sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

A FAKE NEWS DE ROGÉRIO MARINHO

Tatiana Farah, da Coluna Guilherme Amado, PLANTOBR

Para defender réus do 8 de Janeiro, Rogério Marinho mente sobre Dilma e Míriam Leitão

Rogério Marinho diz que Dilma e Míriam Leitão assaltaram bancos, o que não é verdade

O senador Rogério Marinho, do PL do Rio Grande do Norte, já deu uma mostra de como será o jogo da extrema direita para tentar anistiar os condenados pelos atos de 8 de Janeiro. Em menos de um minuto numa entrevista à CNN nos corredores do Senado, ele ressuscitou duas fake news, afirmando que Dilma Rousseff e a jornalista Míriam Leitão foram anistiadas depois de assaltarem bancos.

“A Dilma Rousseff, ela assaltou um banco. A Míriam Leitão da mesma forma. O Gabeira, nosso amigo Gabeira, ele foi processado por sequestro. Crimes de morte foram perdoados. José Dirceu. José Guimarães. Brizola, que já faleceu. Arraes. Todos eles foram perdoados. Foram anistiados, reincorporados à vida pública”, disse o senador.

Míriam Leitão foi presa e torturada por integrar o PCdoB em 1972. Nunca recebeu anistia. A ex-presidente Dilma Rousseff, também torturada, foi presa em 1970 por participar de grupos de esquerda e nunca militou na luta armada. Não há, em seu documento de prisão, nenhuma informação sobre armas. Passou cerca de dois anos na prisão em São Paulo, depois de longas sessões de tortura.

A Lei da Anistia a que o senador se refere, de 1979, serviu tanto aos presos políticos —muitos deles que já tinham cumprido suas penas— quanto aos militares e agentes da tortura e da repressão. Todos esses agentes, quando denunciados por crimes de tortura, prisão ilegal, assassinato, sequestro e desaparecimento forçado de militantes, têm se amparado nessa lei para seguirem impunes.

Em nota, Marinho retirou as afirmações sobre Míriam Leitão, mas manteve as demais. Leia a nota enviada à coluna:

“Na entrevista concedida à CNN na data desta sexta-feira (31), a afirmação de que Míriam Leitão foi condenada e anistiada estava equivocada. Com relação aos demais citados, que foram condenados por crimes, reiteramos que foi a anistia o instrumento que permitiu a pacificação do país naquele momento e que deve, novamente, servir ao mesmo propósito.”

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A CHAPA 'IMBATÍVEL' CONTRA LULA PARA 2026

Andrea Jubé, Valor Econômico

Declarações de caciques da direita sobre a sucessão presidencial confirmam o alinhamento dessas forças

As recentes declarações de caciques da direita sobre a sucessão presidencial de 2026 confirmam o alinhamento dessas forças, que se reuniram no ano passado pela reeleição de Ricardo Nunes (MDB) para a Prefeitura de São Paulo.

Não há consenso entre esses dirigentes, entretanto, sobre o nome que deverá enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas no ano que vem. Porém, crescem adesões a uma chapa que um aliado próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro classificou como “imbatível”.

“Tarcísio para presidente, e Michelle na vice”, revelou essa fonte, em tom de franco entusiasmo, em alusão ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL). O argumento é de que Tarcísio, com apoio de Bolsonaro, reuniria a direita em torno de seu nome. E Michelle agregaria carisma e sua desenvoltura nas redes à aliança.

Essa mesma fonte observa que Bolsonaro deveria se empenhar na realização desse projeto eleitoral, porque a eventual vitória da chapa Tarcísio-Michelle contra o PT em 2026 desembocaria num decreto presidencial ainda nos primeiros dias de 2027: a concessão de indulto a todos os condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelos atos golpistas de 8 de janeiro.

A ideia do indulto, caso aliados de Bolsonaro - que está inelegível - vençam o pleito presidencial, ganhou força nos bastidores depois que se tornaram remotas as chances de avançar, no Congresso, o projeto de anistia a esses réus.

A depender do andamento do processo no STF neste ano, o próprio Bolsonaro seria um dos beneficiados do eventual indulto. Isso porque o entorno do ex-presidente não trabalha com a hipótese de ele se livrar da denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra os indiciados pela Polícia Federal nesse caso, que é aguardada para fevereiro ou março no Supremo.

No pior cenário, aliados temem uma condenação do ex-presidente, com pena de muitos anos de reclusão. Se o temor se transformar em realidade, somente o indulto poderia devolver a liberdade, no curto prazo, ao ex-mandatário, aos seus aliados e apoiadores condenados pelo STF.

Ainda assim, vale lembrar que o indulto é uma discricionariedade do presidente, mas não é arbitrário, e poderia ter a validade contestada no STF. Foi o que ocorreu com o indulto concedido por Bolsonaro em 2022 ao então deputado Daniel Silveira, condenado por ataques às instituições democráticas. O decreto foi anulado pelo STF, que viu “desvio de finalidade” na concessão do benefício.

Nessa quarta-feira (29), vieram a público declarações do presidente do PSD e secretário de governo de São Paulo, Gilberto Kassab, de que se as eleições fossem hoje, Lula seria derrotado. Acrescentou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad é “fraco” e sem voz de comando. Haddad costuma ser citado como provável sucessor de Lula.

Na quinta-feira (30), o jornal O Globo trouxe entrevista com o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), do mesmo campo político de Kassab. O dirigente da sigla que abriga Tarcísio e o futuro presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (PB), afirmou que a tendência do partido é “caminhar com alguém de centro-direita nas eleições presidenciais”. A legenda também comanda o Ministério de Portos e Aeroportos no governo Lula.

Kassab e Pereira, tradicionalmente, caminham juntos nas eleições com os outros caciques do centro, como o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, o deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB, Antonio Rueda, presidente do União Brasil e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.

Em 2018, quando Bolsonaro se elegeu, eles estavam juntos na coligação de apoio a Geraldo Alckmin, então no PSDB. Em 2022, dividiram-se: Republicanos, PP e PL estavam com Bolsonaro, enquanto MDB, PSD e União ficaram independentes. Em 2024, voltaram a se unir por Ricardo Nunes.

Em relação a 2026, têm demonstrado posicionamentos distintos. Kassab não quer ouvir falar de Tarcísio candidato à Presidência no ano que vem em nenhum cenário, seja com Lula forte ou fragilizado. Principal e mais influente auxiliar de Tarcísio, Kassab sustenta que o aliado deve mirar a reeleição.

Os outros caciques oscilam em suas convicções. Alguns afirmam que um Lula impopular perderia para Tarcísio. Outros rebatem que não se pode desprezar a capacidade de Lula, que enfrenta uma fase de revezes, de se reerguer. “Fundo de poço tem mola”, costuma dizer o ex-senador Heráclito Fortes, hoje um dos mais próximos de Kassab.

Mas o aliado de Bolsonaro, entusiasta dessa chapa, argumenta que é exatamente na hipótese de um Lula revigorado e popular que Tarcísio e Michelle deveriam se unir para impedir um quarto mandato do petista.

Talvez o maior impasse, no momento, seja a oposição do próprio Bolsonaro a qualquer outro nome para liderar a direita, que não seja o seu. Ele mantém a esperança de se tornar elegível e concorrer em 2026. Ele tampouco se anima com Michelle candidata a cargos do Executivo; defende que ela concorra ao Senado pelo Distrito Federal. E a cúpula do PL afirma que fará somente o que o ex-presidente quiser.

O palco está armado para a sucessão, mas outros personagens darão as cartas primeiro, como a PGR e o STF. E a palavra final será do eleitor.

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EM ENTREVISTA, LULA TENTA TRANCAR DEBATE SOBRE SUA SUCESSÃO EM 2026

César Felício, Valor Econômico

Reação do presidente às críticas de Kassab dá pistas sobre estratégia para próximas eleições

Na longa entrevista coletiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva há um ponto que se destaca: a reação do governante às declarações da véspera feitas pelo presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, que classificou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como “fraco” e disse que a oposição seria favorita se a eleição presidencial fosse hoje.

Seria fácil para Lula se esquivar da pergunta. Lula poderia dizer, assim como fez Haddad, que não havia tomado conhecimento das declarações. Ninguém iria acreditar, mas seria uma sinalização de que as declarações de Kassab não haviam sido tão importantes quanto parecem ser, vindas de quem vêm. O presidente optou por outro caminho: chamou Kassab de “companheiro” e disse que, ao ver a história, começou a rir. “A eleição vai ser só daqui a dois anos”, ressaltou Lula.

O presidente prosseguiu, afirmando que Kassab tem problemas pessoais com Haddad que prejudicam a análise. “Acho que Kassab foi injusto com o significado do companheiro Haddad no ministério”, disse, citando em seguida o que Kassab poderia ter visto e não viu: o protagonismo de Haddad na aprovação da PEC da transição, da reforma tributária e do arcabouço fiscal.

