sábado, 31 de maio de 2025

UM PAÍS SEM ELITES

Marco Aurélio Nogueira*, O Estado de S. Paulo

O Brasil não reconhece mais a si próprio, não consegue compreender a profundidade das mudanças em curso e não faz escolhas inteligentes

Nenhuma sociedade pode ser indiferente à sua história. Ela transmite características que condicionam o modo como as sociedades vão se forjando. Pode até mesmo fornecer certas “vantagens”. É preciso, portanto, avaliar com rigor o “peso do passado”.

No imaginário brasileiro, porém, o passado seria uma maldição. Fomos nos acostumando a selecionar aspectos particularmente nefastos de nossa história – a escravidão, as ditaduras, as desigualdades reproduzidas ao longo do tempo – para, então, concluir que estamos avançando com bolas de chumbo presas aos pés, levando-nos a buscar modelos externos (países europeus ou os Estados Unidos) para nos inspirar. Com isso, deixamos de lado o que houve de virtuoso e “vantajoso” antes.

Num importante livro recém-publicado – Sinfonia barroca: o Brasil que o povo inventou (Ateliê de Humanidades, RJ, 2025) –, o cientista político Rubem Barboza Filho nos convida a seguir outro rumo. Com uma pesquisa minuciosa e amplo diálogo com as Ciências Sociais, ele argumenta que, no Brasil colônia, uma rala população de indígenas, negros, estrangeiros e mestiços conseguiu forjar uma sociedade impressionantemente dinâmica e aberta, que não só ocupou o vasto território de que dispúnhamos, como também ativou uma economia produtiva que atingiu o auge no final do século 18, impulsionada pelo comércio, pelo trabalho com a terra e pelo ciclo do ouro.

Aquela sociedade não cresceu estruturada, não dispôs de instituições que lhe dessem coesão nem de um poder central que a dirigisse. A Coroa portuguesa estava distante e o território era vasto demais para ser administrado por quem quer que fosse. Foi-se então constituindo uma sociedade composta de diferentes “socialidades”, sem uma estrutura clara. A população, ao se distribuir pelo território, assumiu a forma de uma multidão, que adquiriu alguma coalescência graças à elaboração de uma linguagem comum, que misturava o português, as línguas indígenas e africanas, algo de francês e espanhol, para criar uma língua nova, que aos poucos passou a ser falada por todos, funcionando como elo de coesão.

Para Barboza Filho, no decorrer dos três primeiros séculos emergiu “uma forma de vida criada de baixo para cima, num constante aprendizado da multidão de homens e mulheres comuns, economicamente dinâmica e politicamente mais aberta, socialmente complexa e mestiça no plano cultural e religioso”. A experiência teve grande originalidade e projetou a colônia para o mundo. No início do século 19, o Brasil produzia riqueza comparável à dos Estados Unidos.

Com a Independência, surge um poder central que, bem ou mal, passa a cobiçar o território de modo mercantil, concorrendo com a multidão produtiva que preexistia. Pior: avolumou-se a escravidão, que se tornou negócio extremamente lucrativo e se articulou com o “ciclo do café”. Por um lado, isso rebaixou negros e indígenas; por outro, dividiu o País entre um Sudeste rico e um “resto” quase abandonado. A própria multidão criativa perdeu dinamismo. No final do século 19, a riqueza nacional era dez vezes menor do que a norte-americana. Nem a República mudou o cenário.

Vieram depois os anos 19201930, a ditadura de Vargas com sua valorização autoritária do povo trabalhador. Mais tarde, o golpe de 1964, com sua “modernização demofóbica”. O retorno à democracia, a partir de 1985, trouxe esperanças e novas possibilidades, mas na sequência aprofundou-se o embate político entre as forças que se destacaram na transição (MDB, PT e PSDB). O Brasil entrou no século 21 com a política ficando progressivamente inoperante e alheia à nova estrutura do mundo.

O livro de Barboza Filho chama a atenção para uma de nossas chagas históricas: a inexistência de “elites”, lideranças imbuídas de um propósito maior, de uma visão abrangente e de caráter público e estatal. As “elites” que por aqui surgiram não proliferaram nem alçaram voo.

A recuperação de nosso passado “virtuoso” e dos entraves que impediram sua florescência é um desafio para nosso imaginário e nossa inteligência científica. Hoje, o Brasil não reconhece mais a si próprio, não consegue compreender a profundidade das mudanças em curso e não faz escolhas inteligentes para enfrentar os desafios atuais e aplainar o futuro. Flutua como um transatlântico à deriva, sem controle do leme. Não sabe buscar em seu povo o fator fundamental para se emancipar democraticamente. A própria política que aqui se pratica está apodrecida, sem partidos e líderes de envergadura. Focada em eleições.

Seguimos acreditando que a solução para nossos dilemas passa por figuras carismáticas ou por instituições redentoras (as Forças Armadas, o Supremo Tribunal Federal). A extrema direita grita e mobiliza, mas nada propõe. A esquerda fala em “revolução social”, mas não sabe qual é seu agente.

Poucos percebem que um programa ousado de ação precisa ser sustentado por um bloco de forças orientado por uma ideia de futuro para todos.

É um buraco com que dialogamos há décadas e que não temos conseguido ultrapassar.

*Professor titular de teoria política da Unesp

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ONDE O TEMPO NÃO PASSOU

André Gustavo Stumpf, Correio Braziliense

Políticos de todos os quilates e ideologias carecem de uma atualização de seus conceitos políticos. Precisam ser contemporâneos de seu tempo

O debate da ministra Marina Silva com os senadores, antes e além das questões pessoais ou eventuais grosserias, demonstrou algumas verdades. O governo não se mobilizou para defender sua ministra do Meio Ambiente. Ela foi jogada às feras e ficou só. Os senadores não conseguiram conduzir um questionamento coerente, do que derivaram os ataques pessoais. Por último, a ministra perdeu a oportunidade para expor os motivos pelos quais até hoje não autorizou o asfaltamento da BR-319, a rodovia que liga Manaus a Porto Velho e, por consequência, ao resto do país. Uma boa oportunidade perdida por todos, inclusive pelo governo Lula, que vive na corda bamba. Não consegue defender a ministra nem avançar nas questões ambientais. Fica estacionado no discurso de boas intenções. 

Aliás, a esquerda brasileira não percebeu que o tempo passou. Recentemente, no âmbito da disputa interna pela presidência do PT, as palavras de ordem voltaram ao passado: reclamações coléricas contra as taxas de juros, contra a gestão do Banco Central (cujo presidente foi nomeado pelo presidente Lula), a concentração de renda e a especulação imobiliária. O partido precisa de inimigos externos óbvios, capazes de ser explicitados numa palavra de ordem diante da massa. Uma espécie de grito de guerra. Mas o grupo continua sem demonstrar preocupações com o desenvolvimento nacional, nem fixar metas de um governo razoavelmente organizado. No quesito educação, o pessoal do Ceará deveria apresentar avanços notáveis, mas o governo do PT não entregou nada do prometido. O índice de analfabetismo continua elevado.

Nos anos de governo militar, era relativamente simples fazer oposição ou mobilizar a opinião pública. Bastava denunciar os desvios cometidos pelos generais, falar da absurda dívida externa e da submissão aos bancos estrangeiros e da permanente interferência do Fundo Monetário Internacional (FMI) na vida do país. O Brasil importava todo o petróleo que consumia. Havia um monstrengo chamado conta-petróleo, que era o custo de manter o país funcionando pelo esforço de importar milhões de barris por dia. O país chegou a adotar racionamento de combustível no governo Geisel. Naturalmente, a inflação atingiu níveis estratosféricos.

