Larissa Lopes, GALILEU
11 mulheres negras brasileiras pioneiras em cultura,
política e ciência
Tereza de Benguela, Carolina de Jesus, Sônia Guimarães...
Conheça as histórias de mulheres que influenciaram e mudaram a história do país
Você sabia que a primeira atriz brasileira a receber
indicação em um festival internacional de cinema foi Ruth de Souza, ativista e
pioneira no movimento artístico negro? Ou que, um século antes desse feito, a
maranhense Maria Firmina dos Reis, filha de uma escravizada alforriada, se
tornava a primeira mulher romancista do país?
Essas e outras histórias compõem o livro Narrativas Negras,
iniciativa criada por um coletivo homônimo que reúne 70 brasileiras com um
único objetivo: resgatar e divulgar a trajetória de mulheres negras que
influenciaram a cultura do país.
Junto a elas, mais de 800 pessoas se mobilizaram para tornar
o livro uma realidade, arrecadando R$ 45.147, até o início de agosto de 2020,
para a produção de mil exemplares, equivalente a 205% da meta proposta em março
daquele ano. "Esses 205% vieram só para acrescentar e mostrar o quão
grande é o que estamos criando e quantas pessoas acreditam nessa
iniciativa", comemora Isadora Ribeiro dos Santos, UX designer e uma das
líderes do coletivo.
Pouco conhecidas, as histórias dessas mulheres têm ganhado
visibilidade por meio de coletivos como o Narrativas Negras e de pesquisas que
têm resgatado cada vez mais informações sobre personalidades importantes, como
Carolina de Jesus, e símbolos de resistência, a exemplo de Dandara dos Palmares
e Tereza de Benguela.
A seguir, confira os feitos de 11 mulheres negras que
influenciaram (e influenciam até hoje) a cultura e a política do país:
1. Dandara dos Palmares (século 17)
Líder feminina do Quilombo dos Palmares, Dandara era
companheira de Zumbi dos Palmares, com quem teria tido três filhos. Ao longo de
décadas, a matriarca participou de decisões políticas e militares em prol da
luta pela abolição da escravatura e assumiu o compromisso de lutar pela
liberdade das cerca de 30 mil pessoas que chegaram a compor o quilombo.
Resistiu ao poder do colonizadores europeus até sua morte:
acredita-se que ela teria se jogado de uma pedreira para que as forças
militares que tomaram o quilombo no fim do século 17 não a capturassem e a
escravizassem novamente.
2. Tereza de Benguela (século 18)
Parceira de José Piolho, líder do maior quilombo do Mato
Grosso, Tereza de Benguela assumiu o comando do refúgio após a morte do
companheiro. Por duas décadas, ela esteve à frente das decisões políticas,
econômicas e administrativas do grupo, que era formado por negros e indígenas
que resistiam à escravidão.
A estrutura do Quilombo do Quariterê (ou do Piolho)
compreendia um parlamento para discutir questões da população local, sistemas
de defesa e também de cultivo, como algodão, feijão e milho.
Com o sucesso da organização do quilombo, ela ficou
conhecida como Rainha Tereza e se tornou símbolo de resistência. Desde 2014, é
celebrado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra em 25 de
julho.
3. Maria Firmina dos Reis (1822 - 1917)
Nascida em São Luís do Maranhão, a professora Maria Firmina
dos Reis é conhecida como a primeira romancista do Brasil. Seu único livro,
Úrsula, de 1859, é considerado a primeira obra literária brasileira a fazer
críticas à escravidão, superando O Navio Negreiro (1870), de Castro Alves, e A
Escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães.
Nascida em São Luís do Maranhão, a professora Maria Firmina
dos Reis é conhecida como a primeira romancista do Brasil. Seu único livro,
Úrsula, de 1859, é considerado a primeira obra literária brasileira a fazer
críticas à escravidão, superando O Navio Negreiro (1870), de Castro Alves, e A
Escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães.
Apesar de ter sido bem recebida pela crítica local em sua
época, a publicação acabou sendo esquecida — até ser reencontrada em 1962 pelo
historiador Horácio de Almeida em um sebo.
Com poucos registros sobre sua história, boa parte da vida
de Maria Firmina permanece um mistério para os pesquisadores. Sabe-se que era
filha de uma escravizada alforriada e um homem negro. Depois de ficar órfã, foi
viver em Guimarães, no litoral maranhense, com uma tia.
Trabalhou como professora de primário até 1881, quando se
aposentou. Um ano antes, fundou a primeira escola mista do Maranhão, onde
crianças eram alfabetizadas gratuitamente. Ainda como autora, escreveu diversos
textos em jornais, deixando clara sua posição abolicionista.
4. Antonieta de Barros (1901 - 1952)
Nascida em Santa Catarina, a educadora Antonieta de Barros
foi uma importante política na luta contra o racismo e o machismo na região
Sul. Recém-formada na Escola Normal Catarinense, instituição que preparava
professores na época, criou em 1922 um curso para alfabetizar a população
carente. Também fundou o jornal A Semana, em que publicava seus artigos sobre
educação e desigualdade racial e de gênero.
