Somos um país muito presente na internet, onde se
articulam atentados em escolas, assassinatos e outros crimes
Três homens foram presos no Domingo de Páscoa. Planejavam
matar um morador de rua, no Rio, e transmitir o crime ao vivo pela rede
Discord. A notícia passou um pouco batida. Para mim, que acompanho algumas
pesquisas, como as de Michele Prado sobre extremismo na internet, foi mais um
sinal do tenebroso subterrâneo das redes sociais.
Por coincidência, um órgão da ONU,
o Instituto Inter-Regional de Pesquisa sobre Crime e Justiça das Nações Unidas
(Unicri), lançou um documento sobre o abuso das tecnologias digitais, focando
na América Latina, África e Ásia. É um texto de 84 páginas que recomenda
aumentar o investimento em investigações, a intensidade das pesquisas e a
responsabilidade das big techs.
Os esforços de pesquisa sobre extremismo
sempre se concentraram no Oriente Médio. As lentes se voltam para outros
cantos. Ficamos sabendo de organizações de extrema esquerda, como a
Individualistas que Tendem ao Selvagem, que atua no México. O texto
passa também por supremacistas brancos da África do Sul e
organizações na Índia voltadas
para defender a “essência”do hinduísmo.
O Brasil tem destaque no relatório. Somos um país muito
presente na internet, espaço onde se articulam os crimes que passam por
atentados em escolas, assassinatos e outros típicos da rede, como o ataque
DDoS, que consiste em inundar com chamadas um endereço para que pare de
funcionar.
O destaque brasileiro no relatório é uma organização chamada
Nova Resistência Duginista. Quase totalmente desconhecida da mídia, é uma
organização muito falada no mundo clandestino. Ela diz seguir os ensinamentos
de Alexander Dugin, intelectual russo cujo livro mais conhecido se chama “A
quarta teoria política”. Ele defende a expansão do poderio russo e propõe um
novo tipo de fascismo revolucionário, que poderia também encontrar algum eco na
extrema esquerda preocupada em destruir o sistema.
A Nova Resistência recrutou nas redes voluntários para lutar
ao lado dos russos contra a Ucrânia. Foi
acusada pelos Estados Unidos de
disseminar fake news em favor da Rússia. Essas
organizações atuam na internet com dispositivos de comunicação interna e
externa. Usam crowdfunding para se financiar e trabalham também com
criptomoedas. Os textos da Nova Resistência afirmam que a organização levou
brasileiros para Donbass, na Ucrânia, com fins humanitários e jornalísticos, e
que atua de acordo com as leis brasileiras.
Esse é o lado mais intelectualizado. Há aspectos mais
abertamente violentos nos subterrâneos das redes. São grupos que atuam em
plataformas menores, mas constantemente enveredam pelo TikTok.
Um deles se intitula Ordem dos Nove Ângulos e propaga a
violência de forma irrestrita, inclusive automutilação. O instrumento de
trabalho também são os games. O Center on Extremism da Liga Antidifamação
identificou, recentemente, uma grave ameaça na plataforma Roblox. Um grupo
chamado Active Shooter Studios cria jogos para a Roblox simulando massacres
escolares reais, como o de Columbine, e atentados com motivação racista. A
ideia é se colocar no papel de atirador ou de vítima, com gritos, sangue e simulação
de suicídio.
As organizações abordadas pelo relatório da ONU são
principalmente as que têm mensagem política, como o fascismo da Nova
Resistência, a supremacia branca dos sul-africanos, o hinduísmo radical na
Índia. No subterrâneo atuam grupos com uma mensagem de pura violência como a
True Crime Community. Funcionam na verdade como porta de entrada para todas as
ideologias que propõem o colapso social pela violência.
No Brasil, há vigilância social por meio de sites como o
Stop Hate Brasil e estruturas de investigação na Polícia
Federal e em alguns estados. Tudo ainda é muito pouco para dar conta
desse universo subterrâneo, mas em contato permanente com a superfície onde as
big techs investem pouco no controle e, em certos casos, mal compreendem outro
idioma que não seja o inglês.
Artigo publicado no jornal O Globo em 28 / 04 / 2025


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