O PSD saiu fortalecido das últimas eleições municipais, mas não teve o aval do Planalto nem para disputar a presidência da Câmara, nem para tentar manter a presidência do Senado. Por último, Kassab viu nos últimos dias a cota do partido na Esplanada entrar na negociação de uma provável reforma ministerial. Ele não tem motivos políticos para estar próximo do governo federal nesse instante.

Ao comentar as declarações, Lula optou por não tirar Kassab do caminho do confronto, o que não passou despercebido de analistas políticos. “Lula pagou para ver”, comenta Carlos Pereira, da FGV. Para Pereira, Kassab deu sinalização clara de que não espera muito mais do presidente. Foi um sinal de desesperança de uma intervenção de Lula para reequilibrar o jogo de poder de forma mais favorável para o PSD. “Kassab ameaçou e Lula está querendo saber até que ponto o Kassab de fato tem condições de apostar em outra candidatura. Em última instância, Lula não vai ceder”, comentou.

Lula frisou na sua resposta que é cedo para falar de eleição. O corolário é que é cedo também para fazer um arranjo já voltado para construir a aliança em torno de sua reeleição. É uma tentativa do presidente de brecar um debate sobre 2026 depois de uma pesquisa de opinião pública mostrando que Lula está fraco nos seus redutos mais tradicionais. O próximo lance será de Kassab.

Ao falar de economia, Lula foi dúbio. Disse que a Petrobras tinha autonomia para aumentar o diesel, se necessário, e disse que jamais interferiria na produção de alimentos de modo a criar um mercado paralelo. Por outro lado negou a existência de um problema fiscal. Descartou a adoção de novas medidas para conter gastos, no que dependesse dele.

Outro ponto importante da entrevista foi sua própria realização. Lula afirmou que essa iniciativa irá se repetir muitas vezes, e citou qual sua inspiração: as “mañaneras” do ex-presidente mexicano Andrés Manuel Lopez Obrador.

As mañaneras eram entrevistas coletivas diárias dadas pelo então presidente mexicano às seis horas da manhã. Os encontros duravam horas e foram a principal forma de comunicação de Lopez Obrador durante seu governo (2018-2024). Lula disse que não seguiria à risca esse modelo e é bom que seja assim. Lopez Obrador era conhecido pela truculência ao lidar com a imprensa e as entrevistas eram momentos de intimidação.

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LULA REBATE CRÍTICAS DE KASSAB E DEFENDE HADDAD

Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense

O presidente da República admitiu que o governo ainda não entregou o que prometeu e, por isso, o povo fica insatisfeito. Disse, porém, que vai cumprir suas promessas de campanha

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu da zona de conforto, convocou uma entrevista coletiva sem pauta preestabelecida, na qual falou sobre quase tudo, e rebateu as críticas do presidente do PSD, Gilberto Kassab, de que Fernando Haddad (Fazenda) é "ministro fraco" e o PT, se as eleições fossem hoje, entraria na disputa pela reeleição "como derrotado". A entrevista de Lula marcou uma mudança de estratégia de marketing do governo, agora comandada pelo publicitário Sidônio Palmeira, que assumiu a Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto.

Lula disse que "começou a rir" quando soube da crítica feita pelo presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab. Questionado, destacou que não adianta especular sobre o que acontecerá até 2026: "Quando eu vi a história do companheiro Kassab, eu comecei a rir. Porque, como ele disse que, se a eleição fosse hoje, eu perderia, quando eu olhei no calendário e percebi que a eleição vai ser só daqui a dois anos, eu fiquei muito despreocupado, porque hoje não tem eleição", respondeu Lula.

Kassab havia afirmado, na quarta-feira, em evento do mercado financeiro, que "o PT não estaria na condição de favorito, mas na condição de derrotado" nas próximas eleições. Disse também que Haddad tem dificuldade de se impor no governo. "Ministro da Fazenda fraco é sempre um péssimo indicativo", declarou. Lula disse que Kassab foi "injusto com Haddad" e defendeu sua gestão na Fazenda. Atribui as críticas a uma desavença pessoal entre os dois (o ministro da Fazenda substituiu Kassab na Prefeitura de São Paulo), mas disse que é preciso reconhecer os feitos de Haddad. Citou, como exemplo, a PEC da Transição e a reforma tributária.

As entrevistas de Lula, organizadas pelo ex-ministro Paulo Pimenta, eram engessadas: os repórteres podiam fazer apenas uma pergunta sobre assunto previamente estabelecido. A desta quinta-feira foi uma mudança de comportamento. Lembra postura semelhante promovida pelo jornalista Franklin Martins, quando assumiu a Comunicação do governo Lula, em 2007, no segundo mandato. Lula passou a falar com imprensa com muita frequência, inclusive em entrevistas "quebra-queixo"; no jargão jornalístico, aquelas mais tumultuadas, em que o entrevistado é literalmente cercado pelos repórteres.

Entretanto, Sidônio Palmeira ainda corre atrás do prejuízo. Logo na largada, colheu um grande revés, com a confusão criada pela oposição nas redes sociais por causa de uma instrução normativa da Receita Federal que estabelecia novas regras de fiscalização do Pix, o que provocou uma crise de imagem do governo juntos aos eleitores de baixa renda. Boatos de que o governo cobraria impostos sobre o Pix — completamente sem fundamento, porque somente o Congresso pode criar impostos —, aliados à inflação dos alimentos, provocaram a queda de popularidade de Lula.

Taxa de juros

Na entrevista, o presidente da República admitiu que o governo ainda não entregou o que prometeu e, por isso, o povo fica insatisfeito. Disse, porém, que não vai se preocupar com as pesquisas, mas com o cumprimento de suas promessas de campanha. A queda na popularidade abriu espaço para a estocada que levou de Kassab. Ao rebatê-lo, Lula disse que a economia brasileira registrou um deficit primário de 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024 - próximo à meta fiscal de rombo zero prevista para o ano passado. "A gente quer responsabilidade fiscal e menor deficit possível porque quer que este país dê certo. Se fizer dívida, é para ativo novo que faça este país melhor", garantiu.

Nesta quinta-feira, a Fazenda divulgou que a meta fiscal de 2024 foi cumprida. O rombo nas contas públicas em 2024 foi de R$ 43 bilhões. O deficit primário ficou em R$ 11,03 bilhões, o equivalente a 0,09% do PIB. A meta da equipe econômica no ano passado era de deficit zero, equilibrando receitas e despesas. Mas o arcabouço fiscal fixa um intervalo de tolerância que permite um rombo de até 0,25% do PIB. Ao mesmo tempo em que defendeu Haddad, Lula reiterou que não pretende cortar gastos. "Não tem outra medida fiscal. Se se apresentar durante o ano a necessidade de fazer, vamos reunir. Se depender de mim, não tem outra medida fiscal", disse.

Lula não criticou a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa básica de juros da economia em um ponto percentual, passando de 12,25% para 13,25% ao ano. "O presidente do Banco Central não pode dar um cavalo de pau num mar revolto", afirmou. "Eu tenho certeza de que ele vai criar as condições para entregar para o povo brasileiro uma taxa de juros menor, num tempo que a política permitir que ele faça", completou. Arrematou com uma frase que é música para o mercado financeiro: "No meu governo, presidente do Banco Central vai ter autonomia de verdade".

O aumento da Selic já era esperado pelo mercado financeiro, especialmente após o próprio BC ter sinalizado, em dezembro, que adotaria uma postura mais rígida diante do avanço da inflação. A elevação da Selic marca a primeira decisão do Copom sob a presidência de Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Lula para comandar o BC. "Eu tenho certeza de que ele vai criar as condições para entregar para o povo brasileiro uma taxa de juros menor, num tempo que a política permitir que ele faça", ressaltou. "No meu governo, presidente do Banco Central vai ter autonomia de verdade." Em dezembro, o BC já havia sinalizado o aumento da Selic, que deve chegar a 15%, uma das taxas de juros mais alta do mundo.

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VEM AÍ O 'NOVO' COMANDO DO CONGRESSO

Vera Magalhães, O Globo

Alcolumbre nunca deixou de exercer poder imenso no Senado, ditando o rumo dos recursos das emendas e decidindo pautas, e Motta teve de pedir a bênção de Lira

Vem aí um novo comando do Congresso, que de novo não tem nada. Só haverá, de fato, mudança se passar a vigorar uma nova lógica no pagamento de emendas parlamentares, depois de anos de um descontrole completo, que levou parlamentares a prescindir até da necessidade de manter boa relação com o governo para irrigar suas bases com dinheiro público.

Davi Alcolumbre nunca deixou de exercer poder imenso no Senado, ditando o rumo dos recursos das emendas e decidindo pautas e destinos a partir da Comissão de Constituição e Justiça. Agora só volta a ocupar a cadeira a que se agarrou com unhas e dentes em sua primeira eleição.

O jovem Hugo Motta se viabilizou para o comando da Câmara na base do “resta um”, depois que candidatos se lançaram cedo demais a uma guerra fratricida pela sucessão de Arthur Lira. Só foi ungido porque beijou a mão do próprio Lira, antes mesmo de conseguir apoio do governo e da oposição bolsonarista. É de esperar, portanto, que o alagoano mantenha sobre ele certa ascendência, sobretudo na largada.

