terça-feira, 31 de dezembro de 2024

POLICIAL CIVIL AMEAÇA NATUZA NERY

Da Coluna da Mônica Bergamo, Folha de S.Paulo

Corregedoria investiga ameaça de policial civil contra Natuza Nery em supermercado

Segundo testemunhas, agente disse que pessoas como a jornalista merecem ser aniquiladas

A Corregedoria da Polícia Civil instaurou inquérito para apurar uma denúncia de que a jornalista Natuza Nery foi ameaçada por um policial civil enquanto fazia compras em um supermercado na região de Pinheiros, em São Paulo, na noite de segunda-feira (30).

Também foi aberta uma investigação administrativa que pode resultar na expulsão do agente. O nome do policial não foi divulgado pela Secretaria de Segurança Pública do estado. Segundo apurou a coluna, ele não estava trabalhando como policial e fazia compras no mesmo estabelecimento.

Procurada, Natuza não se pronunciou.

De acordo com testemunhas ouvidas pela coluna, o policial se aproximou da jornalista perguntando se ela era a Natuza Nery da GloboNews. Na sequência, disse que ela e a empresa para a qual trabalha são responsáveis pela situação do país e que pessoas como a jornalista "merecem ser aniquiladas".

Em outro momento, quando o homem já estava no caixa, ele passou a xingar Natuza. Uma mulher que estava com o policial pedia para que ele parasse com os ataques, dizendo que a jornalista só fazia o trabalho dela, segundo relato de pessoas próximas.

O caso atraiu a atenção de várias pessoas. A Polícia Militar foi acionada e esteve no local. Inicialmente, o caso começou a ser registrado no 14º Distrito Policial. Posteriormente, o acusado foi identificado como policial civil, e a Corregedoria assumiu as investigações. Em nota, a SSP afirma que "diligências foram realizadas no supermercado em busca de imagens do ocorrido e de eventuais testemunhas".

com KARINA MATIAS, LAURA INTRIERI MANOELLA SMITH

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FELIZ 2025 !

Caros leitores, mais um ano termina. 2024 foi um ano de muitas conquistas e recordes para o blog Sou Chocolate e Não Desisto, resultado de muito trabalho nestes 19 anos de existência. 

A cada ano, ganhamos mais repercussão na internet, entre blogs e sites que reproduzem nossas postagens. Nas redes sociais como Facebook, X (Twitter) e Instagram, Blueskay, o blog tem se destacado.

A todos leitores, muito obrigado! Desejo um Ano Novo de realizações, saúde, muito amor, paz e esperança. Feliz 2025 !. Abraço, Valerio Sobral.

Em 2025 vem novidades aí nos 20 anos do Sou Chocolate e Não Desisto.

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DRUMMOND EM SEU ESCRITÓRIO

Míriam Leitão, O Globo

Drummond escreveu um diário por 34 anos, mas destruiu em grande parte. O que restou virou um livro de deliciosa leitura

O título acima tem ambiguidade intencional. É dele, de Drummond, o escritório. Mas pode ser seu, de quem lê “O observador no escritório”, com as anotações feitas pelo poeta em seu diário, durante 34 anos, livro que acaba de ser relançado. A obra traz relatos dos seus encontros com amigos poetas e escritores, e notas sobre a política brasileira em intensa convulsão no tempo. A leitura traz a sensação de estar ouvindo confidências do poeta, como se fosse um amigo que chegou para uma visita ou mandou uma mensagem.

Hoje é o último dia de 2024. No último dia de 1952, Drummond anotou: “Escusa fazer o balanço do ano. O tempo é contínuo, e a divisão em meses, convencional. Por que ter esperanças no ano próximo e desacreditar o que passou? Eu é que passei não ele. Fiz cinquent’anos. Perdi um irmão discreto e simples. Tive ímpetos e descaídas. Não me sinto habilitado a julgar a vida, nem a mim mesmo.”

Li o livro antes de ser impresso, porque a Editora Record me pediu um posfácio. Fiquei atemorizada, afinal o que se pode falar depois de Drummond? A leitura me acolheu de tal forma que a alonguei. Em época de muito trabalho e vivendo um tempo doloroso, o livro era o companheiro certo. São detalhes da vida do país, observações sobre poesia, encontros com os amigos, disputas políticas, o cotidiano do poeta escrito em breves notas que deixam ao interlocutor tempo para refletir. Releio agora o livro impresso, com o mesmo prazer. Neste fim de ano, em vez de falar das perspectivas do próximo, ou contar bastidores da mais recente crise da República, falo de Drummond.

O livro é o que sobrou da sua fúria perfeccionista. “O impulso de escrever para mim mesmo, em caráter autoconfessional, ditou os feixes de palavras que fui acumulando e que um dia…destruí. Mas a própria destruição tem caprichos. Do conjunto sacrificado sobraram algumas páginas.” Ele explica o motivo de conservá-las. “Animou-me a ingênua presunção de que possam dar ao leitor um reflexo do tempo vivido de 1943 a 1977, menos por mim do que pelas pessoas em volta, fazendo lembrar coisas literárias e políticas daquele Brasil sacudido por ventos contrários”.

O Brasil permanece sacudido por ventos contrários. Numa antecipação do tempo polarizado de hoje, ele narra um caso em que o poeta mineiro Paulo Mendes Campos, então com 21 anos, envia-lhe uma carta com críticas a um poema seu. “Compreendi e gostei”, escreve Drummond. Admite que desprezava os ataques do “lado de lá”, dos “conservadores e reacionários”. Mas valorizava as “restrições partidas do lado de cá, de gente amiga e independente” porque "alertam o espírito e impõem mais rigor”.

Mário de Andrade morreu de infarto aos 51 anos. Em 26 de fevereiro de 1944, dia do enterro, Drummond escreveu em seu diário. “Sua última carta para mim, datada de 11 deste mês, estava cheia de projetos de livros, além do projeto fundamental de viver o ano de 1945”. É inevitável pensar nos livros que Mário de Andrade ainda poderia ter escrito.

Drummond marca a passagem daquele tempo com olhar de cronista político. “1945. Outubro, 30 — Ontem, os generais trouxeram para as ruas suas metralhadoras e seus carros de assalto e mandaram dizer a Getúlio que desse o fora.” Depois de novos relatos sobre o evento, ele conclui. “Tudo isso veio pelo rádio e pelo telefone, a começar das 20h, e custou-me uma noite de sono. Notícias às vezes contraditórias, mas em conjunto definidoras: fim da era getuliana. O vento a levou.” Ventos a trariam de volta, mas importa saber o que fez o poeta após a noite em claro pela intensa política brasileira. “Pela manhã o melhor a fazer é acompanhar a filhinha ao banho de mar, porque lhe falta companhia.” Na eleição de 1950, que elegeu Getúlio, Drummond foi assessor de Cristiano Machado, o traído, e conta deliciosos bastidores.

Essa mistura da vida política e do cotidiano é que permite ao leitor construir sua intimidade com o poeta e os amigos dele, que até hoje marcam a vida nacional. De Drummond se pode dizer o que ele disse ao definir Portinari. “A arte é sua vida, toda a sua vida.”

Algumas notas atemporais do livro poderiam ser publicadas hoje. “E me vejo perplexo no entrechoque de tendências e grupos, todos querendo salvar o Brasil, não sabendo como, ou sabendo demais.” Outras ajudam a pensar além do trabalho. “Como se o tempo me desse folga para passatempos.”

Entro de férias amanhã. Feliz 2025.

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A CONVERSA PARA 2025

Pedro Doria, O Globo

O personagem político mais importante de 2024 foi Pablo Marçal. O mais provável é que ele tenha explodido neste ano e não mais apareça. Depois de divulgar um documento médico evidentemente falso, tudo indica que terminará com os direitos políticos cassados pelo TSE antes da próxima eleição. Se formos para além das fronteiras brasileiras, há outros dois personagens muito importantes: Donald Trump e Elon Musk. E os três, juntos, contam uma mesma história. Mudou, de novo, a maneira de fazer comunicação política. Sentimos o cheiro disso em 2024. Este ano de 2025 será o da consolidação dos profissionais para os pleitos do ano seguinte. Quem aprender as lições direito sai na frente.

Porque o problema é o seguinte: quem acha que ainda estamos naquela fase da desinformação anônima, feita por robôs, que disparou a onda populista autoritária em 2016 se engana. O tempo, agora, é outro. Depois de uma fase de desorientação, aos poucos o público foi construindo relações com alguns nomes chaves nas plataformas sociais. Por falta de palavra melhor, nós os batizamos de influenciadores. Ela pode parecer até pretensiosa, mas é descritiva. Alguns têm capacidade real de influenciar.

