Extrapolaram todos os níveis do razoável os avanços indevidos da caserna sobre o processo político eleitoral. Misturaram ideias, demonstraram completo desconhecimento dos trâmites democráticos do sistema e abusaram da arrogância. Para começo de conversa: que palhaçada é essa de militar dando pitaco e bronca em Tribunal Eleitoral por conta e incentivo de um capitão arruaceiro? Onde já se viu! Nada mais antirrepublicano que as últimas movimentações traçadas pelo alto comando. O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, decidiu em pessoa fazer uma espécie de bullying com gente desarmada. Quis centralizar o diálogo das Forças Armadas com o TSE nas próprias mãos, coordenando os trabalhos, dirigindo demandas, ditando ordens e estabelecendo o que poderia ser entendido como novas e estapafúrdias regras. Exigiu, por exemplo, providências imediatas e detalhamento claro de quais seriam as medidas da Corte na eventualidade de uma fraude, que nem ele mesmo sabe ainda de que forma aconteceria, e se viria. É como exigir o impossível e numa condição que o general tem direito zero de fazê-lo. Não é de sua alçada, competência ou atribuição tamanha ingerência. Nogueira, alimentado por podres anseios superiores, delirou nos desmandos. Militares não são tutores do Brasil, muito menos podem almejar um papel de poder moderador. Não existe isso em uma democracia como a nossa. Um representante de farda foi “convidado” – atente ao termo – a participar da Comissão de Fiscalização e Transparência como observador, jamais como interventor. A tal comissão, criada com o intuito de dar mostras da lisura do processo, já deveria, na verdade, ser extinta por ter esgotadas a contribuição e função.
O comandante invitado e seus prepostos também poderiam obedecer a um toque de recolher depois de tamanha barbeiragem. Seria aconselhável e de bom tom. Nas urnas a farda não manda, prega a Lei. Não está sob o domínio das Forças Armadas a missão de cuidar da eleição. Nunca esteve e não será agora. O melhor a fazer é pegar seus canhões e voltar para o quartel. Nos últimos dias, o mito Messias, mostrando que perdeu completamente o senso de equilíbrio no afã de anular os resultados do escrutínio, chegou a falar na contratação de uma empresa israelense para realizar uma espécie de auditoria das eleições. Onde já se viu tamanha barbaridade que não em regimes totalitários típicos de ditadores? Supervisionar o TSE com um time particular de contratados do capitão? E onde ficaria a soberania brasileira nessa história? Mais que afrontosa à Constituição, a ideia traduz até onde o mandatário parece capaz de ir para impor suas vontades. É preciso dar um fim à bagunça. Incensados pelos devaneios superiores, alguns militares subjugados deram margem a mais abusos. Pegaram um ato de boa fé do Tribunal e passaram a fazer ameaças, bater na mesa como donos do jogo. Erraram feio. Confundiram conceitos e princípios. Entraram na onda da contrainformação gerada no Planalto e macularam a própria reputação, que vinha sendo reconstruída há décadas.
Restou o constrangimento. A farsa golpista tem de acabar. O quanto antes. Bolsonaro busca confusão a qualquer custo. Na eventual ausência de amparo militar, não descarta sequer a possibilidade de recorrer a seguidores aventureiros com armas nas ruas para a plena algazarra. Já vem recrutando gente nesse sentido desde agora. É assustador assistir a um mandatário ameaçando a Suprema Corte e a Carta Magna. Normalizando o inaceitável. Usar o prestígio de uma instituição que reúne a Marinha, Aeronáutica e o Exército para fins pessoais é vilipendiar a ordem constituída. As três unidades são estruturas de Estado, não de governo. O presidente não detém para si o que imagina ser uma guarda pretoriana. Longe disso! Por óbvio, a população tem de confiar que seu voto será respeitado e o veredicto também, como ocorre há muito tempo sem qualquer tipo de trapaça constatada. As urnas eletrônicas são confiáveis e o mundo inteiro mira o modelo brasileiro como exemplo. Sabe-se agora, por meio de revelações da própria Polícia Federal, que o governo Bolsonaro tem planejado na surdina prejudicar o sistema de votação, o que constitui um claro crime de responsabilidade – como apontam diversos juristas – passível de enquadramento e destituição do posto. O inquilino do Palácio imagina-se intocável, blindado por cupinchas do Congresso e segue seguro da impunidade. A denúncia de ataque ao Estado Democrático de Direito depende da PGR e, também ali, o território está dominado. Apurações contra esses desmandos não devem evoluir. Não é concebível que as liberdades individuais, que ainda vigoram por aqui, caiam em descrédito por obra e graça de um único mandante. Nem é possível aceitar que militares participem da conspiração mirando tal objetivo. A Lei não pode ser pervertida ao sabor de aspirantes a déspotas. Bolsonaro busca ser o juiz máximo do próprio pleito. Qualquer dia mete uma coroa na cabeça e irá mandar que as Forças Armadas dancem sempre conforme a sua partitura de vontades. Na ofensiva que envolve generais de alta patente, Abin e ministros chegados, o capitão se converteu numa verdadeira vivandeira dos quartéis — aquela a qual o marechal Castello Branco se referia, nos idos do golpe de 64, reclamando que elas “vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar”. Que os comandados de farda e coturno não caiam na armadilha.
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