Como o governo Lula trafegará nesse Congresso com um novo/velho comando? A resposta, meu amigo, está no terceiro vértice da Praça dos Três Poderes, lá no Supremo Tribunal Federal. Uma decisão é aguardada com ansiedade por todos: afinal, a relatoria da investigação sobre as acusações de corrupção envolvendo emendas na Bahia, que têm como pivô o empresário José Marcos de Moura, mais conhecido pelo epíteto de “Rei do Lixo”. O caso foi distribuído ao ministro Kassio Nunes Marques, mas a Polícia Federal recorreu para que seja redistribuído para Flávio Dino, por prevenção, por ele já relatar ações referentes às emendas parlamentares.

É tudo que o governo quer, e tudo que os congressistas mais temem. A avaliação generalizada no Congresso é que relatar um inquérito com alto poder de atingir nomes de diferentes siglas dará a Dino ainda mais poder sobre os mecanismos de distribuição de recursos.

O Planalto teme que um caso assim tão sensível nas mãos de um ministro nomeado por Jair Bolsonaro, com conhecidas relações com caciques de partidos do Centrão, possa dar um trunfo ao ex-presidente em sua guerra contra o Supremo.

Além disso, existe uma esperança não explicitada por parte do Executivo de que, com Dino no comando, se descubram mais meandros da falta de transparência na destinação das emendas e novas medidas de restrição aos repasses sejam determinadas. Seria um freio conveniente ao poder e à sem-cerimônia de Alcolumbre, alguém com apetite maior que Lira por esse assunto.

Esse pano de fundo apenas confirma o que já se sabe desde 2023: Lula segue sem governabilidade garantida e pretende depender cada vez menos do Legislativo para não ter de dar aos congressistas mais do que já vem dando. Até a ideia de uma reforma ministerial generalizada, para atrair esse Centrão ao seu palanque, deu lugar a uma visão mais realista de que as legendas podem levar os anéis, os dedos, as pulseiras e os colares e, ainda assim, estarão dispostas a pular no barco da oposição se o vento soprar para o lado de lá.

Ficou evidente na entrevista coletiva concedida pelo presidente nesta quinta-feira que ele, de fato, não se envolveu diretamente na não disputa pelo comando das duas Casas. Mas isso não deveria fazer com que o governo se descuidasse da definição da distribuição das comissões permanentes, algo que passa ao largo da atenção da opinião pública, mas tem poder real de paralisar a pauta econômica e criar barulho com bobagens ideológicas (caso da CCJ da Câmara no último período) ou segurar indicações e embarreirar projetos com base em interesses paroquiais (caso dos expedientes de Alcolumbre no Senado).

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AS INCERTEZAS GLOBAIS NA ERA TRUMP

Celso Ming, O Estado de S. Paulo

“O ambiente externo permanece desafiador”, advertiu o Copom no comunicado divulgado logo após a reunião de quarta-feira que aumentou os juros básicos em 1 ponto porcentual, para 13,25% ao ano. Que desafios são esses e que grau de incerteza trazem para a economia?

A mãe de todas as incertezas são as políticas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. São três focos: seu protecionismo comercial, que começou nesta quinta-feira com a imposição de tarifa de 25% sobre produtos do Canadá e do México; a agressiva política anti-imigração; e a política fiscal baseada no corte dos impostos.

A sobretaxação alfandegária deve interferir nos fluxos globais de produção. Não terá mão única. Os países prejudicados tenderão a revidar. Os setores mais vulneráveis são o de veículos e o dos eletrônicos.

Tanto a política comercial protecionista como a política de repulsa à imigração tendem a aumentar os preços das mercadorias e os custos da mão de obra. Mais inflação deverá obrigar o Fed (banco central) a puxar outra vez pelos juros, na direção oposta à das pressões feitas por Donald Trump.

A questão fiscal nos Estados Unidos é grande incógnita e alto fator de incertezas. O rombo fiscal anual está a 6% do PIB do país. A proposta de reduzir os impostos internos pode derrubar a arrecadação, sem contrapartida em cortes de despesas. A dívida tende a ultrapassar os 123% do PIB. Se não forem feitos ajustes, os juros da dívida americana podem aumentar e prejudicar a rolagem da dívida em moeda estrangeira de outros países.

Os altos investimentos previstos em energia e em infraestrutura de data centers, para os quais Trump prevê inversões de meio trilhão de dólares, atuarão como sugadores de recursos em detrimento de países em desenvolvimento.

O mercado financeiro global estará sujeito à alta volatilidade até que a acomodação geral fique mais clara.

Da União Europeia e da China esperam-se mais incertezas. As economias da Alemanha e da França dão sinais de desgaste, especialmente nos setores de veículos e agricultura. Seus dirigentes prometem defesas protecionistas.

A China, outro alvo da política comercial dos Estados Unidos, enfrenta problemas internos de difícil equacionamento, como o envelhecimento da sua força de trabalho e a crise do setor imobiliário. Seu crescimento econômico deve desacelerar para alguma coisa em torno dos 4,5% em 2025.

Não está claro o impacto dessas adversidades sobre as exportações do Brasil e sobre o afluxo de capitais.

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A LEI DA SELVA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo

Trump implode o multilateralismo e instaura um salve-se quem puder no mundo

Com a postura imperial e a determinação de usar o poder dos EUA para impor vontades, crenças e certezas pessoais, Donald Trump está criando fissuras drásticas não apenas na sociedade americana, mas nos organismos internacionais e nas alianças regionais. O multilateralismo, que favoreceu países do porte do Brasil, está em desuso, com instituições desacreditadas, inoperantes. O mundo não é mais o mesmo. Prevalece a lei da selva, o que equivale a dizer: salve-se quem puder!

Ao recorrer ao seu poder de veto e impedir o cessar-fogo em Gaza com um único voto, os EUA, ainda na era Biden, mostraram o quanto a antes poderosa ONU se tornou irrelevante. Com Trump, o que já estava ruim só piora e se soma à crescente sede de hegemonia da China, ao voluntarismo da Rússia, ao descaso de Israel com a comunidade internacional, ao tudo ou nada do Oriente Médio e ao declínio da Alemanha.

A diplomacia tem de se ajustar aos movimentos do mundo, aos novos líderes e ao impacto das redes sociais no planeta. Se a ONU está ladeira abaixo, leva junto toda sua estrutura. Trump, que fala até em anexar o Canadá (!), já retirou os EUA da OMS (Saúde) e ameaça inclusive aliados americanos de taxações, sem dar a menor bola para as regras da OMC (Comércio).

O desmonte dos organismos internacionais decanta para os regionais, inclusive, claro, os da nossa região. A Celac (América Latina e Caribe), por falta de consenso, não consegue sequer se reunir para discutir uma questão comum a todos os países, a da deportação de “milhões e milhões” nos EUA. A OEA (Américas, incluindo EUA) não se entende em questões razoavelmente simples. E qual será o futuro do Mercosul, com o trumpista Javier Milei ameaçando retirar a Argentina do bloco e criar muros nas fronteiras?

Voltando: é a lei da selva. O que significa que a diplomacia é cada vez menos exercitada em torno de consensos e se transformando num difícil desafio bilateral. As articulações de Brasil, Colômbia e México não funcionaram nem para o indescritível Nicolás Maduro, como poderiam dar em algo contra o mais indescritível ainda Trump? Há uma diferença de escala: bastou uma cara feia e duas ameaças e Trump reduziu a valentia do colombiano Gustavo Petro a pó.

A “nova diplomacia” tem de pisar em ovos, medir ainda mais palavras e gestos, mirar alvos certos e identificar com clareza os riscos. Levar um vareio de Maduro já foi um vexame. Enfrentar Trump seria devastador. Mas jogar a toalha para absurdos não dá. Há que calibrar ações, reações e riscos e usar a velha técnica do “homem a homem”, ou país a país. Inclusive com os EUA de Trump.

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EM FRENTE COM OS PROGRAMAS DE INCLUSÃO

Robson de Oliveira*, Valor Econômico

Realidade brasileira é única e os avanços obtidos no país não podem ser comprometidos por decisões estrangeiras

Nos últimos anos, as políticas de diversidade e inclusão têm ganhado destaque no Brasil, impulsionadas pelo reconhecimento histórico das desigualdades estruturais que afetam a população negra e outros grupos minorizados.

A recente reversão de políticas de ação afirmativa nos Estados Unidos, como a decisão da Suprema Corte americana de restringir o uso da raça como critério em processos seletivos universitários e a implementação de medidas pelo presidente Donald Trump, desmantelam programas federais de diversidade, equidade e inclusão (DE&I) e os avanços conquistados.

Colocar funcionários de DE&I em licença remunerada, fechar escritórios dedicados a essas iniciativas, além de determinar ordens executivas que restringem o reconhecimento de gênero somente ao sexo biológico de nascimento, afetando diretamente os direitos da comunidade LGBTQ+, representam verdadeiros retrocessos.

Ações como essas em um contexto de conexões globais e influências internacionais geram questionamentos sobre quais os caminhos a seguir a partir de agora.

Medidas regressivas que enfraquecem ou eliminam políticas de DE&I podem gerar preocupações em escala global. Por outro lado, oferecem uma oportunidade estratégica para que países como o Brasil fortaleçam sua soberania e reafirmem seu compromisso com a inclusão social.

Quando governos e empresas reconhecem que essas políticas são essenciais para garantir melhores condições de vida para suas populações, passam a consolidar um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável, alinhado às suas próprias realidades e necessidades.

A realidade brasileira é única e os avanços obtidos no país não podem ser comprometidos por decisões estrangeiras que não refletem nosso contexto social e histórico, embora estejamos inseridos em um contexto mundial e de relações comerciais internacionais.

O Brasil consolidou um modelo de desigualdade baseado em um mito de democracia racial que, por muito tempo, mascarou a exclusão de negros, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência e da comunidade LGBTQ+.

As políticas de diversidade, equidade e inclusão no Brasil não são apenas uma questão de justiça social, mas também de reconhecimento e reparação histórica com relação a grupos minorizados.

O impacto dessas políticas tem sido significativo. Iniciativas como a Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012), que garante vagas para estudantes negros, indígenas e de baixa renda em universidades públicas, e o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), que estabelece diretrizes para a promoção da equidade racial, têm proporcionado maior acesso a oportunidades para grupos historicamente marginalizados.

Além disso, programas como a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), que protege os direitos das pessoas com deficiência, e as iniciativas de promoção da igualdade de gênero nas empresas e instituições públicas têm fortalecido a construção de um Brasil mais diverso e igualitário.

Por isto, a defesa e a ampliação dessas políticas demonstram maturidade institucional e o reconhecimento de que a diversidade é uma vantagem competitiva e um imperativo ético.

Além do setor público, as empresas brasileiras desempenham papel crucial na promoção da diversidade e inclusão. Em um país tão plural e diverso como o Brasil, empresas inclusivas são capazes de oferecer produtos e serviços que melhor atendem às necessidades de seus consumidores e usuários. Produzem e servem a partir de pessoas que partem de diferentes lugares, com experiências plurais e perspectivas múltiplas da vida e do mundo, o que reflete a riqueza cultural e social da população.

É importante frisar que negócios que adotam a diversidade como valor genuíno compreendem que equipes mais diversas geram inovação, ampliam perspectivas e fortalecem sua competitividade no mercado.

Empresas que praticam a diversidade e a inclusão de forma autêntica não vão abandonar essas políticas, pois entendem que a pluralidade é um diferencial estratégico e uma necessidade para o crescimento sustentável.

Os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas, adotados em 2011, continuam apontando para a necessidade de avanços nas políticas de diversidade, reforçando a responsabilidade corporativa de respeitar os direitos humanos e promover a inclusão.

Esses princípios estabelecem que as empresas devem atuar de forma proativa para garantir a igualdade de oportunidades e combater qualquer forma de discriminação, contribuindo para o desenvolvimento social e econômico.

A implementação, de fato, de práticas de ESG (Ambiental, Social e de Governança) fortalece as empresas para que atuem na conformidade com a lei, assim como de acordo com a necessidade social, na formulação de políticas internas e no desenvolvimento de programas que promovam uma cultura organizacional alinhada com os princípios de diversidade e inclusão. Isso para compreender e atender as exigências regulatórias, fugindo dos riscos associados ao não cumprimento das diretrizes de ESG, o que contribui para a construção de ambientes corporativos mais responsáveis e sustentáveis.

Ao invés de enxergar as ações regressivas externas como uma ameaça, o Brasil deve usá-las como um catalisador para reafirmar sua identidade e compromisso com a equidade, fortalecendo políticas públicas e iniciativas privadas que promovam um futuro mais inclusivo e próspero para todos.

A conjuntura brasileira aponta para a manutenção de práticas de diversidade. Sua continuidade é essencial para garantir a emancipação social de grupos minorizados e vulneráveis, a fim de promover uma sociedade mais justa e igualitária, ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento econômico sustentável.

Portanto, empresas transnacionais que possuem negócios no Brasil devem seguir as regras observadas pelo Estado brasileiro e os Princípios Orientadores Sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU.

Por fim, é importante que se compreenda que as empresas que adotam práticas de diversidade e inclusão permanecerão promovendo-as no ambiente corporativo, não por imposição legal ou exigência do mercado, mas por medida de justiça e promoção do bem viver de todas as pessoas.

*Robson de Oliveira é sócio do Demarest Advogados, é mestre em Direitos Humanos pela Universidade Pablo de Olavide, Espanha. Foi reconhecido em 2023 pela Mundo Negro como um dos 25 executivos pretos que estão reconstruindo narrativas no mercado corporativo.

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VIVA CHACRINHA !

Orlando Thomé Cordeiro, Correio Braziliense

O maior problema enfrentado pelo governo reside na dificuldade do presidente em compreender a necessidade de se fazer um ajuste fiscal que permita colocar as contas públicas em reta de sustentabilidade

"Quem não se comunica se trumbica". Essa frase famosa é de autoria de um dos maiores comunicadores populares do Brasil, José Abelardo Barbosa de Medeiros — Chacrinha. Referência para publicitários e comunicadores em geral, o apresentador, falecido em 1988, revolucionou a linguagem radiofônica e televisiva em seus mais de 50 anos de carreira.

Quem, atualmente, tem menos de 37 anos de idade não pode conviver com ele, mas pode conhecer um pouco desse verdadeiro gênio vendo vídeos disponíveis na internet. Também vale muito a pena assistir ao belo filme de 2018 intitulado "Chacrinha: O Velho Guerreiro", estrelado por Eduardo Sterblitch, que interpreta o personagem na juventude, e pelo grande Stepan Nercessian.

Desde meados de dezembro, o tema comunicação foi um dos mais presentes na mídia e nas redes sociais. Tudo porque o presidente Lula, diante das dificuldades apontadas pelas pesquisas, resolveu colocar a responsabilidade na forma, segundo ele, pouco eficaz como o governo se comunicava com a sociedade. E, após quase um mês de especulações, em 14 de janeiro, Sidônio Palmeira tomou posse como Ministro da Secretaria de Comunicação (Secom).

Sua chegada ao governo foi cercada das melhores expectativas. Afinal, é um profissional de reconhecida competência no mundo da publicidade e com longa trajetória de sucesso em trabalhos de assessoria em campanhas eleitorais. Diga-se de passagem, ele compartilhava do mesmo diagnóstico.

Só que o "buraco é mais embaixo". O maior problema enfrentado pelo governo reside na dificuldade do presidente em compreender a necessidade de se fazer um ajuste fiscal que permita colocar as contas públicas em reta de sustentabilidade, premissa para poder reverter a curva de crescimento inflacionário, o imposto mais danoso para a população de baixa renda.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 4,83% no acumulado dos 12 meses de 2024. O percentual está acima do teto do limite da meta de inflação determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para o ano, que era de 4,5%. Isso, por si só, já é um problema.

Porém, não existe nada tão ruim que não possa piorar. Quando se considera só a inflação de alimentação em casa, a taxa brasileira no ano passado foi de 8,23%. E em sete capitais — Belém, Belo Horizonte, Campo Grande, Goiânia, Rio Branco, Rio de Janeiro, São Luiz e São Paulo — o percentual foi ainda superior.

Como o governo avalia que o problema central está na comunicação, o presidente Lula recentemente gravou um vídeo visitando a horta da granja do Torto, onde procurou explicar as razões do aumento dos preços dos alimentos e, diferente de sua habitual e competente forma de se comunicar, fez uso de um tom quase professoral. Ora, em política, toda vez que se precisa explicar muito alguma decisão ou posicionamento trata-se de um mau começo. O que a população, particularmente a parcela mais pobre, espera do poder público são medidas que gerem os resultados desejados. No caso em tela, a reversão da alta inflacionária. Qualquer atitude diferente disso é um tiro n´água.

E aí, mais uma vez, o governo prefere fugir de sua responsabilidade com o equilíbrio das contas públicas para buscar soluções tão mirabolantes quanto ineficazes. O ministro da Casa Civil chegou a sugerir que as pessoas substituíssem a laranja por outra fruta! Nesta semana, um dos vice-líderes do governo no Congresso propôs que seja criada uma espécie de farmácia popular de comida.

Por mais que os indicadores macroeconômicos, como o crescimento do PIB e redução do desemprego, estejam sendo positivos, o aumento da inflação com impacto direto nos preços das mercadorias e no poder de compra da população faz com que uma parcela significativa das pessoas venha apresentando seu descontentamento, como apontam diversas pesquisas recentes. Na verdade, percebe-se um sentimento de impaciência crescente provocada pela frustração depois dos dois primeiros anos de um governo eleito prometendo que as pessoas voltariam a ter comida farta no prato.

