Todo mundo no governo continua achando que a taxa de
juros já estava e continua alta demais
Não faz muito tempo, Lula disse
que a única coisa fora de lugar na economia brasileira era a taxa de juros. E
que a culpa era do então presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, tratado como adversário do governo e inimigo da pátria.
Hoje, a taxa básica de juros (Selic) está mais alta — 13,25%
ao ano. Seria elevada, na semana passada, numa reunião em que sete dos nove
diretores do BC estão lá por indicação de Lula. Inclusive o “companheiro” Gabriel
Galípolo, novo presidente da instituição.
Mas a culpa continua sendo de Campos Neto, na opinião de
Lula. Na entrevista que concedeu, ele disse que a alta da taxa era esperada,
pois havia sido definida em decisão do “outro presidente” do BC. De fato, foi
na última reunião presidida por Campos Neto que o Comitê de Política Monetária
do BC (Copom) aumentou a Selic para 12,25% e anunciou que aplicaria mais duas
altas da mesma magnitude nas reuniões seguintes, de janeiro e março de 2025.
Mas o companheiro Galípolo estava lá. Era
diretor de Política Monetária do BC e votou a favor do choque de juros. Lula
deixou de lado esse detalhe, digamos assim. Preferiu manifestar a expectativa,
ou, talvez, a convicção, de que a diretoria comandada por Galípolo, com maioria
indicada por Lula, conduzirá os juros e a inflação para
baixo. Teve o cuidado, porém, de colocar uma ressalva: quando a política
permitir. Não disse em que circunstâncias isso ocorreria.
Aumentar os juros para derrubar a inflação é justamente uma
das tarefas de qualquer banco central. Conseguida a queda da inflação, os juros
caem em seguida. A diferença é que, para Lula, elevar a Selic sob Campos Neto
era sabotagem. Agora, passa. Esse novo discurso de Lula, mais amigável ao
mercado, pode ser a explicação para a dura decisão do Copom em dezembro passado
— quando elevou a Selic em 1 ponto percentual e anunciou duas altas iguais.
Não é incomum que bancos centrais anunciem seus próximos
passos. O mais comum, entretanto, é que apontem a tendência e deixem para
cravar a decisão na reunião seguinte. Sabe como é, as coisas podem mudar — e
têm mudado muito nos últimos tempos, no Brasil e no mundo.
Quando o Copom se reuniu em dezembro, havia muita
especulação sobre a política econômica de Donald Trump,
mas nada de concreto. Era um momento de instabilidade. Mas o Copom cravou o que
deveria fazer nas próximas duas reuniões, três meses à frente. Talvez não tenha
sido intencional, mas isso facilitou a vida de Galípolo. Ele assumiu o BC em
janeiro com o choque de juros já contratado.
Sim, a nova diretoria poderia alterar sua interpretação para
dizer que o choque não era mais indicado. Mas pega muito mal quando qualquer
banco central muda bruscamente sua política. Gera tremenda falta de confiança.
Logo, o “companheiro” Galípolo e seus diretores, que votaram por unanimidade,
estão praticamente obrigados a levar a Selic até 14,25%.
Era certo, em dezembro passado, que a inflação havia
ultrapassado o teto da meta e seguiria assim por meses. Os juros tinham de
subir. E seria desconfortável, digamos assim, que Galípolo comandasse sua
primeira reunião elevando a Selic.
Teoria conspiratória? Vai saber.
Todo mundo no governo Lula continua achando que a taxa de
juros já estava e continua alta demais. O ministro Haddad disse com todas as
letras que o remédio, juro alto, pode causar mais danos que benefícios se
aplicado em excesso.
Ficamos assim, portanto: só se saberá a orientação da nova
diretoria do BC na reunião de maio, quando não estará mais amarrada. No
encontro de janeiro, o novo Copom disse que cumpriria em março o choque
pré-anunciado, mas não indicou tendências dali em diante. Considerando que as
projeções do próprio BC mostram a inflação acima da meta até 2026, é quase
unanimidade entre analistas que a Selic não pode parar nos 14,25%.
O mercado gostou do tom mais amigável de Lula. Gostou também
que o Copom tivesse mantido o compromisso. E para maio? Veremos.
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