Os gastos com Defesa no Brasil são disfuncionais e se
contraem há décadas. O País é pacífico, mas, se quiser se manter independente
num mundo mais perigoso, precisará se armar melhor
Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos,
os gastos militares no mundo aumentaram 7,4% em 2024, atingindo um recorde de
US$ 2,46 trilhões. É o reflexo de um cenário geopolítico marcado por
incertezas: a truculência russa; a agressividade chinesa; as ameaças dos EUA à
sustentação do multilateralismo e da aliança transatlântica; a volatilidade no
Oriente Médio; os conflitos na África e na Ásia; a proliferação de antigas
tecnologias, como armas nucleares, e o avanço de novas, como a inteligência
artificial. Os gastos crescem há pelo menos dez anos, mas nos últimos três o
aumento foi exponencial: 3,5% em 2022 e 6,5% em 2023. Na proporção do Produto
Interno Bruto (PIB) global, aumentaram de 1,59% em 2022 para 1,94% em 2024.
O Brasil está na contramão. A Organização do Tratado do
Atlântico Norte (Otan) preconiza um gasto mínimo com defesa de 2% do PIB. Mas
nos últimos 30 anos os gastos brasileiros caíram de 1,8% para quase 1,1%. Além
da defasagem quantitativa há disfunções qualitativas. Entre os 29 países da
Otan, só 9 gastam mais de 50% com pessoal e só 3 gastam menos de 20% com
investimentos. No Brasil, cerca de 85% do orçamento de Defesa se destina a
pagamento de pessoal e pouco mais de 6% a investimentos. Do pouco que se investe,
a maior parte é alocada na manutenção de uma estrutura defasada e só uma
parcela marginal em novas tecnologias.
Os problemas orçamentários refletem uma carência de ideias.
O último conflito em que o País foi protagonista foi há mais de 150 anos, no
Paraguai. As fronteiras foram consolidadas há mais de cem anos pela diplomacia.
A América do Sul está distante das zonas de choque militar. Tudo isso explica,
mas não justifica, a defasagem de uma cultura de defesa.
Fatores como esses deveriam ser, em tese, ativos, mas
transformaram-se, na prática, em passivos, pela complacência com uma estratégia
de defesa em um mundo cada vez mais perigoso. Agora mesmo, um país vizinho, a
Venezuela, nutre ambições de ocupar territórios de outro, a Guiana, ao lado da
Margem Equatorial brasileira, que, tudo indica, contém imensas reservas de
petróleo. Uma ocupação estrangeira da Amazônia é uma hipótese surreal, mas há
algumas semanas também o era a anexação do Canal do Panamá ou da Groenlândia.
Esses riscos reais, mas relativamente remotos para a soberania nacional,
convivem com outros prementes, como a expansão do narcotráfico e ameaças
cibernéticas.
Na fronteira cibernética, assim como na nuclear e espacial,
as defesas brasileiras estão fossilizadas. Ao contrário das cadeias de valor em
geral, na defesa a autossuficiência é uma prioridade estratégica, mas a base
industrial nacional é pequena e dependente de importações. O governo anunciou
R$ 112,9 bilhões em investimentos na indústria de defesa até 2026 (R$ 80
bilhões dos cofres públicos e o resto da iniciativa privada). É um alento, mas
insuficiente, mesmo na hipótese remota de esses recursos saírem do papel.
Estratégias de defesa exigem investimentos pesados e
planejamento de longo prazo. A indústria nacional de defesa poderia atrair
investimentos privados e exportar armamentos de complexidade média, gerando
empregos e divisas. Mas isso exigiria mais segurança jurídica e relações
diplomáticas menos erráticas. De todo modo, na Defesa o investimento estatal
sempre será crucial. Uma condição para sustentar uma estratégia nacional seria
criar regras orçamentárias plurianuais blindando políticas de Estado das oscilações
dos governos de turno.
Na falta dessas regras, os recursos militares são sempre os
primeiros a serem sacrificados nos contingenciamentos orçamentários. Reflexo
disso são as defasagens nas compras de caças ou de tecnologias para submarinos.
Após uma longa licitação do Exército, a compra de blindados de uma empresa
israelense foi obliterada por razões puramente ideológicas do governo. Em 2025,
os investimentos em Defesa devem cair 1%.
Num mundo em que impera cada vez mais a lei do mais forte, o
Brasil ainda é uma potência regional média. Mas se não repensar rapidamente sua
estratégia de defesa, pode se ver reduzido antes cedo do que tarde à mais
humilhante (e custosa) impotência.
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