quarta-feira, 5 de março de 2025

REGIMES POLÍTICOS E ECONOMIA

Tiago Cavalcanti, Valor Econômico

Pesquisa dois dias após o 8 de janeiro registra que 36,8% das pessoas apoiavam um golpe de Estado no Brasil

A rápida e desafiadora transformação econômica e social da China sob um regime político centralizado tem se dado em paralelo à ascensão de políticos “anti-establishment”, que se colocam acima das instituições, nos EUA e em países da Europa. Com isso, avança o fortalecimento da visão de que o modelo político predominante no Ocidente representa um obstáculo para o desenvolvimento econômico.

Na essência deste argumento, está a conjectura de que a chamada democracia liberal impõe processos decisórios lentos devido à necessidade de maiorias e convergências institucionais, dificultando a implementação de reformas estruturais. Além disso, políticos eleitos podem priorizar medidas populistas de curto prazo em vez de políticas econômicas sustentáveis com retornos apenas no longo prazo. Em contraste, regimes baseados no centralismo do poder têm melhores condições de agir rapidamente, promovendo transformações aceleradas e investimentos em projetos com altos retornos no curto e longo prazo.

Por outro lado, existe a hipótese de que a democracia liberal, modelo dominante na ordem institucional dos Estados Unidos e dos países europeus a partir da segunda metade do século XX, seja um fator de grande peso positivo para o desenvolvimento econômico. Isto porque gera estabilidade institucional, segurança jurídica e transparência, fatores essenciais para viabilizar investimentos privados. De acordo com alguns pesquisadores, este modelo reduziria riscos de decisões arbitrárias, favorecendo políticas econômicas mais sustentáveis. Ademais, ao buscar maior participação popular, incentivaria investimentos em educação, saúde e infraestrutura, pilares do desenvolvimento de um país. Neste modelo, a liberdade de imprensa tem papel fundamental ao ajudar na fiscalização da sociedade, reduzindo a corrupção e aumentando a eficiência do setor público.

Se o voto universal estivesse em vigor no início do seculo XX, a extrema pobreza estaria extinta em 1960

É importante ressalvar que a democracia liberal nos EUA e na Europa é relativamente um sistema político jovem, a exemplo de que apenas a partir de 1965 os negros americanos ganharam efetivamente o direito ao voto e o direito ao sufrágio feminino na Suíça foi permitido apenas em 1971. No entanto, o que a evidência empírica mostra a respeito dos impactos do modelo institucional político do Ocidente sobre o desenvolvimento dos países? Seria o caso da China uma exceção?

Em um influente artigo de 2019, publicado no Journal of Political Economy, Daron Acemoglu, Prêmio Nobel de Economia do ano passado, com colaboradores, investiga, em uma amostra de 175 países, exatamente como a democracia liberal influenciou o progresso econômico dos países.

Usando diferentes técnicas estatísticas, os economistas estimam o impacto sobre a economia da expansão deste modelo ao redor do mundo entre 1960 e 2010. As estimações corroboram a hipótese de que a democracia liberal impulsionou positivamente o desenvolvimento econômico dos países. Os resultados indicam que, na média, um país que fez a transição para este modelo, no período analisado, alcançou uma renda per capita aproximadamente 20% maior no longo prazo do que um país que permanece sob um regime centralizado.

Os pesquisadores mostram ainda que a democracia liberal contribui para o crescimento ao aumentar o investimento, incentivar reformas econômicas estruturais, melhorar a educação, a saúde e reduzir a instabilidade social. Portanto, os resultados corroboram a hipótese de que o modelo ocidental prevalecente proporcionou estabilidade institucional e ajudou em reformas que incentivaram a provisão de bens públicos.

E quais são as lições para o Brasil? Segundo a Polícia Federal (PF), há fortes indícios de que o ex-presidente Jair Bolsonaro orquestrou um golpe de Estado após a eleição do presidente Lula em 2022. A investigação da PF tem provas de que reuniões foram realizadas no Palácio do Planalto e na residência oficial da Presidência para discutir estratégias para reverter o resultado da eleição de 2022. Conversas gravadas e depoimentos de comandantes do Exército estão sendo utilizados como provas contra o ex-presidente e alguns de seus aliados.

Sem entrar no mérito da operação “Hora da Verdade” da PF, uma pesquisa recente do instituto AtlasIntel mostrou que 36,3% dos brasileiros eram favoráveis a um golpe de Estado após o segundo turno das eleições presidenciais de 2022, quando o presidente Lula derrotou Jair Bolsonaro. Esse número é parecido com a entrevista de 10 de janeiro de 2023, dois dias após a invasão e depredação da sede dos Três Poderes em Brasília. Nesta entrevista de 2023, 36,8% das pessoas apoiavam um golpe de Estado no Brasil.

Em um trabalho recente que realizei com Pedro Cavalcanti Ferreira, Filipe Fiedler, Luciene Pereira e Cezar Santos, investigamos, por meio de um modelo econômico em que os indivíduos votam na distribuição dos gastos públicos em educação nos diferentes níveis de ensino, como a restrição ao voto influenciou profundamente a nossa história. Mostramos que, se o sufrágio universal tivesse sido implementado no início do século XX, em vez do final dos anos 1980, teríamos investido uma parcela significativamente maior dos nossos gastos educacionais no ensino fundamental e médio, em detrimento do ensino superior. Nesse caso, a extrema pobreza estaria praticamente extinta em 1960, enquanto, ainda hoje, mais de 20% da população do país vive em condições de extrema pobreza.

Alguns pensadores argumentam que a democracia liberal tem um valor intrínseco. Alexis de Tocqueville, influente no pensamento liberal americano, afirmou no século XIX que a liberdade individual e a igualdade de condições na política são princípios fundamentais deste modelo. A liberdade de expressão e a descentralização administrativa são, para o pensador francês, essenciais para preservar a institucionalidade e garantir a prosperidade social e econômica a longo prazo. O trabalho empírico de Acemoglu com coautores sustenta fortemente esta hipótese.

Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998, afirmou, em artigo de 1999, que, em um futuro distante, as pessoas terão dificuldade em não considerar a democracia liberal como a forma de governança preeminentemente aceitável. Dado o percentual de apoio ao golpe de Estado no Brasil, parece que a previsão do Prêmio Nobel de Economia de 1998 ainda está longe de ser concretizada.

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