quarta-feira, 5 de março de 2025

QUE PAÍS É ESTE AFFONSO ?

Ricardo Soares, Todo Prosa

   Hoje nada irá superar a beleza do depoimento da atriz e criadora Alessandra Colasanti acerca da morte de seu pai Affonso Romano de Sant’anna, um poeta que se vai no Brasil e do Brasil no momento em que tanto precisamos de (boa) poesia. E , falando de pátria, ( amada ou não) foi justamente seu poema “Que país é este?’ que o tornou mais conhecido em tempos idos e vividos. Então, apesar do insuperável depoimento de sua filha, a quem também homenageio, faço igualmente menção ao apartamento de Ipanema ao qual ela se refere no seu texto. 

    Estive nesse acolhedor apartamento (“ Chegou o dia. O apartamento de Ipanema está vazio agora. Hoje bati a porta da casa da minha infância e não havia ninguém lá dentro. Vazia pela primeira vez em muitos anos. Depois que meus pais adoeceram, sempre tinha gente em casa. Sobrevivem soberanos, porém, um sem-número de livros, todas as lembranças e uma pequena coleção de grandes lutos”- diz um trecho do escrito deAlessandra) mais de uma vez. Em uma delas pra gravar um programa de televisãocom o casal literário na época em que eu dirigia e apresentava um programa de literatura. 

    Quando se entra ou atravessa um lar alheio a primeira impressão é a que fica. E ao entrar no ninho ( inclusive literário) do Affonso e de Marina Colasanti para mim ficou uma aura de harmonia, poesia, sossego e tranquilidade numa espécie de ilha suspensa de Ipanema rodeada de plantas, livros e palavras. Na cobertura que habitavam, o escritório dele ficava defronte ao dela e um podia observar o outro trabalhando pois eles eram envidraçados e ladeados por uma laje repleta de vegetação. Haveria de ter espaço mais propicio para a criação ? sei não... sei que o programa ficou bonito os depoimentos deles ( colhidos em separado) ficou uma belezura e mais de 20 anos se passaram e nem sei se nesse período voltei a vê-los. Ficou pra mim , indelével, aquela lembrança do casal com história tão atípica e bela. E mais não digo e nem precisa. 

    Confesso que nem sempre gostei dos textos de Affonso e da Marina. Confesso que muitas vezes gostei dos textos de ambos. E isso não tem a menor importância. O importante é registrar com respeito e boa memória o legado poético ( na vida e na arte) que deixaram . E que exemplifico com um pequeno trecho do “que país é este ?” do Affonso , atualíssimo , onde ele dizia :” Uma coisa é um país/ outra um fingimento/ Uma coisa é um país/ outra um monumento./ Uma coisa é um país, outra o aviltamento.” 

    P.s – o que ilustra essa postagem é a reprodução de um poster com um trecho do poema do Affonso com ilustração de Paulo Garcez que ganhei ou comprei numa remota Bienal do livro e que só hoje, ao redescobri-lo, me dei conta que ao pé dele o autógrafo do Affonso não foi feito para mim e sim para minha primeira ex-mulher que me acompanhava naquele encontro .

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