING SÃO A NOVA ORDEM MUNDIAL

Marcos Augusto Gonçalves, Folha de S. Paulo

Com vitória do republicano, cenário internacional vai consagrando mundo antiliberal e autocrático

Quando entrou em cena para anunciar sua genuflexão ao governo de Donald TrumpMark Zuckerberg sabia bem em que alvos deveria mirar. Como comentou-se aqui ainda antes da posse do republicano, o dono da Meta, ao decidir levantar as checagens factuais de suas redes, dirigiu as baterias ao mundo ocidental.

Mais precisamente, Zuckerberg atacou a Europa reguladora, que tolheria a liberdade de expressão de seus negócios, e a América Latina, periferia do Ocidente onde funcionariam tribunais secretos, igualmente inimigos do free speech. O bilionário do Facebook sintomaticamente poupou a China de suas queixas, bem como a Índia.

Agora, mais de um mês desde que Trump assumiu a lojinha, as inclinações antieuropeias e antiliberais do presidente americano tornaram-se patentes. O candidato a autocrata dos EUA parece respeitar muito mais as lideranças fortes da Rússia e da China do que os aliados europeus, vistos como fracos e dependentes.

Além das ameaças diretas a Canadá, México, Dinamarca, ONU e Otan, Trump comprou a versão de Putin para a invasão da Ucrânia e acabou com a terceirização da guerra que vinha sendo alimentada por Joe Biden e os governos da UE. Zelenski foi reduzido a um comediante que usurpou o poder, desviou recursos e tornou impossível negociar algum tipo de paz. Agora vai ter que ceder.

Não é preciso apoiar a visão de Trump para dizer que a situação anterior se mostrava insustentável, em que pese a retórica de defesa das "leis internacionais" e a brutalidade do ato invasor. Estava claro que não haveria alternativa a uma guerra prolongada sem alguma concessão territorial por parte da Ucrânia. Há quem aposte que a paz articulada pelo republicano será um convite a novas aventuras de Putin rumo à Europa. A ver.

O fato é que Trump, Putin e Xi Jinping são a nova base decisória da geopolítica global. Neste mundo iliberal autocrático, são esses os senhores que apitam e preenchem o papel de instituições multilaterais. Esqueça Nações Unidas, Otan e quejandos. A nova partilha está em curso.

Cada um deles quer dirigir seu respectivo país e áreas de influência o mais possível sem empecilhos institucionais. O russo vai no velho estilo imperial, e o chinês tem tudo controlado e planejado. Nenhuma das duas nações acumula experiência democrática.

São diferentes dos EUA, onde um sistema de regras e balanços subsiste, mas não se sabe como se comportará e até quando. Para Trump e seus rapazes, o que vale é o ultracapitalismo triunfante que transforma a administração do país em administração de uma empresa. Quem manda é o CEO, e o povo é acionista.

É chover no molhado dizer que a denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República ao Supremo Tribunal Federal é histórica. As evidências de uma trama golpista articulada em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro são de extrema gravidade. A democracia brasileira vai se deparando com uma nova etapa de sua consolidação, rompendo tabus e hesitações que poderiam antes enfraquecê-la. Em que pesem as vozes sinistras da extrema direita, o caso jurídico é sólido.

Um reparo: embora o assunto já pareça superado, estou entre os que consideraram um erro do ministro Alexandre de Moraes evitar o julgamento pelo plenário do STF.

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CARNAVAL BOM É O DE TODOS OS TEMPOS

Ruy Castro, Folha de S. Paulo

Desde 1600, o Carnaval carioca assiste ao sucessivo predomínio de uma atração sobre as outras

A historiadora Eneida de Moraes dizia que os três inimigos do Carnaval são a chuva, a polícia e os saudosistas. Os piores são os saudosistas, com o discurso de que Carnaval bom era o "do tempo deles". Mas qual seria esse tempo? Na longa história do Carnaval carioca, cada geração teve o seu. Eis exemplos.

1600: surge o entrudo, com os foliões se atirando baldes de água com limão uns nos outros, na atual rua 1º de Março. 1641: mascarados desfilam cantando. 1748: primeiros foliões negros, com a coroação do Rei Congo. 1786: primeiros desfiles com carros alegóricos, no Campo de Santana. 1825: os nobres promovem bailes em seus palácios em Botafogo. 1831: os jornais anunciam a venda de máscaras e fantasias na rua do Ouvidor.

