quarta-feira, 30 de abril de 2025

MÍRIAM LEITÃO É IMORTAL

Lilian Ribeiro, Leo Hamawaki, g1 Rio, TV Globo e GloboNews

Míriam Leitão é eleita para a cadeira de Cacá Diegues na ABL

Jornalista com 16 livros publicados, Míriam teve 20 votos contra 14 do segundo colocado, Cristovam Buarque.

A jornalista e escritora Míriam Leitão foi eleita nesta quarta-feira (30) para a Academia Brasileira de Letras (ABL).

Comentarista política da Globo, a mais nova "imortal" vai ocupar a cadeira número 7, cujo patrono é Castro Alves, e que estava ocupada pelo cineasta Cacá Diegues, morto em fevereiro.

Míriam é a 12ª mulher eleita para a ABL na história e a segunda na cadeira 7 – Dinah Silveira de Queiroz foi a primeira.

“É a realização máxima, é o máximo, é um sonho. Meu sonho não era chegar aqui, era viver e escrever livros, e os livros me levaram até aqui, Academia Brasileira de Letras. Eu tenho um sentimento de humildade, de responsabilidade e de muito orgulho do que está acontecendo neste momento”, disse a jornalista.

Na votação, feita com urna eletrônica, a jornalista teve 20 votos contra 14 do segundo colocado, o economista e ex-ministro da Educação do Brasil Cristovam Buarque.

"A Míriam é uma grande jornalista, grande escritora e ela tem um espectro de interesse muito amplo, que coincide com os interesses da Academia Brasileira de Letras. Ela tem preocupações com o Meio Ambiente, tem preocupação com a democracia, com os negros, com a política oficial do governo sobre as minorias", disse o presidente da ABL, Merval Pereira.

Perfil

Míriam Azevedo de Almeida Leitão nasceu em Caratinga (MG) em 7 de abril de 1953. É a sexta filha de um total de 12 do casal Uriel e Mariana, ambos educadores, sendo ele também pastor presbiteriano.

Iniciou sua carreira profissional no Espírito Santo, passando por Brasília e São Paulo, até se estabelecer definitivamente no Rio de Janeiro. em 1986.

Como escritora, Míriam publicou 16 livros (veja a lista abaixo) em diversos gêneros literários, incluindo não ficção, crônicas, romances e literatura infantil.

Como jornalista, atuou em jornal impresso, rádio, TV e mídia digital. Ao longo de seus 53 anos de carreira, trabalhou em vários veículos de comunicação, como Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil.

Desde 1991, Míriam faz parte do grupo Globo, onde é colunista do jornal O Globo, comentarista no Bom Dia Brasil, na Globonews e na CBN, além de apresentar o programa de entrevistas Miriam Leitão na GloboNews.

Em dezembro de 1972, aos 19 anos e grávida, Míriam foi presa e processada pela Lei de Segurança Nacional devido à sua oposição à ditadura militar.

Obras

Livros:

  • Convém sonhar, coletânea de crônicas e colunas, (Record), 2011
  • Saga brasileira, a longa luta de um povo por sua moeda, 2012 — Prêmio Jabuti de livro reportagem, e Jabuti de livro do ano de não ficção. (Record), 2012
  • Tempos extremos, romance— finalista do Prêmio São Paulo (Intrínseca), 2014
  • História do futuro — O horizonte do Brasil no século XXI, livro-reportagem (Intrínseca), 2015
  • A verdade é teimosa — coletânea de colunas, (Intrínseca), 2017
  • Refúgio no sábado — crônicas, finalista do Prêmio Jabuti (Intrínseca), 2018
  • Democracia na armadilha — Crônicas do desgoverno, (Intrínseca), 2022
  • Amazônia na encruzilhada, 2024 — livro-reportagem — (Intrínseca) Prêmio Juca Pato, 2024

Infantis:

  • A perigosa vida dos passarinhos pequenos — Prêmio FNLIJ. Selo de Altamente Recomendável da FNLIJ; semi-finalista do Prêmio Jabuti, 2013, (Rocco)
  • A menina do nome enfeitado, 2014, (Rocco)
  • Flávia e o bolo de chocolate, 2015 (Rocco)
  • O estranho caso do sono perdido — Selo de Altamente Recomendável da FNLIJ, 2016 (Rocco)
  • O mistério do pau oco, 2018, (Rocco)
  • As Aventuras do tempo, 2019, (Rocco)
  • O menino que conhecia o fim da noite, 2022, (Rocco)
  • Lulli, a gata aventureira, 2025, (Rocco)

Prêmios recebidos na atividade jornalística:

  • Prêmio Jornalismo para a Tolerância, da Federação Internacional de Jornalistas pelo caderno “A Cor do Brasil”, 2004
  • Prêmio Maria Moors Cabot, da Universidade de Columbia, 2005
  • Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos, pelo documentário “História inacabada”, sobre o desaparecimento de Rubens Paiva, 2012
  • Prêmio Esso pela reportagem feita com Sebastião Salgado “Paraíso Sitiado” sobre o povo indígena Awá Guajá - 2013
  • Prêmio Liberdade de Imprensa — ANJ — Associação Nacional dos Jornais, 2017
  • Prêmio Contribuição ao Jornalismo — ABRAJI — Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, 2019
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MORRE LUIZ ANTÔNIO MELLO

Do g1 Rio

Jornalista Luiz Antônio Mello morre aos 70 anos em Niterói

Desde 2021 ele era editor no jornal a Tribuna. O jornalista se recuperava de uma pancreatite no Hospital Icaraí. O município decretou luto oficial de três dias pelo falecimento.

O jornalista Luiz Antônio Mello morreu aos 70 anos em Niterói, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (30). A informação foi dada pelo jornal A Tribuna, onde ele era editor desde 2021.

Luiz era conhecido como LAM e foi diretor da rádio Fluminense FM, onde ajudou a revelar grandes nomes do rock brasileiro, como Kid Abelha e Paralamas do Sucesso, no programa "Maldita".

Ele estava internado no Hospital Icaraí e foi vítima de uma parada cardíaca enquanto fazia um exame de ressonância, segundo informações d'A Tribuna. A internação era para tratar de uma pancreatite.

No ano passado, Luiz Antonio foi representado no cinema, no filme "Aumenta que é rock’n’roll", pelo ator Johnny Massaro. A produção do diretor Tomás Portella conta o período em que Luiz e alguns amigos assumiram a direção da Fluminense FM.

O jornalista passou pela Rádio Tupi, Rádio Jornal do Brasil e Jornal Última Hora. Em 1981, na Rádio Fluminense FM, ele criou o projeto do programa Maldita. A rádio ajudou a revelar grandes nomes da música, especialmente a geração de 1980 do rock.

Ele foi colunista nos jornais O Pasquim, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, Jornal Opinião e Folha de Niterói. A Rádio LAM, fundada por ele de forma online, funciona, desde 2021, 24 horas por dia. Luiz Antonio Mello era um apaixonado por Niterói, por rock & roll e por jornalismo. O município declarou três dias de luto.

“Luiz Antônio Melo era um niteroiense apaixonado por nossa cidade e que tinha uma mente, uma capacidade inventiva e criativa extraordinária. Participou diretamente de um dos momentos mais marcantes da música brasileira e do rock nacional através da rádio fluminense na década de 80. Niterói, o rock e o jornalismo estão de luto com a sua partida. Mas ele deixou um legado, suas ideias”, afirmou o prefeito Rodrigo Neves.  

O jornalista ainda escreveu os livros “Nichteroy, Essa Doida Balzaca (1988); A Onda Maldita (1992); Torpedos de Itaipu (1995); Manual de Sobrevivência na Selva do Jornalismo (1996); Jornalismo na Prática (2006); e 5 e 15, Romance Atonal Beta (2006).

A prefeitura de Niterói declarou três dias de luto.

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ASSASSINADO A TIROS

Do Diário do Nordeste

Empresário dono de rádio é assassinado a tiros ao sair de padaria em Fortaleza

Nas redes sociais, amigos de Vinícius parabenizaram o empresário nas últimas horas pelo aniversário dele

Um empresário de 47 anos foi morto a tiros na manhã desta quarta-feira (30), no bairro Engenheiro Luciano Cavalcante, em Fortaleza. A reportagem apurou que a vítima é Vinícius Cunha Batista, dono de uma rádio no Interior do Ceará.

Vinícius saía de uma padaria quando foi abordado por criminosos. Testemunhas disseram ter ouvido pelo menos cinco disparos. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), ele morreu na rua, ao lado do caminhonete que ele dirigia.

