Era 10 de março de 2020. Naquele dia, as bolsas desabaram,
os circuit breakers foram acionados: no Brasil, mais de uma vez. Era a semana
em que os mercados internacionais – e o brasileiro, em parte – começaram a se
dar conta da dimensão da crise econômica que resultaria da pandemia. Lembro de
ter dito, quando as perspectivas ainda eram de crescimento do Brasil em 2020, que
o País provavelmente sofreria a maior recessão da história. De lá para cá,
passaram-se dois meses. Foram dois meses em que as projeções para o PIB
brasileiro rapidamente convergiram para o quadro recessivo com o qual hoje nos
debatemos. Dois meses é muito pouco tempo para uma virada tão abrupta, o que
revela o tamanho do precipício.
Esta semana, Kristalina Georgieva, a diretora-gerente do
FMI, afirmou já estarem desatualizadas as projeções para o encolhimento do PIB
global feitas há pouco mais de um mês. Na ocasião, em meados de abril, o FMI
afirmou que a economia mundial sofreria retração inédita de 3% esse ano. Já
será pior. Recentemente, o Congressional Budget Office, instituição fiscal
independente que funciona no Congresso americano, destacou que o PIB dos EUA
deverá sofrer queda de 11% no segundo semestre. Tal queda é de uma ordem de
magnitude superior a tudo o que aconteceu durante a crise financeira de 2008, o
que dá a dimensão dessa crise. A destruição já é evidente nos empregos perdidos
e nas portas que se fecham. Livrarias, restaurantes, lojas de rua. De súbito,
bairros na região onde moro ficaram irreconhecíveis, assim como o ritmo da
vida.
No Brasil tudo é mais dramático e trágico. O presidente
afronta o vírus semana sim, outra também. Brinca com a natureza e com a vida
das pessoas de forma irresponsável, inconsequente. Nos seus atos revela não
apenas ignorância, mas desprezo – desprezo pelas pessoas, por todo um país.
Falta-lhe quase tudo, mas sobretudo a capacidade de se deixar afetar pelo sofrimento
causado tanto pela doença quanto pela queda brutal que marcará esse ano como o
pior da história. Ao seu ministro da Economia, também falta muito. Dia desses
ele dizia que, se uma pessoa sã quiser sair às ruas e correr o risco de se
contaminar, esse é um direito dela. O ministro esqueceu que, se essa pessoa se
contaminar, ela põe em risco a vida de outras pessoas, logo, seu direito de ir
e vir não deve ser irrestrito. E, evidentemente, ninguém consegue identificar a
olho nu quem está infectado e quem não está.
O Brasil de Bolsonaro está espantando o mundo ao se revelar
vil de modo tão banal. Está conseguindo espantar o mundo mesmo com a angústia
generalizada, o que é um feito impossível de exagerar. Não faz muitos anos,
fomos exemplo no combate à inflação, no combate à pobreza, nas políticas de
preservação do meio ambiente, na redução das desigualdades, ainda que tenhamos
permanecido profundamente desiguais. Já demos contribuições importantes para o
debate público global. Se por um lado permanecíamos profundamente desiguais,
nossa rede de proteção social, criada nos anos 1990 e ampliada nos anos 2000,
já foi alvo de elogios e estudos, além de tentativas por parte de outros países
de construir algo semelhante. A nossa é uma queda inestimável.
Hoje, somos um país esgarçado e desgraçado por vontade
própria – a culpa nossa mesmos. Brevemente, estaremos disputando com os Estados
Unidos o primeiro lugar entre os países mais afetados pela epidemia, porém, com
uma população mais vulnerável e mais pobre. Brevemente, seremos vistos como o
país que mais falhas cometeu no combate à epidemia, que mais deixou exposta a
sua população, que mais atrocidades fez ao decidir desdenhar do vírus,
investidor em curas contestadas pela ciência, por fazer buzinaços e carreatas em
frente aos hospitais, onde pessoas padecem do mal que o presidente insiste em
diminuir.
A queda de nosso PIB em 2020 será gigantesca, ainda que a
real magnitude seja difícil de antever. As dezenas de milhões de pessoas que
serão lançadas ao desemprego estarão visíveis, a despeito do descaso
presidencial. Mas a queda maior? A queda mais dolorosa? É a de testemunhar a
crise humanitária e nela enxergar a nossa mais profunda falência e decadência
como sociedade.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e Professora da Sais/Johns Hopkins University
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