É preciso perceber que o país melhorou em diversos aspectos. A dívida externa desapareceu, a inflação foi contida, o petróleo jorrou na área chamada de pré-sal (hoje o país exporta mais de 1 milhão de barris/dia) e avançou na administração pública por intermédio das reformas promovidas pelo governo Fernando Henrique Cardoso. O PSDB, curiosamente, desapareceu da política nacional, o que é um sinal gritante de que a política nacional se reduziu ao confronto entre dois extremos. Nenhum deles tem propostas para melhorar a vida brasileira. O governo anterior errou na vacina, na relação com os brasileiros, não soube vencer a eleição e cometeu uma tentativa estabanada de golpe de Estado. Seu filhote perambula pelos Estados Unidos correndo o chapéu e pedindo apoio do governo Trump para interferir na política interna brasileira. 

 A globalização modificou a maneira de produzir e consumir no mundo ocidental e provocou um espetacular crescimento de países do oriente. A área do Oceano Pacífico passou a ser a região mais rica do planeta. Superou o Atlântico. Os anos sessenta e setenta produziram enormes conglomerados financeiros e industriais, enriqueceram nações antes pobres e fizeram os empregos mudarem de país. A principal consequência no terreno da política foi o surgimento de uma direita violenta, reacionária e agressiva. Donald Trump, que persegue universidades com a mesma violência que expulsa estrangeiros, é o símbolo deste momento.

Aquela esquerda surgida no Brasil após a Assembleia Constituinte perdeu o sentido. A explosão do agronegócio modificou as relações pessoais, trabalhistas e contratuais no campo. O fazendeiro opera em dólar, negocia em bolsas no exterior e compra implementos agrícolas sofisticados. Goiânia, hoje, é a capital brasileira da soja. Cidade rica e bonita. Não é por acaso que o governador de Goiás é candidato à Presidência da República.

Políticos de todos os quilates e ideologias carecem de uma atualização de seus conceitos políticos. Precisam ser contemporâneos de seu tempo, época da comunicação instantânea, de grandes ameaças à terceira guerra mundial, de diplomacia difícil e de um mundo interligado pelos computadores. E da duvidosa facilidade da inteligência artificial. Os brasileiros gostam de progresso. O governo do presidente Lula não entregou o que prometeu. Distribui benesses com objetivo de se cacifar para o grande embate da eleição de 2026. Esqueceu suas promessas, inclusive que não iria elevar impostos.

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MORRE MARIO ADLER

Do g1 SP

Mario Adler, ex-presidente da Estrela e criador do Dia das Crianças, morre em SP aos 86 anos

Empresário atuou nos últimos anos como voluntário de diversas instituições benemerentes. Foi também membro do Conselho da Confederação Nacional Israelita do Brasil (Conib). A causa da morte não foi revelada.

O empresário Mario Adler, ex-presidente da Brinquedos Estrela e criador do Dia das Crianças no Brasil, morreu na sexta-feira (30) em São Paulo aos 86 anos. A causa da morte não foi divulgada.

O sepultamento será realizado neste domingo (1º), no Cemitério Israelita do Butantã, na Zona Oeste.

Seus pais, os judeus alemães Sigfried e Lizelote, fundaram a Estrela e Mario seguiu o legado, tornando-a sinônimo de brinquedos e uma das maiores indústrias do Brasil. Foi presidente da empresa até 1993, quando a vendeu.

Nos últimos anos atuou como voluntário de diversas instituições benemerentes.

Em nota, a Confederação Nacional Israelita do Brasil (Conib), de quem Mario foi diretor e membro do conselho, lamentou a morte: "Foi empresário incansável em sua atividade, líder comunitário e figura de grande destaque também na filantropia".

O empresário foi o criador do Dia das Crianças no país, uma das mais importantes datas para o comércio, comemorada em 12 de outubro. Em entrevista ao "Estadão" em 2017, ele, comentou a criação: "Acreditávamos que seria uma ação de marketing interessante para incrementar os negócios, mas não tínhamos a menor noção da importância que iria adquirir com o tempo".

Segundo informações do acervo do Memorial da Imigração Judaica, Mario contou que seus pais tiveram de deixar a Alemanha na década de 1930, com a ascensão de Hitler e dos nazistas ao poder. Em 1937 chegaram, segundo o memorial, "praticamente sem nada nos bolsos".

"Um amigo de Sigfried lhe deu uma representação para vender um tipo de tampa de garrafa. Começou então, a procurar clientes para este produto, e até que se deu bem. Mario conta que seu pai achava 'muito chato' vender tampinhas de garrafa e que perguntou a um amigo se ele não sabia de algo melhor para que ele pudesse fazer, alguma novidade", diz o texto do museu.

Uma oficina que fazia bonecas de pano falida foi a sugestão do amigo ao pai de Mario. "A oficina se resumia a quatro máquinas de costura em um sobrado, onde embaixo funciona uma escola de samba. O nome da oficina era Estrella, com dois eles na ortografia antiga."

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sexta-feira, 30 de maio de 2025

MANDATO CASSADO

Bruno Tavares, g1 SP e TV Globo — São Paulo

A Justiça Eleitoral cassou o mandato do vereador Rubinho Nunes (União) e o declarou inelegível por 8 anos por divulgar nas redes sociais um laudo médico falso que atribuía ao então candidato a prefeito Guilherme Boulos (PSOL) o uso de cocaína e um surto psicótico.

A decisão é da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo; cabe recurso e ele pode recorrer ainda no cargo.

Segundo a sentença, a publicação feita por Rubinho dois dias antes do 1º turno das eleições de 2024 configurou uso indevido dos meios de comunicação social, abuso de poder político e fraude à legislação eleitoral.

Em nota, o vereador afirmou: "Respeito a decisão do magistrado, mas discordo veementemente. A decisão é de primeira instância e iremos recorrer ao TRE com consciência de que não houve qualquer ilegalidade. Em relação à repostagem do laudo, esta ocorreu pois havia sido publicada pelo candidato a prefeito, sem qualquer interferência minha. Tão logo surgiram notícias de eventual falsidade do laudo, a postagem foi imediatamente retirada. Ficou no ar pouco mais de 20 minutos".

O laudo, que circulou no Instagram do vereador em 4 de outubro e havia sido divulgado pelas redes sociais do empresário Pablo Marçal (PRTB), dizia que Boulos estaria em surto psicótico e teria testado positivo para cocaína. A informação foi desmentida e classificada como falsa por perícia da Polícia Científica, já que o médico indicado no documento estava morto havia anos.

Na quinta (29), o Ministério Público Eleitoral de São Paulo denunciou Marçal à Justiça Eleitoral pela divulgação do documento falso.

RELEMBRE: é #FAKE o laudo que Marçal usou para acusar Boulos de uso de drogas

A Justiça apontou que Rubinho manteve a postagem por 26 minutos, período suficiente para receber quase 4 mil curtidas e se espalhar pela internet.

A ação foi movida por Leonardo dos Reis Adorno Becker Grandini, candidato a vereador pela federação PSOL-Rede, que apontou a existência de uma estratégia organizada para desinformar o eleitorado com o objetivo de prejudicar a candidatura de Boulos e beneficiar Rubinho e o candidato a prefeito Pablo Marçal (PRTB), responsável pela primeira publicação do falso laudo.

Para o juiz eleitoral Antonio Maria Patiño Zorz, mesmo que o conteúdo tenha permanecido pouco tempo no ar, a publicação “encerra em si mesma conduta ilícita” por violar o dever de diligência e cautela exigido dos candidatos.

O magistrado afirmou ainda que Rubinho atuou com “alta reprovabilidade” e que a postagem, feita para seus mais de 400 mil seguidores, teve “potencialidade lesiva para interferir na lisura e no equilíbrio das eleições”.