Até a publicação desta matéria, não há informações sobre o que teria motivado o crime e quem são os suspeitos. A vítima não tinha antecedentes criminais.

Nas redes sociais, amigos de Vinícius tinham o parabenizado nas últimas horas pelo aniversário dele. 

INVESTIGAÇÃO

Um vídeo que circula nas redes mostra o corpo da vítima ao lado do carro dele, uma caminhonete na cor branca.

A SSPDS informa que as equipes da Polícia Militar do Ceará (PMCE), da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) e do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) foram acionadas e realizaram diligências no local. 

"O DHPP está a cargo dos trabalhos investigativos com o objetivo de elucidar os fatos acerca do caso, bem como identificar e capturar os suspeitos de envolvimento com o crime", disse a Pasta.

LUTO

Vinícius deixa esposa e duas filhas adolescentes. Nas redes sociais, o Sistema Uirapuru de Comunicação publicou nota de luto dizendo que a rádio ficará fora do ar a partir desta quarta-feira e por tempo indeterminado.

[ATUALIZAÇÃO ÀS 15H19]

A Associação Cearense de Emissoras de Rádio e Televisão (Acert) emitiu nota de pesar sobre a morte do empresário proprietário da Rádio Uirapuru Jaguaribana – FM 100,7 Mhz e Diretor Regional da Acert da região do Vale do Jaguaribe.

"Vinícius era reconhecido por sua atuação no setor de radiodifusão do interior do Ceará. Natural de Ibicuitinga e residente em Limoeiro do Norte, construiu, aos 47 anos, uma trajetória marcada pelo compromisso com a comunicação responsável, pela conduta ética e pelo respeito nas relações com colegas, parceiros e a comunidade.Sua partida prematura, em circunstâncias trágicas e violentas, gerou profunda comoção entre familiares, amigos, profissionais da radiodifusão e os meios de comunicação em geral. A ACERT lamenta profundamente essa perda irreparável e confia na atuação firme e célere das autoridades competentes para o pleno esclarecimento dos fatos. Vinícius Cunha Batista deixa familiares e entes queridos, aos quais a ACERT presta sua mais sincera solidariedade, desejando que encontrem, neste momento de dor, a força, a união e o amparo necessários para enfrentar a perda", disse a Associação.

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terça-feira, 29 de abril de 2025

CEM DIAS DE DEMOLIÇÃO

Míriam Leitão, O Globo

O mundo está há cem dias sob os mandos e desmandos de Trump: cenário de retrocesso, insegurança e ameaça à democracia

O governo de Donald Trump tem sido um tormento. Diário, continuado. Seus disparos sequenciais de tarifas contra países parceiros, suas idas e vindas em decisões econômicas e políticas, e suas declarações sobre tomar territórios de outros países levaram o mundo a um retrocesso de um século pelo menos. Trump desrespeitou direitos humanos na pressão contra imigrantes, fechou agências governamentais importantes, colocou um agente privado dentro do governo com poderes demais e nenhum controle, chantageou universidades e intimidou a Justiça. A distopia parece não encontrar limites.

Faltam 1.348 dias de Donald Trump no poder. E o projeto está claro. Ele quer demolir o Estado, e a democracia americana. Nos 100 dias está encontrando um primeiro problema, a opinião pública. Tem a menor aprovação de qualquer governante americano em 80 anos, a maioria desaprova a maneira como ele conduz seu governo. Mas há outras barreiras que podem ser erguidas. Uma delas é a eleição de meio de mandato que pode enfraquecê-lo no Congresso, o que tiraria um pouco do seu poder. Se isso é uma esperança, por outro lado é um alerta de que ele tentará tudo o que puder até as eleições legislativas do final do ano que vem.

Trump, em cem dias, atravessou fronteiras que pareciam protegidas pela institucionalidade americana. As grandes universidades da Ivy League, conhecidas pela sua independência, qualidade do ensino, e o patrimônio dos seus fundos foram encurraladas e, até agora, apenas uma, Harvard, disse não. Até quando? Uma juíza foi presa pelo FBI. Um americano foi deportado como se fosse imigrante ilegal. Garantias e direitos individuais começam a ser corroídos internamente.

A democracia americana sempre teve defeitos, mas não estes. Havia uma fortaleza institucional respeitada por qualquer que fosse o governo. Basta lembrar que o uso do aparelho de Estado para espionar o Partido Democrata levou o republicano Richard Nixon à renúncia, para evitar o último passo do impeachment que seria a deposição.

A guerra das tarifas está provocando efeitos na economia mundial. Haverá uma desaceleração global como foi previsto pelo FMI. Novas previsões podem ser ainda mais sombrias. Os juros americanos vão demorar mais a cair. Há risco inflacionário. As bolsas dos EUA tiveram o pior desempenho de um início de governo desde 1970. O peso das super tarifas contra as importações do mundo inteiro foram suspensas por apenas 90 dias. Trump já disse que não renovará a suspensão. Na guerra tarifária contra a China, além de tarifas em percentuais exorbitantes, há o constrangedor desencontro de versões sobre a conversa entre os líderes dos dois países. A China desmentiu Donald Trump e disse que Xi Jinping não conversou com ele recentemente. Não teria havido a ligação que Trump disse que houve em entrevista à Time.

Os desaforos ditos a aliados tradicionais chocaram. A visita do vice JD Vance à Europa produziu efeitos imediatos, como o aumento dos orçamentos de defesa de países como a Alemanha. Afinal, ele estava lá para dizer “virem-se”. A ofensa ao Canadá tem sido repetida, quando Trump o coloca como o 51º estado americano. Pior tem sido a escalada contra a Groenlândia, que Trump diz que é fundamental para a segurança americana. Segundo o presidente, os Estados Unidos “precisam ter” a Groenlândia.

O pior de toda essa sucessão de agressões, mentiras e videotapes é que o mundo está em estado de completa insegurança. Tudo pode acontecer a qualquer momento. A incerteza é um pesadelo para o mundo dos negócios, porque trava investimentos e decisões de compra, venda e contratações. É um gás paralisante na atividade econômica.

O perigo maior, contudo, é institucional. Aberrações, como a presença de Elon Musk dentro do governo sem ter cargo formal nem a quem prestar contas, mostram que os Estados Unidos estão quebrando paradigmas que sustentaram a democracia americana por dois séculos. O mundo viu recentemente o desmonte institucional interno em vários países. No Brasil, houve um ensaio desse processo. Mas é inconcebível tal perigo acontecer nos Estados Unidos. No primeiro governo, ele tentou e encontrou resistências. Esse segundo mandato, como já ocorreu em outros países, ele veio com maior força demolidora. O povo americano que o levou de volta ao Salão Oval é o único que pode estabelecer uma barreira eficaz a esse desatino.

 

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segunda-feira, 28 de abril de 2025

A BATUCADA ENCONTRA O FUTURO

Preto Zezé, O Globo

A Tardezinha não é apenas um evento. É uma plataforma onde o entretenimento não é fim, mas ponto de partida

A Tardezinha não é apenas um evento. É um fenômeno que faz do samba um vetor de futuro. Nascida no improviso caloroso das tardes cariocas, chegou a 2025 celebrando dez anos com alma de festival, fôlego de multinacional e coração de roda de amigos. Se antes era domingo de sol e cerveja gelada, hoje é estratégia, inclusão e legado. Uma plataforma onde o entretenimento não é fim, mas ponto de partida.

Nesta edição histórica, Thiaguinho, Rafael Zulu e Rafael Liporace não apenas organizaram uma turnê — eles montaram um ecossistema. São 26 cidades, com expansão internacional inédita: Angola, AustráliaEstados Unidos e Portugal. A roda de samba que rodou o Brasil agora gira o mundo, com propósito, afeto e planejamento. E, mais do que aplauso, leva impacto.

Porque a Tardezinha não estacionou no sucesso. Evoluiu.

Sob o selo de um ESG com batida própria, a festa vai além da música. Com a Central Única das Favelas, nasce a Escola de Música da Tardezinha no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio. Com a Estácio, cursos profissionalizantes e MBAs conectam o bastidor da vida ao palco da formação. A Tardezinha Social arrecada mais de 150 toneladas de alimentos com a Ação da Cidadania. E a Tardezinha Segura, em parceria com o coletivo Nós Seguras, combate o assédio com ação, não com discurso.

