Na movimentação apressada em favor dos condenados, já
antes da condenação, o golpe continua. Por esses meios, pretendem assegurar a
presença de Bolsonaro nas eleições de 2026
Acontecimentos políticos dos últimos dias constituem um
painel de desafios interpretativos que são reveladores do que até aqui a visão
dualista e polarizada da conjuntura política em declínio tem ocultado.
O 8 de Janeiro de 2023 jogou os bolsonaristas no precipício
aberto pela ambição de poder e pela incompetência e desconhecimento dos
mistérios próprios do processo político. Pela certeza da impunidade.
O julgamento e a condenação do primeiro grupo de réus da
conspiração pelos atos golpistas mostraram que, pela primeira vez na história
republicana, as instituições funcionam, a Constituição é para valer e sua
transgressão é crime.
Então, insistem. Recorrem a um poder pouco
debatido e questionado aqui, o poder oculto e paralelo das brechas da lei. As
que são manejadas nas sombras da legalidade, pelos próprios interessados, para
o ilegal.
Dois episódios expõem a nova cara do golpe persistente e
insistente. De um lado a reivindicação dos condenados e dos condenáveis ou, em
nome deles, de anistia ampla, geral e irrestrita. Isto é, todos os envolvidos
no crime, mas especialmente o líder.
A ambição cega levou-os, também, a propor uma emenda
constitucional para vedar a visibilidade de suas ações e medidas ilegais, em
especial as de corrupção, a chamada PEC da Blindagem. Criminalidade de político
no poder não seria crime porque de autoria invisível.
Na movimentação apressada em favor dos condenados, já antes
da condenação, o golpe continua. Por esses meios, pretendem assegurar a
presença de Bolsonaro nas eleições de 2026 para prolongar o mandato formalmente
interrompido, em 2022. Mesmo pela condenação recente, impedido de candidatar-se
em 2026, pretendem a continuidade de Bolsonaro no poder através do governo
paralelo de sua família e de seus cúmplices.
A atual legislatura da Câmara dos Deputados é dominada por
gente que Bolsonaro arrastou para mandatos dentro do legislativo. Neles, o
governo paralelo do bolsonarismo já continuou no poder, a bloquear,
desconstruir e inviabilizar projetos do atual governo que atendem carências de
Estado e possibilidades opostas à ideológica autoritária do governo anterior.
A aliança ilegal de igrejas evangélicas com o bolsonarismo
deu-lhe o suporte de mais de 30 milhões de adeptos dóceis que já conseguiram
representar-se em pelo menos 90 cadeiras da Câmara, segundo um de seus líderes.
O que dá ao governo paralelo uma dimensão e uma força que inviabilizam a
representação política democrática e autêntica.
Mesmo que a polarização esteja fragilizada pela dispersão e
pelas divergências da direita, é muito difícil concordar com o ex-presidente
Michel Temer, que, no “Roda Viva”, da TV Cultura, de 15 de setembro, preconizou
um pacto político de pacificação nacional para acabar com o radicalismo. Uma
das facções, o bolsonarismo, quer anistia e blindagem para revigorar a
polarização e o ódio.
Também porque o radicalismo da polarização está em declínio
natural desde que o atual presidente da República foi eleito em 2022 e desde
que a polarização alimentada pela satanização do voto e da democracia vem sendo
lentamente derrotada por políticas e atos do governo, o que se expressa nas
pesquisas eleitorais feitas após a condenação de Bolsonaro a 27 anos de prisão
e a condenação da cúpula do golpe.
A prepotência e os abusos do bolsonarismo atingiram o limite
da tolerância popular no desfile bolsonarista de 7 de setembro, organizado e
promovido pelo pastor Malafaia e sua igreja. Bolsonaro, filhos e Michelle foram
celebrados como se fossem a pátria. Além de Tarcísio de Freitas, governador
bolsonarista de São Paulo, que o personificará se for eleito presidente.
As demonstrações de massa em quase todas as capitais
brasileiras no domingo 21 de setembro indicaram que a própria população está
elaborando um pacto contra a radicalização e contra as concepções
antidemocráticas e antibrasileiras dos bolsonaristas. A imensa bandeira
americana do 7 de Setembro, sobreposta às bandeiras brasileiras, desfilando
diante do palanque eleitoral antidemocrático, teve seu efeito bumerangue. No
dia 21, uma imensa bandeira brasileira retomou o lugar usurpado pela bandeira
invasora.
A traição à pátria ganhou substância no ato tarifaço de
Trump, promovido pelos Bolsonaros, que prejudicou o país inteiro.
O desfile contra a anistia aos punidos pela tentativa de
golpe e a PEC da Blindagem dos políticos contra os efeitos penais dos crimes
que cometem no exercício do mandato indicam que a chave do poder paralelo
perdeu efeito. Portanto, já não é hora do pacto, mas hora de reconhecer a volta
pluripartidária dos movimentos sociais, agora como novidade de poder moderador
suprapartidário e antipolarizador.


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