sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

RELEMBRANDO MANDELA

Da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)

Nelson Mandela: 12 anos da morte do gigante que combateu o Apartheid na África do Sul

Neste dia 5 de dezembro de 2025, completam-se doze anos da morte de Nelson Mandela, o gigante sul-africano que encarnou a luta pela liberdade e justiça, combatendo o Apartheid na África do Sul. O ex-presidente do país, que morreu em 2013, aos 95 anos, em Johanesburgo, é lembrado como um dos maiores estadistas do século 20.

Nelson Rolihlahla Mandela nasceu em 18 de julho de 1918, na província de Mvezo. Sua origem remonta ao clã Xhosa, pois seu pai, Henry Gadla, descendia de Thembu, um chefe local. Filho da terceira esposa de Gadla, Nosekeni Fanny, Mandela era o quarto de treze filhos. Ele cresceu em uma região agropastoril, seguindo tradições, e recordava que sua educação vinha de “ouvir as conversas dos mais velhos”. Aos 12 anos, perdeu o pai e, seguindo os passos maternos, frequentou uma escola missionária metodista.

Em 1939, ingressou na Universidade de Fort Hare, outra instituição cristã, como um dos 50 estudantes negros. Sua revolta contra a segregação racial o levou ao envolvimento na política estudantil e, posteriormente, à mudança para Johanesburgo. Ali, como jovem estudante de Direito, ele aderiu decididamente aos movimentos pelo fim do Apartheid. O Apartheid era o regime político sul-africano que negava direitos políticos, sociais e econômicos à população negra em favor da minoria branca.

A adesão ao Congresso Nacional Africano (CNA) ocorreu em 1942. Embora o movimento estivesse inicialmente comprometido apenas com atos não violentos, a brutalidade do regime forçou uma mudança de tática após o massacre de Sharpeville, em 21 de março de 1960. Naquele episódio, 69 manifestantes negros desarmados foram mortos e 180 ficaram feridos pela polícia sul-africana. A ilegalização subsequente do CNA e de outros grupos anti-apartheid também contribuiu decisivamente para a mudança do movimento contra a segregação racial.

Extensão armada

Em 1961, Mandela passou a comandar o Umkhonto we Sizwe, extensão armada do CNA, coordenando uma campanha de sabotagem contra alvos militares e do governo. Sua prisão ocorreu em agosto de 1962, sentenciado a cinco anos por incentivar greves e viajar ilegalmente ao exterior. Em um segundo julgamento, em 12 de junho de 1964, foi condenado à prisão perpétua por planejar ações armadas e, alegadamente, por conspiração para auxiliar a invasão da África do Sul por outros países — acusação esta que ele negou ter feito.

Durante os 27 anos de encarceramento, Mandela transformou-se no principal símbolo da resistência ao regime racista. Manifestações e cânticos mundiais clamavam por sua liberdade. Sua libertação veio em 1990, por ordem do então presidente Frederik Willem de Klerk, no auge da pressão internacional, e o CNA também foi tirado da ilegalidade. Aos 73 anos, com a queda do violento presidente Pieter Botha e a decadência do regime, Mandela assumiu a liderança da reconstrução sul-africana. Em 1993, em reconhecimento aos esforços desenvolvidos no sentido de acabar com a segregação racial, ele e De Klerk receberam o Nobel da Paz.

Ao ser liberto, discursando para uma multidão na Cidade do Cabo, Mandela resumiu seu ideal: “Tenho lutado contra a dominação branca, mas não pela dominação negra”. Ele acolheu o “ideal de uma sociedade democrática e livre na qual todas as pessoas vivam juntas, em harmonia e com oportunidades iguais”. Afirmou que era um ideal pelo qual esperava viver e alcançar, mas que, se necessário, estava preparado para morrer.

Dura vigilância

O homem de modos elegantes, submetido a quase três décadas de dura vigilância na prisão, não se deixou quebrar pelo regime racista. Mandela preservou sua mente e sua alma, saindo da prisão sem o rancor que poderia ser esperado, mas sim com a consciência da necessidade de evitar a fragmentação do país e um banho de sangue. Ele se preparou para governar a África do Sul como uma voz sábia em prol da justiça e da liberdade, erguendo-se como um dos grandes personagens do século 20. Retornando ao princípio da não-violência com o qual havia começado, Mandela foi capaz de liderar o país no difícil caminho para fora da segregação racial.

Para garantir a união nacional, seu governo instituiu as comissões da verdade e da reconciliação, encarregadas de investigar as atrocidades cometidas não só pelo regime do Apartheid, mas também pelos grupos que lutavam contra o governo. A condição para a anistia dos crimes era a confissão perante as comissões, em audiências públicas. Esse processo de revelação da verdade possibilitou que o país começasse a se curar dos longos anos de profunda violência e injustiça.

Apesar do respeito internacional, da popularidade e de sua boa saúde, o líder sul-africano optou por não se perpetuar no poder, dando novamente um exemplo ao mundo. Mandela governou por apenas quatro anos, de 1994 a 1999, traçando o rumo para a nação, que ainda hoje lida com enormes desafios socioeconômicos e alto índice de desigualdade.

A vida pública de Mandela chegou ao fim em junho de 2004, quando ele tinha 85 anos, embora tenha mantido uma exceção para seu compromisso em lutar contra a Aids. Desde então, recebeu importantes e sucessivas homenagens. Em sua vida, visitou o Brasil em 1991 e em 1998, ocasião em que esteve no Senado Federal. Mandela se casou três vezes: primeiro com Evelyn Ntoko Mase (divórcio em 1957, após 13 anos de casamento); depois com Winnie Madikizela (divórcio em 1996, após 38 anos); e, no seu 80º aniversário, casou-se com Graça Machel, viúva de Samora Machel, antigo presidente moçambicano e aliado do CNA.

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*OS 90 ANOS DO QUERIDO GILVAN*

Ivan Alves Filho, Democracia Política

Nosso querido amigo e companheiro de tantos anos de lutas sociais, Gilvan Cavalcanti de Melo está completando precisamente hoje 90 anos de vida.

Posso afirmar que raramente conheci, ao longo dos meus 73 anos, uma figura humana tão extraordinária quanto ele.

Sindicalista, engajado no Partido Comunista já em meados da década de 50, conhecendo como ninguém o pensamento revolucionário de Antonio Gramsci, Gilvan transformou sua existência em obra de arte.

Amigo dos seus amigos, companheiro da nossa querida Graziela, Gilvan enfrentou todas as lutas possíveis. Da clandestinidade às prisões e torturas, do exílio à perda de entes queridos. E nunca se dobrou. O sorriso (assim como a dignidade e a coerência) é uma marca sua. Não por acaso, ele nasceu em solo pernambucano, de tão rica tradição cultural e política. 

Ainda atuante, Gilvan atinge, por intermédio de seu blog, centenas de milhares de pessoas por mês, um verdadeiro feito. Eu disse uma vez a seguinte frase a respeito do saudoso Nelson Werneck Sodré e repito ao Gilvan e aos seus inúmeros admiradores: parabéns e muito obrigado por você existir.

Ivan Alves Filho_

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O PIB MORNO POR FORA, FRIO POR DENTRO

Vinicius Torres Freire, Folha de S. Paulo

Resultado era esperado e PIB ainda deve crescer mais do que 2% neste 2025

Ritmo fraco aumenta ligeiramente as possibilidades de corte de juros em janeiro

A economia está ainda morninha por causa do desempenho daqueles setores que reagem menos ou pouco às andanças da atividade dita "doméstica" (mais nacional) ou às taxas de juros daqui. Isto é, indústria extrativa (petróleo e minérios), grande agropecuária e exportações. Por tabela, um setor que presta serviços a essas atividades, como transportes, logística, anda melhorzinho também, assim como a construção civil, empurrada por obras de infraestrutura e, menos, pelo Minha Casa Minha Vida. Mas, no geral, quanto à dita "absorção doméstica", o ritmo de crescimento baixou a níveis pré-Lula 3 ou pré-epidemia. É o que se depreende dos dados do PIB divulgados nesta quinta-feira (4) pelo IBGE.

PIB cresceu 0,1% no terceiro trimestre, em relação ao segundo (quando crescera 0,3%). Recentemente, chegou a cair 0,1% no quarto trimestre do ano passado, um quase nada. Não há desastre. Era esperado, por causa da alta de juros e esgotamentos da capacidade produtiva e de trabalho qualificado em certos setores.

É ritmo ainda compatível com um crescimento de pouco mais do que 2% neste 2025. É bem menos do que os por ora insustentáveis 3,4% de 2024 e bem mais do que os deprimidos 1,4% ao ano de 2017 a 2019. É medíocre, dados o nosso potencial e as nossas necessidades. Mas parecia impensável faz meros dois anos.