Mas há outra revolução silenciosa: a migração para os estádios. Foi decisão tática — e política. O Engenhão, o Mineirão, a Fonte Nova não são só monumentos esportivos; são arenas populares. Ampliar capacidade significa derrubar muros simbólicos e físicos. O ingresso, que já foi privilégio de poucos, agora cabe no bolso de muitos. O tíquete médio caiu, mas o valor percebido explodiu. Mais gente, mais festa, mais democracia. E o mercado percebeu.

Itaipava e Bradesco são patrocinadores master. Burger King, Coca-Cola, LG, Uber, Beefeater, Mike’s, Nivea Sun, entre outros, montaram ativações próprias. A Tardezinha se transformou em vitrine de branding — e também virou produto. A Tardezinha Travel, agência de viagens feita em parceria com a Zupper, oferece pacotes com hospedagem, passagem e experiência. A economia criativa canta junto. É o Brasil que deu certo, sem pedir licença.

A mistura de cultura, negócio e causa virou modelo. A Tardezinha não é mais sazonal. Prolonga-se o ano inteiro. Espalha-se como quem ocupa. E se eterniza — porque mora num lugar onde política pública não chega, mas a música entra: o coração das pessoas.

Ela canta a vida como ela é. Com suor, cerveja, sorriso, afeto, estratégia. E com um recado forte: o samba também pode ser um plano de futuro.

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SUBTERRÂNEOS DA REDE SOCIAL

Artigo de Fernando Gabeira

Somos um país muito presente na internet, onde se articulam atentados em escolas, assassinatos e outros crimes

Três homens foram presos no Domingo de Páscoa. Planejavam matar um morador de rua, no Rio, e transmitir o crime ao vivo pela rede Discord. A notícia passou um pouco batida. Para mim, que acompanho algumas pesquisas, como as de Michele Prado sobre extremismo na internet, foi mais um sinal do tenebroso subterrâneo das redes sociais.

Por coincidência, um órgão da ONU, o Instituto Inter-Regional de Pesquisa sobre Crime e Justiça das Nações Unidas (Unicri), lançou um documento sobre o abuso das tecnologias digitais, focando na América Latina, África e Ásia. É um texto de 84 páginas que recomenda aumentar o investimento em investigações, a intensidade das pesquisas e a responsabilidade das big techs.

Os esforços de pesquisa sobre extremismo sempre se concentraram no Oriente Médio. As lentes se voltam para outros cantos. Ficamos sabendo de organizações de extrema esquerda, como a Individualistas que Tendem ao Selvagem, que atua no México. O texto passa também por supremacistas brancos da África do Sul e organizações na Índia voltadas para defender a “essência”do hinduísmo.

O Brasil tem destaque no relatório. Somos um país muito presente na internet, espaço onde se articulam os crimes que passam por atentados em escolas, assassinatos e outros típicos da rede, como o ataque DDoS, que consiste em inundar com chamadas um endereço para que pare de funcionar.

O destaque brasileiro no relatório é uma organização chamada Nova Resistência Duginista. Quase totalmente desconhecida da mídia, é uma organização muito falada no mundo clandestino. Ela diz seguir os ensinamentos de Alexander Dugin, intelectual russo cujo livro mais conhecido se chama “A quarta teoria política”. Ele defende a expansão do poderio russo e propõe um novo tipo de fascismo revolucionário, que poderia também encontrar algum eco na extrema esquerda preocupada em destruir o sistema.

A Nova Resistência recrutou nas redes voluntários para lutar ao lado dos russos contra a Ucrânia. Foi acusada pelos Estados Unidos de disseminar fake news em favor da Rússia. Essas organizações atuam na internet com dispositivos de comunicação interna e externa. Usam crowdfunding para se financiar e trabalham também com criptomoedas. Os textos da Nova Resistência afirmam que a organização levou brasileiros para Donbass, na Ucrânia, com fins humanitários e jornalísticos, e que atua de acordo com as leis brasileiras.

Esse é o lado mais intelectualizado. Há aspectos mais abertamente violentos nos subterrâneos das redes. São grupos que atuam em plataformas menores, mas constantemente enveredam pelo TikTok.

Um deles se intitula Ordem dos Nove Ângulos e propaga a violência de forma irrestrita, inclusive automutilação. O instrumento de trabalho também são os games. O Center on Extremism da Liga Antidifamação identificou, recentemente, uma grave ameaça na plataforma Roblox. Um grupo chamado Active Shooter Studios cria jogos para a Roblox simulando massacres escolares reais, como o de Columbine, e atentados com motivação racista. A ideia é se colocar no papel de atirador ou de vítima, com gritos, sangue e simulação de suicídio.

As organizações abordadas pelo relatório da ONU são principalmente as que têm mensagem política, como o fascismo da Nova Resistência, a supremacia branca dos sul-africanos, o hinduísmo radical na Índia. No subterrâneo atuam grupos com uma mensagem de pura violência como a True Crime Community. Funcionam na verdade como porta de entrada para todas as ideologias que propõem o colapso social pela violência.

No Brasil, há vigilância social por meio de sites como o Stop Hate Brasil e estruturas de investigação na Polícia Federal e em alguns estados. Tudo ainda é muito pouco para dar conta desse universo subterrâneo, mas em contato permanente com a superfície onde as big techs investem pouco no controle e, em certos casos, mal compreendem outro idioma que não seja o inglês.

Artigo publicado no jornal O Globo em 28 / 04 / 2025

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domingo, 27 de abril de 2025

PABLO MARÇAL É CONDENADO PELA 2ª VEZ NA JUSTIÇA ELEITORAL

Bruno Tavares, TV Globo, g1 — São Paulo

Marçal é condenado pela 2ª vez na Justiça Eleitoral, agora, por promover concursos de cortes de vídeos na disputa pela Prefeitura de SP

A Justiça entendeu que Pablo Marçal promoveu uma estratégia de cortes remunerados, na qual o empresário pagava terceiros para produzir cortes de seus vídeos e disseminá-los por diversas páginas nas redes sociais com o intuito de viralizar. A decisão cabe recurso.

A Justiça Eleitoral de São Paulo condenou pela segunda vez o influenciador e empresário Pablo Marçal por uso indevido das redes sociais, abuso de poder midiático, captação ilícita de recursos e abuso de poder econômico durante a campanha eleitoral pela prefeitura da capital em 2024.

A condenação é motivada pela estratégia usada por Marçal, de cortes remunerados, na qual o empresário pagava terceiros para fazer cortes de seus vídeos e espalhá-los por diversas páginas nas redes sociais, como forma de 'viralizar'.

Segundo a decisão, essa estratégia gerou uma vantagem indevida e criou artificialmente a impressão de apoio, motivada por ganhos financeiros. A condenação determina, pela segunda vez, que o empresário fique inelegível por oito anos e pague uma multa de R$ 420 mil.

A primeira condenação havia tornado o ex-candidato inelegível sem pagamento de multa. (veja mais abaixo)

Segundo a segunda decisão, Marçal:

  • desenvolveu uma estratégia de cooptação de colaboradores para disseminar seus conteúdos em redes sociais e serviços de streaming, utilizando um aplicativo de criação de cortes que oferecia remuneração por visualizações, configurando impulsionamento ilícito que continuou durante o processo eleitoral;
  • pagou esses 'cortadores' de conteúdos com recursos financeiros que impediriam a fiscalização pela Justiça Eleitoral quanto à origem e ao destino dos valores;
  • ofertou brindes (entregues após sorteios) para quem divulgasse propaganda eleitoral, como o sorteio de R$ 200,00 para quem compartilhasse propaganda do réu;
  • distribuiu brindes como bonés (divulgados em seu perfil oficial) e prometeu dinheiro para quem compartilhasse suas propagandas, o que teve repercussão suficiente para ser considerado abuso de poder e, até mesmo, captação ilícita de sufrágio.

A condenação cabe recurso.

A defesa de Marçal afirmou que as provas e "os fatos indicados na decisão não são suficientes" para a condenação e que "em breve será apresentado recurso cabível com os argumentos necessários para a reforma da decisão."

Em nota a assessoria do empresário disse que a "decisão é temporária."

"Cumprimos todos os requisitos legais durante a campanha. Confio na Justiça e estou certo de que vamos reverter.”

2ª condenação

Marçal já havia sido condenado pelo mesmo motivo em fevereiro deste ano, em conjunto de duas ações ajuizadas pela coligação encabeçada pelo PSOL e o PSB. Dessa vez, foi analisada uma ação de investigação eleitoral aberta a partir de uma representação apenas do PSB.