Trump, durante sua campanha eleitoral, deu entrevistas a 12 grandes podcasts. Com Joe Rogan, o maior podcaster americano, passou três horas sentado no estúdio que fica na garagem . E relaxado, numa conversa que parecia bate-papo. Kamala Harris foi a seis podcasts, na conta dos democratas. É uma conta enganosa — inclui programas de rádio como o de Howard Stern, que existe há mais de três décadas. Não é a mesma coisa. A maioria das figuras do mundo da influência digital jamais estaria num programa de TV. Parecem, alguns, medíocres. Mas se engana quem considera isso. Todos criam relações reais, de confiança, com seus públicos. Há sensação de proximidade, até afeto. É uma relação mais próxima da amizade que a distância das celebridades do passado. Por isso mesmo, a sensação é de que é mais real.

Não é só isso. O mundo dos influenciadores de hoje e das celebridades de ontem se divide, também, por outra percepção. Ou, talvez, outra ilusão. Todo mundo, se trabalhar direito, pode virar influenciador. Para virar celebridade, as barreiras eram realmente muito mais altas.

Mas o mundo da influência precisa ser regulado. Não é, aqui, uma questão de controlar discurso. É que não dá para ignorar que as plataformas são corporações bilionárias, com tendências monopolistas, que vivem de vender a ilusão de que todos podem realmente ficar famosos. As barreiras são mais baixas do que no passado, ainda assim só alguns ganham fama, e destes um subconjunto menor ganha dinheiro. O conjunto da produção de cada um, no entanto, produz bilhões de dólares e dá um poder absurdo para grandes corporações.

Há um problema ético evidente, e francamente intolerável, na ideia de montar algumas das principais corporações do mundo nas costas do trabalho não remunerado de milhões. Não é só questão de dinheiro. É também questão de poder.

Entre julho e novembro, tuítes de Elon Musk foram vistos 128 bilhões de vezes por usuários de sua rede social, o X. Some todas as postagens feitas por todos os deputados e senadores americanos na mesma plataforma, e elas foram vistas pouco mais de 7 bilhões de vezes. Em média, uma mensagem de Musk é lida mais que o dobro de vezes de uma postada pelo presidente eleito . O Washington Post colocou um trio de jornalistas para, todos os dias durante cinco meses, anotar quantas impressões tinha cada publicação de algumas personalidades.

Está claro que Musk turbinou o algoritmo do X para ampliar sua influência política. Sua voz fala mais alto. Ele gastou pouco mais de US$ 40 bilhões para comprar um assento preeminente no novo debate público. E funcionou. Nas outras redes, esse tipo de manipulação não é tão escancarada. Mas, a partir do momento em que um algoritmo escolhe quem sobe e quem desce, manipulação há. A Meta, dona de Facebook, Instagram e Threads, escolheu mostrar menos política. Escolheu, literalmente, informar menos.

Este mundo da influência domina nossa conversa. Pois, então, é hora de conversarmos mais sobre ele.

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PATOS MANCOS ?

Merval Pereira, O Globo

Lula e Bolsonaro desafiam a teoria do “pato manco”, pois mantêm expectativa de poder mesmo debilitados

A governabilidade do presidente Lula em seu terceiro mandato se degrada a cada demonstração de que não tem como resistir ao Congresso de centro-direita que o pressiona de todos os lados. A revelação de Malu Gaspar de que Lula mobilizou seu ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para liberar alguns recursos especiais aos deputados federais por meio de manobra usando o Ministério da Saúde como uma espécie de “laranja”, é vergonhosa para um governo eleito com, entre muitas outras promessas, a de acabar com o “orçamento secreto”.

A demonstração de fragilidade do Executivo diante da nova postura do Congresso em relação às emendas parlamentares pode ser comparada à medida extrema adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro de delegar ao presidente da Câmara, Arthur Lira, o comando das emendas, abrindo mão de negociá-las para passar a conspirar 24 horas por dia por um golpe que lhe desse poderes absolutos.

Naquela ocasião, Bolsonaro foi considerado equivocadamente um “pato manco” (lame duck), expressão usada principalmente na política americana para definir o político que continua no cargo, mas que, por algum motivo, não pode disputar a reeleição e perde a expectativa de poder. A expressão nasceu na Bolsa de Valores de Londres, no século XVIII, em referência a investidor que não pagava suas dívidas e ficava exposto à pressão dos credores. A ave (e o político) com problemas torna-se presa fácil dos predadores. A expressão surgiu de um velho provérbio de caçadores: “Never waste powder on a dead duck”, ou “nunca desperdice pólvora com pato morto”.

Pois bem, Lula e Bolsonaro desafiam a teoria do “pato manco”, pois mantêm expectativa de poder mesmo debilitados. Bolsonaro foi apoiado pelos mesmos políticos que o desmoralizaram na manipulação das emendas, pois viram nele o único capaz de derrotar Lula, que voltava à cena eleitoral depois de reabilitado pela Justiça. Hoje, já há setores políticos considerando que Lula não terá condições de disputar a reeleição em 2026, seja pela idade (81 anos), seja pela saúde ou até mesmo pela impossibilidade de vencer a eleição devido aos problemas econômicos que se sucederão.

A inferioridade do esquema político de Lula diante do Centrão pode ser constatada pela tentativa, malograda de largada, de eleger apenas um senador em 2026, em vez de dois, como previsto na Constituição. Isso porque se prevê que a oposição, especialmente a direita, poderá eleger grande parte dos senadores, o que lhe daria poderes políticos variados, inclusive o de pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF), cujos ministros podem ser impedidos por senadores.

Assim como Bolsonaro foi para a direita em 2022, também Lula seja talvez a única chance de a esquerda se manter no poder. Isso poderá fazer com que ele se veja na obrigação de assumir o papel de candidato novamente, mesmo sem condições. Se forem confirmadas, porém, a impossibilidade de tanto Lula quanto Bolsonaro (inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral) concorrerem à Presidência em 2026, talvez tenhamos chance de nos livrar da polarização radicalizada que vivemos desde 2018 e partamos para uma disputa aberta entre as diversas forças partidárias que existem no país.

Assim como aconteceu em 1989, na primeira eleição direta para a Presidência da República depois da ditadura militar, poderemos ter diversos candidatos disputando o espaço dominado pelos extremos políticos nos últimos anos. Embora na esquerda o tema continue sendo tabu, na direita e no centro já existem diversos candidatos à vaga aberta com a saída forçada de Bolsonaro. Tanto Lula quanto Bolsonaro, no entanto, não admitem discutir a sucessão antes do tempo que consideram justo. Lula só designou Fernando Haddad como candidato do PT à Presidência em 2018 semanas antes do pleito. Hoje, mais uma vez o ministro da Fazenda parece o sucessor natural caso Lula não se candidate. Bolsonaro, tudo indica, fará o mesmo que Lula, aguardará até o último instante para definir que candidato apoiará.

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EM BUSCA DO BRASIL PERDIDO

Felipe Pimentel, O Estado de S. Paulo

Se a esquerda não tiver um projeto de país, a direita terá um projeto de indivíduo para cada cidadão. Nisso estamos desamparados e o País, bastante perdido

Após realizadas as eleições municipais de 2024, como sempre, houve muitas tentativas de compreender o seu resultado. Parecem claros os seguintes pontos: 1) a polarização Lula-Bolsonaro não foi decisiva; 2) a esquerda enfraqueceu no âmbito executivo; 3) um tipo de centro, que chamaria de kassabismo, foi o grande vencedor; 4) o orçamento secreto teve força fundamental; 5) o grau de ideologia dos partidos declinou; 6) partidos dominantes na Nova República mantêm o seu eclipse – PT e PSDB minguaram ainda mais; e 7) uma alta taxa de abstenção em várias capitais. O elemento novo parece ter sido Pablo Marçal, que bagunçou o tabuleiro simplório da disputa lulismo-bolsonarismo.

Comecemos pela esquerda. Ela saiu da eleição intrigada. Para grande parte dela, Marçal era o “ilustre desconhecido” e o que ele afirmou lhe é mesmerizante, dado que só consegue interpretar qualquer coisa que desconhece como a “manipulação das redes” e o “fascismo que não imaginávamos”. Suas candidaturas: muitas críticas aos adversários, poucas propostas. Saiu derrotada sem entender. Surpreende essa dificuldade; a esquerda brasileira não tem (mais) uma proposta de país. Há algum tempo, se perguntássemos a um cidadão minimamente informado quais eram as propostas da esquerda para a segurança ou para o desemprego, teríamos uma resposta imediata. Hoje, quais são essas propostas? Desconhecemos. E, se existem, são mal comunicadas para o povo.

As causas dessa dificuldade são variadas, porém o seu efeito é mais deletério: restou-lhe a atitude comezinha de apontar o dedo aos outros alarmando cataclismas, torcendo para que as pessoas votem amparadas pelo medo, e não pela esperança. Seus analistas seguem dizendo que a direita “usurpou” ou “sequestrou” a mentalidade brasileira, quando na realidade ela somente ocupou um espaço vazio. As suas teses que se provaram errôneas nunca foram reformuladas e, assim, a esquerda fica mais antiga, vivendo do passado.