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MARINA SE FORTALECE APÓS ATAQUES

Flávia Oliveira, O Globo

Numa democracia, argumentos da ministra não só podem, como devem ser debatidos civilizada e respeitosamente

Se do caos florescer um mínimo de boa política, o Brasil terá — de novo — produzido o que a juventude gosta de chamar de plot twist no roteiro sempre novelesco da História nacional. A ministra do Meio Ambiente foi acolhida, acarinhada e ouvida, como poucas vezes fora, depois da emboscada de que foi vítima em audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado. Das entrevistas e posts em rede social, emergiu o discurso político corajoso e assertivo que Marina Silva andava sem espaço para exibir. Lembrou muito a candidata a presidente de outras eleições.

Não ficaremos sabendo da reação do eleitorado, porque os institutos de pesquisa não incluem mulheres nas consultas sobre a corrida presidencial de 2026 — a exceção é a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL). Nem Simone Tebet (MDB-MS), hoje ministra do Planejamento, nem Soraya Thronicke (Podemos-MS), ambas candidatas em 2022, presenças constantes nos debates, são consideradas. É mais uma dimensão da violência política de gênero — nesse caso, pela via da invisibilidade —, que se desnudou em misoginia escancarada contra Marina no Senado.

Repercussão nas redes houve. A Quaest acompanhou as reações à aprovação pelos senadores da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, apelidado pelos apoiadores de PL Destrava Brasil; pelos críticos, de PL da Devastação. De 15 a 27 de maio, o instituto identificou pouco mais de 48 mil menções ao tema, com impacto em 52 milhões de internautas. Metade (49%) das referências eram negativas; 12%, favoráveis.

Na sequência do constrangimento imposto por senadores à ministra, a Nexus monitorou a repercussão na rede X. Marina ocupou por 24 horas o topo da lista de referências, os Trending Topics Brasil, com 343 mil citações. As manifestações de apoio predominaram tanto na plataforma de Elon Musk quanto no Facebook e no Instagram. Ainda ontem, 48 horas depois da ida ao Senado, a ministra somava 272 mil citações.

Marina foi emparedada por um parlamentar da base governista, Omar Aziz (PSD-AM). Por um senador da extrema direita, foi silenciada. Marcos Rogério (PL-RO) desligou o microfone para interrompê-la. Plínio Valério (PSDB-AM), que já falara anteriormente em enforcá-la (e segue impune), foi capaz de dizer que não respeitava uma ministra em agenda oficial no Legislativo. Desrespeitada ao cubo, em sinal de protesto e autocuidado, deixou a sala da audiência com a pilha de papéis que carregava.

O calhamaço de documentos sugeria disposição para o debate, algo que os senadores não demonstraram. Marina não é dona da verdade, mas sempre foi dedicada, coerente e capacitada na agenda de defesa do meio ambiente, dos povos originários e do desenvolvimento sustentável. Numa democracia, seus argumentos não só podem, como devem ser debatidos civilizada e respeitosamente. Isso não aconteceu nem na votação do projeto que desmonta, por flexibilizar demais, a legislação ambiental do país, nem na audiência tornada armadilha.

Por causa da brutalidade das Excelências, ela pôde vir a público em múltiplos palcos defender o que já fez e o que pretende fazer como titular do Ministério do Meio Ambiente. Diga-se, em ano de Brasil como sede da COP30, a conferência global do clima da ONU. Só quem não se preocupa minimamente com a agenda urgente da preservação ambiental e do enfrentamento às mudanças climáticas pode ser contra o que Marina diz sobre regramento cuidadoso e responsável em territórios de tamanha riqueza natural e humana.

Em meio a uma avalanche — orgânica — de solidariedade, a ministra e senadora ergueu a voz para defender posições técnico-políticas. Imprimiu vergonha nas costas dos homens que se empenharam em humilhá-la ou não a defenderam. Entrou enfraquecida pelo próprio governo, que a esconde e isola, “saiu mais fortalecida”, em suas próprias palavras. O que diz é ouvido e multiplicado, uma bem-vinda lufada progressista num ecossistema digital tomado por desinformação e ataques.

Também a aparente fraqueza e o repetido isolamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, podem resultar finalmente no necessário debate sobre o excesso de incentivos e desonerações fiscais, nunca enfrentado, quase sempre patrocinado pelo Congresso Nacional. O presidente da Câmara, Hugo Motta, em cruzada contra a elevação do IOF pela equipe econômica, admitiu ontem rever isenções. A previsão para este ano na Lei Orçamentária é de R$ 544 bilhões em renúncias. Emendas parlamentares somam R$ 50 bi. Negociando bem, num campo e no outro, sob escrutínio da sociedade, dá para crescer protegendo o meio ambiente e gastar com eficiência, priorizando quem mais precisa. Foram todos eleitos para isso.

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QUANTO VALE UM DEPUTADO ?

José Sarney*, Correio Braziliense

É hora de acabarmos com o ódio e marchamos para uma convivência civilizada em que os nossos juízes, deputados e senadores, tão atacados, se unam no interesse público

Como reagir ao saber da notícia de que, em Mato Grosso, a Polícia Federal chegou ao fim de uma investigação para saber quem tinha assassinado o advogado Roberto Zampieri, que estava permanentemente lutando contra a corrupção na Justiça naquele Estado, e, quando concluiu o trabalho, o que a polícia encontrou, para o estarrecimento de todos e vergonha para o país? Uma empresa estruturada com uma tabela de preços para a prática de crimes hediondos, chegando ao maior deles: o homicídio.

Na tabela, os criminosos precificaram um deputado: vale cem mil reais. A revelação desses fatos nos levou à indignação, sentimento que chegou também a toda a sociedade. É, sem dúvida nenhuma, a perspectiva ou certeza de impunidade. Só essa hipótese pode explicar tanta ousadia. Não uso "coragem" porque essa é uma palavra que não pode ser aplicada para bandidos, para o mundo do crime.

Como os tempos mudaram! Nessa linha, penso no Maranhão do século 19, quando o A Pacotilha, combativo jornal de S. Luís, publicava anúncios de um poeta oferecendo-se para fazer versos a preços módicos, colocando uma tabela de preços que eram proporcionais ao sentimento que o freguês tinha: versos de amor, 50 réis. Se fosse soneto, dobrava o preço para 100 réis. Quando o pedido era do marido enganado, que estava doente pelo amor perdido e desejava matar de inveja seu concorrente sedutor, o preço era maior que todos os outros, 200 réis. O poeta dizia que o aumento do preço era pela dificuldade que tinha de sentir essa desgraça. Naquele tempo dos réis, o dinheiro tinha um valor que não se pode comparar com o de hoje em dia.

Agora a política no Brasil está sendo levada pelo ódio e pelo ressentimento. Não acho que seja por programas de direita ou de esquerda. É mais um sentimento partidário e coletivo de dirigentes em busca de poder. E, para isso, o gosto de ganhar leva os ânimos a ficarem fora de controle.

Quando a política era colocada em torno de questões ideológicas, como ao final do século 19, a discussão entre Rosa Luxemburgo, apelidada de Rosa la Roja, e Eduard Bernstein, sobre Reforma e revolução, foi central para o movimento socialista. Muito depois, Lenin impôs sua concepção leninista, invocando Clausewitz, o autor do livro Da guerra (Vom Kriege), um clássico até hoje dissecado por estudiosos, afirmando que "a guerra é a continuação da política por outros meios". Lenin estendeu essa ideia de Clausewitz, dizendo que se deveria aplicar à política as "leis da guerra".

Assim na política não se teria adversários, mas inimigos, pois ela seria uma luta de classes que se estabelecia nos partidos burgueses, formados de inimigos do povo, e assim adversários eram inimigos que deviam ser eliminados. Paradoxalmente, hoje Benjamin Netanyahu, alegando motivos religiosos, pratica o extermínio dos palestinos, o que provoca a revolta mundial porque não se entende como se pode fazer da fome arma de guerra, como ocorre em Gaza. 

