terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

VITÓRIA DE MERZ NA ALEMANHA EMBUTE ALERTA SOBRE AVANÇO DE PARTIDOS RADICAIS

Editorial O Globo

Legendas de centro ganham chance de aliviar angústias econômica e migratória, mas pode ser a última

Com previsão de obter 208 entre 630 cadeiras no Parlamento, a União Democrata-Cristã (CDU) venceu as eleições de domingo na Alemanha. Em parceria com a bávara União Social-Cristã (CSU), os conservadores liderados por Friedrich Merz receberam a maior fatia dos votos (28,5%) e têm agora a missão de costurar uma coalizão para assumir o governo. Desde a saída de Angela Merkel do poder, a legenda de centro-direita estava na oposição. Agora, o cenário mais provável é uma aliança com o Partido Social-Democrata (SPD), do impopular chanceler Olaf Scholz, que obteve 16,4% dos votos e 120 cadeiras. Apesar de representar um alívio por manter o poder nas mãos dos mais tradicionais partidos alemães, a vitória também representa um alerta.

O resultado é o segundo pior da história da CDU desde a Segunda Guerra, apenas quatro pontos percentuais acima do pior desempenho, registrado em 2021. O SPD, principal sigla de centro-esquerda, perdeu 9 pontos percentuais desde a eleição anterior e, pela primeira vez, ficou em terceiro lugar. As duas grandes forças políticas do Pós-Guerra sofreram erosão. Se não derem resposta à altura da demanda do eleitorado, estará pavimentado o caminho para os extremistas, que alcançaram resultado inédito nas eleições.

A Alternativa para a Alemanha (AfD), legenda de ultradireita, foi a que mais avançou. Com a adesão de jovens e eleitores que não costumam votar, dobrou sua fatia do eleitorado para 20,8% e conquistou 152 cadeiras. O discurso contra imigrantes lhe rendeu o melhor resultado de um partido radical na política alemã desde a vitória nazista em 1933. Não fará parte da coalizão governista porque os partidos de centro se recusam. O partido A Esquerda, outra legenda radical que nem sequer ultrapassara a cláusula de desempenho de 5% em 2021, recebeu 8,8% dos votos e conquistou 64 cadeiras.

A razão para o crescimento da votação entre os extremistas é conhecida. A economia alemã está em recessão há dois anos, enquanto os países ricos cresceram em média 1,7% ao ano. O setor automotivo, símbolo da pujança industrial, ficou para trás na corrida da eletrificação. O investimento menor em infraestrutura e educação teve impacto na produtividade. Digitalização lenta e inovação deficiente também preocupam. Para o eleitor, está claro que o país já viveu tempos melhores.

Tal conjuntura é terreno fértil para a xenofobia, explorada por radicais. Em 2015, Merkel permitiu a entrada de centenas de milhares de estrangeiros em busca de trabalho e asilo. Apesar de os refugiados não serem, segundo estudos, mais propensos a cometer crimes, atentados terroristas têm sido mais frequentes e contribuído para ampliar temores. Para atender à preocupação dos eleitores, Merz tem prometido medidas mais duras, como dificultar os pedidos de asilo. A sensação é que, com o resultado das urnas, os partidos de centro ganharam uma chance de tentar aliviar as angústias do eleitor nas políticas econômica e migratória. Se não der certo, pode ser a última — e os extremistas estão à espreita.

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