segunda-feira, 31 de março de 2025

QUANDO A FRAGMENTAÇÃO PROTEGE A DEMOCRACIA

Carlos Pereira, O Estado de S. Paulo

A fragmentação no Brasil revelou-se mais eficaz contra líderes iliberais do que modelo dos EUA

Durante décadas, exaltamos as proezas da democracia americana. O sistema institucional majoritário dos EUA — presidencialista e bipartidário — era visto como um modelo a ser seguido.

Afinal, trata-se da democracia mais longeva e mais rica do mundo. Muitos ainda hoje atribuem a esse arranjo institucional o segredo do seu sucesso. A existência de um presidente, ainda que constitucionalmente limitado, amparado por uma maioria legislativa de seu partido, capaz de implementar sua agenda com poucas concessões. Soma-se a isso uma justiça ágil, eficaz e, em parte, escolhida diretamente pelos próprios eleitores.

Em contraste, sistemas presidencialistas multipartidários como o brasileiro são frequentemente retratados como disfuncionais e caóticos. A crítica recorrente apontava para a fragmentação partidária, a ineficiência decisória, a instabilidade institucional e um judiciário moroso e ineficaz — embora independente. Alguns, inclusive, responsabilizavam o sistema político brasileiro pelo desempenho econômico abaixo do esperado.

No entanto, a forma como Brasil e Estados Unidos têm lidado com líderes de perfil abertamente iliberal desafia essa interpretação tradicional. Ao observarmos as respostas institucionais diante das ameaças representadas por Jair Bolsonaro e Donald Trump, temos

bons motivos para reconsiderar os méritos do sistema político brasileiro.

O Brasil tem demonstrado notável resistência democrática. Bolsonaro foi derrotado nas urnas, declarado inelegível pela Justiça Eleitoral e agora virou réu na Justiça comum por suas tentativas de subverter a ordem democrática. Já os Estados Unidos, apesar de toda sua tradição institucional, foram incapazes de impor limites à candidatura de Trump — mesmo após a invasão do Capitólio, diversas investigações em curso, inclusive com uma condenação por júri.

Essa comparação revela uma ironia: o sistema fragmentado brasileiro, tão criticado por sua suposta ineficiência, tem se mostrado mais robusto na contenção de autocratas do que o sistema majoritário e bipartidário americano. A concentração de poder — com apoio legislativo e popular — em torno de Trump, ao invés de proteger a democracia, parece ter fragilizado ainda mais os mecanismos de freios e contrapesos nos EUA, haja vista as sucessivas ameaças que juízes federais americanos têm recebido por restringir algumas de suas Ordens Executivas.

Talvez seja hora de reavaliarmos as virtudes e os riscos de cada modelo. E, sobretudo, de reconhecer que, diante de crises democráticas, a fragmentação pode ser uma salvaguarda — e não uma ameaça.

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TESES FRUSTRADAS DE UM RÉU

Rafael Mafei, especial para a Piauí

Como o STF rebateu as contestações de Bolsonaro e fez dele o primeiro ex-presidente a responder por crimes contra a democracia

Dois anos atrás, Donald Trump se tornou o primeiro ex-presidente americano a ser indiciado criminalmente. No Brasil, não se trata de um acontecimento tão raro: de Sarney a Lula, assistimos a indiciamentos, denúncias, condenações e até prisões de ex-presidentes. Nenhum deles, contudo, foi a julgamento por um crime tão grave quanto tentativa de golpe de Estado. Só por esse motivo, o processo que o Supremo Tribunal Federal iniciou nessa quarta-feira (26) contra Jair Bolsonaro já pode ser considerado histórico. Um marco civilizacional em um país que não costuma julgar crimes contra sua democracia.

Houve poucas surpresas na sessão de julgamento, iniciada na terça-feira (25). A Primeira Turma do STF – formada por Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flavio Dino e Luiz Fux – aceitou a denúncia contra Bolsonaro e outros sete acusados que, segundo a Procuradoria-Geral da República, formavam o núcleo central da trama golpista. Inesperada mesmo, só a presença de Bolsonaro na primeira fileira do plenário, em um tribunal que ele sempre atacou e que seus seguidores vandalizaram no 8 de janeiro. Do lado de dentro, o ex-presidente se portou exemplarmente. Não perturbou os trabalhos e recusou até um copo d’água. Do lado de fora, já como réu, repisou numa coletiva de imprensa os seus bordões e voltou a colocar em dúvida, sem provas, o sistema eleitoral.

O recebimento dessa primeira denúncia é uma luz no fim do túnel para um tribunal que há tempos anda tumultuado com investigações complexas. Inquéritos, mesmo os mais complicados, devem caminhar para uma conclusão, como frisou recentemente o ministro Luís Roberto Barroso ao tratar da investigação sobre a disseminação de fake news, aberta pelo Supremo em 2019 e ainda não concluída. O recebimento das denúncias contra os núcleos golpistas pode ser o pontapé inicial nesse sentido. 

As questões jurídicas que se discutem em sessões desse tipo costumam ser diferentes daquelas que virão à tona durante o julgamento. Tratam de assuntos preliminares ao processo, e não de provas, culpados e inocentes. Os embates a que assistimos esta semana, no entanto, esclareceram pontos importantes e tiraram do caminho reclamações frequentemente ouvidas contra o Supremo. Cabe analisá-los com atenção. 

Nesse primeiro momento, o que interessava aos acusados eram as questões de natureza processual. Em primeiro lugar, discutiu-se a adequação formal da denúncia – isto é, se ela apresentava fatos e crimes bem delineados, assim como seus respectivos responsáveis e provas. Não havia dúvidas de que a peça apresentada pelo procurador-geral Paulo Gonet passaria por esse crivo. O segundo ponto dizia respeito àquilo que, no jargão do direito, se chama “juiz natural”. Toda ação penal deve ser julgada no foro adequado, por um juiz (ou mais de um, como é o caso) que tenha independência e imparcialidade.

Esse segundo ponto foi o mais debatido, por conta do foro por prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado, uma eterna bola dividida na Justiça. A discussão principal era se o Supremo poderia julgar pessoas que, por lei, não mais dispõem do foro, mas que dispunham dele quando praticaram os crimes dos quais agora são acusadas. É o caso de Bolsonaro, que era presidente da República e usou seus poderes para praticar os atos caracterizados na denúncia como crimes, mas deixou o cargo há dois anos.

Trata-se de um daqueles imbróglios jurídicos para o qual uma aparente solução sempre acarreta um novo problema, e assim por diante. Os problemas com a prerrogativa de foro, de tão antigos, renderam o primeiro embate entre a ditadura militar e o Supremo. O golpe contra João Goulart foi desencadeado no dia 31 de março, uma terça-feira; na sexta-feira da mesma semana, o STF aprovou uma súmula aparentemente banal, estabelecendo a tese de que a prerrogativa de foro se prolongava além do tempo de exercício da função pública. Ou seja, pessoas que um dia foram autoridades e tiveram direito ao foro continuariam a tê-lo. O tribunal se preparava para o que vinha pela frente, pois ninguém duvidava, desde a primeira semana, que o novo governo cassaria opositores e tentaria julgá-los nas auditorias militares.

O Supremo, apesar do embate, manteve essa interpretação da lei durante a ditadura. Ela mais tarde foi consolidada na Constituição de 1988, que trouxe, porém, uma inovação: deputados e senadores, que antes não tinham foro no STF, passaram a tê-lo. Com um Ministério Público fortalecido pela Constituinte e dotado de liberdade e orçamento para investigar, o número de casos que chegavam ao tribunal disparou. Por isso, a partir de 1999, o Supremo começou a adotar uma nova interpretação da lei. Os ministros concluíram que, terminado o exercício do cargo público, o político não teria mais direito ao foro por prerrogativa de função.

Nada resolvido, porque surgiram então novos desafios: parlamentares passaram a renunciar aos seus mandatos às vésperas dos julgamentos, deslocando o processo abruptamente para a primeira instância para forçar atrasos e, com alguma sorte, a prescrição. Pintaram também novas dúvidas: se a autoridade mudasse de cargo e, com isso, de foro (digamos, passando um tribunal estadual para o STF), o que deveria acontecer com seus processos? Cairiam para a primeira instância ou, pelo contrário, subiriam para a instância superior? Profissionais do direito deram a essa barafunda o apelido de “elevador processual”.

Esse era o primeiro ponto a ser esclarecido no que dizia respeito a Bolsonaro e outros acusados. A resposta do Supremo, fixada em outros julgamentos recentes, foi categórica: o foro privilegiado se estende a ex-autoridades, com a condição de que o crime julgado tenha sido praticado no exercício do cargo e seja relacionado a ele.  

Aessa discussão, somou-se outra: por que a ação deveria transcorrer na Primeira Turma do Supremo, e não no plenário, onde todos os onze ministros podem se manifestar? Como a Constituição não impõe quórum qualificado para o julgamento de ações penais, o regimento do tribunal permite que se opte por uma opção ou pela outra. Quanto se trata de presidentes e outras poucas autoridades no exercício do cargo, o regimento exige análise do plenário. Sobre ex-autoridades, ele nada diz. 