Na primeira condenação, foi apurada a venda do apoio de Marçal a candidatos a vereador, em troca de doação para sua campanha no valor de R$ 5.000 via Pix, conforme divulgado em vídeos na rede social Instagram.

Segundo a sentença do magistrado, o abuso de poder político foi consumado, entre outros motivos, pelo uso de rede social para disseminar desinformação sobre o sistema de arrecadação eleitoral baseada no Fundo Partidário e para realizar propaganda eleitoral negativa dos adversários.

As duas decisões foram proferidas pelo juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo.

O magistrado determinou que "o réu Pablo Marçal é corresponsável pelas condutas perpetradas no canal mantido no 'Discord'". Indicou ainda que "a repercussão no contexto específico da eleição (gravidade quantitativa) pôde ser constatada em razão dos referidos vídeos com oferta de pagamento a quem efetuasse cortes de vídeos de Marçal em concurso de cortes estar acessível a milhões de pessoas seguidoras em suas redes sociais (TikTok, YouTube, Instagram, entre outros)".

O gasto ilícito de recursos foi caracterizado, segundo a decisão, "em razão da existência de impulsionamento de cortes de vídeo realizados por terceiros, estimulado pelo próprio candidato Pablo Marçal como forma de ilícito alavancamento de visualizações de conteúdos".

Inelegibilidade

As duas condenações de inelegibilidade de Marçal não são acumulativas, segundo Fernando Neisser, advogado especializado em direito eleitoral e professor de direito eleitoral da FGV-SP.

"O fato de haver duas torna mais difícil que ambas sejam derrubadas em uma instância superior", afirmou.

Ainda segundo Neisser, é a primeira vez que a Justiça Eleitoral se depara com uma situação como essa. "Como vários especialistas alertavam à época da eleição, essa prática é ilegal e constitui abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. Claro que se trata ainda de decisão de primeira instância. É importante aguardar como o tema será tratado no TRE-SP e, posteriormente, no TSE. De toda forma, a sentença é bastante sólida e, na minha compreensão, trata corretamente o tema", continuou.

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OBRIGADO, FRANCISCO

Celso Rocha de Barros, Folha de S. Paulo

Obrigado, Francisco: se papa pareceu radical, problema é do mundo de hoje

Ele defendeu os mais pobres entre os pobres e os mais excluídos entre os excluídos

Quando o papa Francisco dizia que é impossível ser cristão e não dar prioridade aos excluídos, só estava citando o fundador da empresa milenar de que foi CEO nos últimos 12 anos.

Mesmo o então cardeal Joseph Ratzinger (futuro papa Bento 16), em seu combate à Teologia da Libertação, deixava claro que "o escândalo das gritantes desigualdades entre ricos e pobres – quer se trate de desigualdades entre países ricos e países pobres, ou de desigualdades entre camadas sociais dentro de um mesmo território nacional – já não é tolerado" ("Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação", 1984).

Não é coincidência que tenha vindo da América Latina, a região mais desigual da cristandade moderna, um papa que desse prioridade à luta contra esse escândalo específico.

Francisco também promoveu um salto na reflexão católica sobre o meio ambiente, que papas recentes (citados na encíclica) já vinham enfatizando.

Contra os que interpretam a instrução de Gênesis 1:28 como licença para o homem fazer o que quiser com a natureza, a Laudato Si lembra que Deus colocou o homem no Éden "para cultivá-lo e guardá-lo" (Gênesis 2:15). O documento final do Sínodo da Amazônia terminou com um apelo a "Maria, mãe da Amazônia", para que "a vida plena que Jesus veio trazer ao mundo chegue a todos, especialmente aos pobres", e para que a igreja tenha "rosto amazônico" e "saída missionária".

Francisco também realizou um ajuste pequeno, mas importante, na discussão da igreja sobre a comunidade LGBT. Admitiu a possibilidade de padres católicos abençoarem casais LGBT e casais formados por pessoas divorciadas. Em repetidos pronunciamentos, pediu que os católicos não julgassem os LGBT, mas procurassem antes de tudo amá-los.

Não foi a aceitação plena dos LGBT que católicos de esquerda como eu desejariam. Mas foi importantíssimo por mostrar qual exatamente é o tamanho dessa questão dentro do cristianismo. Quando Francisco disse "quem sou eu para julgar?" sobre os homossexuais, não estava se declarando incapaz de condenar algo que, oficialmente, ainda é pecado. Afinal, Francisco julgou muita coisa: a miséria, a degradação ambiental, a desigualdade.

Estava tirando o foco de uma pauta que ocupa um lugar completamente desproporcional no discurso de movimentos políticos que se dizem cristãos. A homofobia como política funciona porque vende ao eleitor uma forma de se afirmar cristão condenando o desejo dos outros, não o próprio. E os LGBT são convenientemente minoritários na sociedade, de modo que o voto que se ganha entre a maioria hipócrita mais do que compensa o voto que se perde na minoria perseguida.

A maior parte da Bíblia é sobre pecados que todos cometemos, mas é difícil se eleger lutando contra os pecados da maioria. É melhor mentir, como faz a bancada fundamentalista, que a Bíblia é basicamente um livro falando mal da Pabllo Vittar.

Francisco fez uma bem-vinda mudança de foco para os pecados da maioria, o consumismo, a indiferença diante da miséria, a depredação da criação. Defendeu os pobres, e os mais pobres entre os pobres; os excluídos, e os mais excluídos entre os excluídos. É o que o Evangelho manda fazer. Se isso pareceu radical no mundo de hoje, o problema é do mundo de hoje.

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DUAS MULHERES

Dorrit Harazim, O Globo

O menino, sem os dois braços, tem o torso coberto por uma camiseta regata e posa com os tocos à mostra

Uma está viva. Samar Abu Elouf, de 26 anos, mãe de três filhos, é fotojornalista veterana. Conseguiu ser retirada de Gaza nos primeiros meses da guerra e trabalha como freelancer para o New York Times em Doha, no Catar. Seu trabalho documental tem a força de silenciar quem o vê. As imagens são absolutas, sem retórica, por isso machucam tanto. O foco de Samar está nos poucos palestinos de Gaza que conseguem autorização de Israel para sair do enclave e buscar sobrevida longe da brutalização em curso.

Dez dias atrás uma das imagens de Samar foi premiada com o prestigioso troféu 2025 World Press Photo of the Year, pinçada entre 59.320 concorrentes. A cerimônia, realizada sob as arcadas góticas da Nieuwe Kerk, uma igreja em Amsterdã, costuma ser festiva, mas neste ano precisou aguardar até a vencedora conseguir discursar — seu rosto era um espelho de lágrimas silenciosas. A seu lado, a imagem premiada de um garoto palestino, Mahmoud Ajjour, de 9 anos, sem os dois braços. O retrato em tons de pintura flamenga é respeitoso, não grita, apenas pede reflexão. O menino tem o torso coberto por uma camiseta regata e posa com os tocos à mostra. Seu olhar parece perdido num abismo — abismo de toda uma geração de crianças palestinas moídas pela guerra.

— Quero que esta foto faça alguma diferença, que ajude a acabar com esta guerra. Se não conseguir isso, qual o propósito do nosso trabalho? — indaga Samar.

A segunda mulher do título está morta. Fatima Hassouna, também fotojornalista, tinha 25 anos e planejava achar um pedaço de chão ainda verde e intacto para seu casamento em agosto. Palestina, nunca pôde sair de Gaza. Na terça-feira dia 15, recebeu chamada de vídeo da cineasta iraniana Sepideh Farsi, exilada em Paris. As notícias eram alvissareiras: o documentário em que vinham trabalhando havia mais de um ano, centrado no cotidiano de Fatima nestes 18 meses de guerra, seria exibido agora em maio, no âmbito do programa Acid do Festival de Cannes. Sigla de Associação do Cinema Independente para sua Difusão, a Acid é uma espécie de versão cult da programação oficial. Está na 33ª edição, teve 650 concorrentes neste ano e costuma revelar talentos. Por meio de videoconversas regulares com a cineasta, Fatima é a cara, a alma, o espírito e a força de “Put your soul on your hand and walk (em tradução literal, “ponha sua alma na mão e caminhe”), título do documentário.

Vinte e quatro horas depois de a notícia viralizar, o impacto de um míssil israelense estraçalhou a casa de Fatima no bairro de Tuffah, em Gaza. A fotojornalista e nove membros da família, inclusive uma irmã grávida, morreram na hora. Coincidência, dirão alguns. Coincidência, perguntarão outros? Vale lembrar que, três semanas depois de receber o Oscar de melhor documentário, o codiretor palestino de “Sem chão”, Hamdan Ballal, foi sequestrado e severamente surrado por colonos israelenses extremistas na Cisjordânia Ocupada.

Desde o início da guerra de asfixia contra Gaza, em retaliação ao ataque terrorista do Hamas a Israel de outubro de 2023, a Federação Internacional de Jornalistas computa mais de 160 jornalistas e trabalhadores de meios de comunicação mortos nos escombros do enclave. Relatórios de entidades locais sugerem que o número real pode ser bem superior. Segundo a organização Médicos Sem Fronteiras, Gaza simplesmente tornou-se uma vala comum para os palestinos e para aqueles que os ajudam.

Com sua câmera e imensa lente zoom colada ao corpo, Fatima Hassouna fazia uma narrativa visual personalíssima do enclave que morria e renascia todos os dias.

— Ela era os meus olhos em Gaza, combativa e cheia de vida — diz a cineasta com quem dialogava. — Filmei suas gargalhadas, lágrimas, esperanças e depressão.

Por testemunhar de perto o prolongado massacre de sua gente, Fatima tinha motivos para se desolar diante do apagamento de tantas vidas, muitas vezes em minutos. Jamais compreendeu a covardia do mundo islâmico nem a cumplicidade envergonhada das democracias ocidentais — a matança, simplesmente, continua à luz do dia. Com presença notável nas redes sociais e colaborações para o jornal The Guardian e a plataforma Mondoweiss, Fatima fazia barulho em vida. E quis barulho quando morresse. Embora, em Gaza, as mortes em geral sejam ruidosas, pois brotam da máquina de guerra, a quase totalidade das mais de 51 mil vítimas fatais computadas até agora partiu anônima, soterrada no esquecimento mundial.

— Quanto à morte inevitável, quero uma morte barulhenta, não me quero num flash de notícia urgente, ou [embutida] num número coletivo. Quero uma morte que seja ouvida pelo mundo. Um rastro que dure para sempre e imagens imortais que nem o tempo nem o espaço possam enterrar — escreveu numa postagem de 2024.

Quem sabe, talvez, quiçá. A humanidade tem sido cruel com sua história ultimamente.

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sábado, 26 de abril de 2025

ASSASSINADO A TIROS

Do Jornal do Commercio

Vereador de Alagoinha, Ezinho Construção, é assassinado a tiros no Agreste de Pernambuco

Vereador levou um tiro no pescoço e foi transferido às pressas para o Recife, mas não resistiu ao ferimento. Foi eleito em 2024 pelo Podemos

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O vereador Ezio Galindo Cordeiro, conhecido como Ezinho Construção (Podemos), da cidade de Alagoinha, no Agreste de Pernambuco, morreu no fim da tarde deste sábado (26/4), após ser vítima de um atentado horas antes.

O crime aconteceu nas imediações de um estabelecimento comercial de sua propriedade, localizado no Centro de Alagoinha. O vereador, eleito em 2024, ainda chegou a ser socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e transferido para o Recife, mas não resistiu aos ferimentos.

Segundo as primeiras informações sobre o crime, o vereador sofreu uma emboscada quando estava no galpão de construções. Ezinho foi atingido por um tiro no pescoço. Outros dois tiros teriam sido efetuados, mas não acertaram o vereador. Ele foi socorrido inicialmente para o hospital local, onde recebeu os primeiros atendimentos de emergência.

Mas, devido à gravidade do ferimento, foi transferido para o Hospital da Restauração (HR), no Derby, área central do Recife. Na unidade, referência no atendimento de alta complexidade no Estado, o vereador teria falecido. Até o momento, não se tem informações sobre a motivação do crime.

Ezio Galindo Cordeiro tinha 48 anos e foi eleito em 2024 pelo Podemos. O parlamentar era empresário do ramo de material de construção e obteve 533 votos, sendo o quinto mais votado na cidade.

O que diz a Polícia

Segundo nota da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE), a 8ª CIPM foi acionada para a "ocorrência de disparo de arma de fogo no município de Alagoinha, Agreste do Estado".

A Polícia Civil de Pernambuco informou que deu início ao inquérito policial, "seguindo em diligências com equipes da Divisão Especial de Apuração de Homicídios - DEAH".

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A IGREJA FECHADA

Demétrio Magnoli, Folha de S. Paulo

Reformas de papa Francisco ficaram quase circunscritas ao cenográfico

"Mãe não é estado civil", explicou, deplorando os preconceitos contra mães solteiras. "Quem sou eu para julgar?", indagou, referindo-se à prática da Igreja de emitir condenações aos gays. Francisco será lembrado como um papa que cultivou a empatia com as pessoas comuns, com a vida humana como ela é. No lugar de editos imperiais sobre o céu e o inferno, a virtude e o pecado, escolheu a humildade da dúvida. Quis empurrar a Igreja para fora do Palácio, na direção das ruas. Suas reformas, contudo, ficaram quase circunscritas ao âmbito simbólico ou cenográfico.

Francisco enfrentou a resistência dos tradicionalistas para, com sucesso parcial, abrir caminho à comunhão de divorciados que voltam a se casar. Empenhou-se na missão espinhosa de curar a ferida dos escândalos de pedofilia na Igreja, mas não atacou as raízes da abominação. Seu reformismo morno contrasta com as emoções suscitadas pela figura de um papa avesso à santidade ostentatória.

O "bispo das favelas", como Bergoglio ficou conhecido na sua Buenos Aires, nunca desejou destruir as muralhas históricas que a Igreja ergueu em torno de seu castelo. O celibato clerical e o veto à ordenação de mulheres, temas essenciais para o futuro do catolicismo oficial, permaneceram no pátio reservado aos tabus.

Nenhum dos dois pertence à esfera dos dogmas ou da doutrina. São regras de disciplina organizacional estabelecidas na hora em que Roma alçava o cristianismo ao estatuto de religião imperial. O Sínodo de Elvira (circa 305) impôs o celibato e, pouco mais tarde, o Primeiro Concílio de Niceia (325) proibiu a ordenação sacerdotal feminina. A "família da Igreja" separava-se das famílias, formando um corpo hierárquico apartado da sociedade. Naquelas decisões encontram-se, por sinal, as fontes profundas do crônico abuso de menores no meio eclesiástico.

Como interpretar o sentido das deliberações de Elvira e Niceia? Sob a influência da visão marxista, uma corrente teórica sugere que sua finalidade era impedir que os filhos dos clérigos herdassem patrimônios da Igreja, formando dinastias privadas. A tese parece uma sólida explicação para a perenização das duas disciplinas, mas não passa no teste das circunstâncias históricas nas quais surgiram.

O Sínodo de Elvira foi uma reunião precária de 19 bispos e 36 presbíteros da atual Andaluzia. Niceia congregou mais de 200 bispos, mas realizou-se sob o patrocínio do imperador Constantino 1º. A Igreja que começava a se organizar carecia de patrimônios significativos.

Uma tese alternativa derrama luzes mais nítidas. Nos primeiros séculos, o cristianismo foi um movimento revolucionário: uma contestação popular das estruturas de poder de Roma. Não faltavam pregadores casados e as mulheres ocupavam as linhas de frente na difusão da nova fé. Mas, com a conversão de Constantino, o que era revolução sedimenta-se como instituição. No início do quarto século, a Igreja submete à ordem o povo cristão, ergue as basílicas romanas e incorpora a cultura patriarcal do Império Romano.

A Igreja, monarquia de ambições imperiais, sobreviveu a Roma, à fragmentação medieval, à primazia do Estado-nação, ao tumulto da modernidade. O papa que se apaga pertence a uma tradição de mudanças adaptativas multisseculares. O passado esmaga o presente: Elvira e Niceia estão entre nós.

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O PAPA DA COMPAIXÃO

Luiz Gonzaga Belluzzo*, CartaCapital

Contra o “consumismo do sagrado”, Francisco abraçava os fundamentos comunitários do cristianismo

Assim como as encíclicas Rerum Novarum, de Leão XIII, e Mater et ­Magistra e Pacem in Terris, de João XXIII, em suas peregrinações apostólicas, ­Francisco, sem meias-palavras, cuidou das vicissitudes e alegrias da vida cristã no mundo contemporâneo comandado pelo poder do dinheiro. Na edição de 17 de maio de 2018, o L’Osservatore Romano registra a divulgação do documento Oeconomicae et pecuniariae quaestiones elaborado pela Congregação para a Doutrina da Fé. O texto de 16 páginas reúne “considerações para um discernimento ético acerca de alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro”.