O consumo privado, "das famílias", cresceu 0,1% no trimestre, praticamente nada. O investimento aumentou 0,9%, um tanto distorcido por artificialidade contábil, depois de ter caído 1,5% no segundo trimestre. "Investimento": despesa em aumento de capacidade de produção de bens e serviços, em novas instalações produtivas, casas, softwares etc. Tudo somado e ponderado, dá perto de estagnação. Enfim, o aumento das exportações de bens e serviços e a contenção de importações deram alento ao PIB trimestral.

Dúvida maior de curtíssimo prazo é o tamanho da desaceleração até o ano que vem. Na mediana das previsões de economistas do setor privado, basicamente finança, "o mercado", o PIB cresceria 1,8% em 2026 (são as estimativas compiladas pelo Banco Central). Para o Ministério da Fazenda, deve crescer 2,4%. Além do erro esperado para previsões para período ainda tão distante, resta saber também qual será a composição desse PIB (se o crescimento é aquele mais sentido pela população, o que se reflete no consumo, ou se é empurrado por um fator tal como exportações, apenas para dar um exemplo didático). Pode ter relevância, embora a economia entre mesmo na veia da política por causa de preços e emprego.

Se não crescer nada no quarto trimestre, o que é provável, o PIB de 2025 ainda aumenta perto de 2,3%. Em sua estimativa mais recente, o BC previa 2%. Fica mais fácil ou difícil cortar a Selic? Pelos dados do PIB, fraco na "absorção doméstica" e pelos números do emprego, desacelerando mais em outubro, parece que não. Pelo menos até a tarde desta quinta, o resultado do PIB parecia favorecer quedas de juros na praça, embora o mercado mundial estivesse pesando mais por aqui.

No curtíssimo prazo, é isso. No mais, continuam todos os nossos problemas de investimento baixo, crédito caro, crescimento e juros voláteis, ineficiências, distorções tributárias, incerteza jurídica, escola ruim, dívida pública alta e milhões de pessoas empregadas em atividades de baixíssima produtividade (quando têm trabalho), um jeito de resumir motivos do nosso crescimento cronicamente baixo.

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SUPERTRUNFO CONSTITUCIONAL

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Liminar de Gilmar Mendes blinda ministros do STF e escala catimba constitucional

Mesmo que Judiciário e Legislativo evitem confronto final, instituições sairão desgastadas

Brasileiros descobriremos em breve qual Poder detém o supertrunfo, se é o Judiciário, ao qual cabe sempre a última palavra em disputas legais, ou se é o Legislativo, que tem a prerrogativa de alterar as próprias regras do jogo.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, deu mais uma esticada na corda da catimba constitucional ao decidir monocraticamente que só o procurador-geral da República pode propor o impeachment de ministros do STF, entre outras mexidas na lei 1.079/50.

Se o clima em Brasília já era tenso por causa das recentes desinteligências entre Lula e Alcolumbre em torno de qual prerrogativa é de quem, ficou agora tempestuoso com a liminar que dilui o poder do Senado de enquadrar juízes do Supremo. A decisão vai ao plenário virtual do STF, mas dificilmente será revertida. Um trunfo que nunca decepciona no Brasil é o do corporativismo.

Paradoxalmente, é boa a peça escrita por Gilmar. A análise política é acurada, sobretudo nas partes que tratam do constitucionalismo abusivo (usar normas constitucionais para erodir a Constituição). Também destacaria o competente resumo da evolução do instituto do impeachment, do surgimento na Inglaterra do século 14 até sua inclusão na Constituição americana de 1787, de onde o mecanismo irradiou-se para as Cartas de diversos países.

Se Gilmar agisse na capacidade de cientista social, eu subscreveria sua análise. Ocorre que ele é também um ator político que tomou uma decisão escandalosamente "pro domo sua". Ele editou a versão pró-STF da natimorta PEC da Blindagem, pela qual parlamentares tentaram escudar-se de investigações criminais.

Com isso, o magistrado deflagra uma corrida armamentista que não tem como terminar bem. A investida do Judiciário não ficará sem troco do Legislativo. Mesmo que os dois Poderes evitem um confronto final, o resultado será desgaste institucional.

O Brasil caminha para tornar-se um curioso caso de país cuja democracia esmorece sem que haja mais um candidato a ditador tentando eliminar o sistema de freios e contrapesos.

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DE GUARDIÃO À SUPREMA EXCEÇÃO

Dora Kramer, Folha de S. Paulo

Gilmar Mendes altera legislação e põe os magistrados na categoria de autoridades acima da lei

Supremo corre o risco de se igualar a parlamentares que atuam para ficar longe do alcance da Justiça

Não existe lei velha, lembra Gustavo Sampaio, professor de direito constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Existe a lei e, como tal, deve ser respeitada até que os legisladores decidam mudá-la em deliberação do Congresso Nacional. É a competência conferida ao colegiado pela regra da República.

Na visão do ministro Gilmar Mendes, contudo, a norma pode ser adaptada à conveniência dos ministros do STF, que temem retaliações políticas.

Sendo assim, o decano da corte achou por bem imprimir urgência ao assunto e decidiu retirar liminarmente o direito dos cidadãos e dos representantes dos estados no Senado de pedir o impedimento de magistrados supremos para conferir a prerrogativa exclusivamente ao procurador-geral da República.

Primeiro, não existe a presumida premência, a não ser na suposição de que a eleição de 2026 venha a colocar no Senado dois terços de perseguidores do Supremo —que teriam o poder de ignorar os requisitos legais para o impeachment, nenhum deles relacionado ao conteúdo de sentenças. Todos referentes a procedimentos perfeitamente passíveis de questionamentos.

Segundo, há a separação dos Poderes, que implica autonomia, harmonia, mas também exercício de controle mútuo. Daí ser função do tribunal em tela julgar parlamentares e destes a tarefa de analisar e decidir sobre impeachments de presidentes submetidos à mesma lei 1.079, vigente há 75 anos sem a contestação dos constituintes de 1988.

Não há justificativa republicana para que o Supremo seja deslocado do papel de guardião para o lugar de autoridade acima da lei. Neste raciocínio, nada impediria de amanhã os chefes do Executivo receberem o privilégio de ficarem fora do alcance dos cidadãos.

Aberto o precedente, o inferno é o limite para a restrição de direitos. Na próxima semana, o pleno do STF decide se acompanha ou não o decano. Caso dê aval, vai se igualar aos parlamentares que atuam para se proteger das consequências de seus atos na Justiça.

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IBIAÍ

Ivan Alves Filho*, Democracia Política

As estrelas, de tão nítidas e próximas, pareciam estar ligadas ao solo por fios invisíveis, como se balões noturnos fossem. Impossível, era praticamente impossível acreditar que aqueles pontos luminosos estivessem simplesmente soltos, flutuando no universo! Onde estavam os fios então? Que mágica seria aquela? Mais: onde se escondiam os moleques travessos soltadores de balões naqueles sertões recuados? Ou tudo não passaria de uma miragem - uma poética e esplendorosa miragem? 

"Uma coisa na cidade se perde: são as estrelas", escreveu certa vez Rachel de Queiroz, uma admiradora do céu do sertão. De um céu tão bonito e iluminado que continuaria assim mesmo sem a lua, mesmo sem a Estrela d'Alva. Até sem o Cruzeiro do Sul.

Esses pensamentos tomaram conta de mim quando me vi diante da beleza do céu de Ibiaí. Li uma vez que Ibiaí tem sua origem mais recuada no antigo povoado da Vila Risonha de Santo Antônio da Manga de São Romão. Pelo visto, guardou o eterno sorriso. Digo logo onde fica Ibiaí: trata-se de cidadezinha aprazível localizada no sertão das Minas Gerais, como que esparramada às margens caudalosas do rio São Francisco. O nosso bom e velho rio Chico, sobre o qual eu fiz um livro, na passagem para o século XXI. Fruto de uma viagem de muitos quilômetros pelos grandes sertões e pequenas veredas do rio, o livro praticamente mudou a minha vida: hoje, não penso em outra coisa a não ser em me embrenhar de vez pelas veredas de Minas Gerais, ouvindo seus rios, seu povo e suas matas.

Navegado por Américo Vespúcio, no longínquo ano de 1501, o velho Chico era conhecido pelo nome de Opará pelos índios que habitavam a região. Hoje, é o velho Chico dos violeiros e dos cantadores. Dos carranqueiros e dos pescadores. Das ceramistas e das bordadeiras. E também o Chico dos mineiros, dos baianos, dos pernambucanos e dos alagoanos. Dos homens e das mulheres. O Velho Chico para lá de brasileiro.

Eu fui parar em Ibiaí quando deixava a cidade de Pirapora, em demanda da casa onde se refugiou, por duas décadas seguidas, o temível capitão Rotílio Manduca, que inspirou o personagem Zé Bebelo, ninguém menos do que o protagonista de o Grande Sertão: Veredas. E pensar que o velho Guimarães Rosa caminhou por debaixo daquele céu estrelado de Ibiaí! O Rosa – eu estou totalmente convencido disso - orvalhou por lá. E espalhou seu perfume por toda aquela bonita região, por seus caminhos e segredos. O Rosa deve ser mais uma dessas estrelas penduradas no céu de Ibiaí. Que digo eu: o Rosa valia por toda uma constelação.