A praxe de julgar toda e qualquer ação penal no plenário se mostrou disfuncional no caso do mensalão. Na época, o mais importante órgão do Supremo ficou mais de seis meses praticamente paralisado por um único processo. Distribuir as ações entre as turmas, solução adotada logo em seguida, resolveu o problema, mas criou outro: como os ministros-relatores dispõem de um poder quase imperial de remeter casos da turma ao plenário, justificando-se com um genérico “relevância jurídica do caso”, o destino de muitas questões penais passou a ser definido por conveniência ou estratégia dos relatores. Estabeleceu-se um sistema imprevisível, abrindo margem a incertezas que as regras de competência processual deveriam evitar. Talvez por isso os integrantes da Primeira Turma, com exceção de Fux, tenham optado pela interpretação de que ao plenário cabem estritamente as ações penais previstas de forma taxativa no regimento do STF. Nada de ex-autoridades no plenário, portanto.

O terceiro ponto discutido foi a alegada suspeição de Alexandre de Moraes, invocada à exaustão por Bolsonaro e já rechaçada, também à exaustão, pelo Supremo. Para a melhor compreensão desse ponto, convém destrinchar o bordão segundo o qual Moraes “é vítima, investigador e juiz ao mesmo tempo”. Não é bem assim.

O ponto mais fraco dessa tese está na classificação de Moraes como vítima, porque juridicamente ele não o é. Em graus diferentes, todos os ministros do STF foram, individualmente, atingidos pela violência bolsonarista. Barroso e Edson Fachin foram verbalmente atacados por Bolsonaro diversas vezes enquanto presidiam o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O relatório da Polícia Federal que embasou a denúncia mostra que, além de Barroso, Fux também foi alvo do chamado gabinete do ódio. Conteúdos mentirosos o associavam a um banco que tem participação acionária em uma empresa que fabrica urnas eletrônicas. O objetivo era insinuar que Fux tinha interesse financeiro na preservação das urnas. O mesmo Fux, na sessão de quinta-feira (26), relembrou que sua mesa e seus documentos foram incendiados no 8 de janeiro. Até mesmo André Mendonça e Kássio Nunes, indicados pelo agora réu Bolsonaro, tiveram seus locais de trabalho invadidos e destruídos pela turba – afinal, foram vandalizadas as salas de julgamento, os corredores e os salões que ambos frequentam cotidianamente. Se considerarmos que os ataques ao Supremo se estendem a seus integrantes, sobrará algum ministro apto a julgar os golpistas?

É verdade que Moraes concentrou mais ataques que os colegas, constando até mesmo entre os alvos que seriam assassinados no plano Punhal Verde e Amarelo. Quando isso ocorreu, no entanto, sua relatoria nessa matéria já estava estabelecida havia muito tempo, após debates e decisões no tribunal. Não convém que um investigado possa, por ato exclusivo seu, ensejar a suspeição de um juiz que ele decidiu atacar. Isso o permitiria manipular a escolha do magistrado. O Código de Processo Penal diz que o juiz não deve julgar a causa de quem seja seu “inimigo capital”. Não fala em adversário, desafeto, nem de mero inimigo. O adjetivo “capital” serve justamente para restringir o alcance da suspeição. Ao menos essa interpretação tem permanecido estável na jurisprudência do Supremo: até 2018, segundo uma pesquisa da FGV Direito SP, nunca houve situação em que o tribunal tivesse reconhecido a suspeição de um ministro contra a vontade dele próprio.

Por último, a reclamação de que Moraes atua como “investigador e juiz ao mesmo tempo” tem alguma pertinência. A regra, no sistema processual penal brasileiro, é que o juiz que julga não tenha sido o mesmo que supervisionou o inquérito. Essa importante garantia, que ajuda a preservar a imparcialidade dos magistrados, não é oferecida a quem responde a uma ação diretamente no STF. Esse, aliás, não é o único direito mitigado para os réus do tribunal: ao contrário dos acusados em outras instâncias, eles não dispõem de um órgão recursal ao qual possam apelar.

Mas esse problema, que é real e deveria ser resolvido por uma reforma legal e regimental, está longe de ser uma novidade. O mesmo acontece em todos os julgamentos do Supremo – treze anos atrás, ouvimos reclamações sobre a suposta parcialidade de Joaquim Barbosa e a impossibilidade de recorrer das decisões do julgamento do mensalão. Quem pede estabilidade e previsibilidade, que até há pouco faltavam nas decisões sobre competência e prerrogativa de foro, pode ao menos ter como consolo o fato de que, nesse ponto, tudo continuará como sempre foi. 

Odesenrolar do processo contra Bolsonaro e seus aliados é difícil de prever, mas o encerramento da sessão de quarta-feira (26) sugeriu que o tribunal pode encampar uma discussão mais aprofundada sobre a dosimetria das penas pelo 8 de janeiro. Fux, embora tenha aceito integralmente a denúncia apresentada pela PGR, comentou que a pena imposta à cabeleireira Débora Santos (que pichou a estátua da Justiça em frente ao tribunal) lhe causou “sensação de injustiça” e que, por isso, abrirá divergência nesse quesito. O incômodo não é só dele. É mesmo questionável, juridicamente, que a cumulação dos crimes de tentativa de abolição do estado democrático de direito e de golpe de Estado seja aplicável a todos os invasores.

Mas vale notar que, nesse ponto específico, a situação de Bolsonaro e dos outros sete réus julgados com ele não é a mesma da turba do 8 de janeiro. Ao contrário de Débora, por exemplo, o ex-presidente e seus aliados atuaram continuamente, ao longo de meses, contra a Justiça Eleitoral, contra as eleições democráticas e contra o governo Lula já eleito, com plena consciência do que faziam. Ao estimularem e viabilizarem a invasão, inclusive garantindo a omissão das forças de segurança que facilitou o ataque à Praça dos Três Poderes, eles buscavam criar condições para a deposição do governo já empossado. Daí porque uma eventual reconsideração das penas em favor de um ou outro acusado do 8 de janeiro não significa que o mesmo será feito com os principais réus da trama golpista, caso sejam condenados.

Rafael Mafei

É advogado e professor de Direito na USP e na ESPM. Publicou Como Remover um Presidente: Teoria, História e Prática do Impeachment no Brasil (Zahar)

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MARINE LE PEN INELEGÍVEL

Do g1

Marine Le Pen, líder da extrema direita na França, se torna inelegível após condenação por desvios públicos

Deputada francesa foi condenada nesta segunda (31) por desvio de fundos públicos. Le Pen lidera pesquisas de intenção de voto para eleições.

A líder da extrema direita na FrançaMarine Le Pen, foi declarada inelegível nesta segunda-feira (31) pela Justiça francesa.

Le Pen foi condenada por desvio de verbas públicas e também sentenciada a quatro anos de prisão — das quais duas devem ser anuladas. A Justiça decidiu que ela deve ficar inelegível por cinco anos. Ela deve recorrer da decisão.

Le Pen liderava as pesquisas de intenção de voto para as próximas eleições presidenciais na França, em 2027.

Segundo a condenação, ela desviou verbas de gabinete quando era deputada no Parlamento Europeu para pagar funcionários de seu partido, o Reunião Nacional.

No julgamento, Le Pen e seu partido argumentaram que o dinheiro foi usado de forma legítima e que as alegações definiram de forma muito restrita o que um assistente parlamentar faz.

Mas a juíza Bénédicte de Perthuis, que anunciou o veredito, disse que Le Pen sabia do esquema e estava "no centro" dele.

A juíza, do tribunal do Paris que julgou o caso, calculou o prejuízo total em 2,9 milhões de euros (cerca de R$ 18 milhões de reais), ao fazer "o Parlamento Europeu pagar pessoas que na realidade trabalhavam para o partido".

Repercussão

O Reunião Nacional disse que a sentença desta segunda foi a "execução da democracia francesa".

Aliados de Le Pen também criticara a decisão. O Kremlin disse que a Justiça francesa condenou a democracia no país — o presidente russo, Vladimir Putin, já fez declarações favoráveis a Le Pen, que costuma ser questionada na França por sua proximidade com ele.

O presidente da Hungria, Viktor Orbán, também da extrema direita, condenou a decisão.

Marine Le Pen ainda não havia se pronunciado sobre a condenação até a últiam atualização desta reportagem. Ela deixou o tribunal antes de o juiz anunciar a sentença.

'Momento político sísmico'

Arnaud Benedetti, analista político que escreveu um livro sobre o RN, disse que a proibição de Le Pen é um momento decisivo na política francesa que repercutirá em todos os partidos e no eleitorado.

"Esse é um evento político sísmico", disse ele. "Inevitavelmente, isso vai remodelar o grupo, especialmente à direita."

O que acontece agora?

Apesar de Marine Le Pen ainda não ter se manifestado, os franceses já começaram a especular os cenários a partir da inelegibilidade da deputada.

O principal cenário é que Jordan Bardella, considerado o "pupilo" de Le Pen, se candidate em seu lugar. Bardella chegou a concorrer, no ano passado, nas eleições para primeiro-ministro — cargo que governa em conjunto com presidente na França mas tem menos importância e peso simbólico no país europeu.

Nesta segunda, Bardella se pronunciou sobre a condenação de Le Pen, dizendo que "foi a democracia que foi assassinada hoje". Mas ele não informou se pretende concorrer no lugar da deputada.

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ADOLESCÊNCIA E O MACHISMO NA REDE

Artigo de Fernando Gabeira

A série “Adolescência” trouxe um grande número de debates envolvendo as redes sociais. Um dos temas novos para o público brasileiro foi a menção aos incels (celibatários involuntários), subcultura muito atuante na internet que já produziu algumas tragédias.