Lembro do nosso poeta Bandeira Tribuzzi: "Que tempos de viver-se! Quando a fome / é crime, crime o canto e a liberdade / falso lema de gritos e histerismos, / vai perdendo a beleza que criara / entre as patas e o cântico das balas / assassinas de peitos sem defesa / como lírios entregues ao delírio / das razões em razões da força estúpida".

Mas no Brasil não existe nenhuma dessas hipóteses de guerra: há um anarcopopulismo que torna a atividade política uma bagunça, sem partidos e sem ideologias, o que faz com que os programas e as doutrinas desapareçam e haja somente os dirigentes voltados a pensar na vitória — e para ela vale-tudo.

 Mas tudo isso não é causa: é efeito de uma estrutura de sistema eleitoral impossível de continuar, baseado nas pessoas e com sistema de votação arcaico, que não existe em lugar nenhum do mundo, servido por um presidencialismo de composição.

O sindicato do crime assim é uma manifestação de violência que não pode ser aceita. Esses matadores de agora não devem ser considerados senão como criminosos que são, e seus crimes devem ser investigados até o fim e punidos com rigor.

Vai-se o tempo, e a minha terra com seu mercado de poesia cobrando preços irrisórios, com o poeta com sua empresa limitada e individual e seus sonetos de amor.  Ao contrário dessa firma ignominiosa de Mato Grosso, que é uma sociedade anônima com muitos sócios.

Quero lembrar novamente versos do grande poeta maranhense Bandeira Tribuzzi que diziam: "Que sonho raro / será mais puro e belo e mais profundo /do que esta viva máquina do mundo?".

É hora de acabarmos com o ódio e marcharmos para uma convivência civilizada em que os nossos juízes, deputados e senadores, tão atacados, se entendam nas divergências e se unam no interesse público e melhorem o apoio do povo a seu trabalho.

Cadeia para os bandidos e, aí sim, maldição a esses que mancham o Brasil.

*José Sarney, ex-presidente da República, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras 

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TRUMP SABE QUE EDUARDO BOLSONARO É UM IDIOTA

Ruy Castro, Folha de S. Paulo

Mas sabe também que ele é útil no seu programa de fazer do mundo um grande McDonald's

Há anos, quando teve seu nome cogitado para embaixador do Brasil em Washington, Eduardo Bolsonaro não quis apresentar seus créditos em relações internacionais, política econômica e domínio da história. Justificou seus méritos para o cargo alegando já ter "fritado hamburguer nos EUA". O Itamaraty tremeu. Que outro representante brasileiro junto ao governo americano, em 200 anos de história entre os dois países, já teria feito isso? Joaquim Nabuco? Oswaldo Aranha? Carlos Martins? Walther Moreira Salles? Vasco Leitão da Cunha?

Os arquivos da instituição dispunham de farto material em que esses homens aparecem, graves e adequadamente vestidos, em recepções oficiais ou reuniões na Casa Branca, com presidentes como Woodrow Wilson, Franklin Roosevelt ou John Kennedy. Mas não dispunham de nenhum mostrando-os atrás de um balcão, de quepe, gravatinha borboleta e avental, fritando um hamburguer em óleo quente, virando-o para cima e para baixo com a escumadeira, e, tendo decidido que estava no ponto, aplicando-o entre dois pães escoltado por competente salada. E o que dizer do cheeseburguer? Eduardo Bolsonaro fez seu pós-doc na especialidade.

Nabuco, Aranha e os outros podem ter conduzido com segurança o Brasil nos EUA em momentos difíceis para o mundo no século 20 –crises econômicas, conflitos políticos, guerras mundiais--, mas como se comportariam diante de uma simples chapa quente? Saberiam o ponto exato de temperatura do óleo? Avaliar o grau de moedura da carne? E o que dizer da quantidade de pepino e cebola na guarnição? Fariam questão de ketchup gourmet?

Não. Só Eduardo Bolsonaro estava à altura de tais exigências. Os fados, no entanto, não permitiram que prestasse esses serviços ao país nos EUA.

Talvez por isso tenha ido para lá do mesmo jeito, para municiar o governo americano com mentiras sobre o Brasil e sugerir-lhe medidas que afrontam a soberania nacional. Donald Trump sabe que Eduardo Bolsonaro é um idiota, mas, e daí? O mundo logo será um grande McDonald’s.

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BLOQUEIOS DA DEMOCRACIA

José de Souza Martins*, Valor Econômico

O Brasil está se confirmando como um país atrasado. Sem autenticidade em campos decisivos da sociedade moderna, mas autênticos na sociabilidade conflitiva fundada no ódio

Nestes dias em que tem andamento o exame das denúncias de tentativa de golpe de Estado em eventos relacionados com a eleição presidencial de 2022 e suas decorrências em 2023, as revelações dizem que fomos transformados em subcidadãos de um país-fantasma.

O Brasil está se confirmando como um país atrasado. Somos um país pós-moderno sem termos sido antes um país moderno. Consumidos pelo equívoco de que somos competentes porque imitadores e copistas. Sem autenticidade em campos decisivos da sociedade moderna: na economia, na política, nas religiões. Mas autênticos na sociabilidade conflitiva fundada no ódio. Somos inimigos de nós mesmos.

Porém, somos muito bons na arte, no teatro, na escultura, na pintura, na música, na literatura, nas ciências, na indústria. Na indústria já fomos mais criativos do que somos hoje. Quando os sabichões diziam que éramos e deveríamos continuar a ser um país de vocação agrícola, gente sem visibilidade inventava fábricas eficientes.

Quando houve a crise econômica de 1929, a política de compra dos estoques encalhados de café para queimar e manter ativo o fluxo de renda e emprego foi um sucesso porque o país tinha um sistema industrial instalado e já substituía suas importações.

Nossas escolas de engenharia, inclusive militares, tinham formado uma elite de técnicos e cientistas desde final do século XIX capazes de encontrar soluções alternativas para a falta de fornecimento de bens de capital. Escolas profissionais formavam operários qualificados.

Trabalhei em fábrica quando criança e adolescente. Na infância, numa fábrica com máquinas inventadas e produzidas por um ferramenteiro que continuava operário enquanto sua mulher e eu éramos o seu proletariado.

Na adolescência, numa fábrica de Roberto Simonsen, em São Caetano, havia no pátio uma enorme hélice de navio, arrematada num leilão. Era de onde vinha a matéria-prima para fabricação de estampos e ferramentas. Muitas fábricas criadas no Brasil desde o quarto final do século XIX eram fábricas de bens de consumo que produziam seus próprios bens de capital. Fábricas de fábricas.

Historicamente, no entanto, somos um país “oficialmente” capitalista. Porém disfuncional e anticapitalista porque, ideologicamente, país de capitalismo retrógrado, baseado em expedientes obscuros, para dizer o mínimo, de lucros extraordinários. Caso da utilização, em certos setores, do trabalho escravo ainda hoje. Caso, também, da devastação ambiental, do destruir para lucrar sem criar nem produzir.

O Brasil tem duas anomalias de origem. Como ressaltou o professor Fernando Henrique Cardoso, num artigo científico de 1971, o Brasil é o único país da América Latina que se tornou independente sem ter feito uma revolução da independência. Aqui, o herdeiro da Coroa proclamou a independência do que fora colônia, sem participação do povo. Não foi a sociedade civil que criou o Estado, mas o Estado criou a sociedade civil. Uma sociedade de dominações.