Pequenina tal qual um anel de ouro, Ibiaí é uma jóia do sertão de Minas. A cidadezinha tem histórias tão misteriosas e antigas quanto a luz de suas estrelas. E, como suas estrelas, Ibiaí tem brilho próprio - se não for ainda mais luminosa. 

*Ivan Alves Filho, historiador. 

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UMA IRRESPONSABILIDADE

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo 

Só no ambiente degradado de hoje é possível levar Michelle Bolsonaro a sério para a Presidência

Hipótese voltou à tona depois que ela peitou os enteados e a direção do PL e venceu

Assim como só uma sensação tão forte de perplexidade, desesperança e falta de alternativa poderia alavancar e garantir a vitória de Jair Bolsonaro em 2018, só num ambiente institucional tão degradado como o de hoje seria possível levar a sério o nome da sra. Michelle Bolsonaro para a Presidência.

Michelle é uma mulher bonita, que produziu a melhor imagem da posse do seu marido, discursando em libras, mas que experiência e qualificação pessoal, política, administrativa e intelectual ela tem para presidir o Brasil? Articular uma candidatura assim é uma irresponsabilidade com o País.

A hipótese voltou à tona depois que ela peitou os enteados e a direção do PL e venceu. Vetou pública e voluntariosamente a aliança do partido com Ciro Gomes no Ceará, foi confrontada, virou pivô de uma reunião de emergência do PL e... a aliança com Ciro foi para o brejo. Dizem, aliás, que só Bolsonaro segura Michelle, mas a percepção é o oposto: por mais que fique incomodado com sua evidência, ele é que só ouve a mulher.

Além da posse de 2019, Michelle roubou a cena ao discursar com desenvoltura no lançamento de Bolsonaro à reeleição, em 2022. E ela atende à demanda por mulheres em espaços de poder, tem base eleitoral evangélica e está em campanha, enquanto Tarcísio de Freitas, do Centrão, fica em cima do muro.

Só no ambiente degradado de hoje é possível levar Michelle Bolsonaro a sério para a Presidência

“Quem não tem cão caça com gato.” Michelle tende a disputar o Senado pelo DF, mas se torna plano B com Bolsonaro inelegível, Eduardo botando os pés pelas mãos, Flávio tirando a fantasia. Quem leva o sobrenome às urnas? E, enquanto a extrema direita bate cabeça no entra e sai dos Bolsonaro, o direitão, vulgo Centrão, não adere nem aos filhos nem à mulher do ex-presidente e busca não alternativas, no plural, mas “a” alternativa, no singular: Tarcísio.

Na prática, geraria uma inversão: em vez de coadjuvante do bolsonarismo, o Centrão assumiria o protagonismo, o que Bolsonaro não admite e inviabiliza uma chapa mista, por exemplo, com Tarcísio e Michelle. Essa chapa, ainda por cima, seria automaticamente carimbada de “chapa puro-sangue bolsonarista”. Adeus, eleitorado de centro-direita.

E um confronto entre bolsonarismo e Centrão em 2026? Há duas avaliações. A de que o racha efetivo na direita (diferente do acordão entre governadores) seria o melhor cenário para Lula e a de que a rejeição ao bolsonarismo empurrará o eleitorado da direita moderada para o candidato do Centrão.

Em qualquer hipótese, Michelle – como Jair, em 2018 – é fora de padrão, sem precedentes, foge às análises tradicionais e pode tornar a eleição de 2026 altamente imprevisível. •

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RENOVAR, A GRANDE TAREFA DE 2026

Artigo de Fernando Gabeira

Primeiro, é necessário convencer que o problema existe. Depois, a tarefa é reconhecer sua dimensão gigantesca, a ladeira que teremos de subir para resolvê-lo. No meu entender, esta é uma grande questão em 2026: como renovar o Congresso. Tudo na sua dinâmica atual conspira para que nada mude. O Congresso dispõe de mais de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares. Além disso, os partidos recebem cerca de R$ 5 bilhões para financiar a campanha eleitoral. Como pessoas da sociedade, sem recursos especiais, apoiadas apenas por grupos de amigos, conseguirão romper essa montanha de dinheiro? De um ponto de vista numérico nunca se conseguirá maioria. Mas é possível constituir um pequeno grupo suprapartidário que se articule com a opinião pública, consiga algumas pequenas vitórias e evite, por seu turno, decisões calamitosas.

Não se pode dizer que o Congresso foi inútil. Aprovou, por exemplo, a reforma tributária, num trabalho que envolveu todas as correntes. Mas o Congresso tornou-se um desafio democrático. A começar pelo avanço que fez sobre o Orçamento nacional. Nas democracias, são os Poderes Executivos que dispõem do dinheiro para realizar os projetos aprovados pelos eleitores. No Brasil, foi criado um sistema diferente. As emendas parlamentares foram executadas sem transparência. Podem ter sido redundantes, pois não havia um plano conjunto para aplicar esse dinheiro. E podem ter sido desviadas para o bolso dos próprios parlamentares.

Do ponto de vista da sintonia com o projeto brasileiro, o Congresso é um caso à parte. O Brasil organizou a COP-30 com muito sacrifício e se colocou como uma liderança ambiental, estimulando o avanço de outros países. Mal terminou a COP-30, o Congresso simplesmente demoliu um alicerce de nossa legislação ambiental, o capítulo do licenciamento. Numa só noite, deixamos de ser um país com ambições de liderança para sermos um país atrasado, sem normas de licenciamento nacionais, sem respeito à lei que fizemos para preservar um importante ecossistema, a Mata Atlântica.

Mesmo o episódio da indicação para vaga de ministro no Supremo Tribunal Federal (STF) revelou um nível de degradação. Ao discordar do nome escolhido pelo presidente — indicação discutível — o caminho não foi o da argumentação, mas do lançamento de pautas-bomba, destinadas a estourar o Orçamento.

Sob o argumento de firmar sua autonomia em relação ao Supremo, a Câmara decidiu, por exemplo, rever sentenças. Uma deputada é condenada a dez anos de prisão e à perda do mandato pelo STF. Na comissão da Câmara, em vez de respaldar a sentença, o relator resolveu contestá-la. Sua conclusão é a de que o Supremo condenou apesar da falta de provas. Além disso, sempre resolvem avaliar tardiamente o comportamento de um parlamentar. Houve casos, como o da ex-deputada Flordelis, que continuou a exercer seu mandato depois de ser acusada de matar o marido.

Para realizar essa gigantesca tarefa de renovar um organismo que ameaça a democracia porque leva o desencanto aos eleitores, é preciso mais do que grupos organizados, utilizando criativamente as redes sociais. Será preciso também corrigir a maneira como nós vemos a campanha política no Brasil. Todo o interesse se concentra na escolha presidencial. Poucos se importam com a disputa parlamentar. O resultado é sempre a eleição de um presidente e a de um bloco de deputados que o apoiam, mas que às vezes são eleitos apenas por estarem perto da campanha presidencial.

Os parlamentares que se elegeram com Bolsonaro, por exemplo, tinham como atrativo apenas a fidelidade ao seu líder. Foram incapazes de se orientar politicamente num Congresso confuso. É importante que deputados se definam quanto ao seu candidato à Presidência. Mas precisam oferecer mais do que fidelidade, no mínimo, uma contribuição original.

Ao longo desses anos, programas radiofônicos do tipo “bandido bom é bandido morto”, líderes religiosos, celebridades — tudo isso contribuiu para um Congresso com variações humanas, mas de uma pobreza política deplorável.

O ano que está diante de nós coloca esta tarefa histórica de elevar o nível do Congresso. Isso significa também uma conexão maior com o interesse popular, um intercâmbio mais rico com a própria sociedade.

Em 2013 tivemos um susto com aquele movimento que desprezava os políticos, em 2018, o sobressalto de uma eleição populista explorando exatamente o desencanto. Não é possível que não se tente aprender com a experiência histórica. Não quero dizer que 2013 e 2018 vão se repetir. Mas se não houver uma tomada de consciência dessa grande tarefa, nada impede que algo aconteça. E pode até ser pior do que vimos no passado.

Os próprios candidatos à Presidência terão de colocar na mesa essa questão, pedindo que não se concentre a atenção apenas neles. Quem vencer a eleição presidencial em 2026, se for sincero, precisará admitir que seus passos são limitados por um Congresso que não apenas tomou conta de grande parte do dinheiro, como reduziu o papel de um presidente eleito.