A direita saiu da eleição alvissareira. Marçal demonstra que ela não precisa ficar refém de Bolsonaro e trouxe um upgrade no marketing digital (que ele afirmou – e ensinou a muitos – se tratar da “economia da atenção”). Ele também demonstrou algo simplório: que inclusão não significa mais assistencialismo, mas empreendedorismo. Pouco importam as ciladas e os encantos que o discurso empreendedor jogue sobre as pessoas. Elas preferem almejar a realização pessoal do que dependência do Estado, este discurso que cheira aos anos 80 e 90. E, se um candidato encarnar, como já houve à esquerda, esses ideais, as pessoas acreditarão nele – e não será por fascismo. As pessoas pensam sobre saúde, educação e emprego – a vida real –, e por isso hoje elas vão à direita buscar sonhar. Não é curioso?

Porém as candidaturas galácticas da direita não nos devem enganar: a ela também falta um projeto de país. Propostas que lhe eram caras tornaram-se slogans soltos que ela usa para provocar a esquerda. Refém dos ressentimentos de toda sorte, ela esvaziou os argumentos da cabeça e fala com as vísceras, e dos anos 1990, quando fundamentou propostas de gestão pública, preservou só a atitude do bullier, que provoca por prevalecimento e caos. O neoliberalismo venceu em sua pior acepção, a moral, ao mercantilizar as relações e argumentar circularmente que o serviço que precarizamos não funciona. A direita manipula a nossa raiva e a esquerda, o nosso medo.

E o centro? Ele parece inexistir na sociedade – polarizada há dez anos –, mas é o grande vencedor da eleição. Este centro não ideológico e personalista, que venceu baseado na pessoa de cada candidato, aliando-se cada vez com um lado. Pesou que os eleitores acreditam menos em polarizações na hora de votar para prefeitos, os zeladores, mas ganhar uma eleição só na eficiência de cada candidatura e no personalismo de cada candidato, com um comprometimento ideológico de ocasião, é algo bastante trabalhoso e errático. Não se é programático, mas profissional – faz-se da política uma carreira e de cada eleição um produto. Ganham os políticos, possivelmente perde o País, que mal sabe quem é.

Enquanto a direita busca novos salvadores e a esquerda faz sua autoanálise nunca publicizada, o centro não ideológico vencerá eleições não polarizadas. E, nas polarizadas, quem oferecer um sonho real poderá avançar. Se a esquerda não tiver um projeto de país, a direita terá um projeto de indivíduo para cada cidadão. Se as pessoas não sonharem juntas, elas têm o direito de sonhar sozinhas. Nisso estamos desamparados e o País, bastante perdido.

Não seria o momento de olharmos para nossos problemas e soluções? Os aprendizados e as conquistas, com suas contradições e dificuldades? Temos o SUS, o assistencialismo e o agronegócio; a inovação, a universidade e nossa indústria; a reforma tributária, a mudança climática e as bets; a violência urbana, a mudança climática e a desigualdade. Quando vamos olhar para tudo isso com seriedade?

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'ÁPICE DA BALBÚRDIA'

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo

O “ápice” foi com os R$ 50 bilhões de 2024, ou a “balbúrdia” vai piorar em 2025?

Emendas são válidas, pois aproximam o deputado e o senador de suas bases, mas valores se multiplicam desenfreadamente e são usados sem controle

O“ápice da balbúrdia” azedou as relações entre os três poderes e o humor da sociedade contra o Congresso Nacional em 2024 e tende a ficar ainda pior em 2025, caso Câmara e Senado não admitam a gravidade da situação e o quanto isso desgasta a já tão desgastada imagem da política no Brasil. Assim, a pergunta que está no ar é: o ápice foi na gestão de Arthur Lira, ou pode ser na de Hugo Motta, seu sucessor na presidência da Câmara a partir de fevereiro?

As emendas parlamentares são válidas, pois aproximam o deputado e o senador de suas bases e dos interesses dos seus municípios e Estados. O problema é que os valores se multiplicam desenfreadamente e são usados sem controle. O poder sobre o Orçamento sai do Executivo para o Legislativo, o governo fica na mão do Congresso e o resultado é o de sempre: compra de votos e corrupção.

Como Alexandre de Moraes pegou o touro a unha no inquérito do golpe, Flávio Dino pegou no escândalo das emendas. Um enfrenta um ex-presidente da República e militares de alta patente que articularam até o assassinato do sucessor eleito. O outro bate de frente com os audaciosos parlamentares, capazes de botar a faca no pescoço e chantagear o presidente por emendas a rodo, sem controle e rastreabilidade.

Em vez de debater e aprovar tempestivamente projetos essenciais para o Brasil e os brasileiros, como o corte de gastos e a regulamentação da reforma tributária, Câmara e Senado gastaram um tempo precioso – e escasso, em ano eleitoral – para provocar o Supremo e o Planalto e promover retrocessos para a sociedade.

Exemplo: as investidas da CCJ da Câmara, comandada, aliás, por uma deputada, para abolir o aborto legal, inclusive por estupro ou risco de morte da grávida. No sentido oposto ao que se espera do Legislativo, comissões e plenários pareciam mais preocupados em prejudicar os dois outros poderes e o País do que em garantir avanços na economia.

Não vai mudar em 2025, com Hugo Motta na presidência da Câmara e Davi Alcolumbre de volta à do Senado. Ambos têm apoio nas bancadas de praticamente todos os partidos e Alcolumbre, particularmente, mantém boas relações com o Supremo, mas, acima dos interesses nacionais, prevalece o corporativismo movido a emendas que atingiram R$ 50 bilhões em 2024, “ápice da balbúrdia”.

Vem aí a reforma ministerial de Lula, disputada a tapa por políticos das mais variadas tendências, que querem status de ministro, com avião da FAB, carro oficial e visibilidade, mas, no fundo, o que compra votos no Congresso não é cargo, é emenda na veia. Se Flávio Dino deixar.

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2025, O ANO DA DIREITA ANTISSISTEMA

Joel Pinheiro da Fonseca, Folha de S. Paulo

Pode ser um fiasco, pode ser a oportunidade para reformas profundas

Contra um consenso tecnocrático, cosmopolita, globalizante, laico, progressista e —ao menos no discurso— ambientalista, ergue-se uma direita que é, ao contrário, próxima do homem comum, nacionalista, orgulhosa de suas raízes cristãs, conservadora e cética quanto às mudanças climáticas. Ela tem várias versões, algumas mais moderadas, outras mais extremistas, algumas mais intervencionistas, outras mais libertárias; mas todas com algo em comum: o sentimento antissistema. E, em 2025, essa direita chegará mais longe do que nunca.

Em 2017, Trump chegou ao poder cercado de assessores do establishment político republicano, que o contiveram de várias maneiras. Agora, esse próprio establishment se rendeu ao trumpismo e tem, portanto, menos capacidade e disposição de limitá-lo.

Ao mesmo tempo, as big techs, antes opositoras de Trump, a ele se acomodaram. Não falo só de Elon Musk, que agora ocupa o cargo mais disruptivo do novo governo e que já tem comprado briga com a ala mais nacionalista. De maneira mais discreta, Jeff Bezzos e Mark Zuckerberg passaram da oposição a uma neutralidade amistosa. Com eles, fatias maiores do empresariado e do eleitorado se acostumam com as novas ideias no poder.

E que ideias são essas? Basicamente, a rejeição às instituições que têm sido centrais no Ocidente liberal nas últimas décadas. No plano global, os diversos órgãos e acordos internacionais. No plano nacional, instituições independentes que não se pautam pela vontade popular: agências reguladoras, imprensa profissional, Judiciário. Em ambos, está em xeque a figura do especialista, cujo conhecimento e credenciais confeririam legitimidade para comandar as massas. Trump é sua negação.

Na Europa, ainda um bastião da velha ordem que hoje se questiona, as duas principais potências —França e Alemanha— veem sua política em colapso, com a direita nacionalista conquistando cada vez mais espaço. Na Itália, a presidente nacionalista desponta como uma liderança autoconfiante de defesa do legado cristão.

Enquanto isso, na nossa América do Sul, todos os olhos em Milei. Ele começou o governo com um programa radical de cortes profundamente recessivo. Conseguiu controlar a inflação e produzir superávits ao custo inicial da contração econômica e piora social. Nos últimos meses do ano, contudo, dados oficiais indicam crescimento e redução do desemprego e da pobreza. Se essa recuperação se mostrar sustentável em 2025, será uma lição incontornável para um Brasil cujo governo ainda não se decidiu se o problema fiscal é real ou mera invenção de especuladores.