A segunda anomalia foi a Lei de Terras, de 1850. Para compensar os senhores de escravos pelo fim do tráfico negreiro e o fim próximo da escravidão, o Estado subverteu o regime de propriedade. Transferiu o domínio da terra ao senhor de escravos em vez de libertar os escravos e dar-lhes terra de seu trabalho. Criou o direito absoluto de propriedade. Abdicou do domínio sobre o território.

Só aos poucos, o Estado brasileiro tenta reaver esse domínio reduzindo a propriedade ao solo, dele separando o direito ao subsolo - o das águas, das minas.

A ditadura militar de 1964 implantou uma política econômica de estímulos fiscais que possibilitou ao capital, na ampla expansão da fronteira econômica, em detrimento das populações originárias, transformar-se em proprietário de terra com dinheiro público, um anômalo capitalismo rentista e especulativo. Em vez de realizar uma reforma territorial de natureza social, no reconhecimento dos direitos imemoriais dos indígenas à sua terra e ao direito do trabalhador à sua terra de trabalho.

O capital para lucrar precisa produzir. A propriedade da terra não precisa produzir para ter renda e ganho. É parasitária e especulativa, lucra indiretamente.

Essas anomalias históricas criaram um capitalismo anticapitalista, de desenvolvimento econômico sem desenvolvimento social e sem desenvolvimento político. Uma sociedade de sujeições e cumplicidades, não uma sociedade democrática.

Quase nada escapa dessa herança bloqueadora do que poderíamos ser e não somos. A firmeza profissional do brigadeiro chamado pelo STF a depor como testemunha no processo de tentativa de golpe de Estado mostrou, no entanto, que o atraso tem contradições libertadoras na democracia de entrelinhas.

*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de “Sociologia do desconhecimento - Ensaios sobre a incerteza do instante” (Editora Unesp, São Paulo, 2022).

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BAIXARIA TAMBÉM É INFORMAÇÃO

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Ataques de senadores a Marina Silva são degradantes, mas revelam coisas importantes sobre os parlamentares

Assustado com o nível de baixaria nos ataques de senadores a Marina Silva? Eu também, mas admito que sou um pouco ambivalente em relação a espetáculos deste jaez. Eles são moralmente degradantes, mas etnograficamente valiosos. Revelam informações importantes sobre atores que deveríamos conhecer.

O senador Omar Aziz (PSD-AM), por exemplo, me enganou por um tempo. Sua atuação em geral correta na CPI da Covid fez com que eu o visse como um político diferenciado para o lado do bem. Seu destempero contra a ministra, porém, me leva a reclassificá-lo. Agora acho que ele não se distingue tanto da massa de parlamentares que coloca interesses paroquiais à frente de todos os outros valores. Para atacar Marina, ele não hesitou em atropelar o cavalheirismo, o decoro e até os fatos.

Por nenhuma lógica conhecida dá para responsabilizar a ministra, que deixara de ocupar a pasta do Meio Ambiente em 2008, pelo não asfaltamento da BR-319 em 2020 —o que teria contribuído para a falta de oxigênio em Manaus em meio à pandemia.

A apoteose da baixaria talvez tenha sido a votação, na Câmara, do impeachment de Dilma Rousseff. Ali, um deputado do baixo clero dedicou seu voto pró-afastamento a um notório torturador do regime militar.

Ao fazê-lo, Jair Bolsonaro confessou a quem quisesse ouvir o que havia de mais essencial a revelar sobre si mesmo, sobre seu caráter e seus valores. Pena que a maioria dos eleitores não soube interpretar essa informação.

Aproveito para fazer uma modesta sugestão de reforma política. Sei que é incomum e até meio chocante, mas acho que o país ganharia se os presidentes da Câmara e do Senado fossem escolhidos não "interna corporis", mas diretamente pela população.

Esses dois cargos se tornaram tão ou mais importantes que o de presidente da República. A eleição direta ao menos impediria que os chefes do Legislativo fossem a expressão de um arranjo dos interesses corporativistas de parlamentares —os mesmos interesses que orientaram o ataque coordenado contra Marina.

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SOU CHOCOLATE E NÃO DESISTO - 20 ANOS !

Olha onde chegamos ! Hoje, este blog completa 20 anos. Em 30 de maio de 2005 estreava esse blog político Sou Chocolate e Não Desisto. Um dos primeiros blogs de política do país, atrás apenas do blog do jornalista Ricardo Noblat que teve suas atividades iniciadas em abril de 2004.

Com 7.305 dias no ar, mais de 50 milhões de visitas dos seis continentes, a cada dia o blog tem se destacado na blogosfera. Nesses 20 anos, o blog Sou Chocolate e Não Desisto participou de alguns prêmios, entre eles o TopBlog, a maior premiação voltada para a blogosfera brasileira.

Desde a criação do Prêmio TopBlog em 2009, o nosso blog tem ficado entre os 100 blogs (2009, 2010, e 2012) mais votados na categoria política/pessoal pelo júri popular. Em 2011, em segundo lugar pelo júri acadêmico.  Em 2013 ficamos em terceiro lugar pelo júri popular. Neste ano, ficamos entre os 100 blogs mais votados pelo júri popular.

É uma honra ter o reconhecimento desse trabalho. A responsabilidade a cada dia aumenta.  Que venha os próximos 20 anos ! Obrigado a todos leitores e visitantes. Forte abraço.

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quinta-feira, 29 de maio de 2025

MORRE LEORNE BELÉM

Do Diário do Nordeste

Morre ex-deputado Leorne Belém, aos 87 anos

O político nasceu em Quixeramobim, no Sertão Central, e exerceu mandatos como deputado estadual e federal

O ex-deputado quixeramobinense Leorne Menescal Belém de Holanda morreu em Fortaleza, nesta quinta-feira (29), aos 87 anos. O falecimento foi comunicado nas redes sociais da Prefeitura de Quixeramobim, que decretou luto de três dias. Não foi dita a causa da morte.

"Leorne foi uma das grandes figuras da política cearense, com mandatos como deputado estadual e federal, sempre marcado pelo compromisso com o serviço público", lamentou, em nota, a gestão municipal, comandada por Cirilo Pimenta (PSB).

O ex-deputado era formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e se destacou na política por atuar em defesa da educação e do desenvolvimento regional. Tanto que, em homenagem a ele, a escola agrícola do município onde nasceu leva seu nome.

"Nos solidarizamos com familiares, amigos e todos que conviveram com esse importante cidadão quixeramobinense, cujo legado seguirá presente na história do município e do Ceará", finaliza a nota da prefeitura.

O deputado federal José Guimarães (PT) também manifestou pesar pela morte do político. "Leorne sempre foi uma figura prestativa, comprometida com as causas do povo e um defensor incansável de sua terra natal e de toda a região. Sua trajetória deixa um legado de amor pelo Ceará e pela vida pública", escreveu no Instagram.

Mandatos

Leorne foi deputado estadual do Ceará duas vezes consecutivas, de 1971 a 1975 e de 1975 a 1979. 

Logo depois, ele cumpriu dois mandatos como deputado federal.

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O STF NA ARMADILHA DE TRUMP

Malu Gaspar, O Globo

Ameaça de Rubio e inquérito contra Eduardo Bolsonaro colocam STF na armadilha de Trump

O anúncio do secretário de Estado de Donald Trump, Marco Rubio, de que seu governo restringirá vistos de entrada no país para autoridades estrangeiras que censurem americanos, colocou mais um tijolo no caminho da crise que se desenha entre Brasil e Estados Unidos. Ainda não é uma medida extraterritorial, como se diz na diplomacia para definir a natureza das sanções econômicas que vêm sendo estudadas por lá contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STFAlexandre de Moraes.

Por enquanto, Trump legisla sobre seu próprio território. Mas o próprio Rubio já avisou na semana passada, no Congresso americano, que havia grande possibilidade de Moraes ser atingido pela “pena de morte financeira”, como é chamada a lei que exige das instituições e empresas com interesses nos Estados Unidos o corte de todo e qualquer relacionamento comercial com seus alvos.

