Fatores políticos complicam relações entre Executivo e
Legislativo
Atos do Congresso não avalizam diagnóstico de
ingovernabilidade
"Os rumores sobre minha morte foram muito
exagerados", protestou o escritor americano Mark Twain (1835-1910) em um
bilhete ao jornalista que publicara a "barriga".
A ironia vem à mente quando se multiplicam os vaticínios
sobre o destino do sistema vigente de governo —o presidencialismo de coalizão.
A cada embate mais duro entre o Executivo e o Congresso, ou a cada medida do
Supremo Tribunal Federal a exorbitar de suas atribuições, decreta-se a crise,
—talvez irreversível— de nosso arranjo institucional, promessa certa de
ingovernabilidade.
As análises mais bem acabadas apontam para
a possível perda de capacidade do Executivo de ditar a agenda legislativa. Esse
desfalecimento seria provocado, seja pela expansão dos poderes do Legislativo,
propelida por emendas parlamentares e vultosos recursos do Fundo Partidário;
seja ainda pela expansão imoderada do ativismo da Suprema Corte.
O enfraquecimento da Presidência e sua incapacidade de
coordenar os outros dois Poderes estariam desarticulando as engrenagens do
governo, o que entregaria o país ao deus-dará. O cenário contrasta com o
período 1994–2014, quando o predomínio da Executivo teria proporcionado
funcionalidade ao sistema, ao longo dos mandatos de Fernando Henrique e de Lula
e ainda, pelo menos, nos anos iniciais do primeiro governo de Dilma
Rousseff.
O diagnóstico é de desarranjo institucional a indicar, na
opinião de alguns cientistas políticos e da maioria de respeitados
comentaristas da imprensa, o esgotamento do presidencialismo multipartidário.
Talvez essa conclusão seja algo exagerada, diria Mark Twain.
É certo que o Executivo viu minguar seus instrumentos para
manter curta a rédea de sua coalizão de apoio no Congresso. Tampouco se negará
que a Corte Suprema se tornou bem mais atuante, embora sempre provocada pelos
partidos, organizações da sociedade, governos subnacionais ou ainda em sintonia
com o Palácio do Planalto.
Mas dois fatores que pouco têm a ver diretamente com o
desenho institucional da República tornam as relações entre Executivo e
Legislativo especialmente complicadas nesta quadra.
O primeiro é a dissintonia entre as preferências do
Executivo, com sua agenda de centro-esquerda, ante um Congresso de maioria
conservadora, com estridente minoria de extrema direita e lideranças menos
tarimbadas nas duas Casas. O segundo fator é a incerteza diante das eleições
presidenciais de 2026, o que afeta o comportamento da direita pragmática,
dominante no Senado e Câmara: nem ela rompe com o governo nem embarca nos
planos de reeleição de Lula.
De toda forma, apesar das circunstâncias, as decisões do
Congresso não avalizam o diagnóstico de ingovernabilidade. Sim, o Executivo
sofreu derrotas e viu derrubados muitos de seus vetos em 2025. Mas tem a
perspectiva de vitórias importantes com a aprovação da reforma do Imposto de
Renda —o maior programa redistributivo já concebido no país; com o Plano
Nacional de Educação; com o projeto de Lei Antifacção, todos tramitando; e
da Lei
do Devedor Contumaz, à espera de sanção presidencial.
O presidencialismo de coalizão, tão antigo quanto a
democracia brasileira, parece longe do definhar. Ele está se transformando.


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