Fui despertado para o tema pela leitura de dois livros: “Hate in the homeland: the new global far right”, de Cynthia Miller-Idriss, e “Meme wars” (guerras de memes, em tradução livre), de Joan Donovan, Emily Dreyfuss e Brian Friedberg. Pensei em escrever sobre isso quando as redes da primeira-dama foram invadidas por um jovem que, pelo que li, se declarou influenciado pelos incels. Mas, para evitar o clima de polarização, resolvi esperar nova oportunidade.

Os incels em alguns casos se consideram rejeitados pelas mulheres e culpam o feminismo. Na série, o personagem diz que 80% das mulheres se interessam por apenas 20% dos homens. Se limitassem seu discurso apenas a um lamento pela solidão involuntária, seriam inofensivos. Mas, nos Estados Unidos, já moveram grandes campanhas nas redes sociais visando a determinadas mulheres, com o objetivo de tornar sua vida infernal.

Mais que isso: uma simples pesquisa revela que os incels inspiraram vários crimes horrendos no mundo. Em 2014, Elliot Rodger, na Califórnia, matou seis pessoas e feriu 14 antes de se suicidar. Deixou um manifesto culpando as mulheres, por rejeitá-lo, e os homens bem-sucedidos na vida amorosa. Alek Minassian, em Toronto, no Canadá, atropelou e matou dez pessoas com uma van e declarou num post no Facebook que era um “levante incel”. Isso foi em 2018. Jake Davison matou cinco pessoas, inclusive a própria mãe, no Reino Unido em 2021. Ele consumia conteúdo misógino.

Os pesquisadores observam que não existe apenas uma subcultura levando à radicalização on-line. Aconselham pais, educadores, autoridades a se dar conta de que isso já é realidade cotidiana. Nem todas as interpretações que surgiram após a série “Adolescência” podem estar corretas. Alguns culpam as feministas por não educarem os homens. Mas a verdade é que o incels fazem carga contra as feministas, ignorando que nem todas as grandes transformações sociais nesse campo foram produzidas por elas. E, afinal, elas não são maioria entre as mulheres. Na verdade, os incels as transformam num bode expiatório de uma transformação muito mais ampla e difícil de conter.

Outro argumento muito comum é que as famílias perderam seus filhos para as redes sociais. Já ouvi o mesmo argumento com relação à comunicação de massa, televisão e também com relação à música, principalmente o rock. De fato, a influência das famílias vem decrescendo, mas ainda há grande possibilidade de intervenção, desde que elas se abram para estudar esses movimentos. O livro “Meme wars” apresenta um ângulo interessante porque se dispõe a falar das muitas e ainda não reveladas batalhas que ameaçam a democracia.

No Brasil existem pesquisas e gente trabalhando na observação dessas subculturas na internet. Há até registro de um caso de ataque no Espírito Santo, em 2022. Todos os que trabalham com o tema se comovem com a dor dos pais surpreendidos pelo comportamento dos filhos e sofrem muito se questionando sobre a própria responsabilidade. No caso registrado no Espírito Santo, um garoto de 16 anos matou quatro pessoas, influenciado por uma rede neonazista.

A pesquisadora Michele Prado já alertou autoridades sobre esse grupo, indicando autores brasileiros que contribuem com a rede, sobretudo uma publicação voltada para radicalização e recrutamento. A série “Adolescência” é apenas um ponto de partida para um universo subterrâneo imenso.

Artigo publicado no jornal O Globo em 31 / 03 / 2025

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domingo, 30 de março de 2025

ABANDONADA POR BOLSONARO

Renata Galf, Folha de S.Paulo

Zambelli diz se arrepender de dia da perseguição armada e se vê abandonada por Bolsonaro

Com maioria no STF para condená-la e cassá-la, deputada diz que esperava apoio de ex-presidente

São Paulo A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) diz se arrepender do episódio em que perseguiu um homem com arma em punho na véspera da eleição de 2022 em São Paulo. "Devia ter entrado no carro e ido embora."

Ela se vê abandonada por Jair Bolsonaro (PL), de quem era uma das principais aliadas, e discorda do ex-presidente, que credita a ela a derrota para Lula (PT) naquele pleito. "Não só eu como outras pessoas também perderam a amizade do presidente no momento que precisaram", afirma.

Na última semana, o STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria para condená-la a 5 anos e 3 meses de prisão em regime semiaberto e à perda de mandato por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal com emprego de arma. O julgamento está suspenso.

Porta-voz de destaque do discurso bolsonarista contra urnas, ela ainda buscará reverter, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), uma condenação por desinformação.

Para representar a direita na eleição de 2026, Zambelli defendeu os nomes de Michelle e Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Após a entrevista, a deputada procurou a reportagem e disse ter mudado de ideia sobre a resposta, afirmando ser muito cedo para falar sobre um cenário ainda não definido.

Como a sra. define seu momento atual?
Estou num momento mais difícil politicamente falando. Nunca imaginei passar por uma situação dessa. Uma possível prisão, por um crime que não cometi. Considero isso uma perseguição política.

Na última segunda-feira, o ex-presidente Bolsonaro disse ‘a Carla Zambelli tirou o mandato da gente’, sobre o episódio com a arma. Como avalia essa fala?
Eu discordo do presidente Bolsonaro. Eu acho que atrapalhou, sim. Mas não teve vários dias de divulgação dessa imagem. Foi simplesmente meio dia. Não acho que tanta gente tenha mudado de opinião em relação ao voto que daria.

É um peso bastante grande ter ouvido aquilo. Pesou bastante nas minhas costas. Na verdade, desde 2022 enfrento depressão por causa desse episódio e tive vários momentos bem ruins. Ter ouvido isso dele me deixou bastante chateada.

A sra. se vê, de certa forma, abandonada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro?
Sim.

O que a sra. esperava?
Acho que esperava apoio. Desde 2013 eu apoio o Bolsonaro. Antes como ativista, nas causas dele, ajudei na eleição de 2018. Durante todo o governo. Acho que eu fui uma das pessoas mais linha de frente dentro do Congresso para poder defender o governo, o presidente.

Esperava ter algum tipo de retribuição em relação a isso. Ou seja, contar com a amizade dele nesse momento difícil. Mas acho que não só eu como outras pessoas também perderam a amizade do presidente no momento que precisaram.

A sra. pretende ir em algum ato a favor de Bolsonaro, como no dia 6 de abril na av. Paulista?
Não, eu não vou no dia 6 de abril, porque é sobre anistia. Se chegar na Câmara para votar, vou votar a favor da anistia, mas não posso agora me colocar em risco no meio do meu julgamento.

E manifestações a favor do ex-presidente que venham a acontecer fora essa?
Não sei, ainda não pensei em ir ou não, mas a princípio não.

Em 2023, em entrevista à Folha, a sra. disse que Bolsonaro deveria ter sido claro sobre o que pensava, dizendo para as pessoas saírem dos quartéis, e também que ele deveria estar no Brasil para liderar a oposição. Mantém essa avaliação?
Mantenho. Acho que ele tinha que estar no Brasil e tinha que ter falado para as pessoas saírem de frente do quartel.

Devia ter esclarecido, ou ter feito a live lá de fora, falado 'já tô fora do Brasil, agora não tem mais chance de voltar atrás', e pedir para as pessoas irem embora. Isso evitaria o que aconteceu depois.

O ex-presidente ainda se coloca como possível candidato, apesar de estar inelegível. Como a sra. vê o cenário para 2026, quem poderia representar a direita?
Tem a Michelle, a esposa do Bolsonaro, que é uma excelente candidata. Eu acho que é uma pessoa boa e que deveria ter o apoio do presidente. O Tarcísio [de Freitas] também é outra opção.

Só espero que a gente tenha isso tido com antecedência, que nos digam com antecedência para a gente poder trabalhar.

Ele [Tarcísio] hoje é uma pessoa que agrada também a esquerda, agrada o sistema, porque ele tem uma certa entrada pelo STF, tem amizade com alguns ministros. Acho que talvez o Tarcísio seja um bom nome na perspectiva do Bolsonaro.

E na sua perspectiva?
O Eduardo [Bolsonaro] é um bom nome, mas não sei se ele teria o apoio da população como um todo. E a própria Michelle, eu gosto muito do nome dela. Independente do que o Bolsonaro falou sobre mim.

Tarcísio, então, como preferência pessoal, a sra. não apontaria?
A princípio, não.

O ex-presidente Bolsonaro se tornou réu no caso da trama golpista. Como a sra. vê essas acusações, especialmente envolvendo a minuta de estado de defesa e de sítio?
Acho que é absurdo. Como é que um artifício, uma lei que está dentro da Constituição Federal, pode ser golpe? Acho que não tem nada a ver.

Primeiro, porque não foi colocado de fato. Pode ter sido aventado, mas não foi colocado em votação. E segundo que não houve golpe. O Lula teve o poder, pegou o poder e continuou no poder numa boa.

O que teve foi uma manifestação com alguns vândalos, com outras pessoas também defendendo bastante os lugares. Não acho que teve nada a ver com o golpe que aconteceu no final de 2022 e início de 2023.

E sobre as minutas?
Eu recebi uma minuta. Era uma espécie de um decreto, uma coisa assim, e perguntei na época para uma das pessoas do jurídico do presidente Bolsonaro, do Palácio do Planalto, e ele me disse que era fake.