Vindos de um dos mais importantes auxiliares do presidente americano, os dois movimentos operaram uma guinada na forma como o governo brasileiro, o mundo político e o próprio Supremo viam as ameaças do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Desde o final de março, quando se licenciou do mandato para ficar nos Estados Unidos dizendo-se alvo de perseguição no Brasil, o filho Zero Três de Jair está em campanha para o governo Trump retaliar o STF. Até então, suas falas eram encaradas como bravata. Agora, não mais.

Seria muita ingenuidade imaginar que todo esse barulho se dá exclusivamente por solidariedade a Eduardo Bolsonaro, que, como os diplomatas brasileiros fazem questão de salientar, “não tem acesso ao Salão Oval” e não faz parte do círculo íntimo de Trump. Muito mais peso têm Elon Musk, esse, sim, da cozinha da Casa Branca e inimigo público de Moraes, e os outros donos de empresas de tecnologia que já sofreram algum tipo de punição do Supremo.

Não fossem os interesses das big techs, muito provavelmente não se teria chegado a este ponto. O momento também é crítico não apenas porque o STF avança no processo da trama golpista. Na semana que vem, o tribunal deverá retomar a discussão sobre a regulação das redes sociais e decidir sobre um tema crucial: até que ponto as empresas devem ser punidas pela circulação de conteúdo criminoso na rede.

O Marco Civil da Internet hoje prevê que elas só serão responsabilizadas por posts de terceiros se descumprirem alguma ordem da Justiça para remoção de conteúdo. Mas a tendência no Supremo é ampliar as possibilidades de punição, prevendo que as empresas já terão de retirar posts criminosos a partir do momento em que forem notificadas a respeito, sem necessidade de medida judicial. Para as big techs, uma decisão nessa linha, num dos países em que mais se usa a internet no planeta, será um precedente perigoso —daí a reação.

Isso não implica dizer que Eduardo Bolsonaro não tenha papel nesse enredo. Ao trabalhar desde muito cedo para se aproximar de Musk e dos republicanos mais radicais, ele identificou a oportunidade de se tornar uma espécie de “mártir da liberdade de expressão” e cavou, como se diz no futebol, a abertura de um inquérito contra si pelo próprio Moraes.

Ainda que não seja tão conhecido ou enfronhado na política americana como seus posts e vídeos sugerem, soube surfar na pauta da luta pela liberdade de expressão contra abusos do Judiciário e da luta contra a esquerda, que mobilizam não só a direita americana, mas também boa parte da opinião pública brasileira. Prova disso é o fato de ele por vezes ser considerado para substituir o pai, inelegível, numa candidatura à Presidência em 2026.

Ainda que não seja só pelos Bolsonaros, a ofensiva trumpista faz um grande favor ao clã. Preocupados, os ministros do Supremo vêm cobrando do governo Lula que reaja. Mas uma reação muito enfática ou prematura poderá reforçar o argumento bolsonarista de que o STF e o lulismo são uma coisa só, que atuaram juntos para impedir a reeleição do ex-presidente.

Por isso os enviados do Itamaraty têm agido apenas nos bastidores, alegando que eventuais sanções serão muito ruins para a relação bilateral. Não é um argumento que costuma sensibilizar os trumpistas, até porque o governo Lula não tem tanto poder de pressão. Dos bolsonaristas enfronhados na campanha anti-Xandão nos Estados Unidos, ouve-se que as primeiras medidas estão prontas para ser tomadas.

Se o plano deles der certo, o governo americano seguirá adotando sanções cada vez mais duras, que poderão atingir outros ministros do STF e seus parentes advogados, até conseguir algum tipo de recuo do Supremo. Mesmo que isso não aconteça, porém, a confusão está armada — com potencial para render bons dividendos eleitorais em 2026.

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ATAQUE A MARINA SILVA FOI UMA VERGONHA

Merval Pereira, O Globo

Impressionou a cara de pau de alguns senadores, que a trataram de maneira vil, sem o menor constrangimento, sem pudor, com grosseria inaceitável

O Senado Federal foi descrito certa vez pelo antropólogo Darcy Ribeiro como “o céu na terra”, para o qual podia-se entrar sem morrer. Referia-se ao longo período do mandato, de oito anos (que podem virar dez pela reforma proposta), e ao alto nível dos debates parlamentares. Lá reuniam-se os grandes líderes que chegaram ao ápice da carreira política depois de passar, na maior parte dos casos, por todos os degraus.

Eram ex-governadores, líderes regionais, grandes oradores, como Tancredo Neves, Paulo Brossard, Afonso Arinos, Teotônio Vilela, ex-presidentes da República e outros que pontificavam nas tribunas, não raro atraindo a atenção de parlamentares e do público. Hoje, as tribunas são ocupadas por jogadores de futebol, influencers, artistas de diversos quilates, que têm votos por razões outras que não as qualidades de grandes líderes políticos ou a oratória.

O Senado já não pode ser chamado de céu e muitas vezes pode se transformar no inferno quando se unem pessoas da qualidade das que armaram a cilada para a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, na terça-feira. Um senador, que já declarara ter tido, depois de ouvir Marina por seis horas, vontade de enforcá-la, disse que não a respeitava como ministra; outro mandou-a colocar-se “no seu lugar”, num ato falho, esquecendo que a ministra é uma das políticas brasileiras mais respeitadas internacionalmente, tendo superado sua origem humilde e sua falta de instrução para tornar-se doutora honoris causa das maiores universidades do país e do exterior.

O senador Marcos Rogério — autor dessa pérola que revela machismo e racismo, tudo junto e misturado — no rol das coisas é o “famoso quem?”. A falta de defesa da base do governo a Marina numa comissão do Senado — onde foi atacada vilmente por um grupo de senadores antiambientalistas previamente preparados para humilhá-la — é consequência de um agrupamento político disfuncional que “apoia” o governo, mas tem pensamento oposto à preservação ambiental, assim como vários ministros do governo Lula.

O presidente da República solidarizou-se com ela, mas é temerário acreditar que se colocará como escudo de Marina contra os que a atacaram e que, no fundo, pensam como ele, Lula, mais interessado no crescimento imediatista da Região Amazônica do que no desenvolvimento sustentável.

Marina, um ícone mundial na proteção do meio ambiente, já saiu de um governo Lula por ter perdido a disputa com a então ministra Dilma Rousseff sobre a usina hidrelétrica de Belo Monte e também para o então ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, que tinha visão diferente da sua sobre o desenvolvimento econômico da Amazônia.

Mas nunca havia sido destratada tão vergonhosamente por adversários internos no governo. Marina serve de símbolo para Lula em seus governos, com repercussão internacional. Mas o meio ambiente é mais importante para Lula como símbolo do que como política de Estado.

É possível, claro, discordar das teses de Marina e seus ambientalistas, mas é preciso travar o debate em tom elevado. Armaram uma cilada para ela. O convite para discutir política de infraestrutura ambiental queria mesmo era atacar as políticas ambientais que dificultam a perfuração de petróleo na Foz do Amazonas ou defender a flexibilização do licenciamento ambiental aprovada recentemente no Senado, pela qual Marina declarou-se de luto.

Impressionou a cara de pau de alguns senadores, que a trataram de maneira vil, sem o menor constrangimento, sem pudor, com grosseria inaceitável. Uma instituição como o Senado não pode discutir um tema como esse na base da grosseria. Tal ato só fala mal do Senado e dos senadores. Fala bem da ministra, que se portou com altivez, encarou seus adversários e saiu fortalecida na imagem pública.

