Renata Galf,
Folha de S.Paulo
Zambelli diz se arrepender de dia da perseguição armada e
se vê abandonada por Bolsonaro
Com maioria no STF para condená-la e cassá-la, deputada
diz que esperava apoio de ex-presidente
São Paulo A deputada federal Carla
Zambelli (PL-SP)
diz se arrepender do episódio
em que perseguiu um homem com arma em punho na véspera da eleição de
2022 em São
Paulo. "Devia ter entrado no carro e ido embora."
Ela se vê abandonada por Jair
Bolsonaro (PL), de quem era uma das principais aliadas, e discorda do
ex-presidente, que credita a ela a derrota para Lula (PT)
naquele pleito. "Não só eu como outras pessoas também perderam a amizade
do presidente no momento que precisaram", afirma.
Na última semana, o STF (Supremo
Tribunal Federal) formou
maioria para condená-la a 5 anos e 3 meses de prisão em regime
semiaberto e à perda de mandato por porte ilegal de arma de fogo e
constrangimento ilegal com emprego de arma. O julgamento está suspenso.
Porta-voz de destaque do discurso bolsonarista contra urnas,
ela ainda buscará
reverter, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), uma condenação por
desinformação.
Para representar a direita na eleição de 2026, Zambelli
defendeu os nomes de Michelle e Eduardo
Bolsonaro (PL-SP). Após a entrevista, a deputada procurou a reportagem
e disse ter mudado de ideia sobre a resposta, afirmando ser muito cedo para
falar sobre um cenário ainda não definido.
Como a sra. define seu momento atual?
Estou num momento mais difícil politicamente falando. Nunca imaginei passar por
uma situação dessa. Uma possível prisão, por um crime que não cometi. Considero
isso uma perseguição política.
Na última segunda-feira, o ex-presidente
Bolsonaro disse ‘a Carla Zambelli tirou o mandato da gente’, sobre o
episódio com a arma. Como avalia essa fala?
Eu discordo do presidente Bolsonaro. Eu acho que atrapalhou, sim. Mas não teve
vários dias de divulgação dessa imagem. Foi simplesmente meio dia. Não acho que
tanta gente tenha mudado de opinião em relação ao voto que daria.
É um peso bastante grande ter ouvido aquilo. Pesou bastante
nas minhas costas. Na verdade, desde 2022 enfrento depressão por causa desse
episódio e tive vários momentos bem ruins. Ter ouvido isso dele me deixou
bastante chateada.
A sra. se vê, de certa forma, abandonada pelo
ex-presidente Jair Bolsonaro?
Sim.
O que a sra. esperava?
Acho que esperava apoio. Desde 2013 eu apoio o Bolsonaro. Antes como ativista,
nas causas dele, ajudei na eleição de 2018. Durante todo o governo. Acho que eu
fui uma das pessoas mais linha de frente dentro do Congresso para poder
defender o governo, o presidente.
Esperava ter algum tipo de retribuição em relação a isso. Ou
seja, contar com a amizade dele nesse momento difícil. Mas acho que não só eu
como outras pessoas também perderam a amizade do presidente no momento que
precisaram.
A sra. pretende ir em algum ato a favor de Bolsonaro,
como no dia 6 de abril na av. Paulista?
Não, eu não vou no dia 6 de abril, porque é sobre anistia. Se chegar na Câmara
para votar, vou votar a favor da anistia, mas não posso agora me colocar em
risco no meio do meu julgamento.
E manifestações a favor do ex-presidente que venham a
acontecer fora essa?
Não sei, ainda não pensei em ir ou não, mas a princípio não.
Em 2023, em entrevista à Folha, a sra. disse que
Bolsonaro deveria ter sido claro sobre o que pensava, dizendo para as pessoas
saírem dos quartéis, e também que ele deveria estar no Brasil para liderar a
oposição. Mantém essa avaliação?
Mantenho. Acho que ele tinha que estar no Brasil e tinha que ter falado para as
pessoas saírem de frente do quartel.
Devia ter esclarecido, ou ter feito a live lá de fora,
falado 'já tô fora do Brasil, agora não tem mais chance de voltar atrás', e
pedir para as pessoas irem embora. Isso evitaria o que aconteceu depois.
O ex-presidente ainda se coloca como possível candidato,
apesar de estar inelegível. Como a sra. vê o cenário
para 2026, quem poderia representar a direita?