Não acho que o Bolsonaro, algo que está impresso, ou que eventualmente chegou na mão dele… Chegou na minha mão também, e nem por isso eu tinha algum envolvimento com o golpe.

Segundo as investigações, não tinha indício ou prova de fraude em 2022. A sra. considera que havia elementos para implementar um estado de sítio, de defesa ou mesmo o artigo 142?
Não, não acho. Mas também não acho que é crime você estudar o assunto.

No fim de novembro de 2022, a sra. divulgou um vídeo em que dizia, "Dia 1º de janeiro, srs. generais quatro estrelas, vão querer prestar continência a um bandido ou à nação brasileira? Não é hora de responder com carta se dizendo apartidário. É hora de se posicionar. De que lado da história vocês vão ficar?". O que a sra. queria dizer com ‘é hora de se posicionar’?
Acho que era o momento de os generais dizerem se Lula era bandido ou não.

No dia seguinte ocorreu uma audiência no Senado sobre supostos indícios de fraudes nas urnas, em que se falou sobre eventual uso do artigo 142, e em que a sra. estava. O contexto do vídeo era de outro tipo de posicionamento.
Não posso falar sobre isso, porque é motivo de um processo contra mim e que ainda está acontecendo [no STF].

O relatório da PF em que o ex-presidente foi indiciado afirma que a sra. foi citada no depoimento do ex-comandante da Aeronáutica Baptista Jr. e que teria dito a ele: ‘Brigadeiro, o sr. não pode deixar o presidente na mão’. O que a sra. quis dizer?
Na verdade, eu falei em dar força para o presidente. O presidente tinha perdido as eleições e eu falei para ele dar uma força para o presidente. Ele, na época, não respondeu nada. E ele diz na Polícia Federal que respondeu que não faria nada de ilegal, alguma coisa assim. Ele não respondeu isso. Ele mentiu no depoimento dele.

Ele ficou em silêncio?
Não, ele falou alguma outra coisa que eu não me lembro bem o quê, que faz muito tempo. [Se ele tivesse dito isso] teria dito 'eu não tô te pedindo para fazer nada ilegal'.

Quando a sra. diz dar uma força para o ex-presidente, havia uma expectativa de que houvesse algum caminho para que ele ainda se mantivesse no poder?
Existia, sim. Existia a possibilidade, por exemplo, do artigo 142 colocar não ele no poder, né, mas as Forças Armadas no poder, para depois fazer uma nova eleição e tal com urna impressa.

Mas assim eram comentários de algumas pessoas e que a gente não via de fato acontecer isso de verdade, não tinha nenhuma ação para isso acontecer.

Mas houve reuniões e conversas dentro do governo, segundo as investigações. A sra. está dizendo que isso não aconteceu…
Não participei. A gente ouvia dizer, né, ouvia falar, mas não participei de nada.

'Dar uma força' poderia estar dentro de um eventual uso do artigo 142?
Não falei nada que pudesse dar a entender que seria isso.

A sra. foi condenada a cassação e inelegibilidade no TRE-SP e tem maioria pela condenação no STF no caso da arma. Acredita que vai conseguir reverter esses casos na Justiça?
No caso da cassação, a gente tem o TSE agora, para recorrer. É lógico que as chances são baixas, mas a gente vai recorrer e vai tentar. [Senão] Não só eu perco o mandato, mas os deputados que foram levados com os meus votos.

Em relação à condenação do STF por porte ilegal, ainda tenho sim esperança. Acho que o Gilmar Mendes, o ministro relator, e os outros ministros que já votaram, eles eventualmente podem não ter visto meu porte [de arma] lá na minha defesa, mas eu tinha porte federal. [Gilmar aborda esse argumento em seu voto]

[No caso das armas] A sra. considera que a situação naquele dia foi proporcional ao que aconteceu?
Foi proporcional porque teve um tiro. E no momento que teve o tiro e que o policial caiu no chão, ele [Luan Araújo, o homem perseguido] estava em flagrante delito, o policial tinha dado voz de prisão para ele. Eram quatro homens que não só me ofenderam, cuspiram em mim, me xingaram, empurraram meu filho e me empurraram também.

Aí, quando ele foge e eu escuto o tiro, eu só saco a arma depois do tiro. Então, ela foi proporcional, porque quando tem um tiro, você pode sacar sua arma... Na verdade, até antes do tiro eu poderia sacar a arma, né?

Depois a gente ficou sabendo que o tiro tinha sido disparado pelo próprio policial quando caiu. Mas eu, ouvindo um tiro, tenho como pensar que pode ter sido outra pessoa. Então, acho que foi proporcional, sim. Pegando todo o contexto, não acho que eu estava errada.

No vídeo, depois que ele tinha ofendido a sra, é no momento que ele já está se afastando em que a sra. começa a correr atrás dele.
É o momento que eu caio. Na verdade ele não está se afastando. O carro dele estava no lado contrário, pelo qual ele tava andando.

O que aconteceu foi que ele me chamou de prostituta e na hora a cabeça ferveu e eu queria bater nele. Minha ideia ali nunca era sacar a arma. Era trocar soco com ele, a princípio. E depois que teve o tiro, eu tirei a arma.

Aquilo ali foi só uma atitude infeliz que eu tive de ir atrás dele. Infelizmente, ali foi onde eu errei, de querer trocar as tapas, soco, com o homem. Eu jamais ia ganhar um negócio desse.

Como mulher eu deveria ter ido embora, ter cuidado da minha vida, ter aguentado...[Mas] naquele dia eu tinha passado a madrugada recebendo muita ameaça de morte. E aquele alerta que eu estava acabou prejudicando o meu julgamento.

Caso a sra. não consiga reverter a inelegibilidade, pretende voltar para a política depois?
Pretendo, em 2030. Não vão se livrar tão cedo de mim.

Tem algo na sua trajetória na política que a sra. se arrepende ou faria diferente?
Esse dia de ter ido atrás desse rapaz. Devia ter entrado no carro e ido embora, como fazia sempre todas as vezes que tentavam, até hoje, que tentam brigar comigo na rua. Esse dia foi o único dia que eu não saí, infelizmente. Mas me arrependo, deveria ter saído.

E mais alguma coisa?
Ter confiado ou me doado demais por algumas pessoas.

Alguém em específico?
Não. Eu não me arrependo de ter ajudado o Bolsonaro, sabe? Algumas pessoas podem achar que eu posso me arrepender. Eu não me arrependo, não. E vou continuar defendendo ele no que eu achar que é certo.

RAIO-X | Carla Zambelli, 44

Ativista fundadora do grupo Nas Ruas, ganhou notoriedade nos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT). Foi eleita deputada federal pelo PSL em 2018 e reeleita pelo PL em 2022. É gerente de projetos, formada em planejamento estratégico empresarial na Universidade Nove de Julho.

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COMO TRUMP BAGUNÇOU A ORDEM MUNDIAL

Allan Little, BBC News

Como Trump bagunçou a ordem mundial — e deixou os líderes europeus em apuros

Estamos vivendo a crise mais grave para a segurança ocidental desde o final da Segunda Guerra Mundial, e ela promete ser duradoura.

Como diz um especialista, "o Trumpismo durará mais que a Presidência" de Donald Trump. Mas quais nações estão equipadas para assumir a liderança enquanto os EUA recuam?

Às 09 horas de uma manhã de fevereiro de 1947, o embaixador do Reino Unido em Washington, Lord Inverchapel, entrou no Departamento de Estado para entregar ao Secretário de Estado dos EUA, George Marshall, duas mensagens diplomáticas impressas em papel azul para enfatizar sua importância: uma sobre a Grécia e outra sobre a Turquia.

Exausto, falido e fortemente endividado com os Estados Unidos, o Reino Unido disse aos EUA que não poderia mais continuar apoiando as forças do governo grego que estavam lutando contra uma insurgência comunista armada.

Os britânicos já haviam anunciado planos para sair da Palestina e da Índia e reduzir sua presença no Egito.

Os Estados Unidos perceberam imediatamente que agora havia um perigo real de que a Grécia caísse nas mãos dos comunistas e, por extensão, sob o controle soviético.

Caso a Grécia seguisse esse caminho, os Estados Unidos temiam que a Turquia pudesse ser a próxima, dando a Moscou o controle do Mediterrâneo Oriental, e, potencialmente, o Canal de Suez, uma rota comercial global vital.

Foi assim que, quase da noite para o dia, os Estados Unidos preencheram o vácuo deixado pelos britânicos que partiam.

"Deve ser uma política dos Estados Unidos", anunciou o presidente Harry Truman, "apoiar os povos livres que estão resistindo à tentativa de subjugação por minorias armadas ou por pressão externa".

Foi o início do que ficou conhecido como a Doutrina Truman. Em seu cerne estava a ideia de que ajudar a defender a democracia no exterior era vital para os interesses nacionais dos Estados Unidos.

Seguiram-se duas grandes iniciativas dos EUA: o Plano Marshall, um pacote massivo de assistência para reconstruir as economias destruídas da Europa, e a criação da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em 1949, que foi projetada para defender as democracias de uma União Soviética que agora havia estendido seu controle sobre a parte oriental da Europa.

É fácil interpretar esse como o momento em que a liderança do mundo ocidental passou do Reino Unido para os Estados Unidos. Mais precisamente, esse foi o momento que revelou que isso já tinha acontecido.