1846: primeiros bailes populares. 1848: primeiros blocos com música e percussão seguindo o bombo do sapateiro José Paredes, o "Zé Pereira". 1866: nascem os Democráticos, os Fenianos e os Tenentes do Diabo, com seus desfiles de luxo. 1887: primeiras ruas decoradas para o Carnaval. 1889: Chiquinha Gonzaga lança "O Abre-Alas", a primeira marchinha. 1892: surgem o confete e a serpentina. 1902: o Carnaval de rua atinge proporções gigantes, com mais de 200 blocos nas ruas.

1906: surge o lança-perfume. 1909: primeiro concurso de fantasias. 1910: o palhaço Benjamin Oliveira cria o Rei Momo. 1914: o corso de automóveis toma a avenida Rio Branco. 1928: nasce a Deixa Falar, primeira escola de samba. 1929: sambas e marchinhas já são compostos às centenas. 1932: a prefeitura oficializa o Carnaval. 1933: começa o desfile das escolas. 1938: os teatros, cassinos e clubes promovem os superbailes. Anos 1940 e 50: o Carnaval se internacionaliza. Etc. etc. e evoé.

O Carnaval sempre foi assim: uma atração sucessivamente se sobrepondo a outras. Em 1965, o Carnaval de rua foi dado como morto e as escolas passaram a reinar. As escolas continuam, mas, de 2000 para cá, os blocos voltaram com toda a força. Como será no futuro? Carnaval bom é o de todos os tempos.

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CARNAVAL E PERO VAZ

José Sarney, Correio Braziliense

O carnaval brasileiro tem origem e cultura próprias. Sua certidão de nascimento é a Carta de Pero Vaz de Caminha, em 1500, quando descreve o descobrimento do Brasil

O carnaval passa ao largo do mercado, pois não depende dele. Se os bolsos ficarem vazios, é a Bolsa que fica ameaçada. Carnaval não influencia a taxa de juros, não a baixa nem a sobe. Assim, nada de preocupações; que seja a alegria.

As queixas procedentes vêm dos saudosistas — e eu talvez seja um deles —, todas na direção de que o carnaval se modernizou, perdeu a autenticidade do passado. Acabaram os pierrôs apaixonados e as colombinas para surgir o biquíni e o peladão. Maravilha das maravilhas! Isso é o progresso. O mesmo que tirou de moda a ceroula, o cabeção, o espartilho e colocou as liberdades das musas do carnaval: Isabelle Nogueira, Flávia Alessandra, Luciana Gimenez, Alane Dias…

Qual é a origem do carnaval? Uns, querendo colocar sabedoria, dizem que sua origem está nas saturnais romanas, festas bem moderninhas em que se celebrava a entrada da primavera de maneira bem exuberante. Falam que ele veio de um tal carro-naval, que nada mais era do que um navio de rodas, cheio de marinheiros que cantavam canções obscenas nas ruas da Grécia antiga nas mudanças de estação.

Melhor imaginação tiveram aqueles que dizem ser essas festas e alegrias necessárias à preparação do corpo para o jejum da quaresma. Os italianos chamavam esse tempo de "Carne! Vale!", "Carne, vá em frente, caia na gandaia". 

Outros exegetas colocam nas costas da igreja a responsabilidade da palavra carnaval e a atribuem ao santo papa Gregório, o Grande, que chamou o domingo anterior à quaresma de "dominica ad carnes levandas", isto é, o domingo de sublimação da carne. O nome pegou por portas e travessas para carnaval. Relembrava uma velha definição dos três dias antes da quaresma, em que monges medievais davam-se a muitas liberdades, comiam e bebiam etc. e tal para resistir às tentações no tempo quaresmal. E alegavam que assim faziam imitando os camelos antes de atravessarem o deserto.

O carnaval na Espanha só termina, como na Bahia, no domingo depois da quarta-feira de cinzas. Perdão! Na Bahia não termina nunca. Em Veneza, começa no Dia de Reis, e lá vai aquela coisa chata de gôndolas e bandolins.