Tem a Michelle, a esposa do Bolsonaro, que é uma excelente candidata. Eu acho
que é uma pessoa boa e que deveria ter o apoio do presidente. O Tarcísio [de
Freitas] também é outra opção.
Só espero que a gente tenha isso tido com antecedência, que
nos digam com antecedência para a gente poder trabalhar.
Ele [Tarcísio] hoje é uma pessoa que agrada também a
esquerda, agrada o sistema, porque ele tem uma certa entrada pelo STF, tem
amizade com alguns ministros. Acho que talvez o Tarcísio seja um bom nome na
perspectiva do Bolsonaro.
E na sua perspectiva?
O Eduardo [Bolsonaro] é um bom nome, mas não sei se ele teria o apoio da
população como um todo. E a própria Michelle, eu gosto muito do nome dela.
Independente do que o Bolsonaro falou sobre mim.
Tarcísio, então, como preferência pessoal, a sra. não
apontaria?
A princípio, não.
O ex-presidente Bolsonaro
se tornou réu no caso da trama golpista. Como a sra. vê essas acusações,
especialmente envolvendo a minuta
de estado de defesa e de sítio?
Acho que é absurdo. Como é que um artifício, uma lei que está dentro da
Constituição Federal, pode ser golpe? Acho que não tem nada a ver.
Primeiro, porque não foi colocado de fato. Pode ter sido
aventado, mas não foi colocado em votação. E segundo que não houve golpe. O
Lula teve o poder, pegou o poder e continuou no poder numa boa.
O que teve foi uma manifestação com alguns vândalos, com
outras pessoas também defendendo bastante os lugares. Não acho que teve nada a
ver com o golpe que aconteceu no final de 2022 e início de 2023.
E sobre as minutas?
Eu recebi uma minuta. Era uma espécie de um decreto, uma coisa assim, e
perguntei na época para uma das pessoas do jurídico do presidente Bolsonaro, do
Palácio do Planalto, e ele me disse que era fake.
Não acho que o Bolsonaro, algo que está impresso, ou que
eventualmente chegou na mão dele… Chegou na minha mão também, e nem por isso eu
tinha algum envolvimento com o golpe.
Segundo as investigações, não tinha indício ou prova de
fraude em 2022. A sra. considera que havia elementos para implementar um estado
de sítio, de defesa ou mesmo o artigo 142?
Não, não acho. Mas também não acho que é crime você estudar o assunto.
No fim de novembro de 2022, a sra. divulgou um vídeo em
que dizia, "Dia 1º de janeiro, srs. generais quatro estrelas, vão querer
prestar continência a um bandido ou à nação brasileira? Não é hora de responder
com carta se dizendo apartidário. É hora de se posicionar. De que lado da
história vocês vão ficar?". O que a sra. queria dizer com ‘é hora de se
posicionar’?
Acho que era o momento de os generais dizerem se Lula era bandido ou não.
No dia seguinte ocorreu uma audiência
no Senado sobre supostos indícios de fraudes nas urnas, em que se
falou sobre eventual uso do artigo
142, e em que a sra. estava. O contexto do vídeo era de outro tipo de
posicionamento.
Não posso falar sobre isso, porque é motivo de um processo contra mim e que
ainda está acontecendo [no STF].
O relatório da PF em que o ex-presidente foi indiciado
afirma que a sra. foi citada
no depoimento do ex-comandante da Aeronáutica Baptista Jr. e que teria dito
a ele: ‘Brigadeiro, o sr. não pode deixar o presidente na mão’. O que a sra.
quis dizer?
Na verdade, eu falei em dar força para o presidente. O presidente tinha perdido
as eleições e
eu falei para ele dar uma força para o presidente. Ele, na época, não respondeu
nada. E ele diz na Polícia Federal que respondeu que não faria nada de ilegal,
alguma coisa assim. Ele não respondeu isso. Ele mentiu no depoimento dele.
Ele ficou em silêncio?
Não, ele falou alguma outra coisa que eu não me lembro bem o quê, que faz muito
tempo. [Se ele tivesse dito isso] teria dito 'eu não tô te pedindo para fazer
nada ilegal'.
Quando a sra. diz dar uma força para o ex-presidente,
havia uma expectativa de que houvesse algum caminho para que ele ainda se
mantivesse no poder?
Existia, sim. Existia a possibilidade, por exemplo, do artigo 142 colocar não
ele no poder, né, mas as Forças Armadas no poder, para depois fazer uma nova
eleição e tal com urna impressa.
