Ele não sai das vitrines das principais livrarias do Brasil
e está próximo de figurar na lista dos títulos mais vendidos do país. Se você
pensou em algum livro sobre a saga de um vampiro adolescente ou em mais um manual
de autoajuda, errou. O livro em questão se chama “O Cofre do Dr.Rui”, do
jornalista Tom Cardoso, e conta a história de um dos acontecimentos mais
emblemáticos da história contemporânea do Brasil: como a Var-Palmares de Dilma
Rousseff realizou o maior assalto da luta armada brasileira.
O episódio narrado de forma romanceada por Cardoso começa em
1969, quando a esquerda brasileira tentava se organizar após o baque sofrido
pela promulgação do Ato Institucional N°5 (1968), que radicalizou a repressão
no Brasil ao permitir ao regime militar cassar e suspender direitos políticos,
intervir nos estados e municípios e exacerbar a censura à imprensa. Em pouco
menos de um ano, várias lideranças da esquerda estavam presas, mortas ou no
exílio. As que ainda se encontravam livres no Brasil, passavam toda a sorte de
privações e perigos. Não havia dinheiro para sustentar a compra de armas ou
mesmo assegurar a sobrevivência dos militantes, sobretudo aqueles que foram
obrigados a viver no exterior. Era uma época de parcos recursos para a luta
armada. Até que um dia, uma ação, a “Grande Ação”, conforme o batismo de Carlos
Lamarca, apareceu no caminho dos grupos de esquerda com a promessa de ser uma
reviravolta nos rumos da resistência à ditadura.
Durante os anos de chumbo”, boa parte dos recursos das
organizações de esquerda vinham de assaltos a bancos, chamados pelos militantes
destas organizações de “expropriações”. No início de julho de 1969, a recém
formada Vanguarda Armada Revolucionária, a VAR-Palmares, adepta da luta armada,
foi informada de um cofre repleto de dólares mantido em segredo absoluto em uma
casa no bairro de Santa Tereza, Rio de Janeiro. O cofre estaria localizado na
mansão onde morava o cardiologista Aarão Burlamaqui Benchimol, irmão de Ana
Guimol Benchimol Capriglione, que fora amante de Adhemar de Barros,
ex-governador de São Paulo, famoso pelo bordão “rouba, mas faz”, falecido
quatro meses antes. Ana, que mantinha em segredo a fortuna de Adhemar, dinheiro
supostamente desviado durante sua gestão, era conhecida nos meios políticos
pelo pseudônimo de Dr.Rui, criado pelo próprio Adhemar para não levantar
suspeitas publicas de seu envolvimento extraconjugal. O tal “Cofre do Dr.Rui”
teria aproximadamente 200 mil dólares, valor que tiraria os militantes da dificuldade
e ainda financiaria uma série de ações contra a repressão. Carlos Lamarca,
ex-militar que passara para o lado dos guerrilheiros, soube da história e logo
a batizou de “A Grande Ação”.
O ASSALTO
O assalto foi planejado nos mínimos detalhes. Ocorreu em uma
sexta-feira, dia 18 de julho de 1969, quando apenas alguns poucos moradores da
casa e outros poucos funcionários encontravam-se no local. No total,
participaram diretamente da operação onze militantes da VAR-Palmares, entre
eles o atual deputado estadual do Rio de Janeiro, Carlos Minc. Tratou-se de
mega operação, envolvendo pessoas de várias regiões do Brasil, calculada sob
medida para retirar o pesado cofre da casa, coloca-lo em um carro e leva-lo
para um lugar seguro. O assalto e o transporte foram feitos sem sobressaltos. A
grande surpresa, no entanto, estava na abertura do objeto. Ao invés de 200 mil
dólares, os guerrilheiros encontraram um montante de 2 milhões e 598 mil
dólares, que hoje equivalem a pouco mais de 20 milhões de dólares. A sorte parecia
estar do lado da VAR-Palmares. O que o livro de Tom Cardoso mostra, porém, é
que o dinheiro trouxe tudo, exceto boa sorte para os envolvidos na “Grande
Ação”.
Ao lado dos preparativos e da execução do assalto, a
essência do livro está no destino dos onze militantes que participaram da
“expropriação” e de outros personagens que participaram de outra forma no
episódio. A história de cada um mostra uma espécie de “maldição” que o dinheiro
de Adhemar parecia carregar. No fundo, entretanto, o que o dinheiro realmente
fez foi provocar fissuras e discordâncias já latentes entre pessoas e
organizações.
A primeira das fissuras ocorreu logo nos momentos seguintes
a abertura do cofre. Os guerrilheiros distribuíram entre si uma nota de um
dólar para comemorar a ação, embora o “manual do guerrilheiro, que deveriam
seguir, condenasse esse tipo de prática.
Outros, achavam que era preciso celebrar em grande estilo,
com camarão e vinho branco em um badalado bar do bairro do Leblon, Zona Sul do
Rio de Janeiro. Houve discordâncias nos dias e meses seguintes, discussões
acirradas, quase um motim no seio da organização. O dinheiro acabou repartido,
após uma confusa e tensa reunião entre lideranças da esquerda clandestina.
Com o avançar das investigações, a polícia prendeu vários
guerrilheiros, que foram torturados e, por sua vez, deletaram outros
companheiros. Um dos envolvidos sumiu com parte do dinheiro. Outro caiu em um
golpe no exterior e perdeu boa parte do valor.
Um grupo propôs uma nunca realizada redistribuição, no sentido
de ajudar exilados em dificuldade no exterior. Outro grupo, esbanjou de uma
qualidade de vida invejável. Em suma, o dinheiro catalisou diferenças e
acelerou a fragmentação dos guerrilheiros em facções cada vez mais frágeis e
efêmeras.
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