Economistas do governo têm dito que chegou agora ao poder no
Brasil uma aliança entre liberais na economia e conservadores nos costumes. É
uma narrativa, mas não define esta administração. Liberais têm amargado
derrotas. Certas decisões e declarações são contrárias ao progresso e à
tendência dos tempos atuais. Quando o governo nega a mudança climática, dá o
sinal verde para o desmatamento, demonstra preconceito contra a diversidade
étnica e de gênero, anuncia que combaterá o feminismo, não está sendo
conservador, está sendo reacionário.
A palavra é vista como ofensa política, mas tem definição
precisa. O escritor Mark Lilla, professor de Columbia, no seu livro “A mente
naufragada”, explica essa corrente do pensamento. “Os reacionários não são
conservadores. Onde os outros veem o rio do tempo fluindo como sempre fluiu, o
reacionário enxerga os destroços do paraíso. Ele é um exilado do tempo.”
Quando o presidente Bolsonaro manda tirar do ar uma
propaganda, porque ela exibe a natural diversidade dos jovens, ele confessa a
natureza da sua reação. Não é liberal um governo em que o chefe de Estado
interfere em banco público e determina como deve ser a política de marketing. O
Banco do Brasil não é estatal, tem sócios privados. A ordem custou os R$ 17
milhões da campanha fora as perdas intangíveis na imagem da instituição. É um
sinal de que os economistas liberais terão que engolir que suas teses sejam
ofendidas, no cotidiano da prática administrativa. A agenda liberal andou
pouquíssimo, mas o governo já criou barreiras ao comércio de leite em pó, o
presidente prometeu mais subsídios ao agronegócio e quis decidir o preço do
diesel. Bolsonaro ainda não entendeu o que é ser um liberal na economia.
A política ambiental informa qual é a essência do governo.
Defender a biodiversidade, proteger o patrimônio natural, ouvir os alertas da
ciência, combater as causas das mudanças climáticas são imperativos do tempo
atual. Isso não é de esquerda nem de direita. Está baseado em fatos e dados. Há
ambientalistas e climatologistas de tendências políticas diversas e com
propostas diferentes. O que os une é a compreensão de que o conceito de
progresso evoluiu. O parlamento inglês, de maioria conservadora, rendeu-se à
pressão da sociedade e aprovou uma proposta trabalhista. Decretou emergência
climática no país, o que vai estimular o esforço para zerar as emissões dos
gases do efeito estufa.
Joaquim Nabuco era monarquista até na República, Rui Barbosa
era republicano desde o Império. Qual dos dois era reacionário? Nenhum deles.
Membros do Partido Liberal, eram ambos ferrenhos abolicionistas. Estavam
envolvidos na luta pela mudança mais importante daquele tempo. Na época, os
clubes da lavoura defendiam a ordem escravocrata como sendo o sustentáculo da
economia. O escritor José de Alencar, do Partido Conservador, lutava pela
manutenção da escravidão, que chamava de “a instituição” nas cartas públicas a
Dom Pedro II. José de Alencar, nesse ponto, foi um reacionário.
Hoje há integrantes do ruralismo convencidos de que é
preciso respeitar a reserva legal, fazer o rastreamento do seu produto,
combater o desmatamento ilegal. Sabem que isso abrirá portas e portos ao
agronegócio brasileiro. Por ano, o Brasil derruba florestas na Amazônia, numa
dimensão equivalente, em quilômetros quadrados, a cinco vezes o município de
São Paulo. Uma grande parte dessa destruição é feita pela grilagem, a ocupação
criminosa de terras públicas. Quem acha que essa selvageria deve ser estimulada
repete nos dias de hoje a opção dos clubes da lavoura. Não é conservador, é
reacionário.
Na sociedade, os tempos mudam sempre. As mulheres vêm
seguindo uma trajetória de mais autonomia na vida pessoal e mais poder na
esfera pública e profissional. A defesa da submissão da mulher não cabe nesse
mundo. A diversidade étnica, cultural e de gênero é parte das mudanças sociais.
Os que lutam contra elas querem um mundo que não existe. Como diz Mark Lilla.
“Os reacionários da nossa época descobriram que a nostalgia pode ser uma forte
motivação política.” Esse olhar para trás pode ter vitória, mas será sempre
temporária. O passado não tem futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário