Facebook identifica militares como ‘chefes’ de perfis com desinformação sobre a Amazônia
Atualizado às 18h36 para incluir o posicionamento do Exército Brasileiro
O Facebook anunciou nesta quinta-feira, 7, que derrubou uma rede de contas e perfis falsos que tentavam distorcer o debate público relacionado a questões ambientais, como o desmatamento da Amazônia. Segundo a Meta (holding do Facebook), oficiais do Exército Brasileiro eram responsáveis pela operação de desinformação, mas as suas identidades não foram reveladas pela rede social.
As informações surgiram no relatório trimestral que a empresa produz sobre ameaças na plataforma. Na atual edição do relatório, foram listados casos no Azerbaijão, na Rússia, na Ucrânia, no Irã, na Costa Rica e nas Filipinas. A rede brasileira aparece como um exemplo de “comportamento inautêntico coordenado”, termo da empresa que se refere a redes de perfis e páginas falsas usadas em esforço para manipular o debate público.
No total, foram derrubados 14 perfis falsos e nove páginas no Facebook, além de 39 contas no Instagram - parte desses perfis e páginas também estavam conectadas a páginas no Twitter. Nos serviços do Facebook, a rede somava 25 mil seguidores.
“Não podemos compartilhar muitos detalhes de como nossa investigação chegou aos militares. Quanto mais compartilhamos, mais essas redes conseguem se esconder. Usamos sinais técnicos e comportamentais”, disse ao Estadão Nathaniel Gleicher, chefe de política de segurança global do Facebook.
Antes de derrubar a rede, porém, o Facebook compartilhou suas informações com a Graphika, empresa de monitoramento de redes sociais — a ideia era ter um olhar terceiro além da pesquisa realizada pela companhia de Mark Zuckerberg. A Graphika publicou um relatório independente, no qual deu mais detalhes sobre como conseguiu mapear os militares. Novamente, as identidades não foram reveladas.
Segundo o documento, dois oficiais do Exército estão por trás da rede — a empresa confirmou pelo Portal da Transparência, do governo federal, que, até dezembro de 2021, quando fez a checagem, ambos estavam na ativa. Quatro perfis pessoais dos oficiais foram identificados, o que permitiu determinar a ligação dos homens com o Exército. Entre as evidências estão posts nos quais eles aparecem fardados e congratulações de parentes por conquistas em treinamentos e cursos militares, além de fotos de arquivo pessoal que abrangem um período de 10 anos.
“Os nomes deles apareciam em registros governamentais e documentos públicos militares,incluindo os resultados de exames de admissão no Exército e uma tese de graduação da Academia Militar, o que nos permitiu determinar que suas carreiras começaram em 2012 e 2014”, diz o relatório. A Graphika não conseguiu determinar as funções específicas dos homens no Exército, mas acredita que ambos têm funções ligadas à cavalaria.
Porém, tanto Facebook quanto Graphika não fazem conexões dos oficiais ao comando do Exército.
Desmatamento, ação militar e ONGs
Segundo o relatório do Facebook, os perfis e páginas tentavam se passar por organizações da sociedade civil e ativistas interessados na preservação da Amazônia — foi a primeira vez que a rede social identificou uma rede do tipo atuando em questões ambientais. O documento diz que alguns posts diziam que “nem todo o desmatamento da floresta é prejudicial". Além disso, havia ataques a ONGs que atuam para a preservação do meio ambiente.
No relatório da Graphika, é citada a página NaturAmazon, organização ambiental inexistente que tinha 6.650 seguidores no Instagram e que operou entre maio e setembro de 2021. Além de postar imagens de animais, a página costumava elogiar o governo no combate ao desmatamento e afirmava que o Brasil é líder na proteção ao meio ambiente.
A Graphika ainda afirma que a página postava sobre o suposto sucesso do governo e do Exército no combate ao desmatamento — a culpa pelo impacto ambiental negativo era transferida para os cidadãos em nível individual, ignorando causas sistêmicas nas ações. “A NaturAmazon postava apenas notícias e estatísticas que apresentavam o governo e os militares de maneira positiva”, diz o documento.
Outra página citada é a O Fiscal das ONGs, que tinha 7 mil seguidores no Instagram e parou de postar em setembro de 2021. O objetivo do perfil, segundo a Graphika, era abalar a credibilidade de ONGs ambientais. Entre os alvos estavam o Imazon, o Instituto Socioambiental (ISA), o Greenpeace e o WWF.
O Fiscal das ONGs costumava postar também partes de um filme conspiratório produzido pelo site bolsonarista Brasil Paralelo. A Graphika identificou também dois posts que incluíam falas do senador amazonense Plínio Valério (PSDB) sobre supostamente ter evidências de que ONGs querem comprar terras na Amazônia para atender a interesses estrangeiros.
Ataques a Bolsonaro
A rede desmontada pelo Facebook teve uma fase anterior envolvimento com questões ambientais. Entre abril e junho de 2020, os perfis e páginas eram usados para criticar o presidente Jair Bolsonaro (PL) e promover questões sociais. Segundo o documento, a rede fracassou para obter engajamento nessa fase e foi desativada. Ela só voltou a operar em maio de 2021 já na etapa ambiental, considerada a principal da operação.
Na sua primeira fase, uma das páginas, chamada Resistência Jovem, postava memes, infográficos e manchetes de veículos de imprensa tradicionais que criticavam Bolsonaro, especialmente a sua atuação na pandemia. O perfil, porém, obteve apenas 531 seguidores.
Outro perfil, Orgulho Sem Terra, postava conteúdo relacionado ao Movimento Sem Terra, além de críticas a Bolsonaro.
As duas fases claramente antagônicas em conteúdo não são explicadas pelo Facebook ou pela Graphika. As duas empresas dizem focar apenas nas operações que resultam em comportamento coordenado inautêntico. O estudo da Graphika diz que “a atividade reforça a importância de analisar as operações dentro de um contexto social e político”. E diz ainda: “Isso é particularmente relevante no Brasil, que tem uma história de agentes com motivações políticas engajados em comportamento coordenado online prejudicial”.
O documento cita as desavenças entre Bolsonaro e os militares, que resultaram nas trocas de comando nas Forças Armadas em março de 2021.
Procurado pela reportagem, o Exercito Brasileiro emitiu a seguinte nota:
"O Exército Brasileiro não fomenta a desinformação por meio das mídias sociais. A instituição possui contas oficiais nessas mídias e obedece as políticas de uso das empresas responsáveis por essas plataformas. Assim, o Exército já entrou em contato com a empresa Meta para viabilizar, dentro dos parâmetros legais vigentes, acesso aos dados que fundamentaram o relatório, no que diz respeito à suposta participação de militares nas atividades descritas."
E completou: "Cabe ressaltar que a Instituição requer de seus profissionais o cumprimento de deveres militares, tais como o culto à verdade, a probidade e a honestidade".
Repercussão
O envolvimento de militares com canais de desinformação gerou preocupações em especialistas. Segundo Eduardo Grin, cientista político da FGV, a postura parcial que o Exército acaba adotando com o episódio é um sinal de alerta para as eleições deste ano.
"O exército não tem lado. Esse tipo de informação falsa revela um tipo de conduta política absolutamente inadequada. É extremamente preocupante que episódios como esse venham à tona e nos faz pensar se o Exército não vai, ao longo deste ano, direcionar a população para informações equivocadas", explica Grin.
O cientista ainda aprofunda a questão na raiz do retorno da "atividade partidária" dos militares no governo Bolsonaro. Segundo ele, o setor ganhou cargos públicos importantes ao longo dos últimos anos em troca de uma maior ação em prol da agenda presidencial no País — que condiz com as mensagens veiculadas pelos grupos revelados pelo Facebook.
"Essa interferência dos militares na política, que nunca deixou de existir no Brasil, volta a se mostrar de maneira bastante forte no governo Bolsonaro. Na medida em que o presidente vai instigando a lógica de aproximação desse setor, isso acaba autorizando militares a terem esse tipo de conduta que é antirrepublicano e antidemocrático", afirma Grin.
Já para Max Stabile, membro do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), a tática se assemelha a uma decisão comum em conflitos, onde a desinformação é utilizada para facilitar o discurso pró ou contra governo. Ainda assim, apesar de não ser possível identificar se a ação era isolada ou coordenada pela entidade, Stabile acredita que a ação como um todo é problemática do ponto de vista político.
“É uma estratégia bastante conhecida no mundo militar, que é a dissonância cognitiva, em que são geradas uma quantidade de informações não precisas e que não são corretas para que aquele determinado ponto tenha um sentimento de insegurança”, aponta Stabile. “Seria problemático ter uma visão do Exército utilizando esse tipo de desinformação ou de comportamento inautêntico”. /COLABOROU BRUNA ARIMATHEA
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