Medidas são revolução sem precedentes nas democracias
contemporâneas
A democracia representativa modera o conflito político. De
um lado, a disputa eleitoral majoritária reduz as chances das posições
extremadas, sempre minoritárias no eleitorado. A competição pelo voto favorece
partidos e candidatos mais próximos do centro. De outro lado, o Estado de
Direito e as diferentes formas de freios e contrapesos institucionais impedem o
exercício arbitrário do poder pelo governante da vez.
Esse era o consenso entre especialistas e a pedra de toque
das teorias que buscaram explicar o funcionamento dos regimes democráticos
representativos. Até a recente eleição de Donald Trump.
Vitorioso com uma plataforma radical, o 47º presidente dos
EUA vem tentando abolir direitos de há muito reconhecidos, além de tomar
medidas que ultrapassam sua competência legal. Mais do que isso, investe pesado
na destruição de órgãos estatais e instrumentos costumeiros de governo.
Adam Przeworski, cientista político da New York University,
vem publicando no site Substack o Adam’s Diary. Trata-se de comentário ao que
faz a nova administração. Ele observa que as medidas anunciadas ou adotadas
para reduzir a máquina pública —e controlá-la por inteiro— representam
transformação revolucionária nas relações entre Estado e sociedade, porque sem
precedentes sob regime democrático. Pois, para processar os conflitos de forma
pacífica, argumenta, o governo eleito tem de ser moderado e não pode impor
derrotas que pareçam irreversíveis aos que venceu pelo voto.
Mesmo reconhecendo que as violentas medidas
de Trump são inéditas em democracias, Przeworski é cauteloso e evita previsões.
Não se aventura a afirmar que, com as iniciativas em curso, vai se cruzando a
fronteira que dá acesso ao universo dos sistemas autoritários nem que
atravessá-la seja inevitável. É mais cauteloso do que os colegas Steven
Levitsky e Lucan A. Way. Em artigo
nesta Folha no domingo (23), vaticinam que os EUA estão prestes a
se juntar ao grupo de países que vivem sob um modelo de autoritarismo
competitivo no qual autocratas eleitos sufocam a oposição.
Com a volta de Trump à Casa Branca, a democracia
representativa —que há menos de um século se afirmou mundialmente como modelo
de organização da vida política— enfrenta novo e singular desafio: pois quem a
contesta agora não são países onde seus valores e instituições são
recém-adotados, como no Leste Europeu, ou tiveram vida atribulada, como na
América Latina. A ameaça fincou pé na maior nação do Ocidente rico e liberal,
berço do sistema representativo contemporâneo e sua referência normativa.
Ao que tudo indica, é prematuro apostar na ruína da
democracia norte-americana. Afinal, seu modelo político é fortemente
antimajoritário, com instituições desenhadas para limitar a concentração de
poder no Executivo nacional. De mais a mais, sua sociedade civil é bem
organizada e sua imprensa, plural.
Resta esperar que tais atributos consigam conter a monstruosa investida trumpista. Até porque o colapso da democracia representativa nos EUA produziria efeitos devastadores muito além de suas fronteiras.
Para o Brasil seria uma catástrofe cuja dimensão os progressistas educados no antiamericanismo não enxergam.
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