Não bastassem essas dificuldades, o presidente, na primeira reunião ministerial do ano, resolveu antecipar o calendário eleitoral, afirmando que "o que eu quero dizer para vocês é que 2026 já começou". Considerando que ele sempre se notabilizou por um instinto político poderoso, tal declaração feita por quem está no meio do mandato causou estranheza. Alguns analistas interpretaram como um sinal de insegurança ou fraqueza. Outros preferiram creditar à conhecida esperteza. Só não se pode esquecer o ditado "esperteza, quando é muita, come o dono". 

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TRUMP 'DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA'

Vinicius Torres Freire, Folha de S. Paulo

Ênfase é atacar república, fazer propaganda fundamentalista e apoiar extrema direita

Donald Trump vai impor imposto de importação extra sobre produtos de Canadá e México, a partir de sábado, como prometeu? "Talvez sim, talvez não", disse o presidente americano nesta quinta (30). O motivo da punição imperial seriam imigrantes e fentanil. Nada a ver estritamente com relações comerciais.

Trump ainda pode arruinar o que resta de ordem econômica mundial e dar tiros na própria testa dos EUA. Mas sua prioridade até agora tem sido a produção e exportação de ignorância escandalosa e apelos aos sentimentos mais baixos dos americanos e de hordas extremistas pelo mundo, como aqui no Brasil.

Trump não perde oportunidade de atacar planos de preservação ou de reparação de direitos de minorias violentadas de alguma maneira. Além de inflação, esse foi um tema principal da campanha. Mesmo antes de Trump 2, nos EUA havia reação contra essas ideias e políticas, não apenas na grande empresa (há montante de críticas até na esquerda, obviamente em outros termos). Até onde vai esse programa ideológico e quais consequências práticas? Seria apenas diversão inicial, até por fazer mais efeito, sem muito trabalho?

Trump vai destroçar agências de governo também por meio da caça a gente dada a progressismos? Em dois dias, agrediu a Agência Federal de Aviação e o Banco Central. Quando o império começa a solapar até suas burocracias funcionais e essenciais, a coisa parece mais perigosa.

Uma das políticas mais visíveis e incisivas de Trump têm sido o programa de incentivo à ignorância e de aterrorizar imigrantes pobres e funcionários públicos, neste caso com objetivo de erradicar princípios republicanos. Nomeia negacionistas da razão, ignorantes e lunáticos para vários postos de seu ministério, além de acólitos que anunciam perseguição de servidores e cidadãos recalcitrantes, como se fossem polícia política.

Promove a influência de Elon Musk, que financia ou apoia de outra maneira a extrema direita pelo mundo e promete montar comitês de difamação de políticos que contestem a propaganda disso que se quer um novo regime ou o começo de uma "nova era". Quem sabe conte com a ajuda de gangues armadas. Não libertou os terroristas do Capitólio?

Houve um acidente horrível de avião. Trump diz que a "diversidade" fez Agência Federal de Aviação contratar pessoas com "deficiências intelectuais e psiquiátricas graves", entre outros delírios. Ao lado dele, secretários [ministros] repetiam Trump e diziam que fariam uma limpa em seus departamentos. "Se o Fed tivesse gastado menos tempo em DEI [Diversidade, Equidade e Inclusão], em energia ‘verde’ e na falsa mudança climática, a inflação jamais teria sido um problema", escreveu Trump em post na sua rede social, na quarta, depois que o BC dos EUA manteve a taxa básica de juros.

Na quarta, memorando do Departamento de Administração de Pessoal, reforçou a diretriz do decreto do dia 20, do dia da posse: é preciso eliminar a "ideologia de gênero" em exigências de qualificação para empregos públicos, em contratos do governo e em contas sociais (só existem dois sexos, homem e mulher. Dizer o contrário é contra o "sistema americano").

Em um dos discursos do dia da posse, revisou seu ranking de "palavras mais bonitas". Mas Deus, religião e amor viriam antes de "tarifa".

É diversionismo? Ou o começo de um plano fundamentalista profundo?

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O SINDICATO PARLAMENTAR

Dora Kramer, Folha de S. Paulo

Congresso muda comando com o compromisso de manter as coisas como estão

escolha dos novos presidentes da Câmara e do Senado, neste sábado (1º), contraria a regra de que eleição não se ganha de véspera. Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) consolidaram suas vitórias muito antes disso. O deputado Motta esteve desde sempre no radar como reserva técnica de Arthur Lira (PP-AL) enquanto ele exercia o poder do jogo de cena da indecisão versus expectativa entre três ou quatro companheiros de centrão.

O senador Alcolumbre cedeu a cadeira para Rodrigo Pacheco (PSD-MG), há quatro anos, já na perspectiva de uma volta certa sem contestações significativas ao nome daquele que havia chegado à presidência como novato em 2019 já derrotando o veterano Renan Calheiros (MDB-AL).

Pode haver um ou outro protesto sobre a concentração de comando, manobras regimentais indevidas, mas se o resultado for diferente do previsto será algo tão surpreendente quanto a eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) em 2005. Desta vez, porém, não há risco no horizonte. Lá, o que hoje chamamos de centrão atuou no espaço aberto por uma barbeiragem do PT de competir com dois candidatos, ambos sem apoio suficiente na Casa. Aqui, o partido rendeu-se às evidências e entrou na composição.

Uma frente ampla de fato, formada a partir de um acordo cujos termos falam mais a respeito de interesses internos que de conexão com a sociedade. Descontadas referências vagas a esforços "por um Brasil melhor", a tônica dos compromissos é sindicalista. No topo da agenda, a preservação do poder sobre o Orçamento no manejo das emendas.

Há promessas para a administração de pautas divergentes entre direita e esquerda, deve haver alguma distensão nas relações com Executivo e Judiciário, mas o grande consenso firmado é em torno da manutenção das coisas como estão. Fosse para mudar a dinâmica poderosa e autorreferida do Congresso, Hugo Motta e Davi Alcolumbre não estariam sendo ungidos às presidências da Câmara e do Senado num clima de confraternização fundado na certeza de que o Parlamento seguirá no controle da situação.

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TARCÍSIO DE BONÉ DE TRUMP ESTÁ FRACASSANDO NA SEGURANÇA

Marcos Augusto Gonçalves, Folha de S. Paulo

Além dos espetáculos de truculência, caso de Guarulhos expõe ligações de setores da polícia com o PCC

Enquanto comemorava a eleição de Donald Trump nos EUA com uma constrangedora aparição nas redes sociais vestindo o boné do movimento Maga (Make America Great Again), o governador de São PauloTarcísio de Freitas, já vinha acompanhando a deterioração de uma de suas bandeiras, também acenada pelo norte-americano: o combate ao crime na base do enfrentamento e da truculência. O que se tem visto no estado é uma sucessão de casos estridentes e condenáveis de violência por parte de agentes, que chamam a atenção da mídia e da população.

Desde o final do ano passado, pesquisas de opinião têm apontado o aumento da insatisfação dos paulistas com a segurança pública do governador Tarcísio. É o ramo mais reprovado de sua administração.

Em 2024, registrou-se no estado aumento de homicídios, latrocínios e outros crimes violentos, paralelamente ao já conhecido crescimento da letalidade policial.

Se esse quadro já diz muito sobre as dificuldades do governador em justificar sua linha dura, um outro aspecto, ainda mais preocupante, já não pode ser abafado.

Trata-se da contaminação de setores das polícias pelo crime organizado, no caso de São Paulo, pelo PCC, o Primeiro Comando da Capital.

As investigações sobre o cinematográfico assassinato do empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, delator da facção, com dez tiros de fuzis às portas do Aeroporto Internacional de Guarulhos, já não deixam dúvidas sobre os laços de policiais com o submundo.

A diretora do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa) de São Paulo, Ivalda Aleixo, afirma que a operação foi encomendada e paga pelo grupo.

Descobriu-se agora que parte da munição utilizada no fuzilamento pertencia à Polícia Militar. Três policiais foram presos sob suspeita de terem realizado os disparos.

O episódio é um daqueles em que uma pontinha do iceberg se deixa ver. Outras aparecem aqui e ali.

O prefeito Ricardo Nunes, por exemplo, aliado de Tarcísio, disse que está, enfim, ultimando as medidas para cancelar contratos com as empresas de ônibus UpBus e Transwolff, acusadas pelo Ministério Público de ligação com o PCC.

Curiosamente, mesmo após as denúncias terem se tornado públicas e a determinação de prisões e apreensões de bens, as empresas receberam repasses de R$ 827 milhões, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, e firmaram novos contratos para operar no sistema.

A infiltração do crime organizado nas instituições vai cada vez mais longe. Os tentáculos se insinuam nas disputas eleitorais e alcançam Legislativo, Judiciário e Executivo em diversos níveis da federação.

A movimentação do tráfico internacional de cocaína agenciado pelo PCC e outros grupos, no Brasil ou além das fronteiras, é da ordem de bilhões. O poder corruptor é imenso. A descoberta de um traficante fardado em avião da FAB que acompanhava o presidente Jair Bolsonaro à Europa, em 2019, teria sido anedótica se não sintomática.