Artigo publicado no jornal Estadão em 05 / 12 / 2025

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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

TORNIQUETE DA DIREITA NÃO COMBATE O CRIME

Maria Clara R. M. do Prado, Valor Econômico

O efetivo combate ao crime organizado não envolve matanças e mais espetacularização, mas requer preparo técnico, conhecimento do mercado e expertise no complexo sistema financeiro

Segurança pública tende a ser o principal tema da campanha eleitoral no ano que vem. Representantes dos partidos de direita têm explorado o assunto com bastante antecedência, e aparente eficiência. Querem marcar posição no debate do combate ao chamado crime organizado, ainda que não tenham formalizado o nome (ou nomes) para a disputa à Presidência da República. Isso, aliás, não importa agora. O mais relevante para Tarcísios, Zemas e Caiados é colocar o governo em segundo plano no que diz respeito à matéria da segurança.

Na busca da visibilidade como defensores da ordem pública, aqueles políticos semeiam propostas e ações para colherem frutos a seu favor no futuro. Estão juntos nisso. Operam no estilo trator, com o apoio explícito do presidente da Câmara dos Deputados, deputado Hugo Mota. Não devem ser subestimados.

Prevalece ali a ideia de que o crime organizado deve ser combatido pela polícia, na rua, na base da troca de tiros. Quanto mais traficantes ou auxiliares de traficantes forem mortos, sumariamente, mais aplausos dos eleitores. De fato, a chacina patrocinada pelo governo do Rio de Janeiro nas favelas coligadas da Penha e do Alemão foi amplamente apoiada pela população para regozijo do governador Claudio Castro.

Esta semana, uma pesquisa da internacional Ipsos confirmou a prioridade da segurança. Realizada em 30 países, mostrou que a preocupação com o crime e a violência em novembro subiu para 52% entre os entrevistados no Brasil (um mil participantes). Em outubro, o Ipsos havia captado aquele tipo de preocupação em 40% das respostas.

As pesquisas dão munição aos políticos em campanha pré-eleitoral e ajudam a explicar a radicalização do projeto de lei antifacção. O texto original, segundo a proposta do governo, buscou introduzir meios e modos de combate ao crime pela via financeira. A radicalização, ao contrário, prega mais poder para a polícia dos Estados, mais matança e mais espetacularização, cenário apropriado à propagação midiática.

E, no entanto, não faltam exemplos do fracasso das políticas de combate ao crime implementadas pela via da força policial. No México, as organizações criminosas não só continuam operando como estão mais fortes a despeito das ações que deixam milhares de pessoas mortas pelas ruas. Até o final do ano passado, mais de 450 mil pessoas morreram naquele país desde que o governo declarou guerra ao tráfico, em 2006. Nos últimos 20 anos, os cartéis cresceram e se multiplicaram a partir de uma base sólida, a corrupção. O sucesso do crime organizado naquele país é garantido com a compra de políticos e juízes que preferem manter o status quo da ineficiência do combate ao crime.

Os especialistas reforçam que apenas através do rastreio e do confisco de bens e meios financeiros é possível atacar com efetividade os grupos dedicados ao tráfego clandestino. Não é novidade. Foi testado com êxito pelo governo dos Estados Unidos contra os grupos mafiosos que contrabandeavam bebidas alcoólicas e patrocinavam o jogo clandestino na primeira metade do século XX. O rastreio do dinheiro viabilizou a prisão de alguns líderes por evasão fiscal, como se sabe. Na Itália, a atuação do famoso juiz Giovanni Falcone contra a máfia siciliana tinha um slogan: “siga o dinheiro”.

O sistema financeiro hoje é muito mais complexo, com vínculos estreitos entre instituições que atuam dentro e fora do país, e exige, por isso, inteligência especializada. Não à toa o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chamou a atenção na semana passada para operações financeiras do crime que passam por fundos norte-americanos e entram no Brasil como se fossem investimento estrangeiro direto. Ele também defende a aprovação da Lei do Devedor Contumaz, em tramitação no Congresso Nacional, contra o funcionamento de empresas que nunca recolhem impostos, redutos propícios à “lavagem” de dinheiro.

O efetivo combate ao crime organizado requer preparo técnico, conhecimento do mercado e expertise em brechas que permitem a evasão de impostos, além de visão ampla dos vários segmentos financeiros no país e meios para atuar nos diferentes Estados e municípios em conjunto com as autoridades locais. Na contramão, os governadores e seus correligionários no Congresso Nacional querem reforçar os métodos mais rudimentares na lei antifacção.

Um tratamento mais apropriado ao tema parece ter surgido da conversa telefônica do presidente Lula com o presidente Donald Trump na terça-feira. A investigação conjunta, entre países, de operações financeiras suspeitas de abrigarem o dinheiro do crime é fundamental para inibir a ação do tráfego ilegal.

Dedico o trecho final deste espaço à memória de Ary Oswaldo Mattos Filho, falecido na segunda-feira.

Poucos advogados brasileiros conseguiram se destacar em áreas diversas com tanta competência. Renomado tributarista, Ary deu grande contribuição ao setor público no cargo de presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e, mais tarde, como coordenador de amplo estudo para a reforma tributária no país. No setor privado, além do exercício da advocacia, criou a Faculdade de Direito da FGV de São Paulo. Tudo isso com um sorriso apaziguador e uma determinação abnegada. Uma vez, contou que precisou de muita paciência para estabelecer o seu primeiro escritório de advocacia. Depois de meses e meses à mosca, sem visitas nem cliente, surgiu de repente um representante da Enciclopédia Britânica. Por dias seguidos, ele se apresentava à secretária e pedia para falar com os sócios. Estes, achando que era um simples vendedor de enciclopédia, acabavam por dispensá-lo, até descobrirem que o insistente visitante queria, em verdade, contratar o escritório para representar a Enciclopédia Britânica no Brasil. Foi o primeiro cliente.

Anos mais tarde, Ary fundou o Mattos Filho Advogados que se firmaria como um dos grandes escritórios de advocacia empresarial da América Latina. Apreciador de boas e longas conversas, Ary Oswaldo fará falta aos amigos.

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DUAS PERGUNTAS SOBRE O PROTAGONISMO DE GILMAR

Maria Cristina Fernandes, Valor Econômico

Ministro corre o risco de devolver discurso a extremistas que rumavam para ficar sem assunto

Duas perguntas sobre a decisão do ministro Gilmar Mendes que restringe ao PGR a proposição de impeachment no Supremo Tribunal Federal e eleva o quórum de maioria simples para dois terços atravessaram o dia sem respostas: Por que agora? Por que em liminar?

A ação foi impetrada pelo Solidariedade, partido presidido pelo deputado Paulinho da Força (SP). Um dos parlamentares com mais franco acesso ao decano do STF, Paulinho poderia ter apresentado esta ação ao longo de todo seu mandato, mas escolheu o 19 de setembro para fazê-lo. Onze dias depois, a ação era enviada para despacho do procurador-geral da República, que se manifestou há exatamente um mês. Incluído na pauta de julgamento na última terça-feira, ganhou liminar no dia seguinte.

Não se trata de discordar dos pressupostos de uma decisão de celeridade ímpar: a ameaça aos ministros no âmbito da crescente restrição às prerrogativas do Judiciário pelo populismo de direita no mundo. Tampouco se desconhece que o céu é o limite para a resistência legislativa a processos que tramitam na Corte, como o das emendas parlamentares. A dúvida que invade quem quer se debruce sobre o tema é por que mudar, agora, preceito constitucional vigente há 37 anos.

A proximidade das eleições de 2026, quando uma maioria favorável ao impeachment de ministros pode vir a se formar, é a justificativa apresentada por colegas que não custarão a referendar sua decisão. O calendário eleitoral está estabelecido desde sempre. As chances de uma bancada pró-impeachment estão dadas desde 2022, quando o PL se tornou a maior sigla do Senado. E nem são tão concretas assim.

Entre aqueles que vão postular com favoritismo as 54 cadeiras em disputa, há muitos governadores que não aderem a aventuras do gênero. O principal porta-bandeira do impeachment de ministros do STF, o ex-presidente Jair Bolsonaro, começou a cumprir sua pena sem mobilizar manifestantes em número suficiente para lotar um ônibus.

Na verdade, a liminar do ministro é despachada num dos momentos em que a direita esteve mais acuada nos últimos tempos. Há, pelo menos, cinco indícios deste cerco, para além da prisão do ex-presidente. Na véspera, seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), havia dado o maior cavalo de pau da temporada ao compartilhar mensagem do presidente americano sobre o telefonema do colega brasileiro: “Recebemos com otimismo a notícia da conversa entre o presidente Donald Trump e Lula. Um diálogo franco entre os dois países pode abrir caminhos importantes”.

O segundo indício, vindo desta conversa, foi produzido pela capacidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de virar a pauta da segurança na relação bilateral - do terrorismo para a lavagem de dinheiro do crime organizado em paraísos fiscais americanos. O terceiro é o das dificuldades enfrentadas por aquele que é proclamado como o maior herdeiro do bolsonarismo, Tarcísio de Freitas.