Lembro essas coisas para dizer que o carnaval não é nada disso. Ele nasceu no Brasil, sem primavera, nem saturnais, nem o papa Gregório. O carnaval brasileiro tem origem e cultura próprias. Sua certidão de nascimento é a Carta de Pero Vaz de Caminha, em 1500, quando descreve o descobrimento do Brasil. A chegada logo se transformou no primeiro carnaval, os índios na praia, de "carapucinhas vermelhas", "contas amarelas", pintados e de maracás, os portugueses batendo tambor, todos bebendo, dançando e caindo numa bruta gandaia. Temos até o nome do primeiro folião, Diogo Dias, que tocava gaita, "homem gracioso e de prazer", que comandava a folia. A diferença é que era Páscoa, mas, na Bahia, todo tempo é bom de carnaval.

A globeleza, que se pensa ser criação de hoje, da Globo, já estava lá. E não era uma só, eram muitas. Diz Caminha que as índias participavam da festa e eram "bem moças e bem gentis, com cabelos mui pretos e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas de cabeleiras que, de muito as olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha".

Enquanto isso, nas nossas rádios e tevês, comandantes encarregados do policiamento já dão instruções ao povo: "Não beba. Se beber, não dirija. Leve só a roupa do corpo". E, finalmente, "Não perca seu bloco e use a camisinha".

Bom carnaval!

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É A ECONOMIA, ESTÚPIDO ! SERÁ MESMO ?

Orlando Thomé Cordeiro, Correio Braziliense

A frase "É a economia, estúpido" não consegue explicar plenamente o processo contemporâneo que comanda a escolha do eleitor

"É a economia, estúpido" é uma frase cunhada por James Carville, estrategista na campanha bem-sucedida de Bill Clinton na eleição presidencial dos EUA de 1992. Pode-se afirmar que, por décadas, se tornou um mantra utilizado em diversas campanhas eleitorais nos quatro cantos do mundo.

Porém, em 2016 foi possível observar uma mudança radical em dois momentos. O primeiro, quando da disputa em torno do plebiscito realizado em 23 de junho sobre a continuidade do Reino Unido na União Europeia; e o segundo, a campanha presidencial de Donald Trump. Nas duas ocasiões, analistas e assessores políticos experimentados foram surpreendidos pela utilização de maneira extremamente agressiva das redes sociais.

Ainda que em 2008 Barack Obama tenha inovado nessa área, nada se compara à forma disruptiva com que estrategistas como Dominic Cummings e Steve Bannon manipularam as redes a partir do conhecimento sobre o funcionamento dos algoritmos. Esse fenômeno foi tratado, pela primeira vez, por Giuliano Da Empoli em seu livro Os engenheiros do caos, lançado em 2019.

Em sua obra, ele nos conta a trajetória de outras figuras menos badaladas por aqui, como os italianos Gianroberto Casaleggio e Davide Casaleggio (pai e filho), que atuaram na criação e ascensão do Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo; o norte-americano Andrew Breitbart e o inglês Milo Yiannopoulos, que compuseram a equipe de Trump; e o norte-americano Arthur Finkelstein, que atuou, desde 1996, na primeira eleição de Netanyahu em Israel e, a partir de 2009, assessorou Viktor Orban na Hungria.

Passada a surpresa inicial, uma parte de profissionais que trabalham com assessoramento político começou a buscar maneiras de enfrentar o modelo, enquanto outra parte foi aprender a como reproduzi-lo. Essa luta de titãs serviu para consolidar um clima de forte polarização nos países ocidentais, nos hemisférios Norte e Sul.

Para nos ajudar a compreender esse cenário, Felipe Nunes e Thomas Traumann lançaram, em dezembro de 2023, o livro Biografia do abismo. Nele, os autores avançam na análise apontando a seguinte premissa: "A eleição de 2018 é o ponto de inflexão na transformação da polarização partidária em um fenômeno novo, mais extremado, no qual o radicalismo político começou a transbordar para o cotidiano. A posição política passou a ser parte da identidade de cada um e o seu diferencial em relação ao outro". A partir daí, somos apresentados a uma análise original, baseada em dados e informações que levam a uma dramática conclusão: a polarização transformou-se em calcificação.

Posto isso, passemos às últimas pesquisas divulgadas nos meses de janeiro e fevereiro pelos institutos Datafolha, Quaest, MDA, Paraná Pesquisas e Atlas Intel. Todas elas têm resultados bastante similares: os níveis de aprovação do governo federal em queda vertiginosa, mesmo em regiões e classes sociais historicamente mais simpáticas ao atual presidente. 

Ao analisar essa informação, a mídia e os especialistas apontam o dedo para uma causa principal: a inflação dos alimentos. O próprio governo parece concordar. E, no primeiro momento, avaliou adotar medidas de cunho intervencionista, mas logo percebeu que o tiro tinha grande chance de sair pela culatra. Para piorar o cenário, a expectativa de que os preços continuarão sua trajetória de alta, com a maioria das pessoas demonstrando uma crescente insatisfação.

Assim, algumas lideranças políticas começam a apostar no fim do governo e na impossibilidade de recuperação de apoio popular. E, como consequência, concluem que, nas eleições de 2026, o governo já está com sua derrota decretada, qualquer que seja a candidatura que o represente nas urnas.

Ocorre que essas mesmas pesquisas mostram que os índices de intenção de voto numa possível candidatura à reeleição do atual presidente são muito superiores aos índices de reprovação de seu governo. Como isso é possível?

A explicação está na supracitada calcificação. Há muitos apoiadores do atual presidente que, mesmo descontentes com o governo, na hora do voto, já têm seu lado e não pretendem mudar. O mesmo se aplica aos apoiadores do principal líder da oposição que, mesmo sendo condenado e até preso, não perderá seu elevado nível de apoio daquela parcela da sociedade.

Por tudo isso, a frase "É a economia, estúpido" não consegue explicar plenamente o processo contemporâneo que comanda a escolha do eleitor. Analogamente, podemos recorrer ao ditado "ruim com ele, pior sem ele" para sintetizar o sentimento das pessoas que se identificam com qualquer um dos dois polos.

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O LIBERALISMO E A RADICALIDADE DEMOCRÁTICA

Ivan Alves Filho*, Democracia Política

O liberalismo político é um patrimônio da civilização. Não pertence a uma classe social nem a um país determinado. Ele resulta das lutas da sociedade civil para se afirmar diante do Estado, materializando ou encarnando os anseios da Cidadania e do indivíduo por liberdade de ação. O habeas corpus tem dois mil anos, data da Roma Antiga, e um teórico do liberalismo como Locke desenvolveu suas propostas um século antes da Revolução Industrial, do advento portanto da burguesia moderna. O liberalismo demonstra no que a sociedade é sempre maior que o Estado. 

As conquistas do liberalismo são conquistas populares, como o sufrágio universal, a liberdade de associação e a liberdade de imprensa ou opinião. A I Internacional tinha perfeita noção disso. Talvez seja o caso de retomarmos algumas de suas lições.  

O dado mais significativo da cena política hoje é o desalinhamento cada vez mais evidente entre a Democracia liberal e o capitalismo. Os novos setores da burguesia, aqueles ligados à automação, à robótica e às plataformas digitais começam a indicar claramente que a Democracia liberal já não atende ou corresponde mais aos seus objetivos. O dramático para a consciência democrática é que esses são os setores de ponta da economia hoje. A ascensão da extrema-direita em várias partes do mundo materializa isso. As alianças entre os Estados Unidos de Donald Trump e a Rússia de Vladimir Putin revelam isso. A China, ainda não sabemos muito bem para onde vai, mas a tradição democrática nunca foi seu forte, historicamente. 

Uma razão a mais para que o Campo Democrático se recomponha e fique atento ao que se passa ao seu redor. Sintomaticamente, tanto o populismo dito de direita quanto o dito de esquerda possuem em comum o mesmo desprezo pela Democracia liberal. Isso é extremamente preocupante. O Campo Democrático precisa, urgentemente, se apoderar do liberalismo. Tenho afirmado que alguns são mais democratas no plano político e outros mais democratas no plano social e econômico. Contudo, há um chão democrático comum. E é esse chão que cimentará a aliança dos democratas contra o totalitarismo que renasce por toda parte. 

Teremos uma excelente oportunidade de desenvolver isso nas próximas eleições presidenciais. O passo inicial é a construção de um projeto de nação tomando por base a Democracia em todas as suas dimensões. E aqui recordo o saudoso Sérgio Arouca, que compreendia o valor daquilo que denominava por radicalidade democrática. Isto é, uma Democracia ao mesmo tempo política, econômica, cultural, educacional e social.

*Ivan Alves Filho, historiador. 