Seu ingresso na política começa concomitantemente ao
sufrágio feminino no Brasil. Conquistado em 1932, o direito ao voto estendido
às mulheres foi consolidado na Constituição em 1934, ano em que Barros se
tornou suplente do Partido Liberal Catarinense (PLC).
Como o engenheiro agrônomo Leônidas Coelho de Souza não pôde
assumir o cargo, a educadora cumpriu o mandato de 1935 a 1937, tornando-se a
primeira deputada de Santa Catarina e a primeira deputada negra do Brasil.
Em 19 de julho de 1937, conquistou outro feito: tornou-se a
primeira mulher a presidir uma sessão da Assembleia Legislativa no Brasil.
5. Laudelina de Campos Melo (1904 - 1991)
Obrigada a trabalhar como empregada doméstica desde os 7
anos de idade, Melo se envolveu no movimento sindical e na luta contra o
racismo ainda jovem. Aos 16 anos, já havia sido nomeada presidente do Clube 13
de Maio, um projeto voltado para recreação de jovens negros na cidade de Poços
de Caldas, em Minas Gerais. Na época, trabalhava para criar os cinco irmãos ao
lado da mãe e na ausência do pai, falecido quando ela tinha 12 anos.
Aos 18 anos, mudou-se para São Paulo, onde construiu sua
própria família e fortaleceu o movimento por direitos das empregadas
domésticas. Em 1936, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro e fundou a
primeira Associação de Trabalhadores Doméstico do Brasil, em Campinas, no
interior paulista. Entre 1937 e 1946, suas atividades foram interrompidas por
conta das normas estabelecidas durante o Estado Novo. A instituição deu origem,
em 1988, ao sindicato da classe.
Sua trajetória foi relembrada em Laudelina: Lutas e
Conquistas, documentário de 2015 produzido pelo Museu da Cidade e o Museu da
Imagem e Som, ambos da Secretaria Municipal de Cultura de Campinas.
6. Carolina de Jesus (1914 - 1977)
Filha de pais analfabetos, Carolina cresceu no interior de
Minas Gerais e teve a oportunidade de começar a estudar aos 7 anos. Frequentou
o Colégio Allan Kardec, a primeira escola espírita do Brasil, com o auxílio
financeiro de uma mulher para quem sua mãe trabalhava como lavadeira. Em pouco
tempo, aprendeu a ler e a escrever, conquistas que mudariam sua vida e a
história da literatura brasileira.
Em 1947, mudou-se para São Paulo com seus três filhos. Viveu
como catadora na favela do Canindé, onde começou a escrever suas memórias no
que se tornaria seu primeiro livro: Quarto de despejo, publicado em 1960. O
livro foi um sucesso de vendas, traduzido para 13 idiomas e distribuído para
mais de 40 países.
Em vida, publicou mais dois livros, Casa de Alvenaria (1961)
e Pedaços de Fome (1963). Desde sua morte, em 1977, muitas outras obras e
estudos têm sido publicados sobre seu legado literário, que deu visibilidade à
população em vulnerabilidade social.
7. Ruth de Souza (1921 - 2019)
Criada em uma fazenda no interior de Minas Gerais até os 9
anos da idade, Souza começou a se interessar pela atuação após se mudar para o
Rio de Janeiro e assistir a peças no Teatro Municipal da Cidade Maravilhosa. Em
1945, passou a atuar no Theatro Experimental do Negro, projeto liderado pelo
artista e professor universitário Abdias do Nascimento.
Em 8 de maio daquele ano, prestes a completar 24 anos,
estreou no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro com a peça O imperador
Jones. Pela performance, recebeu uma bolsa da Fundação Rockefeller para estudar
por um ano nos Estados Unidos.
Desde então, sua carreira cruzaria com a de vários
dramaturgos, escritores e autores, como os brasileiros Jorge Amado e Anselmo
Duarte, o norte-americano Edmond Bernoudy e o argentino Tom Payne.
Este último dirigiu Sinhá Moça, filme de 1953 em que Souza
interpretava a personagem Balbina. Sua performance a tornou a primeira atriz
brasileira a ser indicada em um festival internacional de cinema, o de Veneza.
Em 1954, a artista concorreu ao Leão de Ouro de Melhor Atriz
com a francesa Michèle Morgan, a norte-americana Katharine Hepburn, até hoje a
atriz que ganhou mais Oscars, e a alemã Lilli Palmer, que saiu vencedora por
apenas dois pontos à frente de Souza.
8. Marli Pereira Soares (1954)
Intitulada Tenho pavor de barata, de polícia não, a
autobiografia da empregada doméstica que se tornou um do maiores símbolos da
resistência contra a ditadura militar, explica bem por que Marli Pereira Soares
ficou conhecida como Marli Coragem.
No dia 13 de outubro de 1979, ela testemunhou seu irmão
Paulo Pereira Soares, de 18 anos, ser morto com 12 tiros pela polícia militar.