Para onde quer que se olhe, os velhos consensos estão em crise. De fora, Rússia e China se propõem como alternativas à democracia liberal. Por dentro, a nova direita —nascida nas redes— questiona seus alicerces. Quem disser que sabe onde isso dará está blefando. O novo governo Trump chacoalhará os EUA e o mundo. Pode ser um fiasco, pode ser a oportunidade para reformas profundas que preparem o Ocidente para um novo capítulo da transformação tecnológica. Seja como for, promete ser um ano de instabilidade e, portanto, se formos inteligentes, de aprendizado. Feliz ano-novo!

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GOVERNADORES MISTURAM POLITICAGEM COM SEGURANÇA PÚBLICA

Alvaro Costa e Silva, Folha de S. Paulo

Argumento da autonomia não pode justificar abusos da força policial

Há no país duas certezas enraizadas: uma polícia violenta dá voto e a questão da segurança pública irá definir as eleições presidenciais de 2026.

A PEC de Ricardo Lewandowski propõe que a União tenha o poder de estabelecer as diretrizes da política de segurança, dividindo (ou diminuindo, de acordo com o ponto de vista) a responsabilidade dos estados. A proposta coleciona adversários dentro do próprio governo, a turma que acha melhor não mexer nesse vespeiro.

Diante do desespero da população –recente Datafolha mostrou que 51% dos brasileiros dizem ter mais medo da polícia do que confiança nela–, da exploração ideológica da crise e das cenas cotidianas de brutalidade, um decreto do Ministério da Justiça publicado na semana passada prevê uso da força e de armas de fogo apenas como último recurso.

A comprovar que o problema é de todos, na véspera de Natal uma jovem foi baleada na cabeça por um policial rodoviário federal, no Rio. Constrangido, Lewandowski deve acelerar o detalhamento do texto antes previsto para 90 dias. As medidas não são obrigatórias, embora sirvam de condição para o repasse de verba aos estados.

O decreto virou um cabo de guerra entre apoiadores e opositores de Lula. O consórcio dos governadores do Nordeste está a favor, enquanto o consórcio dos governadores do Sul e Sudeste é contra. Não há consenso ou qualquer palavra sobre o flagrante descontrole das polícias militares, fruto de sua politização. As falas mais parecem destinadas a campanhas eleitorais do que a resolver o sufoco real da insegurança.

O mais exaltado é o governador do Rio, Cláudio Castro, que prometeu ir ao STF para sustar os efeitos da medida. "Espero que a população cobre dos responsáveis por esse decreto quando bandidos invadirem uma residência, roubarem um carro ou assaltarem um comércio", disse Castro, chefe de uma PM que não consegue entrar em áreas dominadas pelo crime organizado. Defende a autonomia, mas recentemente permitiu que a Marinha fizesse uma operação com 250 homens e 40 viaturas, incluindo tanques de guerra, nas proximidades do hospital onde uma médica morreu vítima de bala perdida.

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BANCADAS PESSOAIS

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Teto de doações eleitorais deveria ter valor nominal máximo, não ser uma proporção da renda anual do doador

Reportagem da Folha mostrou que alguns empresários conseguiram, através de doações, eleger suas próprias bancadas de vereadores. Um caso eloquente é o do empresário Erasmo Batistella, que deu apoio financeiro a 14 dos 21 vereadores eleitos em Passo Fundo (RS), município com mais de 200 mil habitantes.

Em cidades menores, o efeito do dinheiro extra pode ser ainda mais decisivo. Rubens Ometto, de longe o maior doador individual de 2024, ajudou a eleger a maioria dos vereadores tanto de São José da Laje, município alagoano na área sob influência de Arthur Lira, quanto de Igreja Nova, na zona de Renan Calheiros.

É legal constar que o empresário não sucumbiu ao jogo da polarização local (Lira e Calheiros são os dois mandachuvas rivais), mas o ponto não é esse. Não é razoável que um cidadão, por ter mais dinheiro, possa tornar-se credor político da maioria dos vereadores de um município –ou de mais de um.

O STF, a meu ver acertadamente, passou a considerar doações de empresas inconstitucionais porque empresas não votam. Só quem tem direito a voto tem direito de apoiar financeiramente uma candidatura.

Empresários, ao contrário de suas empresas, votam. Têm, portanto, o direito de fazer doações. Falta agora dar o passo seguinte. Da mesma forma que eleitores não podem depositar mais de um voto na urna, ninguém deveria estar autorizado a exercer influência financeira desproporcional. O limite máximo para doações não deveria ser uma fatia (10%) da renda anual do doador, mas sim um valor nominal igual para todos os cidadãos.

Se há algo de que políticos não podem se queixar, é da falta de recursos públicos para as campanhas. Em 2024, só o fundo eleitoral chegou a R$ 5 bilhões –por qualquer medida um escândalo.

Até existem situações em que gastar mais resulta num produto final melhor. É o caso da comida feita só com ingredientes de alta qualidade. Não é o caso de eleições. Campanhas mais caras não melhoram a qualidade dos eleitos nem a da democracia. Esse é um gasto que deveria ser mantido tão baixo quanto possível.

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DESACATO À LEI NA CASA DAS LEIS

Dora Kramer, Folha de S. Paulo

O desrespeito do Congresso à lei no caso das emendas afronta a natureza da Casa

Na Constituição discutida, votada e aprovada pela Assembleia Constituinte eleita em 1986 e concluída em 1988, há um dispositivo claro no artigo 37 que demanda transparência aos atos da administração pública.

A esse preceito, pouco observado com seriedade, se refere o ministro Flávio Dino ao exigir, com apoio dos pares do Supremo Tribunal Federal, o cumprimento das regras de manejo das emendas parlamentares.

A olhares mais frouxos tal exigência pode parecer implicância do Judiciário ou mesmo soar como um quê de retaliação devido a certas iniciativas do Legislativo, mas não é. Trata-se da simples disciplina legal.

Congresso tenta descumprir a lei, enquanto o Supremo atua para fazer valer o escrito na Carta. A este embate se dá o inadequado nome de crise institucional, quando o que se tem é um conflito movido por interesses da freguesia.

O Parlamento bate continência ao faz de conta ao alegar que cumpriu todas as determinações em consonância com regras do Executivo. Além de não ter cumprido de maneira reiterada, o estabelecimento das normas não cabe ao Planalto e sim ao STF, no resguardo ao que diz aquele artigo 37.

Cristalina, pois, a situação. Não vê quem não quer ou, por outra, quem pretende interpretar a realidade de acordo com as próprias conveniências. É o caso dos congressistas resistentes à clareza do argumento constitucional.

O ano termina com a questão em aberto e assim ficará até a volta do recesso, em fevereiro, quando Flávio Dino avisou que vai se dispor, mais uma vez, a ouvir o Congresso já sob nova direção.

Com isso, o ministro está sendo benevolente. A rigor não cabe discussão quanto à letra da lei, matéria-prima do estado de Direito, que os legisladores deveriam ser os primeiros a respeitar, mas não o fazem numa clara afronta à natureza de suas funções.

O Executivo, por sua vez, sem força para dar um basta nos abusos, confere um perigoso aval aos dribles, arriscando-se a ser sócio do escândalo em gestação pelas descobertas que a Polícia Federal vem fazendo no uso das emendas.

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AGU ORIENTA GOVERNO A NÃO PAGAR R$ 4,2 BILHÕES EM EMENDAS

Pepita Ortega / Blog do Fausto Macedo, O Estado de S. Paulo

AGU recomenda cautela a Lula e orienta governo a não pagar R$ 4,2 bilhões em emendas

Braço jurídico do governo considera ‘prudente’ que Planalto adote ‘interpretação mais segura’ da decisão do ministro do STF que liberou, neste domingo, 29, parte das emendas de comissão bloqueadas por falta de transparência; em jogo, está R$ 1,7 bilhão em emendas apadrinhadas por líderes que foram empenhadas antes do dia 23 de dezembro

Em meio à queda de braço entre o Congresso e o ministro Flávio Dino sobre a liberação do espólio do orçamento secreto, a Advocacia-Geral da União sugeriu cautela ao governo Lula e o não pagamento – pelo menos por hora - de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares apadrinhadas por líderes partidários. O braço jurídico do Executivo diz que é prudente que o governo adote uma “interpretação mais segura” da decisão de Dino que liberou, neste domingo, 29, parte das emendas de comissão que estavam bloqueadas desde o dia 23.

Dino deu aval para a continuidade da execução de parte das emendas de comissão já empenhadas para “evitar insegurança jurídica para terceiros”, como Estados, municípios, empresas e trabalhadores. A AGU, no entanto, viu “dúvida razoável” sobre o alcance da ressalva de Dino e assim sugeriu que, ao menos até um “esclarecimento judicial”, o governo mantenha o bloqueio das mais de 5 mil emendas citadas em um ofício enviado por 17 líderes partidários ao governo, no início de dezembro, pedindo o pagamento dos valores.