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MARINA COMO TROFÉU NA PRATELEIRA

Dora Kramer, Folha de S. Paulo

Lula exibe a ministra como ícone ambiental enquanto avaliza derrotas em série impostas a ela

Não há dúvida de que a visão da ministra Marina Silva (Rede) sobre o manejo das questões ambientais está longe contar com a simpatia de boa parte do governo, a começar pelo presidente da República, cuja impaciência com certos entraves normativos da área ele nunca escondeu.

Até aí, nada de muito excepcional. Não há unanimidades na Esplanada, como bem podem atestar ministros sob a permanente mira dos fogos amigo e inimigo. Fernando Haddad, por exemplo, nessa lide tem se destacado.

A diferença de Marina para o colega da Fazenda é que ele não perde todos os embates enfrentados interna e externamente nem é entregue sozinho à sanha dos adversários que, por detectarem no ar o desprestígio, se sentem autorizados a desacatá-la —como fizeram de modo particularmente estúpido três senadores, na última terça (27), na Comissão de Serviços de Infraestrutura.

Uma afronta suprapartidária. Omar Aziz (PSD) a acusou, aos gritos, de "atrapalhar o desenvolvimento do país"; Marcos Rogério (PL) a mandou se pôr "no seu lugar"; Plínio Valério (PSDB) disse à ministra que não a respeitava. Por omissão, podemos acrescentar o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), que atribuiu o ocorrido ao "calor do debate".

De frágil, Marina Silva só tem a falta de respaldo firme do governo, porque pessoalmente soube se defender com veemência, denunciando a intimidação e se retirando da audiência. Ficou péssimo para os agressores e não ficou bonito para Lula, que deu um telefonema solidário quando o caso requeria condenação.

Mas, entre a sustentação das posições da ministra do Meio Ambiente e o temor reverente ao presidente do Senado, cujas convicções ambientais se coadunam com as do trio Aziz-Rogério-Valério, o presidente da República prefere rezar no altar de Davi Alcolumbre (União Brasil).

Marina saiu-se bem do lance, mas isso não vai mudar a sua situação de derrotas em série num governo que a mantém na condição de troféu a ser exibido na prateleira da COP30, enquanto na rotina de medidas vai passando a boiada.

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quarta-feira, 28 de maio de 2025

TROPA DE DAVI ALCOLUMBRE QUIS ABATER MARINA

Vera Magalhães, O Globo

Ataques foram tão violentos que chocaram o país, fortaleceram a imagem da ministra e praticamente obrigaram Lula a endossá-la

Havia um intuito claro na arapuca armada para Marina Silva na Comissão de Infraestrutura do Senado ontem: abatê-la, tirá-la do caminho. O ataque coordenado de senadores da Região Norte, entre eles um da base aliada, não deixa dúvida sobre de onde parte a investida contra a ministra. Ela é vista hoje pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), como entrave a seus projetos para a região, a começar pela extração de petróleo na Margem Equatorial.

A ausência vexaminosa dos principais líderes governistas na defesa de Marina também deixa explícito quanto o governo é hoje dependente de Alcolumbre, como foi até pouco tempo atrás de Arthur Lira. A forma como o ex-presidente da Câmara cobrava suas faturas parece quase espartana perto da sem-cerimônia com que o chefe do Senado vai ao pote.

Marina fez o que pôde para se impor diante da brutalidade de Omar Aziz, Plínio Valério e Marcos Rogério. Os dois primeiros são senadores pelo Amazonas e o terceiro por Rondônia. A região amazônica é dominada politicamente pela agenda da direita, e mesmo alguém tido como aliado de Lula, Aziz, entoa a cantilena de que a preservação ambiental tolhe o desenvolvimento da região — considerada condição sine qua non para buscar votos por lá hoje em dia.

Alcolumbre fingia que não ouvia as manifestações da tribuna do Senado depois do show de horrores da audiência. Mas, numa Casa em que o presidente controla tudo, a tocaia premeditada não teria ocorrido sem que ele, no mínimo, tivesse conhecimento do clima que aguardava a ministra.

Como se sabe que esse grupo tem conseguido avançar em todas as frentes em que colocou carga, da autorização para o início dos testes na Foz do Amazonas ao projeto que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental, só resta concluir que tanta ferocidade em relação a Marina tinha por objetivo forçar sua saída do governo, mostrando seu isolamento.

A reação altiva da ministra frustrou o plano e levou à reversão rápida da maré da opinião pública a seu favor. Serviu para chamar a atenção para o desmonte que o Senado aprovou na legislação de controle ambiental e, talvez, ajude a segurar o projeto na Câmara, algo que parecia pouco provável.

Se isso acontecer, Marina terá, de novo, segurado o touro a unha. Ela tem sido muito diplomática ao sempre rechaçar a ideia de que esteja isolada dentro do governo ou de que seja usada por Lula e pelo governo como uma espécie de “selo verde”, principalmente nos palcos internacionais, enquanto toda a ação palaciana vai, na verdade, no sentido do desenvolvimentismo imediatista que rende votos e apoio de caciques como Alcolumbre.

Marina também já se mostra disposta a ceder à pressão para liberar os estudos na Margem Equatorial, como tem deixado claro nas entrevistas em que admite a prospecção em blocos de petróleo na região. Só não aceitará que a boiada passe sem o mínimo de estudos técnicos que mitiguem os impactos ambientais e humanos que certamente advirão de uma operação tão complexa.

Também tem martelado dados mostrando que as medidas de proteção aos biomas e controle ambiental têm levado à ampliação de mercados para a agropecuária brasileira e viabilizado projetos estruturantes, como a transposição do Rio São Francisco. E que, portanto, ela não é entrave ao desenvolvimento, mas aliada do seu caráter sustentável.

Os senadores que a acossaram na audiência desta terça-feira viram as vitórias recentes como uma chance de varrê-la do mapa e atalhar os caminhos, em pleno ano de COP no Brasil. Erraram na dose, chocaram o país, fortaleceram a imagem de Marina e praticamente obrigaram Lula a endossá-la, como fez ao telefonar para ela e cobrar seus auxiliares pela maneira como foi deixada à própria sorte na cova dos leões de Davi.

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PRO LIXO DA HISTÓRIA

 Charge do Aroeira


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MORRE MARCOS AZAMBUJA

Do  g1 — Brasília

Morre o embaixador Marcos Azambuja

Ex-secratário-geral do Itamaraty, ele foi um dos nomes mais respeitados da diplomacia brasileira.

Morreu nesta quarta-feira (28) ao 90 anos o embaixador Marcos Azambuja, uma das personalidades mais respeitadas da diplomacia brasileira. Ele ocupou postos de prestígio, como as embaixadas do Brasil na França e na Argentina, e foi conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Ao longo de sua carreira, Azambuja representou o Brasil em momentos-chave da política internacional, incluindo a chefia da delegação brasileira em Genebra para temas de desarmamento e direitos humanos (1989-1990), e a coordenação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92.

Secretário-Geral do Itamaraty (cargo equivalente ao de vice-chanceler) entre 1990 e 1992 , o diplomata também teve passagens por Londres, Cidade do México e Nova York (Missão do Brasil na ONU). Foi membro de comissões internacionais sobre armas de destruição em massa e não proliferação nuclear, e atuou como referência intelectual da diplomacia brasileira até seus últimos dias.

Em nota de pesar, o Cebri destacou sua trajetória e contribuição à política externa:

“O Brasil construiu uma defesa por meio de um escudo diplomático. O país tem mais heróis nacionais oriundos da diplomacia do que de setores militares, como o Barão de Rio Branco, Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa e José Bonifácio”, afirmou Azambuja em entrevista à revista do Centro.

Opinião sobre guerra na Ucrânia

Em uma de suas últimas entrevistas públicas, concedida ao podcast O Assunto, Marcos Azambuja comentou a tentativa do governo brasileiro de atuar como mediador na guerra entre Rússia e Ucrânia.