O documento foi apresentado na sala de imprensa pelo arcebispo Luis Francisco Ladaria Ferrer e pelo cardeal Peter ­Kodwo Appiah Turkson. Já na introdução, o texto revela seu propósito de avaliar a supremacia dos mercados financeiros – os estercos do Diabo – e suas consequências sobre a vida de homens e mulheres que habitam o mundo dos vivos. “A recente crise financeira poderia ter sido uma ocasião para desenvolver uma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da atividade financeira, neutralizando os aspectos predatórios e especulativos e valorizando o serviço à economia real. Embora muitos esforços positivos tenham sido realizados em vários níveis, sendo os mesmos reconhecidos e apreciados, não consta, porém, uma reação que tenha levado a repensar aqueles critérios obsoletos que continuam a governar o mundo. Antes, parece às vezes retornar ao auge um egoísmo míope e limitado no curto prazo, que, prescindindo do bem comum, exclui dos seus horizontes a preocupação não só de criar, mas de distribuir a riqueza e de eliminar as desigualdades, hoje tão evidentes.”

Os olhares do nosso tempo perderam de vista a ideia de comunidade cristã, expressão tantas vezes repetida por Francisco em suas exortações e incrustada nas origens do cristianismo. Jaques Le Goff diz com razão que, no cristianismo primitivo e no judaísmo, a eternidade não irrompia no tempo (abstrato) para “vencê-lo”.  A eternidade não é a “ausência do tempo”, mas a dilatação do tempo ao infinito.

O teólogo Hans Kung escreveu em sua obra magna, The Incarnation of God, que o Deus da Torá permanecia “externo”, como o “outro” dos homens. Jesus, o Deus entre os homens, era amigo dos pecadores e falava as palavras da comiseração do pai amoroso pelos filhos perdidos.

O papa Francisco rejeitava as formas de religiosidade que fazem recuar o espírito para os recônditos do individualismo, uma espécie de “consumismo do sagrado” que ignora os fundamentos comunitários (comunistas?) do cristianismo. “Mais do que o ateísmo, o desafio que hoje se nos apresenta é responder adequadamente à sede de Deus de muitas pessoas, para que não tenham de ir apagá-la com propostas alienantes ou com um Jesus Cristo sem carne e sem compromisso com o outro. Se não encontram na Igreja uma espiritualidade que os cure, liberte, encha de vida e de paz, ao mesmo tempo que os chame à comunhão solidária e à fecundidade missionária, acabarão enganados por propostas que não humanizam nem dão glória a Deus.”

Depois da Encarnação, a escatologia judaico-cristã sofre uma transmutação: o tempo adquire uma dimensão histórica. Cristo trouxe a certeza da eventualidade da salvação, mas cabe à história coletiva e individual realizar essa possibilidade oferecida aos homens pelo sacrifício da cruz e pela ressurreição. “Não nos é pedido que sejamos imaculados, mas que não cessemos de melhorar, vivamos o desejo profundo de progredir no caminho do Evangelho, e não deixemos cair os braços.”

O desafio, disse, era afastar os fiéis de “um Jesus sem carne e sem compromisso com o outro”

Num artigo sobre João XXIII, lamentei que os homens e as mulheres de hoje falem descuidadamente da herança judaico-cristã como se seus valores estivessem desde sempre incrustados na nossa natureza, se é que temos uma. O cristianismo foi um divisor de águas na história da humanidade, um movimento revolucionário, nascido das crueldades e das sabedorias do mundo greco-romano.

Em entrevista sobre seu filme Satyricon, Federico Fellini desvelou a alma que se escondia no rosto de seus personagens no crepúsculo do Império Romano. As máscaras se debatiam entre o tédio das concupiscências e as angústias da desesperança. Para o grande Federico, o filme escancarava “a nostalgia do Cristo que ainda não havia chegado”. Tal como nas personagens do Satyricon, percebo nos católicos de hoje a nostalgia do Cristo que não voltou. Mas, creia-me o leitor, ele já esteve entre nós encarnado na simplicidade e na sabedoria camponesa de João XXIII e parece ter retornado nos exemplos de Francisco.

No medievo, a Igreja transformou-se numa imponente hierarquia e os poderes do mundo material frequentemente atropelaram as palavras dos evangelhos. Não vou aborrecer os leitores com relatos das crises que pontilharam a história da instituição, eivada de cismas e heresias, dividida pela Reforma, maculada pela Inquisição e atormentada por Copérnico e Galileu.

No livro Homens em Tempos Sombrios, Hannah Arendt dedicou um capítulo a João XXIII intitulado Angelo Giuseppe Roncalli: Um Cristão no Trono de São ­Pedro de 1958 a 1963. Nesse ensaio, Arendt, entre outras histórias a respeito de ­­Angelo Roncalli, descreve o depoimento colhido de uma camareira do hotel em que se hospedava em Roma: “Senhora”, disse ela, “esse papa era um verdadeiro cristão. Como podia ser isso? E como aconteceu que um verdadeiro cristão se sentasse no trono de São Pedro? Ele, primeiro, não teve de ser indicado bispo e arcebispo, e cardeal, até ser finalmente eleito como papa? Ninguém tinha consciência do que ele era?”

Para encerrar, ofereço algumas declarações de Cristo no Sermão da Montanha registradas no Evangelho Segundo São Mateus.

“Jesus, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e, tendo se assentado, aproximaram-se os seus discípulos,

1. e ele se pôs a ensiná-los, dizendo:

2. Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.

3. Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.

4. Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.

5. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos.

6. Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.

7. Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.

8. Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.

9. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.

10. Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa.” 

Publicado na edição n° 1359 de CartaCapital, em 30 de abril de 2025.

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O EVANGELHO DE FRANCISCO

Sergio Lirio*, CartaCapital

Reformista e estadista, Bergoglio reavivou as origens do cristianismo

Jorge Bergoglio passou por uma última provação antes do derradeiro suspiro. O papa recebeu no Vaticano o vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, convertido ao catolicismo durante o pontificado do argentino, mas símbolo de tudo aquilo que o argentino combateu ao longo dos 12 anos à frente da Igreja. Os relatos oficiais dão conta de um encontro cordial entre os dois, como era de se imaginar, dadas as naturais simpatia e serenidade de Francisco e as exigências diplomáticas do cargo. Apesar de ter recebido Donald Trump no primeiro mandato (só Bolsonaro não conseguiu uma audiência) e merecido do presidente norte-americano um elogio burocrático – “era um bom homem” –, o argentino era a antítese do atual ocupante da Casa Branca e de seus aliados. “Não é um cristão”, definiu o pontífice, em 2016, a respeito do magnata republicano. Em fevereiro, diante das deportações de imigrantes, chamou de “vergonha” o plano do governo dos Estados Unidos. “O que é construído com base na força, e não na verdade sobre a igual dignidade de cada ser humano, começa mal e terminará mal”, vaticinou.

“Não é o papa, mas Jesus, que os coloca (os pobres) no centro”, afirmou, ao rebater a pecha de comunista

morte de Francisco, vitimado por um AVC na madrugada da segunda-feira 21, abre um período de incertezas a respeito dos rumos e da relevância da Igreja Católica. Nos 12 anos de papado, ­Bergoglio firmou-se como um raro estadista em um mundo submetido a lideranças liliputianas e provincianas e ameaçado por um movimento de extrema-direita que sonha em reinstalar as trevas da Idade Média. As batalhas internas na Igreja, o jogo de poder no Vaticano e suas próprias convicções e limitações tipicamente humanas o fizeram parecer contraditório em alguns momentos, para decepção de quem esperava, com grande dose de autoengano, uma “revolução” religiosa. O papa era, sobretudo, um reformista. Não ousou subverter a doutrina, criticou de forma obtusa o direito ao aborto, mas enveredou de forma habilidosa pelas brechas que a interpretação dos dogmas e das leis permite aos verdadeiros “homens de boa vontade”. Acolheu os homossexuais, combateu velhos preconceitos, buscou ampliar o espaço das mulheres na estrutura, abriu-se ao diálogo com outras religiões (“todas são um caminho para Deus”) e fez valer a promessa cristã e franciscana de servir aos desvalidos. Por seguir os ensinamentos originários da religião, era chamado de comunista, “acusação” a qual rebatia com bom humor e bom senso. “Não se pode subtrair a centralidade dos pobres no Evangelho”, afirmou certa feita. “E isto não é comunismo, é puro Evangelho. Não é o papa, mas Jesus, que os coloca no centro, nesse lugar. É uma questão da nossa fé e não pode ser negociada. Se não aceitardes isto, não sois cristãos.”