O governador assiste à estrela de seu eventual time econômico, o ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, ser ofuscado pela liquidação do banco Master, e o condutor de sua política de segurança até aqui, o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), se envolver em inexplicável manobra para proteger as finanças e os processos judiciais do crime organizado no relatório ao PL Antifacção. É bem verdade que a ex-primeira-dama, ao dobrar o PL e os enteados no imbróglio do palanque do Ceará, com domínio ímpar do discurso da antipolítica, mostrou saídas para seu campo. A evidência de que o fosso entre Tarcísio e Michelle Bolsonaro pode vir a se aprofundar, porém, está longe de ser boa notícia para a oposição.

O quarto indício de que a direita já viveu dias mais gloriosos vem da publicação, horas antes de a liminar de Gilmar Mendes ser conhecida, do parecer do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), sobre o PL Antifacção. A nota técnica de Rodrigo Azevedo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sobre o parecer deixa claro o quanto o relator se norteou pelo mesmo consenso que pautou a elaboração do projeto pelo Executivo: o enfrentamento ao crime organizado exige articulação federativa, fortalecimento da inteligência financeira e mecanismos de descapitalização sem romper com o marco jurídico vigente. E o quinto, finalmente, é a liminar coincidir com a prisão de peça chave na base bolsonarista no Rio acusado de obstruir processo contra a infiltração do crime organizado na política.

O ministro atiçou a indignação do presidente do Senado, um dos senadores mais próximos da Corte, que ameaça com a inclusão na pauta de projetos que restringem as prerrogativas dos ministros. Davi Alcolumbre (União-AP) também pode vir a descontar o azedume na aprovação do ministro da Advocacia-Geral da União para o STF, num momento em que havia dado fôlego para Jorge Messias com o adiamento da sabatina.

A capacidade de conviver com a incerteza eleitoral é um dos preditores mais claros de democracia. É bem verdade que o custo de um resultado desfavorável é uma ameaça ao Judiciário, mas tudo está a demonstrar que a direita e seu puxadinho extremista não terão uma avenida desimpedida para eleger uma bancada vocacionada a caçar ministros do STF. A aguardar que o revés viesse pela política, o ministro optou pelo protagonismo do Judiciário. Corre o risco de vir a devolver discurso a extremistas que rumavam para ficar sem assunto.

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O BRASIL NO MEIO DO REDEMOINHO

Míriam Leitão, O Globo

O ministro Gilmar Mendes tira direito de cidadão e convulsiona o país, mas Supremo está sob ataque pelos seus acertos e não pelos seus erros

Há mais de 40 pedidos de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Pela lei, em casos de impedimento de ministros do STF, o Senado, ao mesmo tempo, acusa e julga. Decide por maioria simples e, assim que o processo é iniciado, o ministro é afastado. É uma proteção institucional frágil, na visão de ministros do STF. Ontem, o ministro Gilmar Mendes tomou a controversa decisão de que apenas o procurador-geral da República pode pedir impeachment de ministros do STF. Um ministro que defende a decisão monocrática de Gilmar disse que os pedidos contra Moraes são “puramente perseguições e retaliações". O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, reagiu a Gilmar, acusando-o de tentar usurpar prerrogativas do Senado. Isso acontece 24 horas depois de um confronto direto entre o senador e a Presidência da República por conta da indicação do nome do ministro do STF. O Brasil pisca e nova crise institucional eclode. Ontem, foi mais um dia comum no Brasil.

Na manhã de quarta-feira, a Polícia Federal executou a ordem de prisão dada pelo ministro Alexandre de Moraes contra o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Rodrigo Bacellar. Na mesma manhã, Gilmar Mendes decidiu que só o procurador-geral da República pode solicitar impeachment de ministros do Supremo. Esses são dois retratos da convulsionada realidade brasileira.

O caso Bacellar é mais um flagrante de contaminação da política do Rio pelo crime organizado, neste caso, com o tráfico de drogas. Em outros momentos, a promiscuidade é com a milícia. A política do Rio está infiltrada pelo crime. Foi isso que o ministro Alexandre de Moraes enfrentou ontem. O Brasil acaba de vencer o risco do autoritarismo, através de uma ação penal de relatoria do próprio ministro. O Supremo condenou e mandou para a prisão generais e o ex-presidente golpistas. Agora, este mesmo Supremo que venceu o autoritarismo, está sendo acusado de autoritarismo.

No STF, se diz que a decisão de Gilmar “vem para conter esses abusos vergonhosos porque em nenhum lugar do mundo impeachment de ministro do Supremo é bandeira eleitoral”. Ouvi também o argumento de que quem escolhe o PGR não é o STF, mas sim o presidente da República com o Senado. E que "na ação penal por crime comum já é assim, só o PGR pode”. Contudo, no próprio STF, há críticas ao entendimento de Gilmar.

No ato monocrático, Gilmar Mendes argumenta que a lei não exige nem 21 votos para afastar um ministro do Supremo. “Para deixar clara a situação esdrúxula acima narrada: em uma sessão aberta com 41 senadores, e abstenção de 30, pode levar à admissibilidade e ao recebimento da denúncia contra membros do Poder Judiciário pela votação de apenas 11 senadores, ou até menos a depender das circunstâncias”.

—No caso de impeachment do presidente da República, existe um órgão acusador externo, a Câmara, aí o Senado julga. No caso do STF, o órgão acusador são os próprios senadores que julgarão. Isso sim é um absurdo — me disse um ministro do STF.

A reação de Alcolumbre foi forte e imediata. De tarde, ele leu da mesa do Senado uma nota em que diz que os senadores estão “indignados e perplexos”. Afirma que a decisão judicial contraria a lei do impeachment de 1950. Indica que fará tramitar leis para controlar as decisões monocráticas. E termina avisando: “não hesitarei em defender todas as prerrogativas da nossa Constituição”. À noite, a Câmara aprovou em comissão uma lei que controla decisões individuais da Corte. Também à noite, a AGU pediu que Gilmar reconsidere a posição.

O que choca na decisão de Gilmar Mendes é o trecho que diz “suspender, em relação aos membros do Poder Judiciário, a expressão ‘a todo cidadão’”. O STF está sob ataque não pelos seus erros, mas pelos seus acertos. É escandaloso ouvir TH Joias dizer “ô, presida não dá pra levar não”. Com suas conhecidas ligações com o Comando Vermelho, o então deputado refere-se ao presidente da Assembleia como “presida" e “01”. Depois de enfrentar um golpe de Estado, ministros do Supremo enfrentam a infiltração da política por facções criminosas. Está claro que precisam de proteção maior do que a definida por uma lei da metade do século passado. No dia 12, o pleno falará.

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GILMAR MENDES BLINDA MINISTROS DO SUPREMOE PROVOCA FORTE REAÇÃO DO CONGRESSO

Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense

O excesso de poder judicial tende a se intensificar e alimentar a insatisfação de setores do Congresso que veem no STF não apenas um árbitro, mas um protagonista político

A decisão monocrática de Gilmar Mendes, que restringe à Procuradoria-Geral da República a legitimidade para apresentar denúncias por crimes de responsabilidade contra ministros do Supremo Tribunal Federal, não é um episódio isolado. Ela se inscreve numa longa trajetória de expansão da autoridade judicial sobre o sistema político. Esse fenômeno foi analisado pelo falecido sociólogo Luiz Werneck Vianna, que identificou, desde os anos 1990, a formação de um novo canal de organização política da sociedade no qual o Direito não apenas regula conflitos, mas ocupa, historicamente, funções que em outros países caberiam aos partidos, ao parlamento e à sociedade civil organizada.

Em Corpo e alma da magistratura brasileira (1997) e A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (1999), Werneck demonstrou que a Constituição de 1988 ampliou competências do Judiciário, criou direitos e estabeleceu mecanismos de controle que transferiram para as cortes superiores uma porção crescente da vida pública. O STF deixou de ser um intérprete final da Constituição para se tornar um ator político estruturante, responsável por arbitrar desde políticas públicas até conflitos federativos, temas morais e impasses institucionais.

A decisão de Gilmar Mendes de ontem reforça essa tendência, que se aprofundou nas últimas décadas: o Judiciário decide sobre os limites de sua própria responsabilização e condiciona o funcionamento dos demais Poderes. O ministro atendeu ao pedido do procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, para quem a abertura indiscriminada de pedidos de impeachment contra ministros poderia se transformar em mecanismo de intimidação, gerar insegurança jurídica e constranger a independência dos juízes. Ou seja, monopolizou os pedidos.

