Petista tem chance de, a partir do desmonte rápido da
democracia norte-americana, se mostrar como democrata e superar momento de
dúvida sobre seu governo
A vertiginosa alternância de poder em diversos países nos
ciclos eleitorais mais recentes é uma demonstração da enorme dificuldade de
governos de qualquer orientação ideológica e econômica para dar respostas
rápidas e convincentes a problemas cada vez mais complexos, do trabalho à
emergência climática. A volta de Donald Trump ao poder — a despeito da invasão
ao Capitólio e de todas as promessas alarmantes que fez, reiterou e agora põe
em prática de cambulhada e dobrando a aposta — foi a maior evidência dessa
realidade que desafia a resiliência do próprio conceito de democracia.
Mas o desmonte generalizado e sem precedentes que o
republicano vem praticando nestes dois meses em que está de volta ao cargo mais
poderoso do mundo pode ser, finalmente, um freio nessa porta giratória entre
governos de direita, quando não de extrema direita, e de centro-esquerda em
alguns países onde essa dinâmica tem se repetido, como Brasil e Argentina.
Não demorou muito para que Trump, com uma diplomacia que o
semanário britânico The Economist comparou ao funcionamento das máfias,
passasse a enfrentar oposição de ruralistas, setores poderosos da indústria e
dos gigantes das finanças, para ficar apenas em atores que aberta ou
veladamente o apoiaram.
Imprensa, academia, comunidade científica e
intelectualidade em geral, segmentos que sempre foram pilares do enfrentamento
aos abusos do presidente americano desde seu primeiro mandato, têm aumentando o
volume das críticas, e os protestos já ganham as ruas dos grandes centros.
Por fim, as instituições, depois de certa apoplexia com o
começo pé no acelerador de Trump, começam a finalmente exercer seu papel de
anteparo legal e administrativo a suas maluquices, e aqui estão incluídos o
Congresso, inclusive setores do Partido Republicano, as agências alvos de sua
sanha demolidora e a Justiça, para ficar em algumas das principais.
Se, por aqui, causa pânico nos governistas e certo regozijo
na direita a crise de popularidade de Lula, Trump demorou menos de três meses
para que o contingente de americanos que o rejeitam superar o daqueles que o
apoiam — uma corrosão bem mais rápida e que está só no começo.
Portanto os bolsonaristas que se apressaram a viajar para os
Estados Unidos com dinheiro público, vestiram boné e esfregaram as mãozinhas na
expectativa de que a onda que elegeu Trump por lá bateria aqui em 2026 e
levaria à volta da direita ao poder talvez tenham se apressado, uma vez que o
temor com o estrago causado pelo republicano por lá pode ser uma chance
justamente do oposto: de Lula ter a oportunidade de redirecionar o barco,
retomar as rédeas da política e usar o que acontece nos Estados Unidos como
novo alerta de que a polarização extremada pode ser letal para um país.
A reação do mundo democrático e de outras potências, como a
China, às ameaças cada vez mais tresloucadas de Trump também oscilou, a
princípio, entre a incredulidade, o pânico e a capitulação.
Como grande parte das medidas anunciadas, sobretudo as que
levam ao recrudescimento da guerra comercial, deve trazer, já no curto e médio
prazos, consequências amargas para a economia americana, não demorará para que
esses parceiros se sintam mais calçados para fincar o pé e reagir.
Lula percebeu que não seria o melhor caminho se intimidar
com a retórica e a prática incendiárias de alguém que voltou disposto a tocar
fogo no parquinho. Foi no tom exato e adequado a fala do presidente brasileiro
em Minas nesta terça-feira, quando, diante do governador Romeu Zema, um dos que
estavam excitados com a volta de Trump à Casa Branca, disse o óbvio:
— Diplomacia não pode ser feita na base do grito, e líderes
de nações soberanas e democráticas conversam de forma civilizada.
Isso faz com que o brasileiro retome uma de suas prioridades
nesta gestão: ser visto como líder capaz de equilibrar um mundo desalinhado e
polarizado. Internamente também funciona como demonstração de que, a despeito
de eventuais reparos que se façam ao seu governo, o presidente brasileiro age e
governa como um democrata, atributo de que Trump a cada dia mais se afasta.


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