Uma das características mais persistentes em Jair Bolsonaro,
que nem as tem muitas, é a de servir sempre e só a segmentos do seu pequeno
mundo mental. A população, o país como riqueza e futuro, os princípios gerais e
seu sentido na nacionalidade têm, um a um, dimensão excessiva para a
compreensão, e mesmo para a simples percepção, de Bolsonaro.
Sua visão da riqueza florestal, por exemplo, é delimitada
pelo agronegócio como força aliada do seu percurso de centurião da voracidade
por terras. Semelhante é seu pretendido amparo
legal aos exploradores clandestinos de riqueza mineral e de madeiras nobres da
Amazônia.
Eles são o começo ou o fim de ramificações armadas, com
participação de policiais e celebrizadas, no passado não distante, pela
presença até de militares, como o coronel Sebastião Curió entre outros.
O ambiente natural espelha o que se passa na
Previdência, com o tratamento privilegiado dos militares; na educação, na
saúde, nas leis de proteção social como a trabalhista, até nas multas
rodoviárias e na pesca perniciosa, estas últimas de interesse pessoal
deslavado. Assim é o que um governante pode fazer de pior ao país, dando nova e
maior forma de gravidade a problemas que refreiam, só por falta de
correção,
as potencialidades do país.
as potencialidades do país.
O Congresso tem recebido sucessivos projetos nessa linha. A mais
recente remessa consiste em outra ideia insana: a impunidade, assegurada
por antecipação, para os que cometam ilegalidades, inclusive crimes de morte,
em atos ditos de repressão ao crime. Assim: 82 disparos de fuzil contra um
carro ocupado por pessoas inocentes, e os assassinatos que daí resultem são
atos impunes, puros como ir à missa. Um homem leva o seu guarda-chuva, quando
um PM, sabe-se lá sob que efeitos, fuzila-o.
Aconteceu no Rio. Pelo projeto Bolsonaro, inocente é o
assassino, que suspeitou ser o guarda-chuva uma arma e seu portador um
criminoso.
Mas neste projeto, com Sergio Moro como coautor, cabe
mais. Os
protestos de massa, que já espocaram no Equador, no Chile, na Bolívia,
agora na Colômbia, preocupam o governo e seus militares. É um
reconhecimento forçado de que não faltam motivos dados pelo governo para o
Brasil entrar na lista. Nesse caso, e se aprovado com brevidade, como quer
Bolsonaro, o projeto do crime liberado mostrará sua finalidade: fará uma
repressão aterradora.
Não se viu reação a esse projeto que é mais uma insanidade
moro-bolsonara. Nem incentivos à Câmara e ao Senado —até agora muito melhores
do que sua composição anterior— para a rejeição integral desse plano de
propagar mortandade nas classes desprezadas, mas não só aí. Não é fácil
compreender tamanha falta de energia, além de outras faltas.
Passa-se quase o mesmo com o julgamento
iniciado no Supremo e a continuar nesta semana. É verdade que os babados da
questão dão-lhe indumentária confusa, que a imprensa em geral não esclareceu o
suficiente, imaginando um favorecimento de Dias Toffoli a Flávio Bolsonaro; os
procuradores procuraram ampliar esse equívoco, e o próprio Supremo mais
embaralhou do que clareou. Por trás da confusão, porém, sua causa e a
ameaça não se escondem.
Um
recurso de Flávio Bolsonaro deu a Toffoli a oportunidade de interromper o
tráfico de informações sigilosas, sobre a vida financeira de milhares de
contribuintes, entre procuradores da República e estaduais, Polícia Federal e a
fornecedora UIF (o antigo Coaf). Essas quebras de sigilo obrigatório são
pedidas e passadas, para alegadas investigações, sem autorização judicial. A
medida de Toffoli interrompeu os inquéritos alimentados pelo tráfico de
informações, até a decisão que o Supremo agora providencia.
O que ocorre é, pois, um confronto entre desejo de poder e,
de outra parte, direitos civis. Os procuradores e a Polícia Federal querem o
poder de requisitar dados pessoais e empresariais sigilosos, por exemplo de
imposto de renda, e deles se valerem à vontade. Sem depender da autorização de
juízes. Mas esses dados integram o direito à privacidade pessoal e à segurança
empresarial, não devendo estar sujeitos a manipulações que nem sempre serão
isentas de propósitos reprováveis. O direito de entrar na vida de qualquer, com
ou sem motivo justificável, expõe todo cidadão a arbitrariedades e perda de
direitos, que a Lava Jato cometeu e exibiu sem cessar.
Vê-se, enfim, que decisões vitais para a democracia, como
para a vida de cada um de nós, têm estado à margem não só da compreensão
pública, mas até do simples conhecimento. Por situação assim é que os
Bolsonaros podem ser Bolsonaros. Mas em nossa vizinhança, e ainda no Líbano, na
Argélia, na França, Irã, Hong Kong, e outros, soa o despertador
democrático.
Janio de Freitas
Jornalista
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