Sim, há uma preocupação real com a crescente hostilidade dirigida ao STF por grupos organizados, em especial após 2013, a Lava Jato e os episódios golpistas de 2022, que agora reverbera no Congresso. É anabolizada por deputados e senadores de oposição. Do ponto de vista institucional, porém, se a decisão reafirma a autoridade do Supremo como guardião da ordem constitucional, por outro lado, reinterpreta normas existentes e restringe mecanismos de accountability. A expressão em inglês, conceitualmente, vai além da responsabilidade, abrange a obrigação de prestar contas, agir com transparência e ser corresponsável por resultados.

É por isso que a reação do Congresso foi imediata. Seu presidente, senador Davi Alcolumbre (União-AP), classificou a decisão como tentativa de “usurpar prerrogativas do Legislativo”, em colisão com o princípio da separação dos poderes. Senadores como Eduardo Braga (MDB-AM), aliado do governo, e Rogério Marinho (PL-RJ), líder de oposição, ampliaram as críticas e alertaram para o risco de crise institucional. A lei que permitia aos cidadãos e parlamentares denunciarem ministros é de 1950; por isso, a nova interpretação provocou o incômodo do Parlamento diante da reconfiguração do equilíbrio entre os Poderes, com decisões judiciais que se sobrepõem ao processo legislativo.

Duas éticas

Werneck Vianna antecipou esse tipo de conflito ao analisar a “despolitização da política”: o esvaziamento das instâncias tradicionais de deliberação e a migração contínua de demandas sociais para o campo judicial. Quanto mais frágil o sistema partidário e mais incapaz o Legislativo de formular consensos duráveis, maior o espaço aberto para o Judiciário assumir funções decisórias. Essa sobrecarga funcional gera, inevitavelmente, tensões. O que vemos agora é o Legislativo tentando recuperar um território que, na prática, cedeu ao Judiciário ao longo de mais de três décadas, por omissão em relação à legislação complementar à Constituição de 1988.

O caso atual envolve o próprio STF. Ao exigir que apenas o procurador-geral da República possa denunciar ministros e ao elevar para dois terços o quórum de abertura de processo, a Corte endurece as barreiras contra iniciativas politicamente motivadas — mas também reforça a percepção de que age em defesa de si mesma. A legitimidade do Judiciário repousa, em boa medida, na sua capacidade de preservar o caráter republicano de suas decisões. Quando juízes parecem reinterpretar a lei para autoproteção, acabam por tensionar sua própria autoridade democrática. É o que estamos vendo.

Na verdade, esse processo é ambivalente: a judicialização tem aspectos positivos, como a defesa de direitos e o controle de abusos, porém, produz assimetrias políticas que podem fragilizar a representação popular. No contexto de muitas decisões polêmicas, como a de impor sigilo absoluto ao caso do Banco Master, o que já era visto como excesso de poder judicial tende a se intensificar e alimentar a insatisfação de setores do Congresso que veem no STF não apenas um árbitro, mas um protagonista político, capaz de redefinir as regras do jogo político sem negociação interinstitucional.

Polarização, impeachments, prisões de ex-presidentes e mobilizações antidemocráticas, a tensão entre os poderes é um caldeirão efervescente. Desnuda o conflito permanente entre as dimensões republicana (regras, controles, impessoalidade) e democrática (participação, representação) na política brasileira, entre a ética da responsabilidade e a ética das convicções, fricção permanente da democracia.

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GILMAR MENDES IMPÕE FREIO A IMPEACHMENT DE MINISTROS E ABRE CRISE COM CONGRESSO

Vinicius Doria / Correio Braziliense

Decano do STF concede liminar que torna mais difícil o impedimento de magistrados da Corte

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, decidiu de forma monocrática (individual) considerar inconstitucionais alguns pontos da Lei do Impeachment, de 1950, que regulamenta o afastamento de autoridades, incluindo ministros da Corte. No ponto mais polêmico, o magistrado considerou que apenas a Procuradoria-Geral da União (PGR) tem poder constitucional para apresentar denúncia contra ministros do STF por crime de responsabilidade. Um dos artigos da lei prevê que esse tipo de denúncia pode ser feito por "qualquer cidadão". 

A determinação de Gilmar Mendes também altera o quórum mínimo necessário para que o Senado — Casa responsável pelo julgamento de pedidos de impeachment — abra processo de afastamento de ministros. Pela decisão, que vale até o plenário do Supremo julgar o mérito da questão, o processo de impeachment de ministros, para ser aberto, precisa ser apreciado em sessão plenária com quórum mínimo de dois terços (54 dos 81 senadores), em vez de 50% mais um voto (41 senadores).

No caso da abertura de processo, Gilmar também entende que — ao contrário de processo semelhante contra o presidente da República — ministros do STF não podem ser afastados do cargo enquanto a ação estiver em curso. De acordo com parecer da PGR, seguido por Gilmar, como os magistrados não têm substitutos, a ausência de um deles pode prejudicar a rotina de julgamentos da Corte.

Na justificativa, o decano apontou que os conflitos entre a Lei do Impeachment e a Constituição Federal criam "um ambiente de insegurança jurídica" que estimula a apresentação de pedidos de afastamento com única finalidade de "intimidar" o Poder Judiciário.

"A intimidação do Poder Judiciário por meio do impeachment abusivo cria um ambiente de insegurança jurídica, buscando o enfraquecimento desse Poder, o que, ao final, pode abalar a sua capacidade de atuação firme e independente", escreveu o ministro, em sua decisão.

Imparcialidade

De acordo com Gilmar Mendes, "os juízes, temendo represálias, podem se ver pressionados a adotar posturas mais alinhadas aos interesses políticos momentâneos, em vez de garantirem a interpretação imparcial da Constituição e a preservação dos direitos fundamentais".

Na avaliação do decano, a facilidade para pedir a abertura de processo de impeachment acaba estimulando a banalização desse "legítimo" instrumento jurídico, que deveria ser excepcional. "É isso que sucede quando se admite, facilmente, o início de um processo para apuração de crime de responsabilidade de membros do Poder Judiciário. Aquilo que era para ser um instrumento legítimo e excepcional de responsabilização, passa a ser utilizado como ferramenta de intimidação e mitigação das garantias judiciais, submetendo os membros do Poder Judiciário à aprovação de caráter político", justificou.

Outra preocupação do ministro foi deixar claro, na decisão liminar, que magistrados não podem ser alvo de processo de impeachment com base, apenas, no mérito de suas decisões. Para Mendes, isso configura criminalização da interpretação jurídica. "Não se mostra possível instaurar processo de impeachment contra membros do Poder Judiciário com base - direta ou indireta - no estrito mérito de suas decisões, na medida em que a divergência interpretativa se revela expressão legítima da autonomia judicial e da própria dinâmica constitucional", argumentou.

A decisão atende parcialmente a duas ações — propostas pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) — e será submetida a referendo dos colegas de Corte entre os dias 12 e 19. O julgamento se dará no plenário virtual, em que os magistrados depositam seus votos remotamente no sistema eletrônico do STF.

Segundo a Constituição, um ministro pode ser processado por crime de responsabilidade se alterar (exceto por meio de recurso) decisão ou voto já proferido em sessão do tribunal; participar de julgamento no qual deveria se dar como impedido; exercer atividade político-partidária; atuar de forma negligente (desídia); ou ferir a honra, a dignidade e o decoro das funções.

Bolsonarismo

O impeachment de ministros do STF tem sido, nos últimos anos, um verdadeiro fetiche do bolsonarismo. Desde que foi eleito presidente da República, em 2017, Jair Bolsonaro prega a abertura de processos contra magistrados — em especial, Alexandre de Moraes, relator do processo das fake news e da ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado que culminou nos atos de 8 de janeiro de 2023 — condenado nessa ação, o ex-chefe do Executivo começou a cumprir, na semana passada, a pena de 27 anos de prisão.

Ao longo dos quatro anos em que ocupou o Palácio do Planalto, Bolsonaro defendeu, em palanques em todo o país, que o Senado deveria julgar Moraes por abuso de poder.

A decisão de Gilmar Mendes — que também não conta com a simpatia da ala mais à direita do Parlamento — provocou reações políticas e reacendeu o debate em torno do tema, que havia esfriado desde que o ex-presidente e alguns dos seus principais assessores passaram a ser julgados pela Primeira Turma do Supremo por envolvimento nos atos golpistas.

Quando ascendeu ao poder, o bolsonarismo elegeu o Supremo como um de seus inimigos favoritos. A Corte foi criticada por Jair Bolsonaro e seus seguidores pelas decisões que tomou ao longo do governo dele. Na pandemia, por exemplo, permitiu que os estados adotassem as melhores práticas de combate à covid-19 sem obrigação de seguir a cartilha negacionista do Palácio do Planalto e ainda obrigou o Senado a abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as responsabilidades do governo federal na gestão da crise.

Em 2021, o próprio Bolsonaro assinou e apresentou à Mesa do Senado um pedido para abertura de processo de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos das fake news e das milícias digitais, que atingiram em cheio a máquina de propaganda do então presidente. O pedido, porém, não teve a assinatura do advogado-geral da União à época, Bruno Bianco.