Há um consenso entre instituições e estudiosos voltados para a segurança pública a respeito do amplo e dramático poder adquirido pelas facções criminosas no Brasil e além de suas fronteiras.

Em contrapartida, não se observa um planejamento que dê esperanças de que essa degradação poderá ser contida

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VASTO LEQUE DE INDESEJÁVEIS

Ruy Castro, Folha de S. Paulo

Trump não quer saber de gays, cegos e mutilados na Nasa. E isso pode ser só o começo

Adolf Hitler passou à história como responsável pela morte de seis milhões de judeus. Mas não só. Não sei se já se fez ou se será possível fazer uma contabilidade sobre outras minorias que ele perseguiu, supliciou e também matou: os comunistas e supostos comunistas, ciganos, eslavos, homossexuais, alcoólatras, toxicômanos, deficientes físicos e mentais. Hitler não admitia essas pessoas em suas fronteiras. Elas comprometiam a "pureza" e a "vitalidade" do povo alemão.

Certamente inspirado por Hitler, de quem era admirador (cumprimentava-o por telegrama em seus aniversários), nosso ditador Getulio Vargas emitiu em 4 de maio de 1938 o decreto-lei nº 406, dispondo sobre estrangeiros no Brasil: "Artigo 1º. Não será permitida a entrada de estrangeiros, de um ou de outro sexo, aleijados, mutilados, inválidos, cegos, surdo-mudos, indigentes, vagabundos, ciganos e congêneres, alcoolistas e toxicômanos; que apresentem afecção nervosa ou mental de qualquer natureza e lesões orgânicas com insuficiência funcional." Etc. Um vasto leque.

Pois, há dias, o presidente Donald Trump ordenou a demissão de todos os funcionários contratados pela Nasa pelo critério "Deia". "Deia" é a sigla em inglês para diversidade, igualdade, inclusão e acessibilidade —o que abrange a maioria das condições proscritas por Hitler e Getulio. Trump não quer saber de gente nessas condições em sua agência espacial.

Diante da absoluta similaridade nas medidas desses governantes, não há motivo para livrá-los de uma definição também única: eram ou são fascistas. Por que brindá-los com eufemismos e meias-palavras?

Trump fará o que quiser em seu país com mexicanos, brasileiros, colombianos e outros morenos, para ele criminosos natos. Mas sabe que não poderá deportar dos EUA os gays, cegos e mutilados. Ao visar a Nasa, no entanto, está protegendo os interesses de seu amigo Elon Musk, precavendo-se contra a entrada de indesejáveis no novo território de cuja posse Musk já se arrogou: o planeta Marte.

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LULA E A MALDIÇÃO DE CASSANDRA

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Ninguém acreditou quando presidente disse na semana passada que poderia não disputar a reeleição

Políticos padecem de uma espécie de maldição de Cassandra quando falam de seus projetos pessoais. Eles podem jurar de pés juntos que não se candidatarão a algum posto eleitoral e ninguém acreditará. A desconfiança do público não é sem motivos. Se políticos já não são exatamente uma categoria kantiana, tornam-se verdadeiros cínicos quando lidam com suas ambições pessoais.

Nos últimos 20 anos, dois tucanos que haviam conquistado a Prefeitura de São Paulo, José Serra e João Doria, largaram o mandato no meio para disputar o governo do estado. O primeiro chegou a assinar um documento dizendo que permaneceria prefeito até o último dia do mandato.

Na semana passada, Lula disse numa reunião ministerial que a campanha de 2026 já começou, mas que ele poderia não disputar a reeleição. Seguindo o roteiro de Cassandra, ninguém acreditou. Nem seus ministros, nem a oposição, nem jornalistas e provavelmente nem o eleitor.

Não sou eu quem vai colocar-se contra a sabedoria popular, mas penso que há uma chance não desprezível de Lula de fato pular fora do próximo pleito. Se ele sentir que é grande a chance de perder, não deve disputar.

À medida que a idade avança, as pessoas deixam de priorizar tanto os planos futuros e passam a esculpir mais a narrativa autobiográfica. Lula já chegou nessa fase. Não vai querer correr o risco de fechar os capítulos finais de sua cinematográfica biografia com derrota para um preposto de Bolsonaro.

Assim, o nome da esquerda que constará na urna em 2026 depende menos da palavra de políticos do que da viabilidade eleitoral de uma candidatura governista.

E, se têm aparecido sinais pouco auspiciosos para a situação, muito disso se deve à húbris do próprio Lula, que desafiou a sabedoria política convencional. Em vez arrumar a casa no início do mandato e guardar bondades para o final, Lula já entrou pisando no acelerador dos gastos. Até produziu crescimento, mas com a perspectiva de alta da inflação e desaceleração a partir de agora.

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BRASIL-EUA EM NOVO COMEÇO DE CONVERSA

Artigo de Fernando Gabeira

As relações Brasil-EUA vivem um momento de transição, talvez um dos mais delicados nestes dois séculos de intercâmbio.

Os EUA não veem o Brasil como prioridade, mas são o segundo maior parceiro comercial do País. Ator decisivo no mundo, os Estados Unidos são vistos com um olhar mais favorável pela maioria da população brasileira, como mostram as pesquisas.

A ascensão de Donald Trump mexeu com os três pontos básicos da agenda comum: meio ambiente, democracia e direitos sociais. Mas os problemas começam a surgir com a política de deportação em massa.

O Brasil vive duas consequências da virada política. A primeira delas é a expulsão de brasileiros transportados em condições indignas de volta ao País. A outra é a suspensão da verba americana que mantinha o trabalho da OIM, a agência da ONU que participa do trabalho da Operação Acolhida aos refugiados venezuelanos que entram no País via Santa Elena de Uairén-Pacaraima.

São dois momentos que servem também de preparação para os novos tempos, que demandam sabedoria, paciência e alguma imaginação. A síntese dessas qualidades parece existir na startup chinesa DeepSeek, que deu um susto no Vale do Silício, criando uma empresa de inteligência artificial com menos de 10% do orçamento das big techs americanas e a mesma eficácia.

Não temos as mesmas possibilidades. Mas podemos fazer uma política externa inteligente. No caso dos imigrantes brasileiros, é possível atendê-los com consulados itinerantes, não com o objetivo de evitar deportações, pois isso decorre da soberania americana. Mas é possível levar informação de qualidade que possa, pelo menos, atenuar o desespero a que foram lançados.

Seria possível também ao Brasil contratar um escritório de advocacia especializado nos EUA, destinado a entrar em cena nos casos em que imigrantes possam se amparar nas leis locais.

Isso pode causar alguma reação. Gastar dinheiro com imigrantes não seria um desperdício? Acontece que os imigrantes despejam dinheiro no Brasil há muito tempo. Basta visitar Governador Valadares (MG) para se ter uma ideia desse fluxo.

A questão das algemas e correntes é um pouco mais difícil. No governo Biden, os brasileiros eram deportados com algemas. O protocolo americano é muito severo. Lembro-me da ida de Dominique Strauss-Kahn à corte de Nova York, onde foi acusado de assediar uma camareira de hotel. Ex-dirigente do FMI, potencial candidato à presidência da França, ele foi depor algemado.

Segundo as postagens do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, os norte-americanos aceitaram deportar colombianos sem algemas. Mas isso aconteceu porque os aviões eram da Força Aérea Colombiana.

No caso da Operação Acolhida em Roraima, o Brasil pode cobrir momentaneamente a lacuna americana. Mas, abertos os canais de diálogo, é possível argumentar que o investimento em acolher e integrar venezuelanos no Brasil acaba aliviando a pressão sobre os Estados Unidos.

A questão ambiental é um dos pontos críticos da agenda. Não sei se podemos definir Donald Trump e as big techs como negacionistas. Trump quer incorporar a Groenlândia, apostando no aquecimento das geleiras, na abertura de rotas e na exploração do solo.

No discurso de posse, Trump falou em conquistar Marte e Elon Musk disse que isso iria salvar a civilização. Creio que eles contam com a colonização do espaço para se tornarem independentes de um planeta que está sendo destruído.

Sua proposta é crescer, produzir ao máximo e contar com a tecnologia para resolver os problemas, inclusive o de moldar um ambiente em que o ser humano sobreviva.

Andam juntos a conquista de Marte e esse grande salto tecnológico que não só recria o planeta Terra mas também garante até a preservação da consciência, salva em programas que podem ser introjetados em outros seres, enfim, uma promessa de imortalidade.

Por enquanto querem apenas ampliar infinitamente sua fortuna, sem avaliar a rapidez do processo de degradação, o que pode jogar essas utopias no lixo.

Algumas dessas ideias que propõem um salto à frente, aumentando a produção e as riquezas e superando os riscos através da tecnologia, circulam nos EUA e inspiram institutos de pesquisa e reflexão.

Se minhas suspeitas são fundadas, não se pode pensar as correntes vitoriosas americanas, essa coalizão de Trump e big techs, como negacionistas do aquecimento global. Eles simplesmente acham que os ecologistas são uns românticos nostálgicos e que o aumento da produção e do consumo é o único caminho para salvar a humanidade, seja num planeta tecnologicamente reconfigurado, seja no espaço sideral.