Valente, denunciou o caso na delegacia de Belford Roxo, no Rio de Janeiro, onde
passou a fazer reconhecimentos quase que diariamente para identificar os
algozes de Paulo.
Durante sua luta por justiça, Marli sofreu constantes
ameaças. Sua casa foi saqueada e incendiada e sua família voltou a ser vítima
de violência policial. Em 13 de janeiro de 1993, seu filho Sandro foi
assassinado aos 15 anos e, três meses mais tarde, Luiz Carlos Fusco, afilhado
de Marli, foi executado por policiais do 18º BPM, aos 18 anos. O atual
paradeiro de Marli é desconhecido.
9. Sonia Guimarães (1957-presente)
Filha de um tapeceiro e uma comerciante, Guimarães deixou
sua casa em Brotas, interior de São Paulo, em 1976, quando foi aprovada em
Licenciatura em Ciências na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Aluna
de destaque desde os tempos de escola pública, na faculdade não foi diferente.
Concluiu especialização em química e tecnologia de materiais
e fez mestrado em física aplicada. Em 1986, uma década após ingressar no ensino
superior, mudou-se para a Inglaterra para cursar doutorado em Materiais
Eletrônicos na Universidade de Manchester, onde saiu formada como a primeira
mulher negra brasileira a ser doutora em Física.
Desde 1993, Guimarães é professora do Instituto Tecnológico
de Aeronáutica (ITA), onde leciona física experimental e também discute as
desigualdades raciais e de gênero na ciência, especialmente nas áreas de
exatas. “[O ITA] É uma instituição conservadora, masculina e branca. Mas aos
poucos estamos ganhando espaço. Isso tudo era restrito e anos de exclusão são
revertidos aos poucos", disse, em entrevista ao G1, em 2018. "O
conservadorismo pode até desacelerar esse processo, mas hoje já não é mais
capaz de nos parar”, disse.
Além da carreira como cientista, Guimarães também palestra
para vítimas do racismo e machismo, motivando várias pessoas a persistirem em
seus sonhos e carreiras. A física também é membro de diversas instituições,
como a Sociedade Brasileira de Física, a Associação Brasileira de Pesquisadores
Negros (ABPN) e a Afrobras, organização não governamental pela inserção social,
econômica, educacional e cultural de jovens negros.
10. Marielle Franco (1979 - 2018)
Criada na favela do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro,
Marielle Franco despontou como uma das principais vozes defensoras dos direitos
de mulheres, negros e da comunidade LGBTQI+ no Brasil. Socióloga formada pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, defendeu seu mestrado em
Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense sobre a intervenção
militar nas favelas do RJ.
Em 2017, tornou-se vereadora da cidade do Rio de Janeiro,
sendo a quinta mais votada no município. Infelizmente, a ativista não pôde
completar seu mandato porque, em 14 de março de 2018, foi executada com três
tiros na cabeça e um no pescoço ao lado do motorista Anderson Pedro Mathias
Gomes. Seu assassinato repercutiu em todo o mundo, escancarando a violência e
perseguição sofridas por ativistas sociais e políticos. Sua morte continua sob
investigações, apesar de tentativas de obstrução por parte de policiais e
políticos suspeitos.
Após sua morte, sua família criou o Instituto Marielle
Franco para garantir formação política à mulheres e à população que vive em
favelas. Em 2019, recebeu postumamente o Diploma Bertha Lutz, um reconhecimento
dado pelo Senado Federal àquelas que contribuíram para o avanço das questões de
gênero no país.
11. Marta da Silva Vieira (1986)
Mais conhecida apenas como Marta, a jogadora nascida em Dois
Riachos, no interior de Alagoas, é a maior artilheira da história Seleção
Brasileira. Somando 110 gols, a marca supera a de todos os homens e mulheres
que já vestiram a camisa canarinho.
Além disso, Marta também já foi escolhida seis vezes a
melhor jogadora do mundo (nos anos de 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2018),
outro feito que ainda não foi superado por nenhum outro futebolista, brasileiro
ou estrangeiro.
“Em todo o mundo, hoje, as mulheres estão demonstrando que
podem ter sucesso em papéis e posições anteriormente mantidas para os homens. A
participação das mulheres no esporte e na atividade física não é exceção",
disse Marta em 2018, quando se tornou embaixadora da ONU Mulheres.
"Por meio do esporte, mulheres e meninas podem desafiar
normas socioculturais e estereótipos de gênero e aumentar sua autoestima,
desenvolver habilidades de vida e liderança; elas podem melhorar sua saúde e
posse e compreensão de seus corpos; tomar consciência do que é violência e como
evitá-la, procurar serviços disponíveis e desenvolver habilidades econômicas”.
Ilustrações do livro Narrativas Negras, que
homenageia e conta a história de 40 mulheres negras que mudaram a história do
Brasil (Foto: Narrativas Negras)
Texto publicado na GALILEU em 12 AGO 2020 - 12H41
ATUALIZADO EM 10 AGO 2022 - 17H00