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O STF SE AUTOBLINDA

Carolina Brígido, O Estado de S. Paulo

STF se autoblinda para evitar impeachment e implode sistema de freios e contrapesos

Decisão vem antes do início de julgamentos de deputados e senadores por desvios em emendas parlamentares

O sistema de freios e contrapesos estabelece independência e autonomia para cada um dos Poderes atuar, mas com capacidade mútua de limitar eventuais excessos. Esse equilíbrio entrou em colapso ontem, quando Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reduziu a capacidade do Senado de abrir processo de impeachment contra ele mesmo e seus colegas.

Um exemplo de como esse equilíbrio funciona: o STF vota a constitucionalidade de normas aprovadas pelo governo e pelo Congresso, podendo derrubá-las. Em contrapartida, os parlamentares detêm o poder de abrir processo de impeachment do presidente da República ou ministros da Corte.

Na decisão, Mendes considerou que há trechos na Lei de Impeachment incompatíveis com a Constituição Federal. O ministro aumentou o quórum no Senado para a abertura de processo, declarou que apenas o procurador-geral da República pode entrar com a denúncia e estabeleceu que o mérito de decisões judiciais não pode ser considerado crime de responsabilidade.

A justificativa é louvável. De fato, o instituto do impeachment tem sido usado como forma de intimidação. Hoje há 66 pedidos de afastamento dos atuais integrantes da Corte parados no Senado, segundo o site do Legislativo. Destes, 32 foram apresentados neste ano. Os processos não andaram, mas o simples fato de estarem lá configura um armamento pesado para pressionar o Supremo.

Em tempos de atrito institucional, basta uma vírgula fora do lugar para se acionar a bomba. O Congresso está insatisfeito com o STF por motivos pretéritos, mas também com os planos futuros de iniciar os julgamentos de deputados e senadores acusados de desvios cometidos a partir de emendas parlamentares.

Antes da decisão de Mendes, qualquer cidadão – parlamentares, inclusive – poderia apresentar denúncia para abertura de impeachment de integrantes do Supremo. Para o ministro, a regra estimulava denúncias motivadas por vinganças ou interesses políticos.

Agora, só quem pode denunciar é o procurador-geral da República. Na configuração atual dos detentores de poder, significa autoblindagem. Ligado a ministros do STF e indicado ao cargo duas vezes pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Paulo Gonet jamais entraria com pedido de afastamento de um integrante da Corte.

No futuro, isso só seria possível se um presidente de direita sucedesse a Lula. Ainda assim, seria necessário haver não maioria simples, mas um quórum de dois terços dos senadores para aprovar o impedimento de um ministro do STF.

Embora a decisão seja juridicamente questionável, ela não deve cair. O plenário do Supremo vai votar se mantém ou não o entendimento de Mendes. O mais provável é que todos concordem com a autoblindagem.

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O ESTADO EMPRESÁRIO PEDE FALÊNCIA

Felipe Salto, O Estado de S. Paulo

Há uma tarefa primordial: fortalecer, reestruturar e reorientar as agências reguladoras, resgatando sua proposta original

O episódio dos Correios é a parte mais visível de um problema maior. A ideia de um Estado empresário, como regra geral, que comanda atividades de produção de bens e de prestação de serviços, precisa ser revista.

A dívida pública atingirá níveis próximos a 85% do Produto Interno Bruto (PIB), até o final de 2026, muito acima da média dos países comparáveis. Os prejuízos acumulados por diversas empresas estatais alimentam esse quadro de fragilidade e de alto risco fiscal.

O problema dos Correios, por exemplo, não é novo. O setor de logística modernizou-se, novas empresas entraram no jogo e a estatal parou no tempo. Além disso, pratica-se uma política de pessoal questionável; não se sustenta. Os números informados pela própria companhia nos seus balanços contábeis e em relatórios de administração atestam essa conclusão.

O uso de estatais para acomodações políticas é outra prática que já deveria ter sido enterrada com os escândalos da história recente. A verdade é que a atividade empresarial do Estado só deve ser uma alternativa na ausência de interesse ou capacidade do setor privado ou, ainda, em situações específicas, que envolvam exploração de áreas e recursos estratégicos. Tem de ser a exceção, não a regra.

Em relatório comandado pelo economista Josué Pellegrini e publicado aos nossos clientes, na Warren Investimentos, mostramos que há 122 empresas estatais federais. Destas, 44 empresas são controladas diretamente pela União, das quais 17 são consideradas dependentes, isto é, vivem de recursos transferidos pelo Tesouro.

O saldo líquido das empresas estatais não dependentes é negativo. Se excluídas a Petrobras e as instituições financeiras, há 20 empresas estatais não dependentes. A União realizou, nos últimos cinco anos, aportes de R$ 7 bilhões, mas recebeu apenas R$ 5,2 bilhões em dividendos, como mostramos no relatório mencionado.

No caso das empresas estatais dependentes, a União transferiu quase R$ 30 bilhões para o conjunto dessas companhias em 2024. Veja-se, portanto, o peso das estatais para o Orçamento geral. Na verdade, trata-se de gastos públicos realizados por meio de empresas, com estruturas inteiras e, em muitos casos, boa dose de ineficiência. Essa, vale dizer, é a parte visível a olho nu, digamos.

Os Correios são considerados uma estatal não dependente. Contudo, apresentam prejuízo e fragilidade nos indicadores financeiros relevantes, a exemplo do próprio caixa. A busca por um empréstimo de R$ 20 bilhões com aval da União é o sintoma mais patente. Na verdade, mostra efetiva necessidade de capitalização, de modo que a empresa, na prática, já vivencia uma situação de clara dependência do governo.

Ou bem se moderniza sua estrutura e se enxugam seus gastos, para valer, reduzindo-se a ingerência política, ou o problema só crescerá. É preciso avaliar um programa de desestatização ou de privatização. Devese avaliar a parte que ainda tem valor de mercado e acelerar esse processo, a partir de estudos sérios, sob pena de empurrarmos novamente o problema com a barriga.

Argumenta-se que uma parte dos serviços dos Correios seria inviável ao setor privado, a exemplo dos serviços postais em cada canto do País. Pois bem, vamos, então, discutir uma nova estrutura, em que esses serviços sejam preservados, incorporados em políticas públicas bem desenhadas e eficientes. O que não se pode deixar é que essa questão, em especial, continue a levar o País a ter de sustentar um mastodonte deficitário, que pressiona a dívida pública e, portanto, toda a sociedade.

No caso do empréstimo, felizmente, temos uma Secretaria do Tesouro Nacional eminentemente técnica, dotada de servidores públicos e lideranças à altura do desafio de enfrentar pressões políticas para aprovação de empréstimos não lastreados em efetivo compromisso de recuperação da referida empresa. Espera-se que as alas políticas ouçam e sigam essa voz da razão.

Em geral, a atividade empresarial do Estado precisa ser amplamente reavaliada. Já avançamos bastante em transparência. Hoje, há relatórios periódicos que permitem acessar os dados econômico-financeiros e administrativos da maior parte das empresas estatais.

A partir dessas informações, é preciso forjar um diagnóstico qualitativo, sob orientação das diretrizes e princípios constitucionais que norteiam a ação do Estado. A provisão de serviços e bens públicos de qualidade deve ser um objetivo maior, mas a eficiência, a eficácia e a sustentabilidade fiscal não podem ser deixadas de lado, como, muitas vezes, tem acontecido.

Nesse assunto, o risco de se pecar pela adesão a extremos está sempre presente. Não se trata de defender as surradas teses de Estado mínimo e equivalentes. Tampouco, de continuar a apostar no Estado como indutor e solucionador de todos os problemas. O meio do caminho é desejável.

Cabe imaginar uma estrutura para as estatais que contemple critérios objetivos. O Estado não deve produzir, mas regular bem os setores produtivos e o mercado. Para isso, há uma tarefa primordial: fortalecer, reestruturar e reorientar as agências reguladoras, resgatando sua proposta original.

Há muito trabalho pela frente. O Estado empresário pede falência. Vamos ignorar o fato até quando?

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A VISÃO KEYNESIANA DA CONSTRUÇÃO RESIDENCIAL

Roberto Macedo, O Estado de S. Paulo

E este texto inclui também a abordagem de uma política monetária alternativa

John Maynard Keynes (1883-1946) foi um economista britânico considerado o pai da moderna análise macroeconômica. Seu livro mais conhecido foi publicado em 1936 e em português veio com o título de A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (São Paulo, Editora Atlas, 1992).

Anteriormente a Keynes, a teoria macroeconômica predominante, de influência liberal, era a de que uma economia se reequilibraria automaticamente se os salários fossem flexíveis. Mas isso não acontecia e Keynes passou a pregar que uma economia em recessão exigia forte intervenção estatal mediante mais gastos públicos, inclusive via endividamento e emissão monetária, para estimular o crescimento econômico e o desenvolvimento social.