Os Estados Unidos, tradicionalmente isolacionistas e protegidos com segurança por dois vastos oceanos, emergiram da Segunda Guerra Mundial como líderes do mundo livre. Enquanto os Estados Unidos projetavam seu poder em todo o globo, passaram as décadas do pós-guerra refazendo grande parte do mundo à sua própria imagem.

A geração baby boomer cresceu em um mundo que parecia, soava e se comportava mais como os Estados Unidos do que nunca. E o país se tornou a hegemonia cultural, econômica e militar do mundo ocidental.

No entanto, as ideias fundamentais nas quais os Estados Unidos basearam suas ambições geoestratégicas agora parecem prestes a mudar.

Donald Trump é o primeiro presidente dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial a desafiar o papel que seu país estabeleceu para si mesmo há muitas décadas. E ele está fazendo isso de tal forma que, para muitos, a velha ordem mundial parece ter acabado — enquanto a nova ordem mundial ainda não tomou forma.

A questão é: quais nações assumirão a liderança? E, com a segurança da Europa sob maior pressão do que em qualquer outro momento recente, seus líderes, que atualmente estão brigando, serão capazes de encontrar uma resposta adequada?

Um desafio ao legado de Truman

A crítica do presidente Trump à ordem internacional pós-1945 remonta a décadas. Há quase 40 anos, ele publicou anúncios de página inteira em três jornais dos EUA para criticar o compromisso dos Estados Unidos com a defesa das democracias mundiais.

"Durante décadas, o Japão e outras nações se aproveitaram dos Estados Unidos", escreveu ele em 1987.

"Por que essas nações não estão pagando aos Estados Unidos pelas vidas humanas e pelos bilhões de dólares que estamos perdendo para proteger seus interesses?"

"O mundo está rindo dos políticos americanos enquanto protegemos navios que não possuímos, transportando petróleo de que não precisamos, destinado a aliados que não ajudarão."

Essa é uma posição que ele repetiu desde sua segunda posse.

E a fúria sentida por alguns membros de seu governo pelo que consideram uma dependência europeia dos Estados Unidos parece ter ficado explícita nas mensagens sobre ataques aéreos contra houthis no Iêmen que vazaram nesta semana.

Nas mensagens, uma conta supostamente atribuída ao vice-presidente JD Vance escreveu que os países europeus poderiam se beneficiar dos ataques. Dizia: "Eu odeio socorrer a Europa outra vez".

Outra conta, identificada como o Secretário de Defesa Pete Hegseth, respondeu três minutos depois: "VP: Compartilho totalmente seu repúdio pelo parasitismo europeu. É PATÉTICO."

A própria posição de Trump parece ir além de criticar aqueles que, segundo ele, estão se aproveitando da generosidade dos Estados Unidos. No início de sua segunda presidência, ele pareceu abraçar o presidente russo, Vladimir Putin, dizendo à Rússia que a Ucrânia não obteria a adesão à Otan e que não deveria esperar recuperar o território que perdeu para a Rússia.

Muitos criticaram o posicionamento por abrir mão de duas grandes moedas de troca antes mesmo de as negociações começarem. Aparentemente, o presidente americano não pediu nada à Rússia em troca.

Por outro lado, alguns apoiadores de Trump veem em Putin um líder forte que personifica muitos dos valores conservadores que eles mesmos compartilham.

Para alguns, Putin é um aliado em uma "guerra contra o woke".

A política externa dos Estados Unidos agora é impulsionada, pelo menos em parte, pelos imperativos de suas guerras culturais. A segurança da Europa se envolveu na batalha entre duas visões polarizadas e mutuamente antagônicas do que os Estados Unidos representam.

Alguns acham que a divisão envolve mais do que as opiniões particulares de Trump e que a Europa não pode ficar quieta esperando que seu mandato termine.

"Os EUA estão se divorciando dos valores europeus", argumenta Ed Arnold, pesquisador sênior do Royal United Services Institute (RUSI) em Londres. "Isso é difícil [para os europeus] de engolir porque significa que é estrutural, cultural e potencialmente de longo prazo. "

"Acho que a trajetória atual dos EUA durará mais do que Trump, como pessoa. Acho que o Trumpismo durará mais que sua Presidência."

Artigo 5 da Otan 'está na UTI'

A Casa Branca de Trump disse que não será mais a principal garantidora da segurança europeia e que as nações europeias devem ser responsáveis por sua própria defesa e pagar por ela.

"Se [os países da Otan] não pagarem, eu não vou defendê-los. Não, eu não vou defendê-los", disse o presidente no início deste mês.

Por quase 80 anos, a pedra angular da segurança europeia foi incorporada no Artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte, que afirma que um ataque a um Estado-membro da aliança é um ataque a todos.

Em Downing Street, no mês passado, pouco antes de sua visita à Casa Branca, o primeiro-ministro Sir Keir Starmer me disse durante uma entrevista que estava satisfeito com o fato de os Estados Unidos continuarem sendo os principais membros da Otan e que Trump permanecia pessoalmente comprometido com o Artigo 5.

Outros têm menos certeza sobre isso.

Ben Wallace, que foi secretário de Defesa no último governo conservador, me disse no início deste mês: "Acho que o Artigo 5 está na UTI."

"Se a Europa, incluindo o Reino Unido, não assumir a responsabilidade, investir muito em defesa e levar isso a sério, é potencialmente o fim da Otan que conhecemos e será o fim do Artigo 5."

"No momento, eu não apostaria que o Artigo 5 poderia ser acionado no caso de um ataque russo... Eu certamente não daria por certo que os Estados Unidos viajariam em socorro."

De acordo com uma pesquisa da empresa francesa Institut Elabe, quase três quartos dos franceses agora pensam que os Estados Unidos não são aliados da França.

A maioria no Reino Unido e uma grande maioria na Dinamarca, ambos países historicamente pró-americanos, agora também têm visões desfavoráveis em relação aos Estados Unidos.

"O dano que Trump causou à Otan é provavelmente irreparável", argumenta Robert Kagan, comentarista conservador, autor e membro sênior do Instituto Brookings, em Washington DC, que há muito tempo critica Trump.

"A aliança contou com uma garantia americana que não é mais confiável, para dizer o mínimo".

No entanto, Trump não é de forma alguma o primeiro presidente dos EUA a pedir que a Europa coloque seus gastos com defesa em ordem. Em 2016, Barack Obama exortou os aliados da Otan a aumentarem seu orçamento, dizendo: "A Europa às vezes tem sido complacente com sua própria defesa".

A 'fragmentação do Ocidente' já começou?

Tudo isso é uma ótima notícia para Putin. "Todo o sistema de segurança euro-atlântica está desmoronando diante de nossos olhos", disse ele no ano passado. "A Europa está sendo marginalizada no desenvolvimento econômico global, mergulhada no caos de desafios como a migração e perdendo a agência internacional e a identidade cultural."

No início de março, três dias após a reunião desastrosa de Volodymyr Zelensky com Trump e Vance na Casa Branca, um porta-voz do Kremlin declarou que "a fragmentação do Ocidente começou".

"Veja os objetivos da Rússia na Europa", diz Armida van Rij, chefe do programa Europa na Chatham House. "Seus objetivos são desestabilizar a Europa. É para enfraquecer a Otan e fazer com que os americanos retirem suas tropas daqui."

"E, no momento, você poderia dizer [que estão] fazendo, fazendo e quase conseguindo. Porque está desestabilizando a Europa. Está enfraquecendo a Otan. Não chegou ao ponto de conseguir que os EUA retirassem tropas da Europa, mas em alguns meses, quem sabe onde estaremos?"

'Esquecemos as lições da nossa história'

Um dos grandes desafios que a Europa, em particular, enfrenta a partir daqui é a questão de como se armar adequadamente. Oitenta anos de confiança no poder dos Estados Unidos deixaram muitas democracias europeias expostas.

O Reino Unido, por exemplo, cortou os gastos militares em quase 70% desde o auge da Guerra Fria. (No final da Guerra Fria, no início da década de 1990, a Europa se permitiu um 'dividendo de paz' e iniciou um processo de décadas de redução dos gastos com defesa.)

"Tivemos um grande orçamento [durante a Guerra Fria] e recebemos um dividendo de paz", diz Wallace. "Agora, você poderia argumentar que isso era justificado."

"O problema é que passamos de um dividendo de paz para uma invasão corporativa. [Defesa] acabou se tornando o departamento preferido para cortar dinheiro. E foi aí que simplesmente esquecemos as lições da nossa história."

O primeiro-ministro britânico disse ao Parlamento no mês passado que o Reino Unido aumentaria os gastos com defesa de 2,3% do PIB para 2,5% até 2027. Mas isso é suficiente?

"Ficar parado é suficiente", argumenta Wallace. "Não seria suficiente consertar as coisas de que precisamos para nos tornarmos mais destacáveis, e depois preencher as lacunas se os americanos partirem."

Há ainda a questão mais ampla do recrutamento militar. "O Ocidente está em queda livre em seu recrutamento militar, não é só a Grã-Bretanha", argumenta Wallace.

"No momento, os jovens não estão se juntando às forças armadas. E isso é um problema."

Mas o novo chanceler eleito da Alemanha, Friedrich Merz, disse que a Europa deve se tornar independente dos Estados Unidos. E a "europeização" da Otan exigirá a construção de um complexo militar-industrial nativo europeu capaz de fornecer capacidades que atualmente somente os Estados Unidos têm.

Outros compartilham a opinião de que a Europa deve se tornar mais autossuficiente militarmente - mas alguns estão preocupados com o fato de nem toda a Europa concordar com isso.