O maior legado de Bergoglio foi ter reconectado uma instituição obsoleta e bolorenta à base de fiéis angustiados pela falta de esperança. Sua eleição, inesperada, em 2013 teve o efeito do frescor de quando se abre a janela em uma casa trancada por muito tempo. Também neste caso, Francisco distinguia-se do antecessor, Bento XVI, que renunciou ao cargo, por conta, entre outras, das críticas à sua inação diante dos incontáveis escândalos de abusos sexuais que conspurcaram a imagem do Vaticano. O alemão macambúzio Joseph Ratzinger cedeu o lugar ao descontraído argentino, capaz de perder um fiel, mas não de perder a piada. Bergoglio reservava frases especiais aos brasileiros. “É muita cachaça e pouca oração”, brincou. Ou quando, ao receber um exemplar da obra sobre renda mínima do ex-senador Eduardo Suplicy, não resistiu: “Trouxe o livro, mas esqueceu a cachaça”. O papa era argentino, dizia, “mas Deus é brasileiro”.

Embora os conservadores e reacionários acusassem Bergoglio do “pecado da ideologia”, doutrinário mesmo era ­Ratzinger, cuja preocupação em reafirmar os axiomas da fé e restabelecer a cruzada contra as demais religiões, do Ocidente contra o Oriente, sufocava qualquer eventual traço de empatia com os cristãos cada vez mais afastados das homilias. Bento XVI era germanicamente esforçado, não um intelectual brilhante, como tentava demonstrar de forma sôfrega. Com aquela expressão severa e a cultivada disciplina poderia se passar tanto por um papa quanto por um presidente de banco suíço. Para captar algo de sua essência, a única opção era olhar para os pés, que preferiam sapatos exclusivos, que chegaram a ser confundidos com calçados ­Prada, às sandálias do pescador. No comando do Discatério para a Doutrina da Fé, antigo Santo Ofício, tornou-se a espada de João Paulo II na decapitação dos teólogos da Libertação na América Latina. Fervoroso anticomunista, o polonês Karol ­Wojtyla, pontífice midiático, não só tampou a visão para velhos escândalos, como produziu os seus próprios. Na luta “divina” contra o mal na Terra, a União Soviética, aceitou no Banco do Vaticano depósitos de ditadores e mafiosos. Viu o Muro de Berlim desabar, mas o fim da Cortina de Ferro não abriu uma janela de oportunidades para o catolicismo. Ao contrário. A Igreja, desde a virada do século, vive emparedada entre duas forças: de um lado, a contínua laicização de certas camadas da sociedade e, de outro, a ocupação do vácuo por pastores neopentecostais, especialmente em países até recentemente de maioria católica. Como bem disse o argentino e lembra Luiz Gonzaga Belluzzo à página 16, “mais do que o ateísmo, o desafio é responder adequadamente à sede de Deus de muitos, para que não tenham de ir saciá-la com propostas alienantes ou com um Jesus sem carne e sem compromisso”.

Ao contrário dos dois antecessores, combateu os abusos sexuais na Igreja e protegeu os desvalidos

Francisco não conseguiu extirpar os abusos sexuais ignorados por Bento XVI, mas fez o que estava ao seu alcance. Além de pedir desculpas públicas às vítimas de pedofilia, levou a cabo a expulsão de clérigos acusados de crimes, a começar por Theodore McCarrick, cardeal nos Estados Unidos condenado por violação de menores. Em 2018, pronunciou um de seus mais contundentes discursos sobre o tema. “Fique claro que a Igreja, perante essas perversidades, não poupará esforços, fazendo tudo o que for necessário para entregar à Justiça todos aqueles que tenham cometido tais delitos.” Reservou ainda um conselho aos abusadores: “Convertei-vos, entregai-vos à justiça humana e preparai-vos para a justiça divina”. No ano seguinte, o Vaticano criou uma comissão e suspendeu o segredo pontifício das investigações internas a respeito dos crimes de abuso cometidos por clérigos. Em janeiro deste ano, em sua última intervenção no assunto, Bergoglio concluiu a dissolução do ­Sodalitium Christianae Vitae, comunidade religiosa fundada no Peru, em 1971, por Luis Fernando Figari que se ramificou pelas Américas e enfrentava processos de abusos sexuais e psicológicos.

A visão de mundo de Bergoglio está resumida, porém, nas três encíclicas publicadas durante o pontificado e na empreitada conhecida como a Economia de Francisco, reunião de economistas, sob a coordenação do Nobel Joseph Stiglitz, para discutir alternativas ao modelo excludente em vigor no planeta. Em Lumen Fidei (A Luz da Fé), Laudato Si’ (Louvado Sejas) e Fratelli Tutti (Todos Irmãos), o papa defendeu a equidade social, a paz e o meio ambiente. “Nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum ser humano sem a dignidade que o trabalho dá”, afirmou em 2014. A preocupação ambiental seria ainda evidenciava em outras duas iniciativas. Em 2019, o Sínodo da Amazônia reuniu em Roma lideranças religiosas e sociais de países que abrigam a floresta. Em 2022, na esteira do Sínodo, o pontífice criou o posto de cardeal para a região e nomeou Leonardo Steiner, então arcebispo de Manaus, um gesto de forte simbolismo. “Nenhum papa nos alertou tanto e nos convidou tanto a cuidarmos da casa comum, a cuidarmos da natureza”, recordou Steiner. “O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto”, afirma a holística Laudato Si’. “E não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social. De fato, a deterioração do meio ambiente e da sociedade afeta de modo especial os mais frágeis do planeta.”

“O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto”, escreveu na encíclica Laudato Si’

Em Fratelli Tutti, ­escancara-se a crítica ao neoliberalismo. “Abrir-se ao mundo”, diz o texto, “é uma expressão de que, hoje, se apropriam a economia e as finanças. Refere-se exclusivamente à abertura aos interesses estrangeiros ou à liberdade dos poderes econômicos para investir sem entraves nem complicações em todos os países. Os conflitos locais e o desinteresse pelo bem comum são instrumentalizados pela economia global para impor um modelo cultural único (…) A sociedade cada vez mais globalizada nos torna vizinhos, mas não nos faz irmãos.”

Segundo os relatos oficiais, Francisco teve uma morte serena. Agradeceu e deu um tchau ao enfermeiro ­Massimiliano Strapetti antes de fechar os olhos pela última vez. O funeral, iniciado com a foto do caixão aberto na terça-feira 22, prossegue até o sábado 26. Na sequência, começa o conclave para escolher o sucessor, evento com duração de 15 a 20 dias. Apesar de ter nomeado 108 dos 135 cardeais habilitados a votar, não há garantias de que o próximo papa levará adiante o projeto reformista de Bergoglio. Religiosos brasileiros apostam em um nome moderado, alguém capaz de conter a fúria das alas reacionárias, incomodadas não só com o avanço dos costumes, mas com a exposição das mazelas do prelado, sem retroceder ao período pré-Francisco. A bolsa de apostas corre solta em Londres e o elevado número de papáveis evidencia as divisões internas e a complexidade de se encontrar um substituto capaz de fazer frente à popularidade de Francisco e impor uma marca pessoal. Em 2013, ­Bergoglio era uma escolha improvável e sua eleição surpreendeu o mundo. Logo após a nomeação e ante uma figura desconhecida, circularam boatos de que se tratava de um conservador a serviço da sanguinária ditadura argentina. No fim, Francisco revelou-se um peronista, apaixonado por futebol, o mais “divino” dos esportes, bonachão e genuinamente interessado em acolher os jovens. Foi um papa pop, o homem certo, no lugar certo, na hora certa. Para quem acredita, sua eleição foi a prova de que, ao menos naquela ocasião, Deus escreveu certo por linhas tortas. ­Para quem não acredita, foi um alívio. 

*Publicado na edição n° 1359 de CartaCapital, em 30 de abril de 2025.

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A DOENÇA, O DIAGNÓSTICO E A CURA

Marcus Pestana, Congresso em Foco

Sem reformas fiscais urgentes, Brasil enfrentará estagnação, explosão da dívida e ameaça à democracia, avalia diretor-executivo da IFI do Senado.

