Gustavo Uribe,
Folha de S.Paulo
Bolsonaro ataca Globo e Witzel e nega envolvimento no
caso Marielle
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) reagiu à
citação
de seu nome na investigação do assassinato da vereadora Marielle
Franco (PSOL) e, em tom irritado e agressivo, fez uma transmissão em redes
sociais na qual atacou a TV Globo e o governador do Rio de Janeiro, Wilson
Witzel (PSC).
Em viagem à Arábia Saudita, Bolsonaro acordou na madrugada
de quarta-feira (30), noite de terça-feira (29) no Brasil, para responder a
uma
reportagem
do Jornal Nacional, baseada no depoimento à Polícia Civil de um porteiro do
condomínio onde o presidente tem casa no Rio de Janeiro.
Segundo a reportagem, o ex-policial militar Élcio Queiroz,
suspeito de envolvimento no assassinato de Marielle e do motorista Anderson
Gomes em março de 2018, disse na portaria que iria à casa de Jair Bolsonaro, na
época deputado federal, no dia do crime. Os registros de presença da Câmara dos
Deputados, no entanto, mostram que Bolsonaro estava em Brasília nesse dia.
Além de negar envolvimento no assassinato da vereadora,
Bolsonaro chamou o governador do Rio de "inimigo" e ameaçou a não
renovação da concessão da emissora de televisão em 2022.
"Acabei de ver aqui na ficha que o senhor [Witzel]
teria vazado esse processo que está em segredo de Justiça para a Globo. O
senhor só se elegeu governador porque o senhor ficou o tempo todo colado no
Flávio Bolsonaro, meu filho", disse o presidente.
Segundo ele, o governador do Rio teria vazado essa
informação da investigação porque é pré-candidato à disputa presidencial em
2022 e estaria empenhado em, segundo ele, "destruir a família
Bolsonaro".
"Deixa muito claro que algo muito errado está neste
processo. Eu gostaria de falar muito neste processo, conversar com esses
delegados. Colocar em pratos limpos o que está acontecendo em meu nome. Por que
querem me destruir? Por que essa sede pelo poder, senhor Witzel?",
questionou.
Bolsonaro disse ainda que o processo de investigação da
morte da vereadora está "bichado" e ressaltou que uma solução seria
que, a partir de agora, ele fosse supervisionado pelo Conselho Superior do
Ministério Público.
"Agora querer me vincular à morte da Marielle? Não vai
colar. Não tinha motivo para matar quem quer que seja no Rio de Janeiro.
Conheci essa vereadora no dia em que ela foi executada, em 14 de março",
disse.
O PSOL afirmou que tentará audiência com o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli,
nesta quarta (30) para tratar do caso. O partido quer que a corte autorize a
polícia a investigar a menção a Bolsonaro, que tem foro privilegiado em razão
do cargo.
Em uma série de críticas, Bolsonaro acusou a TV
Globo de querer infernizar a sua vida e disse que, se a emissora tivesse
"o mínimo de decência", não teria divulgado detalhes de uma
investigação em segredo judicial.
"Vocês vão renovar a concessão em 2022. Não vou
persegui-los, mas o processo vai estar limpo. Se o processo não estiver limpo,
legal, não tem renovação da concessão de vocês, e de TV nenhuma. Vocês
apostaram em me derrubar no primeiro ano e não conseguiram", disse.
No Brasil, as emissoras de TV e de rádio funcionam por
concessões públicas, que precisam ser renovadas periodicamente.
Bolsonaro já havia feito menção à TV Globo nesta
semana. A atual permissão da emissora vence em abril de 2023. A concessão é
renovada ou cancelada pelo presidente, e o Congresso pode referendar ou
derrubar na sequência o ato presidencial em votação nominal de 2/5 das Casas
(artigo 223 da Constituição).
Segundo lei sancionada no governo Michel Temer (MDB), o
presidente pode decidir sobre a concessão até um ano antes de ela vencer —ou
seja, em abril de 2022, último ano do mandato de Bolsonaro.