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BATE-BOCA NA CASA BRANCA

Do g1

Trump levanta a voz com Zelensky, bate-boca e o chama de 'desrespeitoso' com os EUA: 'Você está jogando com a Terceira Guerra Mundial'

Em uma reunião transmitida ao vivo, e diante da imprensa, Trump pressionou Zelensky a aceitar um acordo para encerrar a guerra da Ucrânia. Acordo entre EUA e Ucrânia não foi assinado, e presidente dos EUA afirmou logo após discussão que queria ucraniano fora da Casa Branca, diz agência.

Numa cena rara entre dois líderes mundiais, o presidente dos EUA, Donald Trump, bateu boca e aumentou o tom de voz com Volodymyr Zelensky em encontro dos dois na Casa Branca nesta sexta-feira (28), dizendo que o presidente da Ucrânia está jogando com o risco de uma "Terceira Guerra Mundial".

Por causa da discussão, um acordo entre EUA e Ucrânia não foi assinado. Zelensky saiu da Casa Branca sem conceder a tradicional entrevista após o encontro e cancelou todas as suas aparições públicas em Washington.

Em uma reunião transmitida ao vivo e diante da imprensa, Trump pressionou Zelensky a aceitar um acordo para encerrar a guerra da Ucrânia, iniciada em 2022, depois de a Rússia invadir o território ucraniano.

Os EUA eram aliados de primeira hora da Ucrânia durante o governo Biden. Quando Trump assumiu, no entanto, a Casa Branca se aproximou do presidente Vladimir Putin, da Rússia, chegando a discutir um acordo para encerrar a guerra sem a presença dos representantes de Kiev.

'Desrespeitoso'

O bate-boca começou nos dez dos 45 minutos finais em que os dois presidentes se encontraram no Salão Oval da Casa Branca. Zelensky se mostrou desconfiado quanto ao compromisso de Putin de encerrar a guerra. Ele chamou Putin de "assassino".

O vice-presidente americano JD Vance disse: "Senhor Presidente, com todo o respeito. Acho desrespeitoso da sua parte vir ao Salão Oval e tentar debater isso diante da mídia americana". Quando Zelensky tentou responder, Trump levantou a voz:

"Você está apostando com a vida de milhões de pessoas. Você está apostando com a Terceira Guerra Mundial. Você está apostando com a Terceira Guerra Mundial, e o que você está fazendo é muito desrespeitoso com este país, um país que te apoiou muito mais do que muitos disseram que deveria", afirmou Trump a Zelensky.

"Seu povo é muito corajoso, mas ou vocês fazem um acordo ou estamos fora. E se estivermos fora, vocês terão que lutar sozinhos", disse Trump. Os EUA são aliados da Ucrânia na guerra.

Após o encontro, Trump fez um post na rede social TruthSocial em que diz que Zelensky desrespeitou os EUA no Salão Oval e que poderá voltar quando estiver pronto para a paz.

Segundo a agência Associated Press, Zelensky e sua delegação se dirigiram para uma sala separada, e o presidente da Ucrânia e tentou retomar o encontro. O assessor Waltz e o secretário de Estado, Marco Rubio, no entanto, informaram à delegação visitante que Trump queria Zelensky fora da Casa Branca "imediatamente".

A fala ocorreu antes da assinatura de um acordo de exploração de terras raras na Ucrânia. O leste do território ucraniano, invadido por Moscou, é rico em minerais valiosos, e o acordo ambicionado pelos EUA previa lucrar com a exploração dos mesmos.

Mais cedo, o presidente americano havia chamado o acordo de "bem justo" e um "grande compromisso" para os EUA. Trump também disse que teve boas discussões com o presidente russo, Vladimir Putin, nos últimos dias.

União Europeia

Países europeus criticam os EUA de não incluir a Ucrânia nas conversas para um acordo de paz, bem como a recusa em colocar um país do bloco como mediador.

Nos últimos dias, Trump e Zelensky já haviam trocado farpas publicamente em declarações. Zelensky acusou Trump de estar preso em uma bolha de desinformação russa, por conta de seu alinhamento com Putin. Em resposta, o presidente americano chamou o ucraniano de "ditador sem eleições" e o pressionou a fechar o acordo de minerais ou "não restará a ele um país".