"Estamos no momento em um ponto em que os europeus orientais, em geral, não precisam receber o memorando", diz Ian Bond, vice-diretor do Centro para a Reforma Europeia. "Quanto mais para o oeste você vai, mais problemático se torna até chegar à Espanha e à Itália."

Arnold concorda: "A visão na Europa agora é que não há mais espaço para debate, devemos debater como faremos isso e talvez com que rapidez o faremos, mas precisamos fazer isso agora".

Juntando as peças de uma nova ordem mundial

Há uma pequena lista de "coisas muito importantes" que somente os Estados Unidos fornecem atualmente, de acordo com o historiador Timothy Garton Ash.

"Esses são os chamados facilitadores estratégicos", diz ele. "Os satélites, a inteligência, as baterias de defesa aérea Patriot, que são as únicas que podem derrubar mísseis balísticos russos. E dentro de três a cinco anos, nós [países que não são os EUA] devemos tentar ter nossa própria versão deles."

"E nesse processo de transição, da Otan liderada pelos americanos, [a ideia é] que tenhamos uma Otan tão europeizada que suas forças, junto com as forças nacionais e as capacidades da UE, sejam capazes de defender a Europa — mesmo que um presidente americano diga 'nos deixe de fora disso'."

A questão é como chegar a esse nível.

Armida van Rij salienta que, na sua opinião, a Europa precisa construir uma base industrial europeia de defesa de propriedade europeia - mas ela prevê dificuldades.

"O que é realmente difícil são as divisões na Europa sobre como realmente fazer isso e se devemos realmente fazer isso."

A Comissão Europeia e especialistas vêm tentando descobrir como esse sistema de defesa pode funcionar há várias décadas. "Tradicionalmente, tem sido muito difícil por causa de interesses nacionais adquiridos... Então, isso não vai ser fácil."

Enquanto isso, Trump parece pronto para virar a página da ordem internacional baseada em regras pós-Guerra Fria de Estados soberanos que são livres para escolher seus próprios destinos e alianças.

O que ele parece compartilhar com Vladimir Putin é o desejo de um mundo em que as grandes potências, sem restrições por leis acordadas internacionalmente, sejam livres para impor sua vontade a nações menores e mais fracas, como a Rússia tem feito tradicionalmente em seus impérios czarista e soviético. Isso significaria um retorno ao sistema de "esferas de interesse" que prevaleceu por 40 anos após a Segunda Guerra Mundial.

Não sabemos exatamente o que Donald Trump faria se um país da Otan fosse atacado. Mas a questão é que a ajuda dos EUA não pode mais ser considerada garantida. Isso significa que a Europa tem que reagir. O desafio parece ser permanecer unida, finalmente financiar sua própria defesa e evitar ser arrastada para a "esfera de influência" de qualquer uma das grandes potências.

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC InDepth

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sábado, 29 de março de 2025

O JOIO E O TRIGO

Pedro Serrano, Carta Capital

O STF não está imune a críticas, mas o objetivo da extrema-direita é desqualificar por completo a atuação da Corte

O Supremo Tribunal Federal vem impulsionando as denúncias formuladas pela Procuradoria-Geral da República contra o ex-Presidente da República Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas pelos crimes de organização criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Por essas razões, intensificam-se as críticas aos atos de persecução penal e jurisdicionais da Corte Constitucional.

Críticas não são apenas aceitáveis, mas desejáveis em qualquer sistema democrático. A posição assumida pelo Judiciário para a vida em sociedade o coloca, invariavelmente, sob o crivo do questionamento. Ao Judiciário cabe, nas democracias contemporâneas, a última palavra em termos de interpretação da ordem jurídica. Em países como os latino-americanos, providos de Constituições analíticas, diversas decisões sobre da vida pública, em comunidade e dos comportamentos humanos são transferidas para o âmbito jurisdicional.

O escrutínio público a que se sujeita o Judiciário fica ainda mais latente quando estamos diante de um órgão de cúpula que, cotidianamente, é provocado a se manifestar sobre pautas sociais, conflitos entre poderes e federativos, entre outros temas. Com relação às competências exercidas pelo Supremo em matéria criminal, a grande maioria das críticas é descabida sob a perspectiva jurídica e, o que é mais grave, serve a propósitos escusos.

Rememoremos que o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, proliferou desinformações quanto ao processo eleitoral e às urnas eletrônicas. Além disso, o ex-presidente jamais reconheceu a vitória do presidente Lula nas eleições de 2022 e estimulou atos antidemocráticos em frente aos quartéis. Não podemos esquecer ainda da ruidosa atuação da Polícia Rodoviária Federal com o intuito de impedir o exercício do direito ao voto, dos atos de terrorismo no Aeroporto Internacional de Brasília em dezembro de 2022 e do fatídico dia 8 de janeiro de 2023, ocasião em que símbolos dos poderes constituídos da República brasileira foram, sem precedentes na nossa história, desafiados.

Se antes a palavra “golpe” pudesse significar, no âmbito das ciências humanas em geral, uma reprovabilidade do jargão político, agora é inequívoco que deve ser adotada para representar a prática de um crime contra as instituições democráticas: “golpe de Estado”, com todos os elementos do tipo constantes do artigo 359-M do Código Penal.

É a primeira vez na nossa história que militares, ministros, presidente da República e outros servidores públicos da alta administração do Estado são denunciados por tentativa de golpe de Estado. A finalidade da pretensão responsabilizatória não deve ser estritamente punir: precisamos deixar claro para as próximas gerações que a sociedade brasileira não aceita ataques violentos à Constituição e à democracia.

A gradual fragilização dos espaços e dos sentidos da democracia e da relação de pertencimento à sociedade ocorreu através de específicos artifícios enfraquecedores do pacto civilizatório e das instituições democráticas. O bolsonarismo foi muito além da mera estratégia política de reprodução e dissipação. As provas são claras, consistentes e revelam a gravidade dos crimes cometidos contra a nossa democracia. Esses atos atingiram diretamente o coração do Estado Democrático de Direito. Não estamos falando apenas de discursos golpistas, mas de ações concretas, como planos de sequestro e assassinato de autoridades, que colocaram em risco a própria democracia brasileira.

É nesse contexto que afirmamos, enfaticamente, que a defesa da nossa democracia constitucional pelo Supremo não está isenta de críticas. É preciso que se realize um incessante e comprometido escrutínio dos procedimentos e dos produtos da persecução do Estado. No entanto, determinadas disfuncionalidades não desqualificam, in totum, a atuação do Supremo.

Ao contrário de patologias do sistema, constatamos algumas disfunções que devem ser criticadas e corrigidas pelos específicos mecanismos recursais da processualística. É dentro desse campo que deve circunscrever a crítica. A confusão, além de equívoco epistêmico no âmbito jurídico, favorece, no âmbito político, aos propósitos da extrema-direita, sedenta na descredibilização dos lucus de resistência e na apropriação fraudulenta da verdade. 

Publicado na edição n° 1355 de CartaCapital, em 02 de abril de 2025.

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MORRE MARCOS VILAÇA

Roberta Pennafort, g1, V Globo

Marcos Vilaça, jornalista, advogado, ex-ministro e presidente do TCU e membro da ABL, morre aos 85 anos

Ele ocupava a cadeira 26 da ABL, no Rio, desde 1985.

O professor, advogado, jornalista, ensaísta e poeta brasileiro Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça morreu neste sábado (29), no Recife, aos 85 anos, de falência múltipla de órgãos. Ele estava internado na Clínica Florença, no bairro das Graças.

Marcos foi ministro e presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) e era integrante da Academia Brasileira de Letras. A informação sobre a morte foi confirmada pela assessoria da ABL.

Marcos ocupava a cadeira nº 26 desde 1985, na sucessão de Mauro Mota, e presidiu a ABL nos anos de 2006 e 2007, e entre 2010 e 2011. Também foi membro da Academia Pernambucana de Letras.

Era bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e foi professor de direito internacional.

O corpo do poeta será cremado. Suas cinzas serão jogadas na Praia da Boa Viagem, em Recife, onde estão as de sua esposa, Maria do Carmo, atendendo a um desejo antigo dos dois.

O casal teve três filhos: Marcantônio, que morreu em 2000, Rodrigo Otaviano e Taciana Cecília.

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Administração pública e literatura

Marcos Vilaça nasceu em Nazaré da Mata (PE), no dia 30 de junho de 1939. Era era filho único de Antônio de Souza Vilaça e Evalda Rodrigues Vilaça.

É considerado um pensador e empreendedor da cultura brasileira, tendo ocupado cargos em conselhos de órgãos, no próprio Conselho Federal de Cultura, assim como presidiu importantes fundações, como a Funarte e a Pró-memória.

Ocupou cargos importantes na administração pública do estado de Pernambuco e do Brasil. Em 1966 tornou-se chefe da Casa Civil de Pernambuco, no governo de Paulo Guerra, e no início da década de 1970 foi responsável por algumas secretarias na gestão de Eraldo Gueiros Leite.

Na década de 1960, Marcos Vilaça construiu uma carreira significativa na literatura, área que o consagrou enquanto grande intelectual.

Um pouco antes, em 1958, publicou "Conceito de Verdade", que se tratava do discurso que pronunciou no Salão Nobre do Colégio Nóbrega em dezembro de 1957, na condição de orador da turma de concluintes do Curso Clássico. No mesmo ano, publicou "A Escola e Limoeiro" e, em 1960, lançou as crônicas de viagem "Americanas".