Após a emissão do parecer da AGU, a Secretaria de Relações Institucionais informou que, até o dia 23 de dezembro – data estipulada por Dino - foi realizado o empenho R$ 1,7 bilhão em emendas de comissão, dentro do universo de projetos que totalizavam R$ 4,2 bilhões. Segundo a SRI, tais recursos estão distribuídos entre seis Ministérios: Turismo, com R$ 441 milhões empenhados; Cidades, com R$ 335,1 milhões; Saúde, com R$ 330,2 milhões; Esportes, com R$ 307,9 milhões; Integração, com R$ 278,2 milhões e Agricultura, com R$ 83,2 milhões.

O valor informado é ao empenho de parte das 5.449 emendas citadas no ofício subscrito por 17 líderes partidários – o qual foi derrubado pelo ministro Flávio Dino. Segundo o despacho assinado por Dino neste domingo, 29, o ofício dos líderes apresenta uma “nulidade insanável”, com “motivos determinantes falsos. O ministro ressaltou que o Poder Executivo está “definitivamente vedado a empenhar o que ali consta”.

A razão para a ‘cautela’ pregada pela AGU é justamente a anulação do ofício de líderes. Segundo o órgão, a interpretação mais segura é, por hora, considerar que o ministro do STF não ressalvou os empenhos das emendas de comissão que constam no documento, ainda que eles sejam anteriores à 23 de dezembro e ainda que os recursos sejam destinados à saúde. Assim a orientação é para a não continuação da liberação do R$ 1,7 bilhão empenhado antes da suspensão dos efeitos do ofício.

O parecer é emitido em meio ao rescaldo da manifestação em que a Câmara dos Deputados disse que agiu “sob orientação jurídica” de pastas do governo Lula ao indicar os R$ 4,2 bilhões em emendas apadrinhadas por 17 de líderes de bancada. A Câmara não identificou deputados que apadrinharam as emendas e alegou que não havia previsão de que as indicações “tivessem que ser votadas pelos respectivos colegiados” – o que Dino acabou rechaçando de vez na decisão assinada neste domingo, 29.

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TARIFA DE ÔNIBUS PRECISA SER FIXADA COM REALISMO

Editorial Folha de S. Paulo

Ao protelar reajuste em SP, Nunes expandiu subsídios; deve-se estimular concorrência e focar em estratos de baixa renda

Elevar o preço da passagem de ônibus pode ser mexer num vespeiro —recordem-se os protestos pelo país em 2013 que tiveram como estopim uma alta de R$ 0,20 em São Paulo. Mas, mesmo impopulares, reajustes são necessários para manter a sustentabilidade do sistema e a ordem nas contas públicas.

O prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), anunciou que a partir do dia 6 de janeiro a tarifa passará de R$ 4,40 para R$ 5 —alta de 13,6%. Desde a ultima alteração, em 2020, quando subiu de R$ 4,30 para o valor atual, a inflação foi de 32%.

As críticas vieram. A Justiça paulista acatou parte de uma ação de parlamentares do PSOL e pediu explicações à prefeitura; representantes da sociedade civil no Conselho Municipal de Transporte e Trânsito divulgaram carta contra a mudança; futuros vereadores acionaram o Judiciário para questionar a reunião do CMTT.

Por óbvio, o tema está aberto a debates, mas é preciso ter em mente que o congelamento da tarifa —assim como a gratuidade aos domingos e para alguns estratos da população— implica alto gasto de verbas públicas, que poderiam ser direcionadas a setores que gerariam efeitos reais na redução de desigualdades, como saúde e educação.

Assim, o reajuste é correto e até tardio. Ao protelá-lo, Nunes fez com que os subsídios para as empresas de transporte se expandissem de modo insustentável, impactando o Orçamento.

As despesas nessa rubrica saltaram de R$ 3,3 bilhões em 2021 para R$ 6,7 bilhões neste ano. O valor, bancado pelo contribuinte, equivale a 58,7% do custo total do sistema neste ano (11,4 bilhões). Os restantes R$ 4,6 bilhões, pagos pelos passageiros, constituem a menor cifra desde 2021.

O fato de a prefeitura ter gastado 19,6% acima do previsto para 2024 (5,6 bilhões) revela a fragilidade da política de subsídios quando ela se assenta mais em demagogia do que na realidade.

É preciso que as tarifas sejam reajustas do modo periódico, como ocorre com preços de bilhetes de trem e metrô, e que subsídios e gratuidades sejam direcionados à população de baixa renda.

Ademais, para aumentar a eficiência do sistema, com novas tecnologias e redesenho de linhas, e o número de passageiros, deve-se estimular a concorrência. Para isso, não pode haver excesso de exigências para que novas e pequenas empresas participem dos processos de licitação.

Trata-se de zelar pelo uso racional do dinheiro do contribuinte para alcançar os melhores resultados possíveis, o que é dever de legisladores e gestores.

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FALTA DE ORÇAMENTO ESPELHA INCERTEZA FISCAL EM 2025

Editorial Folha de S. Paulo

Ano começará sem que se saibam impactos dos juros e do pífio pacote de corte de gastos; Lula perdeu margem de protelação

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciará mais um ano sem Orçamento aprovado pelo Congresso, o que é sintoma e agravante da má gestão e das incertezas que hoje cercam as finanças públicas.

O atraso reflete tanto a demora do Executivo em anunciar seu prometido pacote de contenção de gastos —que se mostrou frustrante e acelerou a alta do dólar e dos juros— como a sanha de deputados e senadores para abocanhar mais recursos públicos por meio de suas emendas.

Enquanto não fecharam acordo com o Planalto para a liberação do pagamento das emendas, os parlamentares paralisaram as votações das medidas fiscais, da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e do Orçamento.

O pacote, já tímido, foi afrouxado, não se sabe ao certo o quanto. A Fazenda, que não tem primado pela precisão de suas estimativas, calculou uma perda de R$ 2,1 bilhões, de R$ 71,9 bilhões para R$ 69,8 bilhões, na economia esperada neste ano e no próximo. Já entre analistas de mercado, a desidratação projetada ficou entre R$ 8 bilhões e R$ 20 bilhões.

A LDO —que, como o nome indica, fixa normas para a elaboração e a execução do Orçamento, incluindo a meta para o saldo das contas do Tesouro Nacional— só foi aprovada pelo Congresso em 18 de dezembro, enquanto a legislação prevê que isso deve ocorrer no primeiro semestre legislativo.

Foi com a mudança da meta para 2025, em abril, que a administração petista despertou o processo de desconfiança crescente quanto a seu compromisso com o programa de ajuste fiscal. Em vez de um superávit primário (sem contar despesas com juros) de 0,5% do PIB, cerca de R$ 60 bilhões, o governo passou a mirar resultado zero, sendo admitido um déficit de até R$ 30,9 bilhões.

A LDO incorporou ainda uma regra que gera críticas por potencialmente permitir gastos de estatais dependentes do Tesouro fora dos limites orçamentários, além de dezenas de dispositivos votados de última hora pelos congressistas, cujos impactos ainda não são sabidos ao certo.

Quanto ao Orçamento, o relator do projeto, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), já adiantou à Folha as dificuldades que antevê para a votação no início de 2025, dado o conflito entre os Poderes provocado pelas decisões do Supremo Tribunal Federal contra o pagamento de emendas.

Apresentada no final de agosto, a peça logo despertou ceticismo em relação à grande elevação prevista das receitas. Novas dúvidas surgem agora com o choque de juros promovido pelo Banco Central, cujo objetivo é conter a inflação esfriando a economia —o que impacta a arrecadação.

O governo Lula passou quase todo o ano de 2024 semeando expectativas de providências mais ambiciosas para conter seu déficit e a escalada da dívida pública. Com o dólar acima de R$ 6, a margem para protelações se esgotou. É necessário dirimir com urgência as múltiplas dúvidas quanto às contas de 2025.

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O QUE NOS PERMITE OLHAR ADIANTE

Editorial Correio Braziliense

Concluímos 2024 com a convicção de que a mancha do golpismo está sendo removida — não sem o esperneio de seus adeptos e porta-vozes — por meio do necessário remédio: o devido processo legal

Quando se tenta enxergar além do horizonte deste 2025 que vem chegando, o que se percebe, a preços de hoje, é que tem tudo para ser um ano difícil na economia e que as relações entre o Palácio do Planalto e o Congresso prenunciam manterem-se em níveis pouco amistosos. Arthur Lira deixa a presidência da Câmara, mas isso não quer dizer que prescindirá da influência consolidada em dois mandatos à frente da Casa. Isso permite antever que as matérias relacionadas à estabilização das contas públicas continuarão enfrentando tramitações difíceis. Nesse jogo de influência, o deputado Hugo Motta — provável sucessor de Lira — tem dado indicações de que se alinhará àquele que ainda ocupa a cadeira mais elevada do plenário.

