Iniciativa de transformar a anistia no PL da Dosimetria
foi articulada por Paulinho da Força, Aécio Neves e o ex-presidente Michel
Temer, para reduzir as penas dos golpistas
O arquivamento sumário da PEC da Blindagem pelo presidente
do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), deixou o deputado Paulinho da Força
(SD-SP), relator do PL da Dosimetria, pendurado no pincel, para usar um velho
jargão sindical. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), havia
planejado votar a proposta já na próxima terça-feira, com o mesmo rolo
compressor que aprovou a PEC, mas as grandes manifestações de protesto contra a
proposta e a recusa do Senado de endossá-la desorganizaram o bloco da impunidade.
Para Paulinho, nem na quarta-feira a proposta será votada.
Tudo dependeria de um acordo com Alcolumbre, que não dá sinais de querer tratar
do assunto por ora. “Precisamos resolver com o Davi (Alcolumbre). Só dá para
dizer ‘vamos votar’ quando estiver acertado com o Senado”, disse Paulinho.
Estava prevista uma reunião de ambos e Motta, mas foi desmarcada.
Nos bastidores, o diagnóstico é de que
houve quebra de confiança entre os dois chefes do Parlamento. Alcolumbre, que
preside o Congresso e tem a prerrogativa de promulgar emendas constitucionais,
está muito insatisfeito com o fato de a Câmara ter atropelado os senadores ao
aprovar a urgência do PL da Dosimetria, um assunto que estava sendo discutido
no Senado.
A iniciativa de transformar a anistia no PL da Dosimetria
foi articulada por Paulinho, Aécio Neves (PSDB-MG) e o ex-presidente Michel
Temer, que pretendem reduzir as penas dos condenados pela tentativa de golpe de
8 de janeiro. Paulinho chegou a sugerir, após reunião com a bancada do PT, que
o apoio do governo à dosimetria poderia ajudar na aprovação da reforma do
Imposto de Renda (IR). Mas Motta negou a vinculação. O relator do projeto agora
busca apoio do PSD e do PCdoB.
Na próxima quarta, Motta pretende votar o projeto do governo
que isenta do IR quem ganha até R$ 5 mil. Já o PL da Dosimetria subiu no
telhado. A proposta original era reduzir a pena de Bolsonaro, condenado a 27
anos e três meses, para dois anos de prisão domiciliar. Para os senadores,
eleitos pelo voto majoritário e não o proporcional, a medida provocaria forte
reação da sociedade e poderia representar um suicídio eleitoral. De cada três
senadores por estado, dois disputarão a reeleição.
Falta combinar
A chave de qualquer mudança seria um entendimento entre
Motta e Alcolumbre, que evitasse alterações do Senado e dispensasse retorno à
Câmara. Mas, para isso, também seria preciso combinar com os ministros do
Supremo Tribunal federal (STF). É aí que a presença de Michel Temer em campo
faz algum sentido. Constitucionalista e padrinho da indicação de Alexandre de
Moraes ao STF, tem competência para elaborar um projeto juridicamente perfeito,
para evitar que uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) ponha tudo a
perder. No Supremo, a mudança de guarda na Corte não é o melhor momento para
conversar sobre isso.
O ministro Luís Roberto Barroso encerrou seu mandato como
presidente do STF nesta quinta-feira. Afirmou que a Corte “cumpriu bem” o papel
de defender a democracia, mesmo com alto custo pessoal. Destacou que, em um
mundo polarizado, o Congresso, muitas vezes, não legisla sobre temas sensíveis,
e o Supremo precisa julgá-los. Ressaltou que, apesar das pressões, o arranjo
institucional do país proporcionou 37 anos de estabilidade sob a Constituição
de 1988.
Barroso também lembrou que o STF protegeu mulheres, negros,
comunidade LGBT, pessoas com deficiência e povos indígenas. Em sua última
sessão, foi homenageado pelo ministro Gilmar Mendes, decano da Corte, que se
emocionou ao lembrar que, pela primeira vez, um ex-presidente e militares de
alta patente foram condenados por tentativa de golpe. Gilmar classificou o
período como dos mais complexos da história da Justiça brasileira. Ele também
exaltou Alexandre de Moraes como figura central na defesa da democracia.
Na próxima segunda, o ministro Edson Fachin assumirá a
presidência do STF, com Moraes como vice. Essa mudança sinaliza ajustes na
atuação da Corte. Exemplo disso foi a decisão de Moraes que liberou o acesso de
Carla Zambelli às redes sociais, antes bloqueadas por disseminação de
desinformação e discursos de ódio. O ministro considerou que não há mais
necessidade da restrição, impondo, porém, multa de R$ 20 mil por dia em caso de
reincidência.
A medida foi interpretada como gesto de que, após consolidar
as condenações, Moraes pode aplicar certa flexibilização processual. Zambelli,
condenada a 10 anos por invasão hacker a sistemas do Judiciário, segue presa na
Itália, com pedido de extradição pendente. Já o ex-deputado Daniel Silveira,
também condenado, aguarda decisão sobre progressão de regime, após autorização
para fisioterapia.
O Supremo encerra um ciclo de enfrentamento duro e abre
outro, que pode mesclar firmeza com pragmatismo. Há muitas críticas à atuação
de Moraes por parte da oposição, mas os fatos demonstram que a democracia
correu sérios riscos. O ministro foi decisivo para neutralizá-los. Além disso,
ele acabou vitimizado pelas sanções que sofreu do presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, que tentou intimidá-lo.


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