Há tempos venho alimentando uma aguda sensação de desesperança. Na quarta-feira, dia 16, foram publicados o 99º. Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente e o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2026 (PLDO/2026) pelo Governo Federal. Ambos apontaram a morte das finanças públicas à médio prazo, mas, neste caso, não houve anúncio da ressureição.

O país está gravemente doente. Não é uma doença terminal ou aguda. Definitivamente, não estamos à beira do abismo. Nem de perto nos assemelhamos à combinação de crises econômicas e humanitárias de países assolados por conflitos armados e guerras civis. Não será uma morte súbita. Um infarte ou um AVC grave. Estamos sofrendo de um mal crônico, degenerativo, progressivo. E a sociedade e as instituições parecem anestesiadas. O diagnóstico é frouxo, ralo. E o primeiro passo para buscar a cura sempre é a consciência plena do quadro e um diagnóstico amplo e profundo.

Parecemos alimentados pelo otimismo ingênuo e infantil de Poliana e seu jogo do contente. Avançamos muito desde a redemocratização há 40 anos. Mas há 45 anos tínhamos uma renda per capita maior do que a Coréia do Sul. Hoje o país asiático entrou no clube dos países desenvolvidos e tem uma riqueza por habitante 3,2 vezes maior que a nossa. Enquanto os países emergentes investirão em média, de 2021 a 2029, 32,6% de seus PIBs, e, entre eles, os asiáticos, 38,9%, o Brasil reservará para investimentos apenas 16,4% do seu PIB. Em 2041, a população brasileira começará a decrescer. Ou seja, menos gente produzindo. Para aumentar a nossa riqueza só ampliando a estacionária produtividade brasileira. Isso só com educação de qualidade, capacidade de inovação na ciência e tecnologia e infraestrutura adequada. Como fazer isso sem investimento?

O gargalo é fiscal. Ainda assim continuámos a brincar com fogo. A carga tributária já é alta. No entanto, temos o orçamento mais engessado do mundo. O PLDO/2026 mostrou que a margem de manobra para governar, a partir de 2027, tende a zero. Temos que estancar o crescimento da dívida e derrubar os juros. Mas para isso precisámos gerar um superávit fiscal em torno de 310 bilhões reais ao ano. No entanto, desde 2014, produzimos déficits. E não há horizonte de mudança. Ao contrário, as decisões recentes são sempre na direção do agravamento do quadro.

O próximo presidente da República tem um encontro inevitável com uma profunda reforma das finanças públicas e com um radical ajuste fiscal. Mas para isso é preciso diagnóstico correto, formação de convicção, liderança, coragem para mudar e apoio político. Pode ser que aconteça. Não parece. Quando um partido importante recusa um ministério e bancadas com ministros se dividem ao meio em votações cruciais, tudo indica que nosso presidencialismo de coalizão perdeu sua funcionalidade.

Ou nos convencemos de que é preciso mudar e construímos um pacto majoritário em torno de uma agenda de reformas, ou nos restará um cenário nada atraente: crescimento medíocre, juros na estratosfera, dívida explodindo, falência das políticas públicas, investimentos no chão.

Ou a realidade se impõe e a doença é diagnosticada e curada. Ou virá um novo outsider a la Milei ou Trump para liderar uma nova aventura imprevisível à margem das instituições democráticas.

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FRANCISCO, O PAPA QUE NÃO MORREU

José de Souza Martins*, Valor Econômico

Mesmo em convalescença e debilitado, o papa não é uma pessoa solitária. Ele é uma instituição

No dia 28 de fevereiro, duas semanas depois de sua internação no Hospital Gemelli, em Roma, um hospital universitário católico, o papa Francisco, com pneumonia, teve o problema de saúde agravado severamente. De tal forma que os médicos avaliaram a possibilidade de abandonar o tratamento para que ele pudesse morrer em paz.

Ao que parece, já não havia mais o que fazer para restituí-lo a um estado de saúde que lhe permitisse tocar sua complicada vida cotidiana em paz. Decidiram insistir. Finalmente, no dia 23 de março, um domingo, os médicos lhe deram alta hospitalar e ele voltou para casa, o pequeno e modesto aposento em que vivia na Casa Santa Marta, no Vaticano.

Já antes de sair do hospital, assomou à varanda, saudou a pequena multidão que na praça esperava vê-lo, sorriu para todos e acenou para uma senhora que carregava um buquê de flores amarelas. Apesar de ainda falar com dificuldade, deu indicações de que para ele a doença era um momento de exceção. Passara 28 dias hospitalizado.

No retorno, o papa saudou pessoas pelo caminho já empenhado em voltar à rotina do seu chamamento.

Teria uma sobrevida de 51 dias, muito mais do que milhões de crianças no mundo inteiro, mais do que uma sobrevida, uma nova vida, a da prontidão em face das urgências do mundo, de um mundo que se tornou o mundo da morte.

Nesses dias manifestou-se em relação a conflitos e problemas em oito diferentes países. São situações em que a pessoa nasce de novo, o que tem pleno sentido para quem vive na cultura religiosa da ressurreição e para quem foi chamado a nela personificar a esperança e a vida.

É claro que mesmo em convalescença e debilitado, o papa não é uma pessoa solitária. Ele é uma instituição. Fala pela boca dos que o auxiliam, que lhe ouvem até os silêncios, o olhar, os gestos. Que escreve pela mão dos que o ajudam. O papa é muitos. Ele não deixou de cumprir suas funções, até as mais delicadas.

Pude testemunhar isso na Sala Clementina, no Vaticano, quando fui convidado para fazer uma conferência sobre as migrações no mundo, em seminário coordenado pelo arcebispo Hamao, de Tóquio, no edifício da Aula Paulo VI, o mesmo em que os papas costumam dar audiências. Era pontífice o papa João Paulo II, já muito doente, que convidara os participantes a ali encontrarem-se com ele.

Eu não estava muito longe dele e podia ver sua dificuldade para tirar o lenço e enxugar a baba que escorria de sua boca. Perguntei a um bispo por que insistiam em envolver o papa em atividades cansativas e difíceis como aquela. Ele me explicou que o próprio papa insistia em participar de tudo.

No sábado, li na última página de “L’Osservatore Romano” um artigo de página inteira sumarizando e comentando as conferências que haviam sido feitas, inclusive a minha. Concluía com uma crítica severa do capitalismo, o que não quer dizer que Woytila fosse comunista, nem que fosse de esquerda ou de direita.

A imensa maioria das pessoas e dos críticos ignora completamente que a Igreja tem sua própria doutrina social, como Bento XVI mostrou em sua análise da alienação no livro que escreveu sobre Jesus. E Francisco manifestou claramente em seu expresso e consistente apoio ao grupo de economistas e executivos de empresas da chamada Economia de Francisco, em alusão a São Francisco de Assis, o santo dos pobres que inspirou o nome escolhido por Bergoglio.

Francisco, nestes 51 dias de sua nova vida, teve atividades notoriamente difíceis. Não morreu antes do tempo. Visitou os presos do Presídio Regina Coeli e conversou com um grupo de 70 deles.

Na Páscoa, apareceu e saudou a multidão da “loggia” da Basílica de São Pedro e em seguida, num papamóvel, apareceu na praça para saudar diretamente as pessoas, segurar-lhes a mão, beijar, abençoar e acariciar bebês. Bergoglio estava enfermo, mas não seu carisma.

Com minha esposa, estive numa de suas audiências coletivas na praça de São Pedro. Terminada a celebração religiosa, em vez de recolher-se de volta para casa, foi caminhando para a praça, parava para conversar com diferentes grupos. Ficou mais de uma hora andando por ali.

Em 2013, quando veio ao Brasil para o Congresso Mundial da Juventude, imediatamente após sua eleição, participou de uma celebração numa favela. Após a qual saiu a caminhar por uma viela e subir o morro, quando viu uma pequena igreja pentecostal, Rosa da Sarom.

O jovem pastor havia aberto o templo para que as pessoas que vieram para a celebração do papa pudessem usar os banheiros e servir-se da água fresca colocada em potes. Francisco entrou, cumprimentou o jovem pastor e juntos fizeram a oração do “Pai Nosso”. “Ele rezou por mim, e eu orei por ele”, comentou o pastor da igreja.

*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de “Sociologia do desconhecimento - Ensaios sobre a incerteza do instante” (Editora Unesp, São Paulo, 2022)

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