Mas isso faz parte do permanente cabo de guerra travado entre os poderes da República quando prevalece a democracia. O ser estranho neste cenário é o golpismo, a excitação de grupos radicais — militares e civis — que se acreditam virtuosos e únicos capazes de conduzir o Brasil ao paraíso bíblico que imaginam existir. Para eles, a lei tem sido implacável. E isso permite dizer que, nesta seara, o país fecha o ano em condições de olhar para frente com a cabeça erguida.

A corroborar isso, pesquisa de opinião divulgada em 18 de dezembro mostra que 52% dos brasileiros acreditam que se arquitetou, e foi levada adiante, uma tentativa de golpe de Estado em 2022. Eventos ocorridos antes, reforçados por discursos e gestos registrados para a posteridade, e provas coletadas depois, não dão margem a qualquer dúvida sobre a ruptura institucional que estava a caminho. Da parte dos personagens envolvidos na trama, jamais houve dubiedade sobre o que pretendiam.

Ainda que enxerguem violações a uma lei que não lhes serve, porque não os beneficia nem dá suporte aos seus atos, seus advogados não podem jamais negar que lhes é cerceada a defesa. Para eles, e para o restante da sociedade, o Judiciário permanece aberto a melhor argumentação dentro das balizas legais. Algo que não é possível acreditar que ocorreria caso o país vivesse uma exceção institucional.

Fechamos 2022 sob a tensão, e os indícios, de que se urdia um ataque frontal e definitivo à democracia. Encerramos 2023 sob a preocupação de que esta ameaça não esteja completamente dissipada. Mas concluímos 2024 com a convicção de que a mancha do golpismo está sendo removida — não sem o esperneio de seus adeptos e porta-vozes — por meio do necessário remédio: o devido processo legal.

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GOOGLE, O NOVO 'INIMIGO DO POVO'

Editorial O Estado de S. Paulo

Erro do buscador na cotação do dólar é tratado pelo governo como conspiração contra o Brasil

No dia 25 de dezembro passado, quem pesquisasse a cotação do dólar no Google obtinha como resposta o valor de R$ 6,35, nada menos que R$ 0,20 acima da cotação real. Tratava-se de algo sem muita relevância, a não ser para o circo das redes sociais, e o erro foi logo corrigido, mas o governo de Lula da Silva, empenhadíssimo em demonstrar que a moeda brasileira está sob ataque especulativo das forças ocultas do mercado, parece inclinado a tomar esse caso como prova de suas teorias da conspiração – e, de quebra, ainda pretende fustigar uma das principais Big Techs, empresas que, segundo Lula disse numa entrevista à TV Record em julho passado, ganham dinheiro “disseminando inverdades”.

A Advocacia-Geral da União (AGU) decidiu reunir subsídios para eventual atuação relacionada à informação incorreta e solicitou dados ao Banco Central (BC). De acordo com reportagem do Estadão/Broadcast, a intenção seria acionar a plataforma judicialmente.

Muitos fatores levaram à disparada do dólar. Mas nenhum deles pesou tanto quanto a timidez do pacote fiscal e a falta de empenho do Executivo em defendê-lo. O Palácio do Planalto, porém, decidiu recorrer à surrada tática lulopetista de inventar complôs de “inimigos do povo”, em vez de assumir a responsabilidade pela deterioração cambial, inflação fora da meta e trajetória de alta da dívida pública. Aos poucos, o governo vai construindo sua narrativa de vitimização.

Se há uma vítima, há um algoz, e esse algoz tem nome e sobrenome: “Faria Lima”. Como se fosse uma sociedade secreta que opera nas sombras para destruir o País, a “Faria Lima” inventada pelos petistas cria e dissemina desinformação por meio de seus cúmplices nas Big Techs.

O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, chegou a ir às redes sociais dizer que “a indústria das fake news está trabalhando mais uma vez contra o Brasil”, por causa de uma declaração falsamente atribuída a Gabriel Galípolo, futuro presidente do BC, de que consideraria “artificial” a alta do dólar. Galípolo desestimulou esse devaneio, mas a indústria petista de distorção da realidade para seus propósitos políticos é imparável. A investida da AGU parece fazer parte desse esforço.

O órgão enviou ofícios à Polícia Federal (PF) e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nos quais pediu a instauração de “procedimentos policial e administrativo” a fim de investigar fake news de redes sociais. Depois disso, voltou a artilharia contra o Google por causa da cotação do dólar. No despacho em que a Procuradoria-Geral da União registra a solicitação da AGU, lê-se que o assunto é “defesa do Estado e das instituições democráticas”. Nada menos.

É bastante improvável que toda essa patranha resulte em alguma coisa prática, mas sua utilidade já se tornou evidente: ajuda a alimentar a farsa segundo a qual o País está sob ataque e que, não fosse o complô dos desalmados operadores do mercado e seus sócios nas Big Techs contra Lula e o governo do PT, o Brasil estaria voando.

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PARA O GOVERNO, 1 MAIS 1 DÁ 3

Editorial O Estado de S. Paulo

Depois de atribuir a má recepção do pacote fiscal a ruídos de comunicação, Haddad reconhece haver ‘inconsistência’ na promessa de isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a reforma tributária sobre a renda será enviada ao Congresso em 2025. Segundo ele, a intenção do governo era remetê-la ao Legislativo ainda neste ano, mas a equipe econômica percebeu que o modelo apresentou uma “inconsistência” que deverá ser corrigida pela Receita Federal antes de remeter o projeto de lei ao Legislativo.

O ministro não deu muitos detalhes sobre essa “inconsistência”, mas aparentemente ela não tem nada de trivial. O imbróglio se deve à promessa de isentar do Imposto de Renda (IR) os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil mensais. Essa perda deveria ser compensada pela taxação mínima de 10% para aqueles que recebem mais de R$ 50 mil por mês, alguns como pessoas físicas e muitos por meio de pessoas jurídicas.

Ao rodar o modelo considerando essas mudanças, a conta não fechou. E, agora, caberá aos auditores calibrar o sistema para manter a carga tributária neutra, de forma a garantir que o somatório da arrecadação dos impostos que incidem sobre pessoas físicas e jurídicas se mantenha estável após a reforma.

De fato, não parecia crível abrir mão de uma arrecadação líquida e certa, como a que incide sobre os salários e é retida na fonte, para compensá-la por meio da taxação de grupos privilegiados que conseguem reduzir o pagamento de impostos via planejamento tributário. Em ordem de grandeza, enquanto a primeira beneficiaria milhões de pessoas, a segunda alcançaria milhares.

Ainda que a arrecadação de uma recompusesse a perda da outra, o correto seria apresentar notas técnicas que mostrassem como o governo chegou a esses números. Afinal, trata-se de um reajuste e tanto considerando a atual faixa de isenção de IR, de até R$ 2.824,00 mensais. Ao não apresentar seus cálculos, o governo deu a deixa para que outras instituições fizessem suas próprias contas.

Segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Sindical), a isenção de IR para ganhos de até R$ 5 mil atingiria 9,6 milhões de pessoas e geraria uma perda de arrecadação anual de R$ 51 bilhões, ampliando o universo de contribuintes isentos para 26 milhões.

É inegável que a isenção de IR para quem recebe até R$ 5 mil foi a grande responsável pela péssima repercussão que o pacote fiscal teve no mercado. E o fato de que o anúncio foi feito em cadeia nacional de rádio e TV por ninguém menos que o próprio ministro da Fazenda só piorou a situação.

Haddad, no entanto, insistia na tese de que o que havia eram apenas “ruídos”. Era como se o mercado tivesse feito uma leitura errada do pacote, e bastaria que o governo mostrasse esse equívoco para que o dólar e a curva de juros futuros recuassem e a confiança fosse recuperada.

A verdade é que os investidores rapidamente perceberam que o que havia ali não era um problema de comunicação, mas um problema de matemática. O ministro, por sua vez, só reconheceu a “inconsistência” da proposta depois que o pacote já havia sido aprovado e esvaziado no Congresso.

Fato é que as incertezas seguem contaminando as expectativas, com o dólar acima de R$ 6,00 e os juros futuros a mais de 15% para vários vencimentos. Afinal, tudo que o Executivo conseguiu foi reduzir o ritmo de crescimento de algumas despesas, e não o corte estrutural para preservar o arcabouço fiscal, que sinalizou ao mercado que faria entre o primeiro e o segundo turnos das eleições municipais.

Se em 2023 o ministro encerrou o ano com a aprovação de praticamente todas as medidas de sua agenda econômica, 2024 termina com o gosto amargo das promessas descumpridas. Mas em vez de buscar ativamente o equilíbrio fiscal, a única forma de reconquistar a confiança do mercado, o governo terceiriza responsabilidades e usa a máquina pública para investigar um suposto conluio do mercado contra sua gestão.