Pode ser que esteja atribuindo a eles uma teoria que envolve seu espaço intelectual mas à qual não aderem. Mas acho mais provável vê-los assim do que como simples negacionistas do tipo Jair Bolsonaro. Trump, com seu pendor pela Groenlândia, e Musk, com seus carros elétricos, sabem que alguma coisa está acontecendo e certamente pendem para onde podem tirar as maiores vantagens de tudo.

Artigo publicado no jornal Estadão em 31 / 01 / 2025

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UM OLHO EM TRUMP, OUTRO NA PRÓPRIA CASA

Fernando Abrucio, Valor Econômico

É preciso definir quais são as questões prioritárias que devem ser a bússola até 2026, seja para implementação pelo Executivo, seja para aprovação no Congresso Nacional

O início do governo Trump causa incerteza, nervosismo e perplexidade no mundo. Não dá para saber o que será pirotecnia e o que será efetivamente implementado, mas há boas chances de os demais países terem de adaptar seus planos de voo à nova política americana. O Brasil poderá ser atingido também, embora não se saiba em que medida. De todo modo, Lula inevitavelmente terá de governar nos próximos dois anos de olho nas ações do trumpismo. Só que terá de adotar essa postura sem perder de vista que a lição de casa não pode ser esquecida em meio à turbulência externa.

Um bordão resume a estratégia que deveria ser adotada pelo governo brasileiro: um olho em Trump, outro na própria casa. Parece óbvio, porém, a avalanche de ameaças, factoides, ações cinematográficas, violência explícita e propostas de acordo que Trump fará ao mundo nos próximos meses será enorme. Isso tenderá a nublar a visão dos governantes pelo mundo, o que pode ocorrer igualmente com o presidente brasileiro.

Claro que será necessário estar muito atento, como nunca nos últimos 50 anos, à política externa americana. Será difícil se esconder completamente dos tentáculos de Trump. Não obstante, é preciso manter-se firme numa agenda mais ampla e profunda, de médio e longo prazo, relativa ao Brasil. É importante ressaltar isso num momento em que o governo Lula se perde em questões e debates de curto alcance, com duvidosos efeitos sobre o país e mesmo sobre o futuro político em 2026.

O fato é que a junção do efeito Trump com problemas de popularidade imediatos está tornando o governo Lula refém do curto prazo, das respostas rápidas a todos os problemas. É evidente que neste mundo do fast-food, tudo é visto como algo urgente e que deve ser solucionado instantaneamente.

As redes sociais acentuam isso, e o caso do Pix revelou como os eventos e a interpretação sobre eles podem ganhar uma amplitude e velocidade nunca vista antes por outras formas de civilização. Ao analisar o capitalismo do século XIX, Marx disse: tudo que é sólido desmancha no ar. Parece uma boa profecia, mas ele não tinha a menor ideia de como esse fenômeno seria muito mais impressionante no século XXI.

Para não ficar preso às falsas respostas de curto prazo, o governo Lula precisa ser mais estratégico e menos figadal. Quatro questões são essenciais para mudar esse padrão errático. A primeira é saber antecipar-se aos problemas, ter uma visão mais preventiva do que curativa. Isso envolve duas coisas. De um lado, acompanhar melhor a sociedade e os seus vários estratos, para entender o que aflige a sociedade.

O tema da “taxação do Pix” é falado por bolsonaristas nas redes sociais desde o início de 2023. Estavam esperando só uma oportunidade para cravar essa marca, mesmo que falsa, na gestão lulista. Não é possível que os principais decisores do Palácio do Planalto não estivessem acompanhando essa discussão.

Não basta apenas acompanhar a movimentação das opiniões e angústias da população. Para se ter um governado orientado pela prevenção, é fundamental ter um plano de voo até 2026, com uma lista das principais marcas e políticas que o governo quer implementar, que dialogue com um diagnóstico dos principais problemas do país. Dito de outra maneira, o governo Lula precisa saber quais são os problemas mais importantes do país e como ele quer combater, fazendo uma ponte disso com a visão da sociedade.

Aparentemente, o governo tem uma proposta muito fragmentada e nem sempre atualizada de políticas públicas frente aos problemas brasileiros desta terceira década do século XXI. Neste sentido, o diálogo com a sociedade e a melhor comunicação com ela são essenciais, todavia são insuficientes se não houver uma linha clara e coordenada de respostas para resolver os principais desafios do país.

Ao governo preventivo, baseado no diálogo entre as preocupações da sociedade com uma proposta consistente de políticas públicas, deve-se juntar um governo coordenado. Obviamente que é difícil coordenar um gabinete com uma coalizão tão extensa e heterogênea, com representação do PC do B ao União Brasil. Não há como escapar de alianças grandes e díspares para governar a nação.

Outros caminhos levariam a crises ou projetos autoritários. E se parece ruim esse multipartidarismo centrífugo, pode ser pior quando não há espaço para a negociação e só impera o veto e a polarização - o que tem acontecido em outras democracias pelo mundo.

A existência de tais dificuldades governativas torna ainda mais necessária a coordenação. Em problemas mais agudos, o governo deve ter uma única voz para cada questão, e que resulte de uma combinação prévia sobre o que deve ser dito e quem deve falar. Parece disfuncional ter um porta-voz único de tudo, pois questões diversas precisam ter pessoas diferentes liderando a resposta governamental.

Por exemplo, as iniciativas recentes de propor medidas de combate à inflação temporária dos alimentos envolveu falas desencontradas e propostas lançadas sem estarem maduras. A pessoa certa para liderar essa frente seria o ministro da Fazenda, que de forma entrosada com o restante do ministério decidiria quando, como e o que falar.

Somado ao governo preventivo e coordenado, deve-se ter um governo que saiba comunicar-se com os diferentes públicos. Daí que há problemas de comunicação com vários estratos da população e, de forma diversa, problemas de comunicação com os congressistas, com o mercado e com a mídia, tanto a tradicional como a da internet.

Há mais de uma estratégia comunicativa e é preciso ter uma diretriz para cada uma delas. Não é o caso simplesmente de se ter um super-homem para resolver todos esses distintos desafios, embora seja bom ter um bom chefe da comunicação. O que falta é um padrão para lidar com tais questões, pois do contrário tudo vira incêndio de curto prazo no campo comunicacional.

Antecipar-se, ser coordenado e ter um padrão comunicativo são três elementos que desembocam num último, o cerne daquilo que pode tirar o governo Lula da dinâmica equivocada do curto-prazismo: ter uma lição de casa clara e buscar sua resolução. Em outras palavras, é preciso definir quais são as questões prioritárias que devem ser a bússola até 2026, seja para implementação pelo Executivo, seja para aprovação no Congresso Nacional.

A noção de lição de casa tem um outro sentido importante: o aprendizado governamental como forma de melhoria das políticas necessárias ao país e à população passa por tais tarefas, de modo que não se pode perder muito tempo e recursos com outros temas e factoides. Esse ponto é importante porque o papel da oposição, especialmente a atual, que é mestre em criar agendas extemporâneas, é dispersar o governo, fazer com que ele fique tonto e corra para o lado errado. Neste momento, os bolsonaristas, mesmo não tendo uma visão estratégica de país, têm sido bem-sucedidos em desnortear a situação.

A resolução dos problemas internos do país será, em alguma medida, afetada pela política externa de Trump. Mas é preciso também aqui não cair na armadilha das respostas rápidas, fáceis e erradas. O governo Lula terá de ter muita paciência, parcimônia, diálogo amplo, boa comunicação e foco para não cair nas cascas de banana trumpistas. Mesmo com todos esses cuidados, e contando com uma diplomacia de excelência, há boas chances de que a política externa americana exija do Brasil adaptações de rota ou a busca de aliados para produzir uma resposta mais ampla contra o isolacionismo dos EUA.

A política externa agressiva e turbulenta de Trump será, na verdade, o maior teste à tradição diplomática brasileira e ao modelo lulista de política externa - altivo e ativo, como definem seus próceres. Está em jogo a capacidade de conversar com mais gente, de evitar conflitos e brigas o máximo possível, de buscar algum tipo de acordo com os EUA, para evitar o jogo de soma-zero, mesmo que não seja um ganha-ganha igualitário às duas partes. Provavelmente, o momento mais difícil será neste ano, porque em 2026 Trump terá a eleição legislativa interna, sempre difícil e com agenda mais local.

Nestas situações em que as ações de Trump forem mais duras e impactantes, e isso acontecerá não só com o Brasil, será mais fácil responder bem se o governo estiver seguindo as quatro máximas da política interna expostas anteriormente: um governo preventivo, coordenado, com padrão comunicativo e seguindo sua lição de casa a despeito das intempéries de curto prazo.

Independentemente do que faça Trump, o Brasil tem lições de casa na educação, na saúde, na segurança, na política econômica, no combate às desigualdades e pobreza, na infraestrutura e no meio ambiente que continuarão relevantes em si. Elas vão depender basicamente da qualidade da gestão e governança internas.