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A LONGA BATALHA DOS DEMOCRATAS

Fernando Luiz Abrucio, Valor Econômico

Vários grupos que aceitam as soluções simplistas e autoritárias dos extremistas querem apenas sementes de esperança. É possível fornecê-las sem ser populista ou defender o extermínio do outro

Desde o final da Guerra Fria, nunca houve um momento tão difícil para a luta democrática. Em várias partes do mundo surgem fortes oponentes à democracia, como nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, na Argentina e no Brasil. E mesmo quando extremistas perdem eleições ou não conseguem implementar suas propostas autocráticas, continuam como uma força política relevante e à espreita numa guerrilha contra o sistema político. Não é possível decretar, ainda, a derrota dos democratas, que têm vencido em muitos casos, embora não em todos. Mas também não se pode ignorar o fôlego e o enraizamento desse novo autoritarismo. Uma longa batalha pode ser nosso horizonte.

O novo cenário surgiu depois de uma longa onda de democratização de diversos países pelo mundo, para usar a definição célebre de Samuel Huntington, que se iniciou na segunda metade da década de 1970 e foi até os anos 1990. Chegou-se a acreditar numa vitória definitiva do modelo liberal-democrático. Mas mesmo nesta época havia críticas acadêmicas e de grupos políticos sobre as insuficiências da democracia, procurando construir propostas para reformá-la e melhorar seu desempenho.

O que se vive nos últimos anos é um clima de opinião completamente diferente. Muitos atores políticos e sociais relevantes não querem reformar a democracia. Ela é um empecilho às suas ambições antissistêmicas e autocráticas. Os adversários dos extremistas - ou inimigos, adequando mais o termo à sua lógica belicista - são, em geral, defensores da democracia.

O projeto político desse novo autoritarismo não se esgota com a chegada ao poder, é importante frisar. O objetivo é participar do jogo para destruí-lo, em oposição aos antigos golpes de Estado da direita ou da esquerda.

A destruição por “dentro do sistema”, encontrando em políticos e eleitores antes defensores da democracia aliados para essa empreitada, é a marca principal da estratégia do novo autoritarismo. Claro que há um “choque de oferta”, isto é, o surgimento de lideranças autoritárias que são responsáveis pela mobilização dessas ideias.

Algumas delas são recém-chegadas ao sistema político, ao passo que outras, como Orbán e Bolsonaro, remodelaram-se e foram capazes de se apresentar como símbolos antissistema. De todo modo, é no espaço do jogo democrático que está ocorrendo essa batalha, que só poderá ser vencida se os democratas entenderem como devem se adequar à nova realidade.

Com o fortalecimento dos extremistas em vários lugares, surge um paradoxo aos democratas. Eles precisam defender o sistema, seja por crença, seja para marcar sua identidade, enquanto os novos autoritários misturam um discurso antidemocrático com propostas com grande popularidade, que atingem anseios profundos de parcela relevante da população. Assim, lideranças democráticas muitas vezes gastam mais tempo em defender a democracia do que na disputa pela agenda que conquista os corações e mentes dos eleitores.

O problema, porém, é mais complexo, pois correr atrás dos temas defendidos pelos extremistas pode ser outra armadilha. Até que ponto defender a restrição da imigração não pode atingir os direitos humanos? Buscar o diálogo com correntes neoconservadoras do cristianismo é importante no mundo contemporâneo, até como afirmação do compromisso democrático de encontrar caminhos de convivência entre os diferentes. Contudo, para quem defende a tolerância entre as religiões ou a liberdade de orientação sexual, o quanto se pode abraçar uma agenda diferente? Tomar decisões que rapidamente deem conta das demandas dos cidadãos é essencial, não obstante, quais controles democráticos têm de ser desligados para se ter um governo eficiente para garantir a felicidade geral da nação?

Para ser mais bem-sucedida, a batalha dos democratas precisa articular melhor três coisas: a construção de novas lideranças políticas, a produção de uma agenda mais antenada com os problemas da sociedade contemporânea, mas com um sentido diferente da agenda extremista, e defender com afinco a democracia, tendo a coragem de não capitular em prol de ganhos políticos imediatos e mostrando que o regime democrático é o mais adequado para toda a coletividade.

O extremismo certamente entendeu melhor do que os democratas um dos grandes anseios da sociedade contemporânea: é preciso ter novos tipos de líderes. Por essa linha apregoam que a população se cansou da “casta” política que apenas defenderia a si mesma. A saída então seria escolher líderes disruptivos, para usar a linguagem dos coaches das redes sociais. Os democratas também precisam entender que os sistemas políticos se tornaram muito mais oligárquicos nos últimos anos, gerando uma espécie de clube dos políticos, que perderam o contato com boa parte dos eleitores e seus problemas cotidianos. Novas lideranças são necessárias, com ideias e formatos novos de atuação, de preferência se forem carismáticas e capazes de gerar um vínculo profundo com os cidadãos.

