Jair Bolsonaro está cumprindo uma espécie de via-Crucis a
que é obrigado todo presidente que enfrenta um processo de impeachment sem que
haja, no entanto, condições práticas de transformá-lo em realidade, embora
todas as premissas estejam dadas.
A Covid-19, que o presidente tanto desdenhou, impede que o
Congresso se reúna presencialmente para discutir o tema, e também faz com que
as ruas vazias não reverberem o sentimento majoritário.
Bolsonaro deveria ser a favor do distanciamento social, que
faz com que manifestações populares pedindo sua saída se transformem em
panelaços quase diários. Simbólicos, porém ineficazes.
Se não houvesse esses obstáculos impostos por uma trágica
pandemia, as ruas explodiriam diante do “E daí?” dito pelo presidente sobre as
mais de cinco mil mortes de brasileiros, todos sem direito a velório, muitos
enterrados em covas rasas.
A busca de apoio no Congresso, que todos os que sofreram
impeachment fizeram e apenas Michel Temer concretizou, é uma dessas etapas, e
nessa Bolsonaro tem desvantagem, pois sai de quase zero para conseguir uma
maioria defensiva que evite o impeachment. Vai sair muito mais caro, e não há
certeza de final feliz.
A cada bolsonarice que diz ou faz, abala a confiança que por
acaso ainda exista em setores da classe média que o apoiou em 2018. Agora mesmo
está fazendo mais uma de suas bravatas para agradar seu núcleo duríssimo de
apoiadores quando diz que vai insistir no nome do delegado Alexandre Ramagem
para chefiar a Polícia Federal.
De nada adiantaria recorrer, porque o recurso cairia para o
mesmo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que
suspendeu a nomeação por desvio de finalidade. Além disso, depois que a
nomeação foi tornada sem efeito pelo próprio presidente, que devolveu Ramagem
para a chefia da Abin, não haveria do que recorrer.
Se não encontrar um substituto ideal para Ramagem, Bolsonaro
tem duas opções: ou deixa como interino o delegado Disney Rossetti, que Moro
gostaria de ver substituindo Mauricio Valeixo, ou tenta encontrar alguém que
aceite o cargo, o que está sendo difícil.
Há na corporação o temor de que qualquer delegado que seja
nomeado terá pela frente um presidente ávido por informações sobre inquéritos
em andamento, especialmente os que se referem a membros de sua família. Ou
forçar uma nova investigação sobre o atentado que sofreu, como se uma grande
conspiração estivesse protegendo os supostos mandantes do crime.
Provavelmente somente depois que o inquérito aberto a pedido
do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, sobre interferência de Bolsonaro
na Polícia Federal denunciada pelo ex-ministro Sérgio Moro terminar é que
poderá novamente nomear Ramagem para o cargo, caso não exista nenhuma denúncia
contra o presidente da República.
O presidente Bolsonaro manteve a nomeação de Ramagem para a
Polícia Federal, mesmo sabendo que havia o risco de ela ser barrada, porque
quer um delegado no cargo de diretor-geral da Polícia Federal que passe
informações para ele. Mas a PF não é órgão da presidência da República, precisa
ter autonomia para as investigações.
Mas enquanto as instituições estiverem funcionando e puderem
barrá-lo, a democracia está preservada, apesar de todo o tumulto que ele
provoca. É preciso ficar atento, porque há casos de políticos autoritários que
chegaram ao poder pelo voto, como na Venezuela, e conseguiram controlar as
instituições.
Boa parte do aumento das mortes pela Covid-19 deve-se ao
comportamento do presidente, que vai para a rua desmoralizar o distanciamento
social, entra em disputa com o ministério da Saúde e quer impor a adoção de
remédios dos quais não se sabe o efeito. Bolsonaro vive num mundo próprio,
paranóico, isolado da realidade.
O que obriga seus ministros a fazerem papeis ridículos como
o atual da Saúde, Nelson Teich, que só faz repetir, como disse ontem, que
“estamos navegando às cegas”. Não é culpa dele, é a verdade que se repete em
todos os países. O problema é que Teich fica impossibilitado de terminar sua
frase, dizendo aos brasileiros: “Porque não sabemos nada, a única coisa a fazer
é ficar em casa”.
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