Brasil tem buscado se equilibrar frente à atuação Trump
pelas “regras do jogo”. A dúvida é se será possível segurar a peteca com um
presidente que nem jogo quer
Depois da ameaça sobre a Groenlândia, Canadá, Golfo do
México e Canal do Panamá, Donald Trump chegou ao píncaro com a ideia de que
pretende remover os palestinos da Faixa de Gaza para transformá-la numa
“Riviera do Oriente Médio”. Por estapafúrdia, a proposta mereceu amplo e
irrestrito rechaço da comunidade internacional, aí incluído o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, que classificou-a de “bravata sem sentido”.
No mesmo dia da declaração de Trump, a Embraer fechou
a maior venda da história para a empresa americana líder da aviação executiva
nos EUA, Flexjet. Serão 182 jatos num contrato estimado em US$ 7 bilhões. Foi a
maior encomenda da Flexjet e a maior venda de jatos executivos da Embraer na
história de ambas as empresas. Há anos a Embraer tenta
fechar um contrato para a aviação regional chinesa, sem sucesso.
A venda foi fechada na unidade da Embraer em
Melbourne, Flórida, na terça. No mesmo dia, o CEO da empresa, Francisco Gomes
Neto, foi recebido pelo chanceler Mauro Vieira. No início da manhã da quarta, o
negócio foi anunciado, horas antes do comentário de Lula sobre Trump.
A economia brasileira é menos dependente dos EUA do que o
México, mas a concomitância da venda histórica da Embraer não
pode ser ignorada. A aviação é um setor que mobiliza a diplomacia presidencial
no mundo inteiro. A Embraer começou
a produzir nos EUA, entre outros motivos, para se livrar de tarifas
anti-dumping. Hoje o país é responsável por 60% da receita da empresa.
Metade dos aviões do contrato com a Flexjet serão produzidos
na Flórida e a outra metade nas unidades da Embraer em
Gavião Peixoto e Botucatu. Uma tarifa sobre o setor poderia colocar esse
contrato em risco, ainda que a blindagem da empresa seja reforçada pelos 3 mil
funcionários no país, a quase totalidade na Flórida trumpista.
No primeiro governo Trump, por exemplo, a Bombardier
canadense foi obrigada a vender o projeto de um avião para a Airbus fabricar
nos EUA depois de uma sobretaxa. Além desta venda para a Flexjet, está em
discussão projeto de um novo avião comercial para competir com a Boeing.
Não houve nota da chancelaria brasileira sobre a proposta de
Trump que o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, chamou de
“limpeza étnica”. A ordem é focar nos fatos. A existência de uma única nota
desde sua posse, aquela sobre o voo do dia 24 de janeiro, em que o governo
brasileiro considerou “inaceitável” o “tratamento indigno” dado aos
brasileiros, sugere que este foi o único fato digno de registro.
O próximo voo sai na madrugada da sexta-feira do aeroporto
de Alexandria, perto de Nova Orleans. A lista só sairá à véspera do embarque
mas a aeronave tem capacidade máxima de 135 pessoas. O primeiro veio com 88.
Dos 2,1 milhões de brasileiros nos EUA, quase 40 mil estão presos com ordem
final de deportação, sem chance de recurso.
O presidente tem acusado desconhecimento da existência
desses voos, mas o trato para a deportação de brasileiros foi feito entre os
governos Jair Bolsonaro e Trump I e atravessou toda a gestão Joe Biden. Eram 15
voos por ano até 2024. No limite, serão duplicados. A pressão de Lula moveu o
segundo voo para desembarque em Fortaleza, com possível translado para Minas em
avião da FAB. Até terça-feira, ainda havia pressão do Palácio do Planalto por
outras mudanças.
O país tem tentado se equilibrar sobre a lógica transacional
de Trump, que guiou, por exemplo, o acordo com a Venezuela, país que ameaçou
durante toda a campanha. Além da Chevron, que tem, em reservas na Venezuela,
metade de toda a reserva americana, um amigo de longa data de Trump, Harry
Sargeant III, conhecido como o “rei do betume” na Flórida, fez a ponte com
Nicolás Maduro.
Como à Venezuela interessa manter as brechas nas sanções que
permitem a atuação de petroleiras estrangeiras no país, Maduro mandou o
presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Rodriguez, articular voos para os
deportados e soltou seis americanos presos à época dos protestos eleitorais sob
a acusação de “conspiração”.
Os aliados de Trump na comunidade latina estão revoltados
mas como ele não pode se reeleger, não tem dado muita bola. O que não terá como
ignorar são as consequências, para a economia americana, de deportações em
massa. Um repique da inflação poderia custar a Trump a maioria nas duas Casas
legislativas na eleição de meio de mandato.
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, parece negociar
com Trump sem arroubos de olho na perspectiva de o Congresso americano ser
capaz de contê-lo. Menos cauteloso, Gustavo Petro não apenas teve que recuar
como agora enfrenta dificuldade para obter visto até para colombianos de
organizações internacionais.
O Brasil tem sido cauteloso ainda que um dos maiores testes
da relação, a COP30, ainda esteja por vir. O anúncio de que sairão do Acordo de
Paris não desobriga os EUA de participar do encontro. É aí que mora o perigo. O
risco de Trump sair atirando ameaça o documento que o Brasil espera fechar para
selar sua liderança no tema.
Até lá, notas oficiais dependerão de instâncias como o
Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, se pronunciar, ao menos, com uma
tentativa de voto. A ordem é se guiar pelas “regras do jogo”. A dúvida é se
será possível segurar a peteca com um Donald Trump que nem jogo quer.
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