Enquanto celebra o crescimento do PIB e a queda do desemprego, o governo finge não ver a inflação fora da meta. Mais útil seria compreender que os riscos que o mercado enxerga no futuro são exatamente os mesmos que o Executivo minimiza no presente.

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ANVISA FAZ BEM AO RESTRINGIR ACESSO DE CONSUMIDORES AOS 'CHIPS DA BELEZA'

Editorial O Globo

Vendidos com a promessa de tornar os compradores mais belos e mais fortes, eles trazem riscos graves à saúde

Foi acertada a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de conter o abuso dos implantes hormonais manipulados, conhecidos como “chips da beleza”. Apesar de indicados por profissionais de saúde para tratamentos específicos, eles passaram a ser usados indiscriminadamente, para fins estéticos e de desempenho físico. Produzidos em farmácias de manipulação e inseridos sob a pele, misturam diversos hormônios e substâncias. De acordo com a Anvisa, além de não haver comprovação de eficácia e segurança para uso estético, há risco de efeitos adversos graves.

Associações médicas já pediam o enquadramento dos “chips da beleza”, diante da avalanche de efeitos colaterais vistos com frequência nos consultórios. Entre os principais riscos estão derrame, arritmia, infarto, trombose, hipertensão, colesterol, crescimento excessivo de pelos, queda de cabelo, insônia e agitação. Em carta enviada à Anvisa antes da restrição, entidades médicas ressaltaram que os implantes hormonais são divulgados livremente nas redes sociais, muitas vezes por celebridades, sem qualquer evidência científica.

Apesar de bem-intencionada, a Anvisa exagerou no rigor de sua primeira decisão, anunciada em outubro, quando proibiu a manipulação, venda, propaganda e uso de todo e qualquer implante hormonal manipulado. Diante da ponderação das entidades médicas, em novembro republicou a decisão, abrindo espaço ao uso médico. Foram liberados os implantes para tratamentos de reposição hormonal e anticoncepcionais. Continuaram vetados aqueles à base de esteroides anabolizantes ou hormônios androgênicos com fins estéticos ou para melhorar o desempenho esportivo. A propaganda permanece proibida em qualquer caso.

As regras para prescrição e venda se tornaram mais rígidas. O médico que recomendar o implante terá de inserir na receita o código da condição clínica tratada. Será obrigatória a assinatura de um Termo de Responsabilidade por médico, paciente e responsável pela farmácia de manipulação. Nas regras, de acordo com certas interpretações, a Anvisa tornou as farmácias de manipulação corresponsáveis “em casos de má prescrição ou uso inadequado”.

Procedimentos estéticos disseminados nas redes sociais sem nenhum cuidado podem ser sedutores. À primeira vista, parecem a fórmula ideal para adquirir corpos atraentes, ganhar massa muscular e melhorar o desempenho. Mas essa é apenas parte da história. Os riscos são graves — e imprevisíveis. Superam qualquer benefício que o procedimento poderia proporcionar. Qualquer um deve ter liberdade para fazer suas escolhas, mas é obrigação do Estado zelar pela saúde de todos. Isso inclui alertar sobre os riscos. As novas normas da Anvisa poderão evitar que os desavisados caiam no conto do “chip da beleza”.

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DEMOCRACIA ERA O EIXO DA DIPLOMACIA DE JIMMY CARTER

Editorial O Globo

Democracia era o eixo da diplomacia de Jimmy Carter

Ele foi o presidente americano que mais contribuiu para derrubar a ditadura militar brasileira

Fora do Brasil, é provável que Jimmy Carter seja lembrado como artífice dos acordos históricos de Camp David, que resultaram na paz entre Israel e Egito, ou pelo fracasso de sua tentativa de reeleição diante da avalanche que Ronald Reagan representou em 1980 para um país consumido pela inflação e pela paralisia econômica. Aqui no Brasil, seu nome estará sempre associado à defesa da democracia. Carter, que morreu nesta semana aos 100 anos, foi o presidente dos Estados Unidos mais perturbador para a ditadura militar brasileira. Sua ascensão ao poder acabou com a vista grossa que a Casa Branca fazia para os desmandos dos generais no Cone Sul e representou uma guinada da política externa americana na direção da democracia e dos direitos humanos.

Carter mostrou a que vinha já na campanha. Numa entrevista em 1976, disse que o apoio dos Estados Unidos ao regime militar brasileiro era “um tapa na cara do povo americano”. Em debate eleitoral, lembrou que os republicanos haviam ajudado a derrubar Salvador Allende e a sustentar Augusto Pinochet no Chile poucos anos antes. Uma vez no poder, cortou a ajuda financeira a países onde havia tortura. No primeiro ano de mandato, enviou ao Brasil a mulher, Rosalynn. Ela deixou o presidente Ernesto Geisel perplexo ao apresentar uma lista de perseguidos políticos. Antes de partir, convidou integrantes da oposição para um jantar, prestigiou a imprensa e conversou com missionários americanos sobre as condições nas prisões. Inconformado com a política de direitos humanos e com a oposição americana ao tratado nuclear entre Brasil e Alemanha, Geisel encerrou um acordo bilateral de cooperação militar. O discurso de Carter não era mera retórica.

Quando veio ao Brasil no ano seguinte, na primeira visita de um presidente americano em 18 anos, encontrou representantes da oposição ao regime militar, como o presidente da OAB, Raymundo Faoro, e o cardeal de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Convidou Arns para acompanhá-lo no carro até o aeroporto no Rio. A mágoa de Geisel durou até o fim da vida.

Por anos, prevaleceu a narrativa segundo a qual a política de Carter de criar atrito com o governo militar foi contraproducente para a abertura. Mas documentos secretos à época hoje abertos para consulta pública revelam uma realidade diferente. “Carter chacoalhou o regime, pondo Geisel na defensiva e fortalecendo a oposição à ditadura”, diz Matias Spektor, professor de relações internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV).

É certo que ele não manteve coerência absoluta na defesa dos direitos humanos e da democracia — na disputa com os soviéticos, prestou ajuda ao governo golpista de El Salvador que lutava contra uma insurgência apoiada por Cuba, apesar do histórico terrível de repetidos crimes contra civis. Mesmo assim, tornou ambos os temas prioridades da política externa americana, quebrando o padrão adotado anteriormente por seus antecessores da Guerra Fria. Prova de que sua influência é duradoura foi a posição determinada dos Estados Unidos — tanto no Congresso quanto no Executivo — contra a tentativa de golpe militar no Brasil em 2022 e contra a fraude eleitoral cometida pelo ditador Nicolás Maduro na Venezuela. Ao contrário do que ocorria no passado, desde Carter os americanos passaram a repelir o golpismo no continente.

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CREDIBILIDADE E TRANSPARÊNCIA

Filipe Matoso, g1 e GloboNews 

Decreto de Lula dá mais credibilidade e transparência às ações policiais, dizem ex-ministros da Justiça e da Segurança

Texto do governo foi publicado em 24 de dezembro e prevê diretrizes para uso da força policial. Em manifesto, sete ex-ministros dizem que violência 'desmedida' não combate o crime.

Um manifesto divulgado nesta segunda-feira (30) por sete ex-ministros da Justiça e da Segurança Pública afirma que o decreto editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o uso da força policial dá mais credibilidade e transparência às ações policiais, acrescentando que a violência "desmedida" não combate o crime na prática.

decreto foi publicado no último dia 24 de dezembro no "Diário Oficial da União" (DOU). Em janeiro, deve ser publicado um outro texto com a regulamentação de trechos desse decreto.

Decreto do Governo regula usa da força por polícias

Entre outros pontos, o decreto do governo Lula diz que:

- arma de fogo não pode ser usada se a pessoa estiver desarmada (exceto em caso de risco ao profissional);

- o nível de força deve ser compatível com a ameaça;

- não pode haver discriminação (racial, por exemplo).

"Para além do discurso de caráter meramente ideológico, é difícil não perceber que o decreto representa uma evolução significativa na credibilidade das instituições, sobretudo as policiais, sem a qual a confiança é corroída, em prejuízo à construção de uma sociedade mais segura, justa e pacífica", diz trecho do manifesto.

O documento é assinado pelos ex-ministros José Eduardo Cardozo, Raul Jungmann, Aloysio Nunes Ferreira, Tarso Genro, Nelson Jobim, Miguel Reale Júnior e Luiz Paulo Barreto.

Ainda no manifesto, os ex-ministros elogiam a decisão de se estabelecer de forma "clara" os protocolos sobre o uso da força policial, buscando garantir que as ações policiais sejam "proporcionais e adequadas à situação, com ênfase na proteção dos direitos civis".

"Não é um decreto que se volte contra as legitimas ações policiais. Pelo contrário, visa a promoção de uma segurança pública mais cidadã e respeitosa, em benefício, ao fim e ao cabo, de toda a população brasileira, bem como a vida dos nossos policiais de todas as hierarquias e das suas famílias", afirma o documento.