Para o embaixador, o Brasil tem legitimidade moral para falar em nome da paz, por ser um país com "fronteiras impecáveis, em perfeita harmonia". Ele ressaltou, no entanto, que o desejo de mediar conflitos não basta.

"Às vezes, as suas ferramentas não são as ideais para o que você está querendo, mas se o Brasil continuar falando que quer contribuir para a paz, para o fim do conflito, para o fim do sofrimento, está dizendo as coisas certas", afirmou.

Azambuja ponderou que a mediação internacional exige reconhecimento externo, não apenas iniciativa própria.

"Você não pode se oferecer a ser mediador, os outros é quem têm que convocar você, porque você inspira confiança, você inspira credibilidade."

E completou:

"Portanto, o Brasil não deve se voluntariar. O Brasil deve ter um comportamento que crie credibilidade o bastante para que nos vejam como um instrumento necessário."

Diplomata referência do Brasil

Mesmo após deixar a linha de frente da carreira diplomática, Marcos Azambuja seguia como uma voz ouvida e respeitada em temas de política internacional. Em uma de suas últimas entrevistas, ao podcast O Assunto, ele defendeu a importância da postura pacificadora do Brasil no cenário global.

“O Brasil não deve se voluntariar [como mediador de conflitos], o Brasil deve ter um comportamento que crie credibilidade o bastante para que nos vejam como um instrumento necessário”, afirmou, ao comentar a tentativa do governo Lula de propor um “clube da paz” para discutir a guerra na Ucrânia.

Para ele, a credibilidade se constrói com coerência e equilíbrio:

“Às vezes, suas ferramentas não são as ideais para o que você está querendo, mas se o Brasil continuar falando que quer contribuir para a paz, para o fim do conflito, para o fim do sofrimento, está dizendo as coisas certas.”

Pensador e cronista

Além da diplomacia, Azambuja se dedicou à escrita. Foi articulista em revistas e jornais. Nos últimos anos, trabalhava em um livro que reuniria seus textos — reflexões que transitavam entre a política, a história, a arte e o cotidiano.

Era também membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da Fundação Roberto Marinho.

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terça-feira, 27 de maio de 2025

IMORTALIDADES

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Novo livro de Eduardo Giannetti da Fonseca esmiúça as possibilidades seculares e religiosas de transcender a morte

"Imortalidades", o mais recente livro de Eduardo Giannetti da Fonseca, é muito bom. Trata do que possivelmente é o tema mais relevante que existe —a vida como a experimentamos é tudo o que há ou podemos transcendê-la?— e o faz com erudição, rigor e arte.

Antes de continuar, o alerta que costumo lançar quando o autor do livro que resenho é meu amigo. Sempre tento ser objetivo, mas a própria definição de amizade já embute uma boa dose de benevolência. Ciente disso, cabe ao leitor aplicar os descontos que julgar necessários.

"Imortalidades" consiste de 235 microensaios —forma a que Giannetti parece ter aderido definitivamente— que podem ser lidos de modo mais livre do que um texto corrido. Neles, o autor traça uma radiografia panorâmica das várias imortalidades que podemos conceber e as destrincha, recorrendo à ciência, à filosofia e à literatura.

Giannetti começa com a mais óbvia das imortalidades, que é a que atingimos ao não morrer. Ele discute as possibilidades de driblar a morte por meio de avanços tecnológicos (ou de ao menos prolongar bastante nossas existências) e examina as implicações psicológicas e, por que não
dizer, metafísicas disso.

Outras imortalidades retratadas são a dos religiosos (as várias versões da vida post-mortem), a dos que buscam perenizar-se através de realizações terrenas (obras, glória, descendência etc.) e aquelas que podemos vislumbrar ainda que só muito brevemente com o auxílio de drogas, meditação e mesmo das experiências de quase morte.

Cada uma das quatro partes do texto começa objetiva e impessoal, mas, nos parágrafos finais, Giannetti vai confessando a sua posição pessoal em relação ao tema e, ao fazê-lo, nos convida a também nos posicionarmos.

Você, leitor, é um imortabilista ou um mortabilista, isto é, gostaria de viver para sempre ou pensa que é justamente a duração limitada de nossas vidas que lhes dá beleza e significado? As melhores respostas são sempre menos óbvias do que clama nosso instinto de sobrevivência.

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TEMPO PAROXÍSTICO DE MONSTROS

Muniz Sodré, Folha de S. Paulo

Cabe remontar ao sentido da palavra ‘monstrum’ para ponderar as evidências de formas voltadas para a destruição

Num dos episódios da série distópica "Black Mirror", soldados são programados por um chip cerebral para alterar a apreensão da realidade: olhando para pessoas comuns, supostamente inimigas, enxergam monstros. Ou seja, seres anômalos, fora dos parâmetros normais. "Monstrum", na Antiguidade, era o sinal dado aos homens pelos deuses de que uma coisa terrível estava para acontecer.

A palavra latina tem a mesma origem de "mostrar", mas acabou desviando-se da ideia de tornar algo visível para designar disformidades reais ou imaginárias, como Drácula e Frankenstein. Em termos de comportamento, costuma-se atribuir monstruosidade a figuras como HitlerStalin, Pol Pot, Bokassa, Pinochet e uma esteira de bárbaros nessa linha.

O que numa entidade dessas aterroriza o senso comum não é o medo do desconhecido, mas do conhecido que se desconhece, isto é, de uma familiaridade que inquieta o olhar, o "Unheimlich", como Freud designou o fenômeno desse estranho reconhecimento. A categoria engloba visões inexplicáveis, mas mutações de ordem moral em figuras do poder.

Assim é que, de repente, naqueles em que se confiou pelo voto a representação da normalidade social, se observa a chocante mutação que "monstra" o sadismo da mortificação dos outros e o masoquismo primordial do gozo, confirmatório de que o êxtase está no cúmulo do horror. Disso dão prova histórica o fascismo, o nazismo e seus sucedâneos dentro e fora das ditaduras.

A noção de "cúmulo" é um passo explicativo para esse conjunto de atos incompatíveis com regras inteligíveis e tornados equivalentes a fatos de natureza. O sujeito considerado monstruoso perde a qualidade de homem, deslocado para o enigma insondável da "natureza humana". Essa é a base aproximativa para a elucidação de condutas que violentam os corpos da civilidade, como a tortura ou a morte programada de outro.

Entre nós, uma arqueologia recente do fenômeno teratológico poderia traçar uma linha de continuidade entre um general-presidente (Geisel, "esse negócio de matar é uma barbaridade, mas tem que ser feito"), um torturador-mor (Ustra, único condenado por esse crime) e um ex-presidente, Bolsonaro, para quem "o erro da ditadura foi torturar e não matar", pois "deveria ter matado 30 mil brasileiros". Agora revela o policial Wladimir Soares, preso por participação na trama golpista de 8/1: "iríamos matar meio mundo de gente". Nessa relação direta do Estado com a morte, monstruosidade visceral, transparece a cena mais primitiva da política: o bolsonarismo, fenômeno transicional entre a cirúrgica costura de um corpo frankensteiniano e um monstrengo ativo na arena partidária.

Num país feito refém de atroz ignorância cívica, cabe remontar ao sentido originário de "monstrum" para ponderar não só os sinais, mas as evidências de formas paroxísticas, voltadas para a destruição e o caos. A ideia de vida como "uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem sentido algum" ("MacBeth", Shakespeare) abre-se às apropriações políticas da extrema direita e, claro, à monstruosidade como lugar de fala neofascista. Idiotas, programados para enxergar apenas inimigos, os soldados de "Black Mirror" não conseguem ver a si mesmos. Eles, sim, os verdadeiros monstros dos outros.

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