A abordagem expressa no título deste artigo não veio de Keynes nesse livro, mas sim de um artigo que ele publicou na revista mensal Red Book, dos EUA, em dezembro de 1934 – note-se que a economia ainda estava sob o impacto da crise de 1930 –, na qual respondeu à pergunta: “Pode a América gastar seu caminho na direção da recuperação?”. Ele respondeu sim, em contraposição a outro economista, Harold J. Laski, que respondeu não e não teve a fama de Keynes. Num debate sobre o assunto em São Paulo, soube da revista e consegui comprá-la num antiquário de publicações nos EUA, pelo correio.

No seu artigo, Keynes argumenta que o governo deve gastar, mas gastar bem. “Produtivas e socialmente úteis despesas são preferíveis a gastos improdutivos. (...) Não há uma forma melhor pela qual a América pode gastar em prosperidade do que gastando dinheiro construindo casas”. E prossegue: “A necessidade está ali aguardando ser satisfeita; o trabalho e os materiais estão lá aguardando ser utilizados. Isso expandiria o emprego em todas as localidades. Não há maior benefício econômico e social do que boas casas.” Quem conhece os EUA sabe do apego que os americanos têm por casas. E Keynes estava escrevendo em 1934. Hoje, provavelmente, também teria feito referências a apartamentos.

Agora vamos tratar, recorrendo à internet, de uma medida de política monetária conhecida no exterior como Quantitative Easing ou Relaxamento Quantitativo (RQ), pela qual um banco central compra ativos financeiros de longo prazo como títulos do governo repassando-lhe dinheiro vindo inclusive de emissão monetária, com o objetivo de ampliar o dinheiro na economia, inclusive para programas habitacionais.

Ampliando o crédito com juros mais baixos, empresas e consumidores são incentivados a gastar e investir, impulsionando a atividade econômica. Em geral, o Relaxamento Quantitativo pode ser usado em recessões, quando as ferramentas de política monetária convencionais, como a redução da taxa básica de juros deixa de ser eficaz. Na crise de 2008, e depois dela, o RQ foi usado pela primeira vez em grande escala em países como EUA, Inglaterra e Japão, mas este começou antes.

E o Brasil, como fica nesse contexto? Aqui o déficit habitacional é grande e muitos brasileiros se disporiam a comprar um imóvel se o financiamento lhes fosse acessível. A mão de obra também existe, a qualificação dela também ocorre muito no próprio trabalho, o on-the-job training, e materiais para construção também não faltam.

Mas hoje a inflação está alta e vem caindo vagarosamente. Não há perspectiva de recessão, mas a taxa de crescimento do PIB deve cair para um valor próximo de 2% ao ano, uma taxa muito baixa. Acho que já temos uma “recessão de taxa de crescimento do PIB” e não tem sentido aguardar taxas de crescimento negativas para pensar em algo como o Relaxamento Quantitativo.

Um agravante é que nosso Banco Central parece só ter um instrumento de política monetária, a taxa básica de juros, que fica no sobe e desce dependendo das circunstâncias. Precisaria ser bem menos ortodoxo. Não pensa no crescimento econômico, que é o que está por trás do objetivo do Relaxamento Quantitativo, além dos ganhos sociais advindos do grande número de novas residências.

Mas olhando a discussão sobre macroeconomia, ela está concentrada no debate sobre a política fiscal expansionista e a alta taxa básica de juros do Banco Central, hoje, em 15% ao ano. Nem Lula nem o Congresso se interessam em discutir com profundidade a questão do baixo crescimento. Com Lula no poder, essa situação pode até se agravar no próximo ano eleitoral, diante de seu apego a medidas expansionistas do lado fiscal. E hoje o mais provável é que ele vencerá também a eleição do ano que vem.

Aí ele poderá escolher entre manter-se como um fiscalista irresponsável, já buscando votos para um petista de sua escolha em 2030. Ou, se quiser entrar para a história de um modo positivo, adotar uma política econômica para colocar a casa em ordem, em particular do ponto de vista fiscal. O que ele fará? Infelizmente, o mais provável é que ele escolherá o primeiro caminho. E se isso acontecer, um Relaxamento Quantitativo não terá espaço para se desenvolver.

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HOMENAGEM REJEITADA

Taynara Lima, O POVO

Câmara Municipal de Camocim rejeita homenagem a Ciro Gomes

Texto de autoria do vereador Marcos Coelho destacava a trajetória do ex-governador. Requerimento foi desaprovado por 8 votos contrários contra 5 favoráveis

Câmara Municipal de Camocim, município localizado a 317,3 quilômetros de Fortaleza, desaprovou uma homenagem ao ex-ministro e ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PSDB). 

O requerimento para a homenagem foi apresentado em 24 de outubro pelo vereador Marcos Coelho (Republicanos), que pediu uma sessão solene em homenagem a Ciro. No documento, ele justifica que o ato seria “em reconhecimento às relevantes contribuições prestadas ao desenvolvimento de Camocim, especialmente nas áreas da saúde e do saneamento básico”.

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O texto destaca a trajetória do ex-ministro e fala sobre o período em que Ciro atuou como governador (1991-1994): “Sob sua liderança, Camocim foi contemplado com importantes obras e programas de grande impacto social e econômico”. A solicitação foi desaprovada por 8 votos a 5.

Em sessão na quarta-feira, 3, Coelho demonstrou indignação com a rejeição da homenagem a Ciro e criticou o vereador Kleber (PSB). 

“Também reclamo aqui e estou surpreso, porque homenagear as pessoas, nós sempre homenageamos aqui, independentemente de quem seja. Mas vereador Kleber, vossa excelência orientar a sua bancada para votar contra o ex-governador Ciro Gomes. Vossa excelência não tem memória. E eu poderia aqui fazer o contrário, não apoiar, mas fui o autor, porque eu reconheço no governador Ciro Gomes não apenas um grande cearense, mas um grande brasileiro”, argumentou.

Em seguida, o vereador chamou o colega de “covarde” e afirmou que Kleber teria orientado a bancada “para se sujeitar ao governador Elmano de Freitas”, citando outros vereadores.

“Vossa Excelência orienta a bancada aqui de forma covarde. Está sendo covarde. É a menor palavra que eu posso dizer com vossa excelência é essa. Vossa excelência é um covarde. E orientar dessa forma para se sujeitar ao governador Elmano de Freitas. De uma forma interesseira, vossa excelência nem votou no governador Elmano, mas para se subordinar, para ficar de joelhos ao governador Elmano de Freitas [...] Qualquer um outro poderia, menos vossa excelência votar contra uma moção de aplausos aqui ao ex-governador Ciro Gomes”, continuou.  

Ciro foi pivô de divergência na oposição nacional

No Ceará, o PSB faz parte da base aliada do governador Elmano de Freitas, com o senador Cid Gomes (PSB) como um dos principais líderes no Estado.

Já o irmão de Cid, Ciro Gomes, se filiou ao PSDB em outubro. Ele é um dos principais críticos da gestão Elmano e se aproximou de nomes da oposição no Estado, como o deputado federal André Fernandes (PL) e o ex-deputado Capitão Wagner (União Brasil). Apesar de não ter confirmado, Ciro é um possível nome da oposição para a disputa pelo Governo do Ceará em 2026.

O tucano, inclusive, está no centro do recente desentendimento protagonizado por nomes do PL. Em passagem pelo Ceará no último domingo, 30, durante o evento de lançamento de candidatura do senador Eduardo Girão (Novo), a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) deu um “puxão de orelha” no PL Ceará por conta da aproximação com Ciro.

Na ocasião, ela citou nominalmente Fernandes e disse que, apesar do “orgulho” que sentia por ele, não seria viável apoiar uma pessoa que já criticou o ex-presidente Jair Bolsonaro. Após o fim do evento, André convocou uma coletiva e ressaltou que a aliança com Ciro vem sendo construída desde o segundo turno das eleições de 2024, inclusive com o aval de Bolsonaro. 

Na última, segunda-feira, três filhos de Bolsonaro criticaram a atitude de Michelle. Para Flávio Bolsonaro, a ex-primeira-dama “atropelou” a articulação do PL no Ceará e agiu de forma “autoritária e constrangedora”. Pelas redes sociais, Carlos e Eduardo Bolsonaro concordaram com o irmão.

Na terça, após visita a Bolsonaro na prisão, Flávio afirmou que contou sobre a situação ao pai e disse que se desculpou com Michelle. Após reunião da cúpula nacional do PL, em Brasília, André Fernandes anunciou que as negociações com Ciro Gomes estão suspensas por tempo indeterminado.

Segundo o parlamentar cearense, a suspensão foi motivada principalmente por um “ruído de comunicação” interno e pelo impacto da restrição de comunicação do ex-presidente Bolsonaro, preso por tentativa de golpe.

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