Em tom exaltado, Bolsonaro chamou ainda de
"patifaria" a cobertura que a emissora faz de seu mandato e disse que
é feito um jornalismo "podre" e "canalha". Ele chamou ainda
a imprensa de "porca" e "nojenta".
"Não vou conversar com vocês da TV Globo. Temos uma
conversa em 2022. Eu tenho que estar morto até lá. O processo de renovação da
concessão não vai ser perseguição", disse. "Mas tem de estar enxuto,
legal. Não vai ter jeitinho para vocês, nem para ninguém, essa é a preocupação
de vocês", acrescentou.
Para ele, o objetivo da emissora de televisão é prender o
seu filho e senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), investigado pelo
Ministério Público do Rio de Janeiro por suspeitas das práticas de lavagem de
dinheiro, peculato e organização criminosa em seu gabinete parlamentar na época
em que era deputado estadual.
"Parem de trair o Brasil. Não estão traindo a mim, não.
Estão traindo o Brasil", disse. "Não tem dinheiro público para vocês.
Vão ficar me infernizando até quando?", questionou.
Em relação ao
caso Marielle, Bolsonaro afirmou ainda que o porteiro pode ter
assinado o depoimento sem ler. "O que parece? Ou que o porteiro mentiu, ou
que induziram o porteiro a cometer um falso testemunho, ou que escreveram algo
no inquérito que o porteiro não leu e assinou na confiança. A intenção é sempre
a mesma", afirmou.
Em entrevista à TV Record ainda na noite desta
terça, Bolsonaro voltou a acusar Witzel de ter vazado à TV
Globo as informações sobre o depoimento.
Bolsonaro afirmou que o inquérito da Polícia Civil do
Rio de Janeiro está sendo mal conduzido e que há uma tentativa de criar uma
cortina de fumaça para encobrir a real autoria do crime.
WITZEL CRITICA REAÇÃO DE PRESIDENTE; GLOBO LAMENTA
DECLARAÇÕES
A Globo afirmou em nota que lamenta que o presidente
demonstre "não conhecer a missão do jornalismo de qualidade e use termos
injustos para insultar aqueles que não fazem outra coisa senão informar com
precisão".
Disse que "não fez patifaria nem canalhice" e que
a mera citação do nome do presidente leva o Supremo a analisar a situação.
"[A reportagem] ressaltou, com ênfase e por apuração
própria, que as informações do porteiro se chocavam com um fato: a
presença do então deputado Jair Bolsonaro em Brasília, naquele dia, com dois
registros na lista de presença em votações. O depoimento do porteiro, com ou
sem contradição, é importante, porque diz respeito a um fato que ocorreu com um
dos principais acusados, no dia do crime."
Sobre as declarações de Bolsonaro de que renovará em 2022 a
concessão se o processo estiver "enxuto", a Globo disse que não
poderia esperar do presidente outra atitude. "Há 54 anos, a emissora
jamais deixou de cumprir as suas obrigações."
O governador Wilson Witzel divulgou nota no fim da noite
dizendo lamentar profundamente a "manifestação intempestiva do
presidente" e que foi "atacado injustamente".
"Jamais houve qualquer tipo de interferência política
nas investigações conduzidas pelo Ministério Público e a cargo da Polícia
Civil. Em meu governo, as instituições funcionam plenamente e o respeito à lei
rege todas nossas ações. Não transitamos no terreno da ilegalidade, não
compactuo com vazamentos à imprensa", disse o governador.
Ele também afirmou que defenderá o equilíbrio e o bom senso
nas relações pessoais e institucionais, como fez nos anos em que exerceu a
magistratura.
O procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo
Gussem, disse que as investigações sobre as
mortes
de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes continuam a
cargo da Delegacia de Homicídios subordinada à Polícia Civil do Rio. Também
afirmou que o trabalho é acompanhado pelo Ministério Público e tramita sob
sigilo.
Colaborou UOL