Mas assim eram comentários de algumas pessoas e que a gente
não via de fato acontecer isso de verdade, não tinha nenhuma ação para isso
acontecer.
Mas houve reuniões e conversas dentro do governo, segundo
as investigações. A sra. está dizendo que isso não aconteceu…
Não participei. A gente ouvia dizer, né, ouvia falar, mas não participei de
nada.
'Dar uma força' poderia estar dentro de um eventual uso
do artigo 142?
Não falei nada que pudesse dar a entender que seria isso.
A sra. foi condenada
a cassação e inelegibilidade no TRE-SP e tem maioria pela
condenação no
STF no caso da arma. Acredita que vai conseguir reverter esses casos na
Justiça?
No caso da cassação, a gente tem o TSE agora,
para recorrer. É lógico que as chances são baixas, mas a gente vai recorrer e
vai tentar. [Senão] Não só eu perco o mandato, mas os deputados que foram
levados com os meus votos.
Em relação à condenação do STF por porte ilegal, ainda tenho
sim esperança. Acho que o Gilmar Mendes,
o ministro relator, e os outros ministros que já votaram, eles eventualmente
podem não ter visto meu porte [de arma] lá na minha defesa, mas eu tinha porte
federal. [Gilmar aborda esse argumento em seu voto]
[No caso das armas] A sra. considera que a situação
naquele dia foi proporcional ao que aconteceu?
Foi proporcional porque teve um tiro. E no momento que teve o tiro e que o
policial caiu no chão, ele [Luan Araújo, o homem perseguido] estava em
flagrante delito, o policial tinha dado voz de prisão para ele. Eram quatro
homens que não só me ofenderam, cuspiram em mim, me xingaram, empurraram meu
filho e me empurraram também.
Aí, quando ele foge e eu escuto o tiro, eu só saco a arma
depois do tiro. Então, ela foi proporcional, porque quando tem um tiro, você
pode sacar sua arma... Na verdade, até antes do tiro eu poderia sacar a arma,
né?
Depois a gente ficou sabendo que o tiro tinha sido disparado
pelo próprio policial quando caiu. Mas eu, ouvindo um tiro, tenho como pensar
que pode ter sido outra pessoa. Então, acho que foi proporcional, sim. Pegando
todo o contexto, não acho que eu estava errada.
No vídeo, depois que ele tinha ofendido a sra, é no
momento que ele já está se afastando em que a sra. começa a correr atrás dele.
É o momento que eu caio. Na verdade ele não está se afastando. O carro dele
estava no lado contrário, pelo qual ele tava andando.
O que aconteceu foi que ele me chamou de prostituta e na
hora a cabeça ferveu e eu queria bater nele. Minha ideia ali nunca era sacar a
arma. Era trocar soco com ele, a princípio. E depois que teve o tiro, eu tirei
a arma.
Aquilo ali foi só uma atitude infeliz que eu tive de ir
atrás dele. Infelizmente, ali foi onde eu errei, de querer trocar as tapas,
soco, com o homem. Eu jamais ia ganhar um negócio desse.
Como mulher eu deveria ter ido embora, ter cuidado da minha
vida, ter aguentado...[Mas] naquele dia eu tinha passado a madrugada recebendo
muita ameaça de morte. E aquele alerta que eu estava acabou prejudicando o meu
julgamento.
Caso a sra. não consiga reverter a inelegibilidade,
pretende voltar para a política depois?
Pretendo, em 2030. Não vão se livrar tão cedo de mim.
Tem algo na sua trajetória na política que a sra. se
arrepende ou faria diferente?
Esse dia de ter ido atrás desse rapaz. Devia ter entrado no carro e ido embora,
como fazia sempre todas as vezes que tentavam, até hoje, que tentam brigar
comigo na rua. Esse dia foi o único dia que eu não saí, infelizmente. Mas me
arrependo, deveria ter saído.
E mais alguma coisa?
Ter confiado ou me doado demais por algumas pessoas.
Alguém em específico?
Não. Eu não me arrependo de ter ajudado o Bolsonaro, sabe? Algumas pessoas
podem achar que eu posso me arrepender. Eu não me arrependo, não. E vou continuar
defendendo ele no que eu achar que é certo.
RAIO-X | Carla Zambelli, 44
Ativista fundadora do grupo Nas Ruas, ganhou notoriedade nos
protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT). Foi eleita deputada federal
pelo PSL em 2018 e reeleita pelo PL em 2022. É gerente de projetos, formada em
planejamento estratégico empresarial na Universidade Nove de Julho.