Em 1961, publicou um dos seus trabalhos literários de maior sucesso: "Em torno da Sociologia do Caminhão", que recebeu o prêmio Joaquim Nabuco da Academia Pernambucana de Letras.

É autor de outras obras conhecidas, como "Nordeste: Secos & Molhados" (1972), "Recife Azul, líquido do céu" (1972), "O tempo e o sonho" (1984) e "Por uma Política Nacional de Cultura – Ministério da Educação e Cultura" (1984).

Nota de pesar do Ministério da Cultura

"É com pesar que o Ministério da Cultura (MinC) recebe a notícia da morte de Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça. O professor, advogado, jornalista, ensaísta e poeta faleceu na manhã deste sábado (29), no Recife, aos 85 anos.

Nascido em Nazaré da Mata (PE), no dia 30 de junho de 1939, ocupava a cadeira de número 26 da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 1985, quando sucedeu a Mauro Mota. Ele presidiu o órgão entre 2006 e 2007 e, também, entre 2010 e 2011.

Também esteve à frente do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artística Nacional (Iphan) e a Fundação Nacional de Artes (Funarte). Foi ministro do Tribunal de Contas da União por mais de 20 anos; e secretário de Cultura no Ministério da Educação e Cultura, quando foi responsável pelo tombamento de Olinda, Pernambuco, e São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, como patrimônios da humanidade. Bem como a Mata do Iguaçu, reconhecida como patrimônio natural da humanidade em 1986, e o Paço Imperial, no Rio de Janeiro.

É autor de Nordeste: Secos & Molhados (1972), Recife Azul, líquido do céu (1972), O tempo e o sonho (1984), Por uma Política Nacional de Cultura – Ministério da Educação e Cultura (1984) e Coronel, coronéis: Apogeu e declínio do coronelismo no nordeste.

Com sua forte contribuição política e social, é uma importante referência brasileira, cujo legado será lembrado e continuado por todos aqueles que conviveram e aprenderam com seus feitos."

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sexta-feira, 28 de março de 2025

'NÃO ME COMOVE O PRANTO DE QUEM É RUIM'

Xico Sá, ICL NOTÍCIAS

A decisão é jurídica, mas Dona Ivone Lara canta mais alto e o país reflete sobre o choro do ex-presidente

A decisão é jurídica, mas o sentimento que fica só pode ser cantado por Dona Ivone Lara: “Não me comove o pranto/ De quem é ruim, e assim…”.

A decisão unânime da Primeira Turma do STF é técnica, porém apelo, data vênia do cronista no boteco, para a tese cármica. O réu que agora chora, pasme!, zombou e sapateou sobre cadáveres, covas e sepulturas.

“Não sou coveiro”, desdenhou das vítimas, na condição de presidente da República. “Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”, indagou, qual um corvo, a quem cobrava sobre as vacinas.

Funesto, imitou um paciente sem fôlego, para o delírio perverso do público de uma laive. Das estatísticas das mortes, fez uma aritmética hedionda, como no soneto de Augustos do Anjos, cujo cenário é o terror dos cemitérios:

“Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números
A tua conta não acaba mais!”

A decisão é jurídica, a defesa, idem, mas não há como não lembrar, dona Ivone Lara, das maldades desse homem.

Agora pede anistia, bem antes da pena do crime… O chefe da tentativa de golpe reivindica a inocência de uma noviça voadora.

Iria implantar no país uma nova ditadura, com o “punhal verde e amarelo” degolando autoridades; os “kids pretos”, na tocaia, eliminariam Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.

Ao contrário do indiferente Mersault, personagem do romance “O Estrangeiro” (Albert Camus) citado por Flávio Dino no julgamento do STF, o célebre novo réu exibe o seu pranto em busca de piedade — da mesma forma que corria às igrejas neopentecostais a dramatizar por dividendos eleitorais.

A decisão é jurídica, mas o que a gente repassa é a biografia de um crápula. Julga-se, no momento, apenas a face golpista, a capivara criminal, porém, revela uma vida & obra de malfeitos.

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OS GOLPISTAS ESTÃO NUS

André Barrocal*, Carta Capital

Ao converter Bolsonaro e associados em réus, o STF expõe as vísceras da tramoia que queria instituir uma ditadura

Vem aí mais um ignóbil aniversário do golpe militar reverenciado por Jair Bolsonaro e muitos de seus fiéis. Um regime inaugurado sem cadáveres. “No dia 1° de abril de 1964 também não morreu ninguém. Mas centenas e milhares morreram depois”, lembrou Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento que converteu em réus Bolsonaro, cinco militares e dois delegados por tentativa de golpe de Estado. Pouco antes, a colega de Corte Cármen Lúcia havia citado um livro lançado no ano passado pela historiadora mineira Heloisa Starling.

A Máquina do Golpe sustenta que a ditadura instaurada em 1964 resultou de ­duas décadas de ruminações. “Não se faz golpe num dia”, afirmou a magistrada.

A acusação pela qual Bolsonaro é réu compõe-se de vários capítulos. O primeiro é de 29 de julho de 2021 e o último, de 8 de janeiro de 2023. Não houve mortes dois anos atrás em Brasília, como não tinha havido em 1964. Já violência… Marcela da Silva Pinno, policial militar de serviço naquele dia, teve o capacete arrebentado por uma barra de ferro, como descreveu em uma CPI do Congresso em 2023. Um trecho de seu depoimento à comissão parlamentar integra um vídeo de cinco minutos exibido no Supremo na quarta-feira 26 com um apanhado de atos violentos praticados por bolsonaristas no 8 de Janeiro. O vídeo foi idealizado pelo juiz Alexandre de Moraes, relator do processo contra o ex-presidente. Para o togado, é importante enfrentar um fenômeno descrito na academia como “viés de positividade”. Este consiste em romantizar memórias. “Isso não é violência?”, perguntou ele, enquanto as imagens eram exibidas.

Bolsonaro reclamou do vídeo, por não constar dos autos. Segundo Moraes, os códigos Penal e de Processo Penal admitem o uso de fatos notórios em um julgamento. O capitão poderia tê-lo visto in ­loco, mas sua coragem esgotara-se. A Primeira Turma do STF, de cinco magistrados, levou dois dias para examinar a denúncia contra o capitão e seus comparsas proposta pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet. Na terça-feira 25 (três horas pela manhã, três à tarde) e no dia seguinte (três horas matinais). De surpresa, o ex-presidente tinha ido ao tribunal na terça, aparente demonstração de valentia que durou 24 horas. No dia seguinte, preferiu acompanhar a sessão no aconchego do gabinete de Flávio, o filho senador. No tribunal, sentara-se na primeira fila da sala. Perto, estavam dois familiares de vítimas da ditadura que ele enaltece. Hildegard Angel, irmã de Stuart Angel, estudante assassinado em 1971, e Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog, jornalista “suicidado” em 1975.

Nenhum fardado daquele regime assassino prestou contas à Justiça. Agora, Bolsonaro, os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Walter Braga Netto, o almirante Almir Garnier e o tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid serão julgados, ao lado dos delegados federais Alexandre Ramagem e Anderson Torres. O octeto integra o que Gonet chama de “núcleo crucial” do golpe. Os cabeças, na falta de um termo melhor. O procurador-geral apresentou denúncias contra mais quatro “núcleos”, compostos ao todo por 26 conspiradores, dos quais 19 das Forças Armadas. Todos os nomeados, assinala Gonet, pertenciam a uma organização criminosa “com forte influência de setores militares” e “liderada” pelo ex-presidente. Três núcleos já têm data para saber se virarão réus: 9 e 30 de abril e 7 de maio.

Nesses julgamentos, o STF decide se a denúncia da Procuradoria reúne elementos suficientes para dar continuidade ao processo. No caso do “núcleo crucial”, a Primeira Turma entendeu que sim, por unanimidade (5 a 0). O ilícito principal estava no vídeo de ­Moraes. Diz o artigo 359-M, do Código Penal: é crime “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Em 8 de janeiro de 2023, havia faixas a clamar por uma intervenção militar. A invasão do Supremo e do Congresso caracteriza ainda o crime do artigo 359-L: “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. “Vamos entrar e tomar o que é nosso, vamos entrar e tomar o poder”, afirmava um manifestante no vídeo.

Resta a Bolsonaro torcer por uma anistia aprovada no Congresso

A Procuradoria selou 532 acordos para encerrar processos contra insurrectos. Estes confessaram que o objetivo era conseguir a intervenção militar. “Golpe tem povo, mas tem tropa, tem armas e tem liderança. Um ano, dois anos de investigação, não descobriram quem porventura seria esse líder”, disse Bolsonaro na porta do Senado, após se tornar réu, em pronunciamento no qual se declarou perseguido e voltou a atacar as urnas eletrônicas.

O golpe de 1964 não teve liderança única. O início da derrubada de João Goulart deu-se com o deslocamento de tropas de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, então capital do País. À frente, o general Olímpio Mourão Filho, mas o ditador seria o marechal Humberto Castelo Branco. Outro general Mourão, o senador Hamilton, ex-vice de Bolsonaro, escreveu no ano passado, no aniversário do regime: “A Nação se salvou de si mesma”. Agora, ataca (e ameaça) o STF por fazer de Bolsonaro réu: “Se o povo constatar cabalmente que a lei tem lado e a Carta Magna é ignorada, pois não protege a todos, não sabemos o que pode acontecer”.