Neste sentido, vale citar aqui o recém-lançado “Anuário estadual de mudanças climáticas”, fruto de uma ampla parceria da sociedade civil e de governos subnacionais, que mostra a importância e a situação desse tema, apontando como resolvê-lo com formas governativas mais adequadas aos desafios do século XXI. Eis aqui uma lição de casa que o governo Lula não pode deixar de fazer, mesmo que os EUA tenham saído do Acordo de Paris. Afinal, nosso futuro como nação e planeta vai além de tudo que possa vir do trumpismo

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A CÓPIA BRASILEIRA DE TRUMP

José de Souza Martins, Valor Econômico

Na carona que tentaram pegar na candidatura e na eleição do americano, Bolsonaro e o bolsonarismo caíram numa armadilha

O teatro de comédia que se desenrolou quanto ao papel de brasileiros na posse de Donald Trump cumpriu funções reveladoras do muito menos do que para ele são Bolsonaro e os bolsonaristas.

Uma das revelações é a de que Bolsonaro não é o Trump brasileiro, é apenas pretensão de ser. Com a mudança política nos EUA, sendo Trump mediação involuntária do imaginário do bolsonarismo, os Bolsonaros vão se descobrir desconstruídos e revelados pela dialética do que é uma trama de irracionalidades e reciprocidades visíveis e invisíveis. E com eles o bolsonarismo, os cúmplices e coadjuvantes, os sabidos e os ingênuos, os que o integram, civis e militares.

Tanto Trump quanto Bolsonaro consideram-se absolutos. Trump entende que Deus é servo do poder que ele ocupa. Bolsonaro, como se viu em ato supostamente religioso, de que foi protagonista sua esposa que declarou ser a cadeira presidencial de Deus e que Deus designara o marido para ocupá-la.

Na carona que tentaram pegar na candidatura e na eleição do americano, Bolsonaro e o bolsonarismo caíram numa armadilha que revelou serem reles contrafação local de Trump. E do que a eleição de Trump significa nesta realidade política de fim da era clássica do capitalismo. Agoniza o empresário schumpeteriano, criativo. Nasce a era do negocismo e do rentismo ancorados na alta tecnologia.

As personagens decisivas desse sistema econômico que está nascendo, pobre de autenticidade, tendem a ser protagonistas políticos vicários, de alguém como outro que é imaginário, como Bolsonaro em relação a Trump.

O primeiro não repete o segundo sem que o segundo o saiba senão como faz de conta, expressão de sua alienação política e de sua falsa consciência. No entanto, Bolsonaro, sociologicamente, não terá como não expressar as contradições, irracionalidades sociais e anomalias personificadas por Trump.

Ao analisar o golpe de Estado de 1851, na França, que levou Luís Bonaparte ao poder, como Napoleão III, o sociólogo Karl Marx concluiu que a história acontece como tragédia e se repete como farsa. Na relação entre Bolsonaro e Trump, que se expressou na não confirmação do alegado convite aos Bolsonaros e aos bolsonaristas para a cerimônia de sua posse, Bolsonaro descobriu-se como apenas a farsa.

Ele não tem competência para ser cópia de Trump. O desespero dele e da família para se infiltrarem como penetras e coadjuvantes da posse do presidente americano explica-se por essa busca e carência de indícios explícitos de subalternidade por proximidade. É a concepção que eles têm do Brasil.

Por essa fantasia ele se julga figura da direita internacional da Turquia, da Argentina, da Itália e dos EUA. A resposta devastadora de Trump numa entrevista a uma jornalista brasileira, de que os EUA precisam menos do Brasil do que o Brasil dos Estados Unidos, acaba com sua suposta cumplicidade em relação ao político brasileiro.

A revelação mais importante do episódio da posse do americano foi o discurso programático de Trump. O novo governo terá como objetivo minimizar a democracia americana, questionando a legitimidade das instituições para aumentar o poder pessoal do governante. Não o poder da lei, mas o poder da bravata.

O discurso é um elenco de iniquidades que expressam o extremismo reacionário da relativa maioria do povo americano que nele votou. Trump está sobrepondo a bravata à legitimidade de seu mandato. Nos EUA o presidente tem um enorme poder porque é um servo das instituições e da pluralidade de vontades e valores da sociedade. Aqui, Bolsonaro se julga um poder contra as instituições e a sociedade.

Horas depois do discurso, a democracia americana manifestou sua vitalidade e a vitalidade de suas instituições e tradições.

Em cerimônia ecumênica na Saint John’s Episcopal Church, em Washington, a que estiveram presentes o presidente, o vice-presidente e outras autoridades, os que pouco antes haviam aplaudido o discurso reacionário e ameaçador, a celebrante, a episcopisa Mariann Edgar Budde, disse em seu sermão: “Em nome do nosso Deus, peço-lhe que tenha misericórdia das pessoas em nosso país que estão assustadas. Há crianças, há gays, há lésbicas e há transgêneros em famílias democratas, republicanas e independentes, que temem por suas vidas”.

Nos EUA, pelo menos 90% da população vai à igreja nos fins de semana. Antes mesmo da cerimônia religiosa, 22 estados americanos já haviam ido à Justiça contra o ato presidencial que nega o direito à cidadania americana aos filhos de imigrantes nascidos no país. A Justiça já acatou o apelo. A religiosa detalhou o quanto a sociedade americana depende dos imigrantes. Sem os estrangeiros, a sociedade americana não teria condições de existir.

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quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

CAFEZINHO FRIO

Merval Pereira, O Globo

Lula descobre que nem mesmo dando ministérios importantes a partidos supostamente aliados garantirá apoio

Uma tempestade perfeita sobrevoa o Palácio do Planalto, prenunciando anos difíceis para o governo Lula, que aparentemente errou o timing e entra no terceiro ano de seu terceiro mandato fustigado pela inflação crescente e pelo desequilíbrio nas contas públicas, ameaçando uma crise econômica semelhante à vivida por Dilma Rousseff.

Lula reassumiu a Presidência como se fosse a sequência de seus dois mandatos anteriores e se esqueceu de organizar as contas públicas antes de partir para o desenvolvimentismo. Obteve crescimento de cerca de 7% nos dois primeiros anos à custa de aumento da taxação e do descontrole das contas. Tudo indica, porém, que o ritmo não será mantido, e a reação política já sugere que Lula chegou ao limite antes do que se pensava.

Não é à toa que uma das petistas mais ativas, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, avisou em entrevista ao GLOBO que o apoio do Nordeste a Lula não está garantido. As pesquisas de opinião mais recentes mostram que a popularidade dele já está mais negativa que positiva, e, embora continue liderando as preferências no Nordeste, única região em que ganhou de Bolsonaro na eleição de 2022, esse apoio vem diminuindo. Mesmo no Nordeste, Lula já não reina como anteriormente, e sua popularidade, embora forte, está decadente.

O presidente do PSD, Gilberto Kassab — que tem ministérios no governo Lula e secretarias no governo estadual de Tarcísio de Freitas em São Paulo —, saiu da postura cautelosa que sempre mantém para fazer uma série de críticas ao presidente numa palestra a banqueiros. Disse que, se a eleição fosse hoje, Lula perderia. Considerou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está fraco politicamente e não tem respaldo para enfrentar as dificuldades que se apresentam ao governo nos dois últimos anos.

Em meio à reforma ministerial que precisa fazer para revigorar seu governo, mal avaliado pela maioria, Lula descobre que nem mesmo dando ministérios importantes a partidos supostamente aliados garantirá apoio político em momentos que exijam definição de posições. Assim mesmo, deverá oferecer a Arthur Lira um ministério de peso, porque não tem como enfrentar o Centrão.

Até o momento, a indicação da atual presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para a Secretaria-Geral da Presidência é o movimento mais efetivo para fortalecer o partido, pois certamente ela tem mais capacidade de mobilização das lideranças sindicais e movimentos sociais que o atual ocupante do cargo. Isso não indica, porém, que o governo ampliará sua base de apoio; ao contrário, tenderá a ficar mais petista do que já é, o que fará com que os partidos que não são do campo da esquerda sintam-se mais alijados do centro do poder.

O Congresso, com as regalias que já garantiu para si, não precisa mais do Executivo como noutros tempos, em que partidos periféricos não tinham força para exigir do governo nada além de prebendas. Hoje, é o governo que precisa de votos em questões de seu interesse e precisa engolir vetos derrubados para manter a governabilidade.

Todo o governo Lula é centralizado nele, mas o presidente não tem mais a disposição anterior. Muitos dos desencontros que têm acontecido se devem a Lula aparentemente ter perdido o gosto pela política cotidiana, não despender mais as noites em conversas com aliados e ter uma seleção pequena de assessores e ministros com acesso liberado a seu gabinete, menor ainda a sua residência privada depois do expediente.

O presidente começa a ser tratado, talvez precocemente, como “pato manco”, político que não tem expectativa de poder. O cafezinho de Lula já está chegando frio?

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