O novo autoritarismo tem sido pródigo em produzir lideranças com forte conexão com os eleitores, mesmo quando perdem eleições, porque continuam por um longo período mantendo os laços de identidade com parcelas que vão de 20% a 40% do eleitorado. Os democratas, mesmo quando ganham, estão gerando líderes políticos que não se comparam aos do passado recente, em termos de vínculo com a população, capacidade de articulação e formulação de novas ideias.

Não se trata de imitar simplesmente os ogros carismáticos que têm liderado os extremistas. Seria a mesma armadilha de reproduzir, simplesmente, a agenda da extrema direita, quando isso não será verdadeiro aos eleitores e levará a caminhos opostos de quem defende a democracia não só como regras do jogo, mas também como valor. Só que sem lideranças que sejam vistas como inovadoras, capazes de dialogar com as novas linguagens e anseios do mundo contemporâneo, será impossível salvaguardar a democracia dos candidatos do novo autoritarismo.

Em contraste com o sectarismo da extrema direita, que geralmente só ganha eleições por uma pequena margem de apoio, lideranças democratas têm de ser mais abertas e procurar juntar o que é possível na construção da maioria social. Ser democrata é defender os mais vulneráveis, combater as desigualdades e discriminações.

Entretanto, fazê-lo repetindo a lógica polarizadora criada pelos extremistas, que leva ao integrismo das posições fechadas, é um tiro no pé. Linguagens mais plurais, defesa de direitos e oportunidades, em vez de restrições ou condenações eternas a grupos, são trilhas essenciais para garantir uma hegemonia mais duradoura. Claro que tudo isso deve ser amparado por mais conversa e alianças de quem luta contra autoritários - a divisão dos democratas é a alegria dos extremistas.

Novas lideranças democráticas vão se impor se entenderem melhor as angústias múltiplas dos cidadãos contemporâneos. Vários grupos que aceitam as soluções simplistas e autoritárias dos extremistas querem apenas sementes de esperança. É possível fornecê-las sem ser populista ou defender o extermínio do outro. Alguns passos nessa direção podem ser citados: serviços públicos melhores, segurança e tranquilidade para as famílias, ser capaz de ouvir os mais jovens e entender os seus sonhos, proteger os mais vulneráveis e propor um projeto de futuro com um cardápio de possibilidades para visões de mundo diferentes.

É fácil contextualizar essa agenda em cada lugar e implementá-la rapidamente? Provavelmente será difícil e trabalhoso. Mas é preciso começar a construir essa trilha, usando a força da imaginação humana que foi capaz de inventar o voto universal, a separação de Poderes contra a tirania, o Estado de Bem-Estar Social, as inovações científicas que melhoraram a qualidade de vida da humanidade e a capacidade de resistir aos déspotas que produziram grandes tragédias coletivas. Se um dia fomos capazes de nos horrorizar com Hitler ou Stalin, isso se deveu a uma ação política de democratas.

Para aguentar e vencer essa longa batalha será preciso coragem para defender a democracia. Não basta ser democrata, é fundamental enfrentar os sofismas e pressões sociais mobilizados pelos autoritários. Acompanhando as maldades propostas por Trump ou Putin, verdadeiros irmãos siameses, o desânimo se instala sobre nós, especialmente porque está muito difícil barrá-los no curto prazo. É nessa hora que a pregação de ideais, a conversa multiplicada por mil e a apresentação dos males que podem ser causados pelo extremismo devem ser repetidos todos os dias, nos mais diversos espaços sociais e canais de comunicação.

Levando esse raciocínio para o Brasil, vale refletir sobre o processo contra os golpistas no Brasil. Sua importância maior não está nas penas individuais, mas, sim, na garantia da punição contra o comportamento autoritário, para evitar a sua repetição. O final do julgamento, acima de tudo, tem de gritar: nunca mais! Devemos lutar contra a anistia ao autoritarismo e suas consequências, para que o filme “Ainda Estou Aqui” seja visto no futuro apenas como grande obra de arte que representou um passado sombrio.

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