O capitão também não quer ser responsabilizado pelas destruições patrimoniais superiores a 20 milhões de reais causados por seus partidários em Brasília. Seu octeto é réu por dano ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, além de quadrilha, tentativa de golpe e de abolição do Estado de Direito. “Destruição, eu?”, disse o capitão, ao ressaltar que estava nos Estados Unidos desde 30 de dezembro de 2022. “Não necessariamente o acusado tenha que ter estado no dia 8 de janeiro, mas se ele concorreu para que esse evento tivesse ocorrido, ele responde nos termos da lei. Não adianta a pessoa dizer que não estava no 8 de Janeiro, se ela participou de uma série de atos que culminaram com esse evento”, afirmou o juiz Cristiano Zanin no julgamento, ao lembrar o chamado “concurso de pessoas”. Pelo artigo 29 do Código Penal, “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Com a abertura de ação penal, o Supremo agora verificará o que Bolsonaro e os demais réus fizeram para inspirar ou provocar o 8 de Janeiro, se há provas e qual a punição cabível para tais condutas. Haverá depoimentos, perícias e todas as medidas previstas em um processo sob uma democracia. Ou seja, os golpistas terão o amparo das leis que pretendiam abolir. Em Brasília, as apostas são de que o desfecho virá ainda em 2025.

Na denúncia da Procuradoria, a tentativa de golpe começa em julho de 2021, com uma live de Bolsonaro realizada com o intuito de minar a confiança popular nas urnas e na Justiça Eleitoral. Depois, houve uma reunião ministerial em julho de 2022 de teor golpista (o que fazer para impedir ou reverter a derrota na eleição), o evento com embaixadores estrangeiros para anunciar ao mundo o “roubo” no pleito, a preparação do decreto para anular o resultado das urnas e intervir no Tribunal Superior Eleitoral, os acampamentos na porta de quartéis e a pressão sobre as Forças Armadas. O capítulo final foi o 8 de janeiro de 2023.

O voto que preparou o caminho da ação penal e teve endosso unânime no STF foi arrasador até para o único juiz que fez alguns reparos ao caso e mostrou certa boa vontade com linhas de defesa dos acusados. Em 1h50, Moraes rebateu um a um os argumentos expostos na véspera pelos advogados dos réus, um total também de 1h50 de sustentações orais. “O ministro Alexandre (de ­Moraes) não deixou pedra sobre pedra”, afirmou Luiz Fux, que considera necessário a Corte repensar o tamanho das penas aplicadas pelos crimes do 8 de Janeiro e quer participar do interrogatório do delator Mauro Cid. O Supremo condenou até agora 497 baderneiros pelo 8 de Janeiro. Do total, 249 (cerca de metade) tiveram penas de até três anos, 146 pegaram de 11 a 14 anos e 102, acima de 16 anos. São 68% de homens e 32% de mulheres. Os idosos, 8%. Os dados foram compilados por Moraes. O bolsonarismo quer convencer a opinião pública de que “velhinhas de bíblia na mão” e mães de família têm sido sentenciadas, e com mão pesada. O símbolo da campanha é a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos. Ela pichou a frase “perdeu, mané” numa estátua em frente ao STF. Começou a ser julgada e há dois votos para puni-la com 14 anos de prisão. Fux pediu vistas, o que adiou a conclusão. Neste caso, ele parece propenso a levantar a discussão de revisão da dosimetria das penas.

Quanto à delação de Cid, a anulação foi requerida por Bolsonaro e Braga Netto. Os advogados da dupla dizem que o tenente-coronel mentiu. Cid prestou nove depoimentos na delação. O último, em novembro de 2024, serviu para explicar por que havia escondido informações. A omissão quase lhe custou o cancelamento do acordo. A colaboração não o livra da ação penal, ele também se tornou réu. Caberá à Corte decidir, no processo, o beneficio que ele merece. O delator pediu pena máxima de dois anos e que sua família não seja processada. Ao aceitar a denúncia contra Bolsonaro, Cid e cia., o STF rejeitou por unanimidade a anulação.

Com a vida difícil perante a lei, Bolsonaro apela à política. Insiste na ideia de o Congresso aprovar anistia a golpista. Após a manifestação esvaziada no Rio de Janeiro em 16 de março, convocou apoiadores para outra, em 6 de abril, em São Paulo. Na mesma Avenida Paulista ocorrerá em 30 de março um ato de propósito oposto: sem anistia. A eventual vitória de um aliado na eleição presidencial de 2026 poderia ainda lhe garantir perdão. Foi o que Donald Trump fez em relação os golpistas norte-americanos que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021. O capitão sonha ainda com um bote salva-vidas de Trump. Seu filho deputado, Eduardo, está em autoexílio nos EUA e promete infernizar a vida de Moraes. Elon Musk, dono do ex-Twitter e conselheiro de Trump, juntou-se à trincheira. No julgamento que tornou Bolsonaro réu, escreveu em sua rede social: “Alexandre de Moraes não tem bens nos EUA?”

“Nós sabemos que as milícias digitais continuam atuando, inclusive durante este julgamento (…), na tentativa de intimidar o Poder Judiciário”, comentou o magistrado. “Não perceberam que se até agora não intimidaram o Poder Judiciá­rio, não vão. Seja com milícias digitais nacionais ou estrangeiras.” 

*Publicado na edição n° 1355 de CartaCapital, em 02 de abril de 2025.

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MORRE HELOISA TEIXEIRA

Do g1 Rio

Heloisa Teixeira, escritora, pensadora do feminismo e membro da ABL, morre aos 85 anos

Ela foi a décima mulher a se tornar 'imortal' e ocupou a cadeira 30, que antes era de Nélida Piñon.

A escritora Heloisa Teixeira morreu nesta sexta-feira (28), no Rio de Janeiro, aos 85 anos, após complicações de uma pneumonia e insuficiência respiratória aguda. Ela estava internada na Casa de Saúde São Vicente, na Gávea.

Heloisa era integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde o ano passado, quando herdou a cadeira 30 de Nélida Piñon.

Crítica literária, pesquisadora e importante pensadora do feminismo brasileiro, Heloisa foi a décima mulher a ser eleita para a ABL.

Entre 2021 e 2023, foi membro do Conselho Curador da Fundação Roberto Marinho.

O velório da escritora será neste sábado (29), das 15h às 19h, na ABL. Durante a cerimônia será exibido o documentário "Helô”, feito por seu filho Lula Buarque.

No domingo (30), haverá um velório restrito aos familiares e amigos, das 11h às 13h, no Crematório da Penitência, no Caju.

Heloísa nasceu em Ribeirão Preto, mas morava no Rio de Janeiro.

Recentemente, decidiu mudar o sobrenome de casada que usou durante toda a sua carreira. Trocou o Buarque de Hollanda pelo Teixeira, seu nome de solteira e sobrenome da mãe.

Ela explicou a mudança em entrevista recente ao jornal "O Globo".

"Sim, é para mim [a mudança]. Tem uma hora que a ficha cai, principalmente, com a coisa feminista. De repente, falei: ‘Caraca, tenho o nome do marido”.

Vida acadêmica, literatura e curadoria

Heloisa formou-se em Letras Clássicas pela PUC-Rio, fez mestrado e doutorado em Literatura Brasileira na UFRJ e pós-doutorado em Sociologia da Cultura na Universidade de Columbia, em Nova York.

Era diretora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC-Letras/UFRJ), onde coordenava o Laboratório de Tecnologias Sociais, do projeto Universidade das Quebradas, e o Fórum M, espaço aberto para o debate sobre a questão da mulher na universidade.

Seu trabalho se destacava na relação entre cultura e desenvolvimento, tornando-se referência em áreas como poesia, relações de gênero e étnicas, culturas marginalizadas e cultura digital.

Nos últimos anos, dedicou-se à cultura das periferias, ao feminismo e ao impacto das novas tecnologias na produção e no consumo culturais.

Além disso, dirigiu a Aeroplano Editora e Consultoria, a Editora UFRJ e o Museu da Imagem e do Som (MIS-RJ). Também esteve à frente do Programa Culturama, na TVE, do Café com Letra, na Rádio MEC, e dirigiu documentários como "Dr. Alceu" e "Joaquim Cardozo".

Foi curadora de diversas exposições, incluindo "Dez anos sem Chico Mendes" (1998), "Estética da Periferia" (2005), "H2O, o futuro das águas" (2009) e "Vento Forte: 50 Anos de Teatro Oficina" (2009).

Arte, literatura, feminismo, cultura da periferia

Heloisa publicou vários artigos sobre arte, literatura, feminismo, cultura digital e políticas culturais.

Entre seus livros mais marcantes está "26 Poetas Hoje" (1976), uma coletânea que revelou poetas marginais como Ana Cristina Cesar, Cacaso e Chacal, sendo considerada um divisor de águas na poesia brasileira.

Outros livros de sua autoria incluem:

  • "Macunaíma, da literatura ao cinema";
  • "Cultura e Participação nos anos 60";
  • "Pós-Modernismo e Política";
  • "O Feminismo como Crítica da Cultura";
  • "Guia Poético do Rio de Janeiro";
  • "Asdrúbal Trouxe o Trombone: memórias de uma trupe solitária de comediantes que abalou os anos 70";
  • "Escolhas, uma autobiografia intelectual";
  • “Explosão feminista - arte, cultura, política e universidade"; e
  • "Feminista, eu?".
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