Para os ex-ministros, a violência desmedida em operações não deve ser visa como solução para o combate ao crime, até porque, ressaltam, essa violência "se volta contra brasileiros inocentes".

"Sem medo de errarmos, o que se buscou com o recente decreto foi fortalecer a transparência, com a previsão de diretrizes para a criação de mecanismos de monitoramento e transparência nas ações policiais, promovendo a divulgação de dados sobre operações e intervenções, bem como a implementação de programas de capacitação voltados para a formação de policiais, focando em direitos humanos e mediação de conflitos", acrescenta o manifesto.

Política não deve guiar discussões

Sem citar caso específico, o manifesto dos ex-ministros afirma que o debate "raso" sobre eventual interferência da União sobre os estados "jamais poderia guiar a análise séria sobre o tema".

"Entendemos, com o devido acatamento, que as reações exacerbadamente negativas ao texto podem ser fruto de um embate na arena política ou mesmo de desconhecimento do inteiro teor do decreto", completa o manifesto.

Decreto não fere autonomia, diz consórcio

Neste domingo (29), o Consórcio do Nordeste, que reúne os 9 governadores dos estados da região, divulgou um comunicado no qual elogiou o decreto do governo federal, afirmando, por exemplo, que as diretrizes federais estão em linha com aquilo que já se tenta praticar nos estados, como o uso gradual da força.

"É importante destacar que o Decreto 12.432/2024 não altera a autonomia dos Estados nem as normativas já estabelecidas. Ao contrário, ele reafirma a centralidade da prudência, do equilíbrio e do bom senso no exercício da atividade policial. Além disso, sublinha a necessidade de constante modernização das técnicas de atuação, promovendo mais segurança tanto para os profissionais quanto para a sociedade, sempre com a preservação da vida como prioridade absoluta", afirmam os governadores do Nordeste.

Na mesma linha, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública disse defender que as autoridades se unam no "aperfeiçoamento" das forças de segurança pública do país e também no "controle do uso da força" por parte do Estado.

Para a entidade, a segurança pública "não pode ficar à mercê dos ventos dos interesses partidários", independentemente do espectro ideológico.

"Por isso, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública entende que, ao contrário de declarações de alguns governadores contra a edição do Decreto 12.341, a atribuição de regulamentação dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, fato que só ocorre após a aprovação pelo Congresso Nacional, é atribuição exclusiva da União e não configura usurpação e/ou invasão de competências dos estados e do Distrito Federal em matéria de Segurança Pública", diz a nota da entidade.

'Presente de Natal'

Governadores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, por outro lado, criticaram o governo do presidente Lula, alegando, por exemplo, invasão das atribuições dos estados.

Governador de Goiás, Ronaldo Caiado, por exemplo, disse em rede social que o decreto do governo federal representa "grande presente de Natal" para o crime organizado por garantir o "engessamento" das forças policiais.

"O decreto impõe aos estados que, caso não sigam as diretrizes do governo do PT para a segurança pública, perderão acesso aos fundos de segurança. [...] O texto evidencia que a cartilha do governo Lula para a segurança pública foca apenas em crimes de menor potencial ofensivo", publicou.

Na mesma linha, o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, disse esperar que a população cobre "dos responsáveis por esse decreto" quando "bandidos invadirem uma residência".

"Para usar arma de fogo, as polícias estaduais terão que pedir licença aos burocratas de plantão em Brasília", ironizou Castro.

 

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MANIFESTO DOS EX-MINISTROS DA JUSTIÇA E SEGURANÇA

"Nós, ex-ministros da Justiça e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de distintos governos, apresentamos manifestação favorável ao Decreto 12.341/2024, o qual, sem limitar a necessária e adequada atuação policial, foi editado para regulamentar uma lei publicada há uma década (Lei 13.060/2014), que disciplinou o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, representa um avanço civilizatório sem precedentes no Brasil.

Por certo, vivemos dias desafiadores no nosso País, que ensejam a atuação presente e constante do Estado brasileiro em busca de um ambiente de melhora na segurança pública. Inegavelmente, o tráfico de drogas, o crime organizado e a violência urbana cotidiana impactam negativamente a vida de cada cidadão e do Estado brasileiro.

Por outro lado, enquanto avança no combate à criminalidade nas suas mais diversas formas, o Estado não pode descuidar dos excepcionas desvios porventura cometidos por agentes estatais.

A violência desmedida não deve ser a solução ao combate à violência, inclusive porque, como temos visto nos últimos tempos, eventualmente, ela se volta contra brasileiros inocentes, que pagam com suas vidas e com as suas saúdes físicas e mentais. Não temos dúvidas de que o Decreto 12.341/2024, dentre as medidas adotadas por este e por outros governos, representa uma evolução na relação entre a população em geral e as nossas polícias.

Com efeito, a violência policial - por envolver os relevantes temas da segurança pública, dignidade da pessoa humana e direitos humanos - é um desses assuntos delicados que exigem uma análise equilibrada de especialistas no assunto, da classe política e da população em geral. No entanto, ainda que o debate raso a respeito de uma suposta interferência de um ente sobre outro possa ressoar num ambiente de antagonismo político, jamais poderia guiar a análise séria sobre o tema.

Entendemos, com o devido acatamento, que as reações exacerbadamente negativas ao texto podem ser fruto de um embate na arena política ou mesmo de desconhecimento do inteiro teor do decreto. Por essa razão, para além do discurso de caráter meramente ideológico, é difícil não perceber que o decreto representa uma evolução significativa na credibilidade das instituições, sobretudo as policiais, sem a qual a confiança é corroída, em prejuízo à construção de uma sociedade mais segura, justa e pacífica.

Que reste claro para quem não leu o inteiro teor do decreto: não se está a defender criminosos! O que se visou, claramente, foi defender um modelo de segurança pública moderno, com o respeito à dignidade da pessoa humana e a promoção da justiça social!

É preciso que a sociedade brasileira avance para combater a violência nas suas mais diversas e cruéis formas, de maneira que a segurança pública seja sinônimo de proteção e respeito à vida e não de violência e opressão!

Nesse sentido, não é demais assinalar que a violência policial não é apenas um problema brasileiro. Outros países lidam com ele. Até mesmo por isso, as diretrizes internacionais, que visam padronizar e orientar as ações dos agentes de segurança pública, são elaboradas e frequentemente incorporadas na legislação brasileira.

Bons exemplos disso são a Convenção Contra a tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova Iorque, promulgada pelo Decreto 40 de 15/02/1991, assim como o Guidance on Less-Lethal Weapons in Law Enforcement da ONU, que fornece diretrizes para o uso de armas menos letais por agentes de aplicação da lei, assegurando a conformidade com os direitos humanos internacionais.

Quer dizer, o Decreto 12.341/2024 também se fundamenta, dentre outros, nos instrumentos internacionais mencionados acima, que escancaram a necessidade de uma constante revisão para assegurar o alinhamento com os padrões internacionais de direitos humanos e das melhores práticas globais, de modo a garantir a eficácia, a legalidade e a legitimidade das ações concernentes à segurança pública.

Sem medo de errarmos, o que se buscou com o recente decreto foi fortalecer a transparência, com a previsão de diretrizes para a criação de mecanismos de monitoramento e transparência nas ações policiais, promovendo a divulgação de dados sobre operações e intervenções, bem como a implementação de programas de capacitação voltados para a formação de policiais, focando em direitos humanos e mediação de conflitos.

Ademais, é de se louvar o estabelecimento claro de protocolos sobre o uso da força, buscando garantir que as intervenções policiais sejam proporcionais e adequadas à situação, com ênfase na proteção dos direitos civis.

Como se vê, não é um decreto que se volte contra as legítimas ações policiais. Pelo contrário, visa a promoção de uma segurança pública mais cidadã e respeitosa, em benefício, ao fim e ao cabo, de toda a população brasileira, bem como a vida dos nossos policiais de todas as hierarquias e das suas famílias.

Nessa senda, entendemos que o novo decreto também avança em termos de segurança e proteção dos próprios policiais, ao incluir diretrizes específicas para a criação de programas de atenção à saúde mental para profissionais envolvidos em ocorrências de alto risco, além de medidas para a redução da letalidade policial, de maneira a evitar o envolvimento em novas tragédias.

É preciso que, no oceano de problemas que vivemos, consigamos evitar que brasileiros inocentes sejam vitimados sob a justificativa de combate ao crime.

Não podemos mais tolerar a máxima do primeiro atirar para depois perguntar! Inocentes estão sendo vitimados!

*Tarso Genro, Aloysio Nunes Ferreira, José Eduardo Cardozo, Luiz Paulo Barreto, Nelson Jobim, Miguel Reale Jr., Raul Jungmann."

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