As estrelas, de tão nítidas e próximas, pareciam estar
ligadas ao solo por fios invisíveis, como se balões noturnos fossem.
Impossível, era praticamente impossível acreditar que aqueles pontos luminosos
estivessem simplesmente soltos, flutuando no universo! Onde estavam os fios
então? Que mágica seria aquela? Mais: onde se escondiam os moleques travessos
soltadores de balões naqueles sertões recuados? Ou tudo não passaria de uma
miragem - uma poética e esplendorosa miragem?
"Uma coisa na cidade se perde: são as estrelas",
escreveu certa vez Rachel de Queiroz, uma admiradora do céu do sertão. De um
céu tão bonito e iluminado que continuaria assim mesmo sem a lua, mesmo sem a
Estrela d'Alva. Até sem o Cruzeiro do Sul.
Esses pensamentos tomaram conta de mim
quando me vi diante da beleza do céu de Ibiaí. Li uma vez que Ibiaí tem sua
origem mais recuada no antigo povoado da Vila Risonha de Santo Antônio da Manga
de São Romão. Pelo visto, guardou o eterno sorriso. Digo logo onde fica Ibiaí:
trata-se de cidadezinha aprazível localizada no sertão das Minas Gerais, como
que esparramada às margens caudalosas do rio São Francisco. O nosso bom e velho
rio Chico, sobre o qual eu fiz um livro, na passagem para o século XXI. Fruto
de uma viagem de muitos quilômetros pelos grandes sertões e pequenas veredas do
rio, o livro praticamente mudou a minha vida: hoje, não penso em outra coisa a
não ser em me embrenhar de vez pelas veredas de Minas Gerais, ouvindo seus
rios, seu povo e suas matas.
Navegado por Américo Vespúcio, no longínquo ano de 1501, o
velho Chico era conhecido pelo nome de Opará pelos índios que habitavam
a região. Hoje, é o velho Chico dos violeiros e dos cantadores. Dos
carranqueiros e dos pescadores. Das ceramistas e das bordadeiras. E também o
Chico dos mineiros, dos baianos, dos pernambucanos e dos alagoanos. Dos homens
e das mulheres. O Velho Chico para lá de brasileiro.
Eu fui parar em Ibiaí quando deixava a cidade de Pirapora,
em demanda da casa onde se refugiou, por duas décadas seguidas, o temível
capitão Rotílio Manduca, que inspirou o personagem Zé Bebelo, ninguém menos do
que o protagonista de o Grande Sertão: Veredas. E pensar que o velho
Guimarães Rosa caminhou por debaixo daquele céu estrelado de Ibiaí! O Rosa – eu
estou totalmente convencido disso - orvalhou por lá. E espalhou seu perfume por
toda aquela bonita região, por seus caminhos e segredos. O Rosa deve ser
mais uma dessas estrelas penduradas no céu de Ibiaí. Que digo eu: o Rosa valia
por toda uma constelação.
Pequenina tal qual um anel de ouro, Ibiaí é uma jóia do
sertão de Minas. A cidadezinha tem histórias tão misteriosas e antigas quanto a
luz de suas estrelas. E, como suas estrelas, Ibiaí tem brilho próprio - se não
for ainda mais luminosa.
*Ivan Alves Filho, historiador.


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