Presidente americano perturbou ditaduras ao dizer que EUA
não deveriam tolerar repressão 'em troca de vantagens temporárias'
Em fevereiro de 1976, o general Ernesto
Geisel recebeu Henry
Kissinger. O presidente brasileiro disse ao secretário de Estado americano
que estava incomodado com o que era dito sobre o Brasil nos EUA: "Nossa
imagem é uma imagem de ditadura e
violência. Isso não corresponde à realidade do Brasil moderno".
A ditadura não tinha problemas com o governo do republicano
Gerald Ford, que seguia uma doutrina que tratava o regime como aliado contra o
comunismo. Na conversa, Kissinger disse a Geisel que questões domésticas eram
uma preocupação do Brasil, num sinal de que os americanos não criariam tensões
sobre a violação de direitos humanos.
O secretário também afirmou estar
convencido de que Ford seria reeleito. Geisel concordou, demonstrando um certo
alívio. Os dois estavam errados. Nove meses depois, o democrata Jimmy Carter
venceu a disputa pela Casa Branca. Nos anos seguintes, a presidência americana
passaria a perturbar as ditaduras da região.
Carter
levou para a diplomacia convicções que rompiam com um excesso de
pragmatismo da Guerra Fria. Antes da eleição, numa entrevista à revista
Playboy, ele citou a ditadura brasileira e disse que o governo americano não
deveria abrir mão de princípios morais "em troca de vantagens
temporárias". No discurso de posse, afirmou que o país não poderia ser
indiferente à violação de direitos humanos em outros países.
A mensagem também foi entregue em mãos. Em 1977, segundo
relato de Elio Gaspari, a primeira-dama Rosalynn Carter levou a defesa da
democracia a Geisel e indicou que havia ficado para trás a época em que os EUA
apoiavam "de forma irrestrita" qualquer regime anticomunista,
"por mais repressivo que fosse".
No ano seguinte, o próprio Jimmy Carter driblou o assunto em
conversa com o Geisel, mas depois se reuniu com opositores que denunciavam
prisões arbitrárias e a tortura, como dom Paulo Evaristo Arns.
Carter perdeu as eleições de 1980. Deixou o poder com a
graça de poucos derrotados e construiu uma carreira como ex-presidente,
mantendo a convicção da defesa da democracia, da paz e dos direitos
humanos. Morreu
no domingo (29), aos 100 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário