segunda-feira, 31 de julho de 2017

ADMIRAÇÃO TATUADA

Defensor ardoroso do presidente Michel Temer (PMDB), a ponto de bater boca com adversários em comissões e no plenário da Câmara,  o deputado Wladimir Costa (SDD/PA) resolveu tatuar, no ombro direito,  a sua admiração pelo presidente.  A façanha veio a público durante entrega  de caminhões de lixo em Salinópolis,  no Pará, reduto eleitoral do parlamentar.
Vestindo regata amarela e bermuda jeans, durante o evento, no sábado passado (29), o deputado que ficou famoso ao estourar uma bomba de confete durante a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), chamou a atenção do público ao tirar a blusa.
Mandato cassado
Costa teve o mandato cassado, em julho do ano passado, pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE/PA). A relatora do caso, juíza Lucyana Said Daibes Pereira, concluiu pela existência de gastos não registrados na prestação de contas da campanha de 2014.
De acordo com o TRE/PA, o deputado gastou ilegalmente R$ 410.800 mil, além de falsificar documentos. O tribunal condenou o parlamentar com base em denúncia do  Ministério Público Eleitoral.
Justificativa
"Paraense não é de se arrepender não", disse Costa. A tatuagem, finalizada na última sexta-feira, 28, custou R$1.200 em seis vezes no cartão, disse o parlamentar.
"Cada um com suas paixões. Não tem gente que tatua Che Guevara, Fidel Castro, o presidente da Coreia? Todos falsos socialistas usando (relógio da marca) Rolex?", afirmou Costa.
"Sou admirador nato (de Temer), sou amigo dele há quase 16 anos. Nesse momento, que tentam derrubar ele a qualquer custo, é minha forma de mostrar que parceiro que é parceiro derrama até a última gota de sangue".
Mulher emocionada
Ainda segundo o parlamentar, "a dor valeu a pena" e até planeja fazer uma próxima, dessa vez na costela. "Quero escrever 'Temer, o único e verdadeiro estadista do Brasil'".
O parlamentar disse, ainda, que sua mulher se emocionou ao ver o resultado. Ela é fã de Temer. É formada em Direito e é grande leitora dos livros do presidente. Mas, se ela quiser tatuar o nome dele, eu não deixo".
O parlamentar disse que ainda não mostrou ao presidente sua homenagem. "Não fiz para ele, fiz para mim. Queria que a minha tatuagem fosse maior que a da Marcela (Temer, mulher do presidente, que tem uma tatuagem no pescoço com seu nome)", afirmou.
Confiante
Wladimir, que se diz "confiante na vitória do governo" na próxima quarta-feira, quando está prevista a votação sobre a denúncia, disse que pretende mostrar a tatuagem no plenário, após seu voto. "Até porque eu tenho um corpo belíssimo", disse.
Via Estado de Minas com Agência Estado
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AS PROVAS DA JBS

Da ÉPOCA
Demilton de Castro e Florisvaldo de Oliveira estavam suando. No estacionamento da JBS em São Paulo, eles tentavam, sem sucesso, enfiar uma volumosa caixa de papelão num limitado porta-malas de Corolla. Plena segunda-feira e aquele sufoco logo cedo. Manobra para cá, manobra para lá, e nada de a caixa encaixar. Até que, num movimento feliz, ela deslizou. Eles conseguiram. Estavam prontos para desempenhar a tarefa a que Florisvaldo fora designado. E que ele tanto temia. Dez dias antes, Florisvaldo despencava até uma rua na Vila Madalena, também em São Paulo, para fazer uma espécie de “reconhecimento do local” onde teria de entregar R$ 1 milhão em espécie. Seu chefe, o lobista Ricardo Saud, havia encarregado Florisvaldo do delivery de propina para o então vice-presidente da República, Michel Temer. O funcionário, leal prestador de serviço e carregador de mala, não queria dar bola fora. Foi dar uma olhada em quem receberia a bufunfa. Ao subir as escadas do prediozinho de fachada espelhada, deu de frente com a figura inclemente de João Batista Lima Filho, o coronel faz-tudo de Temer. “Como é que você me aparece aqui sem o dinheiro?”, intimou o coronel. “Veio fazer reconhecimento de que, rapaz?” Florisvaldo tremeu. “Ele me tocou de lá”, comentou com os colegas, ainda assustado. Receoso da bronca que viria também do chefe, Florisvaldo ficou quietinho, não contou a Saud que a entrega não fora feita.
Naquele 1º de setembro de 2014, Saud, o lobista, batia as contas dos milhões em propina que distribuía de lá para cá, para tudo que é político de tudo que é partido – a JBS não discriminava ninguém. “Cadê o dinheiro do Temer?” Florisvaldo admitiu sua falha. “Tá doido, Florisvaldo? Vai entregar esse dinheiro agora!” Lembrando da pinta do coronel, o funcionário replicou: “Só se o Demilton for comigo”. Toca Florisvaldo e Demilton a tentar enfiar a caixa com notas de R$ 50 no porta-­malas. Demilton, quatro décadas de empresa, é o planilheiro da JBS. A Odebrecht tinha o drousys, o software de distribuição de propinas. A JBS tem Demilton, exímio preenchedor de tabelas do Excel. Demilton topou ajudar o amigo. Os dois deixaram o estacionamento da JBS ao meio-dia. Florisvaldo, meio nervoso, tocou a campainha. Depois de instantes angustiantes, o coronel Lima apareceu. “Trouxeram os documentos?”, perguntou Lima. Florisvaldo já tomava fôlego para carregar a caixa de papelão escada acima, mas o coronel ordenou que o dinheiro fosse depositado no porta-­malas do carro ao lado. “Não tem perigo com essa parede espelhada aí?” Florisvaldo era todo paúra. “Não, fica tranquilo.” A transação estava completa.
Aquele 1º de setembro de 2014 era mais um dia intenso na maior compra já promovida no Brasil, segundo as evidências disponíveis, de uma eleição – de centenas de eleições. A JBS dos irmãos Joesley e Wesley Batista, maior empresa do país, viria a gastar, ou investir, quase R$ 600 milhões naquela campanha. R$ 433 milhões em doações oficiais, R$ 145 milhões entre pagamentos a empresas indicadas por políticos e dinheiro vivo – tudo isso já com a Lava Jato na rua. No raciocínio dos irmãos e de alguns de seus executivos, hoje delatores, os pagamentos, seja pelo caixa oficial, seja por empresas indicadas pelos políticos, seja diretamente por meio de dinheiro vivo, eram um investimento por favores futuros ou uma quitação por favores pretéritos. Favores não republicanos, evidentemente. Ou seja, havia uma relação de troca entre o dinheiro que  saía da empresa e o que o político fazia por ela – mesmo que essa troca, em alguns momentos, não fosse verbalizada, por tão corriqueira e natural num quadro de corrupção sistêmica. Havia, em muitos casos, uma relação de troca criminosa, que se tipifica como corrupção.
Assim que a delação da JBS veio a público, em maio, a força irrefreável das provas contra o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves, provas de crimes em andamento, assim como a crise política que se instalou imediatamente, escamoteou o poder igualmente destrutivo dos crimes pretéritos cometidos por executivos da JBS – e por centenas, talvez milhares, de políticos. As provas apresentadas foram largamente ignoradas. Como os delatores haviam fechado o acordo poucas semanas antes, a empresa ainda não tinha levantado tudo o que poderia e deveria, em termos de evidências para corroborar os crimes descritos nos anexos da colaboração. Agora, a um mês do prazo estipulado para entregar à Procuradoria-Geral da República todas as evidências necessárias, os delatores e a JBS já dispõem de um novo e formidável conjunto de documentos.
Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
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NEGÓCIO EM FAMÍLIA

Deputados federais e senadores que eram sócios de emissoras de rádio ou TV repassaram as cotas de sociedade para filhos, irmãos, pais e aliados políticos.
As transferências foram feitas após a instauração de inquéritos e de ações civis públicas, movidos pelo Ministério Público Federal em 2015, questionando as concessões em nome de parlamentares.
A Constituição diz que deputados e senadores não podem firmar e manter contratos diretos com a administração pública ou ser concessionários de serviços públicos.
A Justiça, contudo, tem apresentado entendimentos diferentes quanto à legalidade do repasse de cotas de ações de emissoras de políticos a seus parentes.
Um exemplo: o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) deu lugar à filha Giovana Barbalho na sociedade da Rádio Clube do Pará. Em junho, um juiz federal suspendeu as transmissões da emissora sob o argumento de que o quadro de sócios da empresa segue constituído por "outros membros da família".
Já em Minas Gerais, o Tribunal Regional Federal entendeu que o fato de Aécio transferir, em setembro de 2016, suas ações na rádio Arco Íris –44% do capital da emissora– à irmã, Andréa Neves, anulava irregularidades na concessão, já que ele havia saído da sociedade. O MPF recorreu e ainda não há decisão.
IMPASSE JURÍDICO
Pedro Machado, procurador do Ministério Público Federal em São Paulo que encaminhou 45 denúncias contra concessões a parlamentares pelo país, diz que o repasse de cotas a parentes virou um impasse jurídico.
"Nós entendemos que, a partir do momento em que optou por ser parlamentar, o político tem que abrir mão dessa concessão", diz.
Entre os parlamentares que se valeram de parentes para repassar as concessões está o senador José Agripino Maia (DEM-RN), que vendeu a dois irmãos e à mãe cotas de uma rede de televisão e de emissoras de rádio no Rio Grande do Norte.
"Essas emissoras pertenciam ao meu pai, recebi por herança. Mas houve esse questionamento, optei por vender as ações para meus irmãos e minha mãe. Não queria prejudicá-los", afirma. O processo contra ele foi extinto.
O filho de Agripino, o deputado federal Felipe Maia (DEM-RN), abriu mão da participação em duas rádios na qual era sócio, vendendo para primos. O senador Tasso Jereissatti (PSDB-CE) e os deputados Beto Mansur (PRB-SP) e Domingos Neto (PSD-CE) também repassaram as ações de emissoras de rádio e TV para parentes. Os dois primeiros para os filhos, o segundo para o pai.
Além da rádio de Jader e Elcione Barbalho, outras duas emissoras foram temporariamente suspensas por meio de decisão liminar. Em 2016, a AM Show, de Jardinópolis (SP), que teve o deputado federal Baleia Rossi (PMDB-SP) como sócio, foi retirada do ar.
O deputado contesta a decisão alegando que vendeu sua participação na rádio para o irmão em 2015, quando assumiu mandato de deputado. No mesmo período, também foi retirada do ar a rádio Metropolitana Santista, de Santos, do deputado federal Antônio Bulhões (PRB-SP).
Apesar das contestações judiciais, há políticos que continuam no quadro societário de rádios e TVs. Eles alegam que as restrições seriam apenas para exercer cargos executivos na direção das empresas.
Há três ações sobre o tema em tramitação no STF (Supremo Tribunal Federal). Duas pedem a inconstitucionalidade das concessões de rádio e TV para qualquer político com cargos eletivos, não só deputados federais e senadores.
Outra, proposta pelo governo Michel Temer (PMDB) em dezembro de 2016, pede a suspensão de todos os processos envolvendo concessões de parlamentares com mandatos e das liminares que interromperam a transmissão de rádios e TVs até o julgamento final dos casos.
Segundo o governo, o direito à liberdade de expressão é soberano e a legislação eleitoral já tem mecanismos para coibir o abuso de poder nos meios de comunicação.
O pedido foi indeferido pela ministra Rosa Weber, mas, devido a um recurso, o caso permanece inconcluso.
OUTRO LADO
O senador Jader Barbalho (PMDB-PA) afirmou que transferiu suas cotas em emissoras de rádio e televisão para herdeiros, mas não comentou o teor da ação civil pública que levou à suspensão de uma das rádios da família.
Tasso Jereissatti (PSDB-CE) informou apenas que "se desfez das ações de uma rádio e uma TV".
O deputado federal Beto Mansur (PRB-SP) disse que fez tudo dentro da lei e repassou as ações para os filhos para cumprir o que determinava o Ministério Público Federal.
Domingos Neto, deputado pelo PSD-CE, diz que a rádio Difusora dos Inhamuns existe há 34 anos, "antes do nascimento" do parlamentar.
Ele afirma que devolveu as cotas ao pai em junho de 2016 "devido às inúmeras atividades que foi acumulando como deputado".
O deputado Baleia Rossi (PMDB-SP) afirma que não possui participação societária em nenhuma rádio desde 2015, quando assumiu mandato na Câmara.
Diz que vendeu ações de uma das rádios para seu irmão, um "reconhecido profissional de comunicação", e critica a decisão que tirou a emissora do ar.
"A decisão do desembargador é permeada por análise, suposições e especulações. A mesma foi objeto de interposição de recuso pelo deputado há um ano, mas até agora não houve uma decisão, afirmou em nota.
A reportagem procurou todos os 29 deputados e senadores, alvos de denúncias, inquéritos e ações civis públicas movidos pelo Ministério Público Federal em razão de concessões de rádio e TV, mas a maioria não respondeu à reportagem.
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APOIO VERGONHOSO

Andrei  Roman, El País
O apoio ao golpe de Nicolás Maduro é a página mais vergonhosa da história do PT
Desde o impeachment da Dilma Rousseff, o PT vem reafirmando sistematicamente o discurso do golpe. Confesso que é um discurso que até ontem não tinha levantado em mim uma forte emoção. Concordei desde o começo em aceitar o termo como uma figura de estilo: ao final das contas, Dilma caiu “apunhalada” nas costas por antigos aliados, os crimes imputados a ela sendo somente um pretexto para tirá-la do cargo. Do mesmo jeito que alguém pode usar a palavra “apunhalar,” é então possível falar em um golpe. Mas preferi fazer abstração do argumento mais audacioso que o impeachment causou uma quebra no processo democrático. Apesar do combate legítimo em torno da constitucionalidade do processo, construído com inteligência e elegância por José Eduardo Cardozo, o impeachment da Dilma não nos levou para a instauração de uma ditadura. Os votos que levaram a atual configuração do Congresso, por mais corrupto e imoral que ele provou-se ser, não vieram de extraterrestres. Há portanto um óbvio exagero na insistência no discurso do golpe. Considerei desde o começo que é um daqueles exageros naturais no combate ideológico e fiz questão de não me meter neste debate em público ou em privado. Acreditei que, ao agir dessa forma, o PT está exercitando o seu papel legítimo, como o partido de maior expressão popular da história brasileira, de articular um discurso, sempre bem-vindo, na defesa da democracia.
Meu estado de apatia em relação à questão do golpe acabou subitamente quando fui confrontado com a notícia que, no contexto de um encontro do Foro de São Paulo na Nicarágua, o PT acabou se posicionando oficialmente a favor da iniciativa de Nicolás Maduro de reescrever a Constituição da Venezuela. Minha reação passou por algumas fases. Primeiro a interrogação: “Ué, passaram um ano gritando contra um golpe legislativo no Brasil e agora apoiam o golpe armado na Venezuela?” Depois, um sentimento de dúvida: “Será que não é uma notícia falsa?”. Difícil ser, dada a boa reputação do jornalista que tinha escrito a matéria. Mas nesses dias nunca se sabe. Em seguida, depois de verificar a veracidade das informações, a interrogação final: “Será que querem implodir tudo?”
Faço questão de transcrever o discurso oficial da senadora Gleisi Hoffmann no dito encontro, já que cada palavra me parece uma pedra jogada num vidro de cristal: “Agradeço aos companheiros da Frente Sandinista de Libertação Nacional por proporcionar este encontro. Saudamos os triunfos eleitorais mais recentes do Daniel Ortega na Nicarágua e Lenin Moreno no Equador, que demonstraram claramente que é possível enfrentar as novas táticas eleitorais e golpistas da direita. O PT manifesta também o seu apoio e solidariedade ao PSUV, seus aliados, e ao presidente Nicolás Maduro, frente à violenta ofensiva da direita pelo poder na Venezuela. Temos a expectativa de que a Assembleia Constituinte possa contribuir para uma consolidação cada vez maior da revolução bolivariana e que as divergências políticas se resolvam de forma pacífica.”
É até difícil saber onde começar. O real triunfo de Daniel Ortega na Nicarágua, se alguém pode chamar isso de triunfo, foi aquele de conseguir que uma Corte Constitucional completamente subserviente aos seus desejos banisse o principal opositor da eleição presidencial. O regime de Daniel Ortega tem muito mais em comum com a ditadura de Anastasio Somoza, do que com o movimento sandinista que liderou na sua juventude: a sua mulher já ocupa o cargo de vice-presidente da república e os seus cinco filhos e dois netos são as únicas lideranças no horizonte hoje em dia. Nenhum dos antigos dirigentes sandinistas apoiam hoje em dia o Ortega. Qual seria o modelo que a Gleisi Hoffman vê na Nicarágua para “enfrentar as novas táticas eleitorais e golpistas da direita”? Transformar o Brasil numa república das bananas, sem separação entre os Poderes e liderada por uma única família de oligarcas travestidos de revolucionários?
Seria divertido se não fosse extremamente trágico. No caso da Venezuela, assistimos à uma catástrofe humanitária de proporções cada vez maiores. Em quatro Estados do país, a desnutrição infantil já atinge quase 20% das crianças com menos cinco anos de idade. O país tem a segunda maior taxa de homicídios do mundo. O índice de assassinatos em Caracas é 14 vezes maior que o de São Paulo, não que São Paulo fosse exatamente uma cidade segura. E para cada 100 assassinatos, somente nove suspeitos são presos. A inflação projetada para este ano é de 2.200%. Em 2016 a economia do país se contraiu 19% e o ritmo de queda deve acelerar ainda mais este ano. Centenas de milhares estão saindo do país, e cada vez mais estão chegando também ao Brasil. Devo continuar com mais números ainda? Depois de duas décadas no poder, é este o legado que o chavismo deixa para a Venezuela: fome, pobreza extrema, desespero e morte. E não foi por culpa do Tio Sam, como alguns defensores do regime gostariam de argumentar. Sem as exportações de petróleo ao EUA, a fonte mais estável de recursos para o país, o que será que restaria de uma economia completamente destruída?
Neste contexto, Nicolás Maduro propõe tirar a única riqueza que ainda resta ao povo venezuelano: a liberdade de decidir o seu futuro. Maduro já virou a página da democracia. Para se manter no poder, é evidente que a única opção do presidente consta na força bruta. Para que o ônus dessa tarefa infame não caiba exclusivamente nos ombros da polícia e do Exército, o regime vem patrocinando com armas e dinheiro gangues de bairros pobres, aumentando ainda mais a violência e o caos. Se trata de uma aliança repressiva surpreendentemente forte entre os militares e os grupos criminosos, alimentada com petrodólares cada vez mais escassos. Nenhum líder democrático teria a ousadia de convocar um referendo constitucional dadas as condições em que a Venezuela se encontra hoje. A convocação de uma Assembleia Constituinte formada exclusivamente por apoiadores do regime não é nada mais que uma tentativa grotesca de disfarçar a transição do país de um regime autoritário com alguns vestígios de competição política (o que os cientistas políticos costumam chamar de autoritarismo competitivo) para uma ditadura plena. Como é possível que o PT, com o seu legado histórico para a transição e consolidação democrática do Brasil, possa prestar apoio à tamanha barbaridade?
Estamos assistindo ao redor do mundo ao surgimento do autoritarismo messiânico. Desde a Venezuela de Nicolás Maduro até a Hungria de Orban, desde os Estados Unidos de Trump até as Filipinas de Duterte, da Rússia do Putin até a Turquia de Erdogan, a aderência ao populismo e ao discurso autoritário está crescendo em ritmo galopante. Irmãos no assalto contra a democracia, Maduro não deve representar a esquerda, assim como o Orban não deve representar a direita. Que o Brasil não é imune a essa onda já está muito claro. É só abrir o seu Facebook ou consultar a última pesquisa de opinião.
Ao condenar Maduro, é importante lembrar que a direita da Venezuela tem seus próprios cadáveres no armário. O chavismo se ergeu nos escombros de uma partidocracia que por décadas trabalhou em prol das elites e ignorou os interesses da nação como um todo. Em vez de investir a gigante receita das exportações de petróleo na educação e no crescimento sustentável do país, os governos das décadas de 70 e 80 cuidaram de seus próprios bolsos e institucionalizaram o clientelismo. Quando a nação elegeu democraticamente Hugo Chávez, foi essa mesma elite quem organizou e eventualmente abortou um golpe armado para tirá-lo do poder. São essas as raízes da popularidade do chavismo, são esses os motivos que permitiram que o país fosse levado para o precipício pelo populismo fanático praticado pelo PSUV. Ao contrário dos políticos tradicionais, Hugo Chávez respeitou sua promessa de olhar para os mais pobres e por mais de uma década as condições de vida desse segmento da população melhoraram dramaticamente. Mas quando as políticas econômicas e sociais do chavismo começaram a se provar insustentáveis, em vez de proteger o jogo democrático e o seu legado social, Chávez mudou a Constituição e usou do Judiciário para conter as chances eleitorais da oposição. E quando nem isso funcionou mais, o seu sucessor partiu para a força bruta.
A colunista Eliane Brum argumentou uma vez, com a sua característica e brilhante lucidez, que a mais maldita das heranças do PT “pode ser não a multidão que ocupou as ruas em 15 de março, mas aquela que já não sairia de casa para defendê-lo em dia nenhum.” Acredito que o perigo pode ser ainda maior. Depois de ter abandonado valores e princípios em nome da governabilidade, depois de ter sacrificado boa parte dos avanços sociais tão preciosos que definiram os mandatos de Lula com a irresponsabilidade econômica da gestão de Dilma, depois de ter se envolvido em escândalos de corrupção que derreteram a posição do partido como uma força moralizadora na política brasileira, o PT chega agora a arriscar o seu maior legado: um modelo de fazer política e de governar à esquerda inteiramente comprometido com a democracia.
Não é pouca coisa. Se trata de um ponto de referência para o nosso continente e para o nosso tempo histórico. Numa América Latina obcecada por décadas com o perigo de uma revolução comunista e a instalação de um sistema totalitário, o maior êxito do PT foi aquele de provar não somente as credenciais democráticas da esquerda, mas também a capacidade da esquerda de fazer um bom governo e de cumprir as suas promessas de forma pragmática, ponderada e responsável. Sob o comando do Celso Amorim, o Governo Lula também demonstrou que é possível reforçar as forças progressistas no mundo afora com uma diplomacia inteligente, baseada em princípios e soft power, não num discurso militante que fecha qualquer porta ao diálogo. É dessa esquerda que precisamos no século 21. De fato, a história nos ensina que é dessa esquerda que a América Latina sempre precisou, mas raramente encontrou. Uma esquerda inteligente. Uma esquerda reflexiva, que tem a coragem de fazer a sua autocrítica. Uma esquerda que sempre busca questionar e atualizar as suas ideias para reforçar a luta pela democracia, não uma esquerda que apela ao discurso inflamado da guerra de classes para justificar o autoritarismo.
Como sugeri anteriormente, em vez de apostar numa dogma ultrapassado, num discurso sectário, e no vitimismo, o PT poderia e deveria fazer uma profunda autocrítica e tentar voltar aos seus valores fundamentais. Mas quem fará essa autocrítica? A Gleisi Hoffmann? O Lindbergh Farias? A queda moral do PT já não é mais um fenômeno tão recente para que possa ser revertido de forma ágil. Em 2010, quando o diretório nacional do partido decidiu apoiar a reeleição de Roseana Sarney, o PT ainda tinha um Domingos Dutra, que por uma semana protestou contra a decisão com uma greve de fome no plenário do Congresso. Não adiantou. Hoje em dia, o PT não precisa mais se preocupar com esse tipo de resistência interna, já que conseguiu afastar os seus quadros mais dignos.
Os recursos pessoais de carisma e popularidade do Lula, mesmo aumentados pelos ocasionais abusos ou omissões do Judiciário, são insuficientes para preservar o PT na frente da persistência nos mesmos erros. Antes de passar a esquecer seu compromisso com a democracia na América Latina, o PT destruiu sua democracia interna dentro do partido. A escolha da Gleisi Hoffmann como presidente do PT segue o mesmo padrão que levou à escolha da Dilma para a presidência. Basta falar que ambos os casos partiram de uma decisão pessoal do Lula e não de o resultado de um consenso amplo. Hoffmann é uma figura altamente impopular e as seu envolvimento notório na Lava Jato está ligado a um probatório que, ao contrário do Lula, parece extremamente sólido. Depois de sua fala abominável na Nicarágua, temos também uma perspectiva sobre o apreço da Gleisi Hoffmann pela democracia.
O estado atual do PT e da esquerda brasileira como um todo deixa o país completamente desprotegido frente ao fortalecimento das forças mais retrógradas da sociedade. Independentemente do conflito de ideias, independentemente do desprezo pelos inimigos políticos, é preciso resistir à tentação do autoritarismo e desconstruir o discurso demagógico de ambos os lados. A não ser que você queira viver na Venezuela.
Andrei Roman é doutorando em ciência política, cofundador da plataforma de transparência Atlas Político, e cofundador do Catalyst News.
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POLÍTICA DA MENTIRA

Notícias falsas e comentários alarmistas de cunho islamofóbico alimentam a rede virtual de simpatizantes de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), em um ambiente similar ao da campanha que elegeu Donald Trump nos EUA.
Muitas vezes, os conteúdos giram em círculos, mesmo depois de contestados, abastecendo grupos por semanas.
Em junho, ocorreu um caso exemplar. Viralizou um áudio atribuído ao senador Magno Malta (PR-ES) –ele nega– em que o narrador anuncia "a invasão de 1,8 milhão de muçulmanos" ao país.
Seria supostamente estratégia do governo Michel Temer para agradar a ONU, "que é completamente islâmica", para obter assento permanente no Conselho de Segurança do organismo, que se define pela neutralidade política, geográfica e religiosa.
Não há sinais de "invasão" no Brasil. Segundo a Polícia Federal, 399 sírios pediram refúgio ao Brasil de janeiro a maio deste ano. Somando-se solicitações do Líbano e do Iraque, há 1.094 pedidos em 2017. A entrada é controlada.
Mas a mensagem pede "intervenção hoje". "Bem-vindos ao Brasilquistão, a nova Turquia da América Latina. Espero que Bolsonaro ganhe, pelo amor de Deus. Espero que as Forças Armadas façam algo, porque [senão] o nosso país estará destroçado", diz o narrador.
Bolsonaro está em campanha para viabilizar uma candidatura à Presidência em 2018. Desde o ano passado, quando foi batizado pelo pastor Everaldo no rio Jordão, faz acenos ao eleitorado evangélico enaltecendo Israel.
Essa agenda acabou por aproximá-lo de parte da comunidade judaica.
TERRORISMO
Em um vídeo na semana passada, uma simpatizante de Bolsonaro que se identifica como Jane Silva, "pastora e presidente da Comunidade Internacional Brasil-Israel", afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "deu de presente" uma embaixada para a Palestina.
"E para quê? Para trazer o terrorismo, eles financiam o terrorismo no Brasil", disse.
O país condena o terrorismo e aprovou lei no passado que tipifica o crime. Tem como praxe doar áreas para embaixadas, como foi feito com a Palestina em 2010. Em reciprocidade, recebeu doação, em 2015, de terreno em Ramalá. A construção é custeada pelo país estrangeiro.
"O Brasil dá tudo de graça, pega o nosso arroz e manda para a Faixa de Gaza, pega o nosso dinheiro e investe numa embaixada caríssima, e nós passamos necessidades", reclama essa pastora, em possível referência à doação de R$ 25 milhões anunciada por Lula à faixa de Gaza em 2010.
Em seguida, ela mira o ministro de Relações Exteriores: "Aloysio Nunes recebe ordens no Itamaraty daqui".
O ministro entrou na rota dos ataques virtuais quando da tramitação da Lei de Migração, de sua autoria, que estabeleceu regras mais flexíveis para imigrantes.
"Embora meu Facebook tenha sido inundado com esse tipo de conteúdo falacioso, o impacto fora da rede foi mínimo: meia dúzia de gatos pingados foi às ruas protestar", afirmou à Folha.
"Os fatos desmentem o ridículo, mas é importante encontrar mecanismos capazes de frear a disseminação de notícias falsas. Porque se consolidou a ideia de que notícia falsa é a notícia com a qual não se concorda, e isso é perigosíssimo", concluiu.
Procurada, Jane Silva não respondeu à reportagem.
VIAGEM AOS EUA
Em sua campanha à Presidência dos EUA, Trump fomentou a islamofobia ao generalizar a associação de terrorismo com muçulmanos. Bolsonaro, de sua parte, concorda com a "preocupação" do americano.
"Junto com as laranjas boas vêm as podres e podemos, mais cedo ou mais tarde, ter essa preocupação", disse o deputado sobre refugiados.
Quanto a notícias falsas e alarmistas, ele diz que "não estimula nada, cada um é responsável pela opinião que emite". Mas, na retórica, vai na mesma linha.
"Agora, eu te pergunto: se chegarem dez milhões [de refugiados] em navios, eles vão poder entrar aqui? O Brasil é muito complacente. O governo não se manifesta, o pessoal acaba ficando no Brasil."
Bolsonaro planeja percorrer cidades americanas em outubro para tratar dessa e outras agendas em comum. Diz que tem uma rede de apoiadores no país.
Para Salem Nasser, professor na Fundação Getulio Vargas que estuda o direito islâmico e sua relação com o direito internacional, o discurso conservador brasileiro contra muçulmanos demonstra "ignorância absoluta".
A comunidade islâmica brasileira é sensivelmente diferente da americana e europeia, uma vez que é formada sobretudo por sírios e libaneses, enquanto nas outras regiões há muitos africanos.
"Nossa leitura sobre o tema não é fina, não é sofisticada", afirmou Nasser. "Dá uma abertura muito grande para teorias conspiratórias."
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domingo, 30 de julho de 2017

AFUNDAR OU NADAR

Artigo de Fernando Gabeira
Esta era a filosofia da mãe da atriz Charlize Theron, que matou o marido bêbado e agressivo. Foi o que disse à filha quando a tragédia aconteceu.
É uma frase dita num contexto familiar e definindo uma reação individual. Mas pode ser aplicada ao momento em que o país anda tão decadente.
O que fazer diante de tantas notícias ruins no campo da política e dos vários níveis de governo? Nadar talvez signifique o que fazemos cotidianamente: trabalhar, tentar os melhores resultados possíveis, avançar.
Ao deixar a esfera individual e aplicar a frase à trágica situação do Rio de Janeiro, o que significa afogar-se ou nadar? Creio que uma braçada inicial seria encarar de frente o problema da segurança pública. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, descreveu a situação de segurança pública no Rio como o “coração das trevas”.
A cidade tem mais de 800 comunidades, a maioria sob domínio territorial do tráfico. Este domínio acaba se refletindo na própria política: traficantes elegem aliados em vários níveis.
O ministro advertiu que não são todos, mas muitos políticos do Rio eleitos, de uma certa forma, em sintonia com o mundo do crime, pois dependem dos traficantes para fazer campanha nas áreas dominadas.
A proposta de criar uma força-tarefa federal para o Rio parece muito sensata nesse contexto. Jungmann propõe a articulação de vários órgãos, PF, Ministério Público, Polícia Rodoviária, entre outros. E um prazo de alguns anos para corrigir essa situação tenebrosa, na qual o crime não só domina territórios, mas, no mínimo, aniquila a vontade política de combatê-lo. Minha suposição é de que uma força-tarefa desse tipo encontraria um amplo apoio social. Não me refiro apenas a um apoio do tipo que a sociedade brasileira dá à Lava-Jato. As pessoas comuns rejeitam, mas desconhecem os mecanismos de corrupção nas altas esferas de governo.
No caso do Rio, trata-se de algo palpável, um drama que atinge a todos no seu cotidiano. As pessoas têm boas ideias, informações. Alguns países vivem o mesmo problema. No México, discute-se uma lei que cassa o mandato de um partido caso um de seus candidatos tenha relações com o crime. Em Medellín, que tive a oportunidade de visitar, também houve uma experiência vitoriosa de pacificação. O período inicial foi o enfrentamento ao cartel de Pablo Escobar, no qual a Colômbia contou com o apoio dos EUA.
Trabalhei com Jungmann por muitos anos no Congresso. Ele era um dos melhores formuladores em política de segurança pública, uma referência na área. Deve saber muito bem que o enfrentamento é só a primeira fase. Medellín compreendeu que a saída a longo prazo era política, envolvia outras dimensões além da policial. Tanto que, quando se fala em milagre de Medellín, as pessoas contestam. Foi preciso muito trabalho, liderado por um grupo de sonhadores em torno do prefeito Sergio Fajardo, um professor de matemática. Adotaram uma tríplice prioridade: educação, cultura e urbanização. E definiram como lema empregar o dinheiro público onde fosse mais necessário.
Uma força-tarefa atuando com eficácia no Rio não terá vida fácil. Mas certamente vai polarizar a esperança da sociedade e estimular o desejo por soluções mais duráveis. Isso certamente passa por melhores escolhas políticas. E pode ser também o começo de uma revolução cultural no Rio. Uma reavaliação das tênues fronteiras entre o crime e a cultura.
É de um dos mais talentosos artistas que viveram por aqui, Hélio Oiticica, a célebre frase: “Seja marginal, seja herói”. Isso comporta uma discussão em alto nível. No entanto, para simplificar, no estado a que chegamos, basta virar a frase de cabeça para baixo: os policiais que atuam dentro da lei são os heróis de uma sociedade aterrorizada.
Uma força-tarefa eficaz seria um marco nessa transformação simbólica. A única dificuldade que vejo é a financeira. O governo é rejeitado, vai mal das pernas. O pouco dinheiro que lhe restou, pensa em aplicar nas escolas de samba. Mas um grupo de instituições que funcionem pode conquistar uma legitimidade própria. E até pensar, se isso não for ilegal, em receber contribuições espontâneas.
O projeto das UPPs foi parcialmente financiado por empresários. Ele também deveria ter o seu lado social. Mas ali, em termos de segurança, visavam-se os grandes eventos. E em termos de política social apenas, alguns votos a mais para a gangue no poder. É possível refazer o caminho se o longo trabalho de uma força-tarefa se complementar com mudanças políticas e culturais. Pelo menos é uma ideia de braçada. Há outras, certamente. Há quem nade crawl, peito, costas, borboleta.
Do jeito que está, afundamos. Outro dia, o vice-governador errou ao abotoar o paletó e apareceu meio estranho em público. Isso acontece com qualquer um. Mas no momento pareceu um inconsciente pedido de socorro.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 30/07/2017
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sábado, 29 de julho de 2017

O MAIS REJEITADO

Da ISTOÉ
Na eleição ao governo de São Paulo, em 1998, Paulo Maluf era a personificação do oponente ideal. Dono de uma insuperável rejeição entre os paulistas, Maluf batia todos os adversários no primeiro turno, mas – era sabido de antemão – o candidato seria presa fácil na segunda etapa do pleito. Quem conseguisse superar a barreira do primeiro turno e conquistasse o direito de enfrentá-lo no segundo, saborearia os louros da vitória. Não deu outra. Mário Covas, do PSDB, foi eleito governador na disputa derradeira contra Maluf com 9,8 milhões de votos – 55% a 44%. O ex-presidente Lula caminha para ser o Maluf de 2018. Levantamento do instituto Paraná Pesquisas feito com exclusividade para a ISTOÉ revela que o petista é rejeitado por 55,8% da população. Por isso, Lula tem tudo para personificar o adversário dos sonhos num segundo turno. Ou seja, aquele moldado para perder, a despeito de ser o único praticamente assegurado numa segunda fase da eleição – claro, se conseguir escapar da condenação e homologar sua candidatura.
O mais surpreendente, no entanto, no levantamento da Paraná Pesquisas, é que Lula não é o único a assumir essa condição de possível “candidato destinado à derrota” num segundo turno. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o deputado Jair Bolsonaro (PSC) também são potenciais candidatos a experimentar o mesmo infortúnio. Alckmin registra 54,1% de reprovação, enquanto Bolsonaro 53,9%. Ou seja, mesmo numa hipotética disputa de segundo turno em 2018 contra Lula, hoje o nome mais rejeitado pela população, tanto Alckmin quanto Bolsonaro correm sérios riscos. “Se Lula, Alckmin e Bolsonaro não conseguirem reduzir a rejeição, dificilmente ganham a eleição de 2018. E se Alckmin ou Bolsonaro forem os adversários de Lula num segundo turno, tudo pode acontecer. Até a vitória de Lula”, afirmou Murilo Hidalgo, diretor do instituto. O QG do governador tucano tem um motivo extra para preocupação. A pesquisa apontou um desastroso desempenho de Alckmin no Sudeste, região onde ele deveria nadar de braçada: apenas 10,6% declararam apoio a ele.
O menos rejeitado da lista de sete presidenciáveis, segundo o instituto Paraná Pesquisas, é o prefeito de São Paulo, João Doria. Perguntados se votariam em Doria para presidente do Brasil, 42,2% responderam “não”. O tucano também é o menos conhecido entre todos os nomes elencados: 15,4% disseram não conhecê-lo suficientemente para opinar. Além de Doria, Alckmin, Bolsonaro e Lula, o levantamento incluiu os nomes de Joaquim Barbosa, Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) na hora de aferir a reprovação. Cabe lembrar que os índices de rejeição são determinantes para definir o resultado do segundo turno das eleições, que é quando o pleito assume um caráter quase que plebiscitário. Por exemplo, com Lula na segunda etapa da eleição, a população vai escolher se quer ou não ele de volta à Presidência da República. Se mais de 50% o reprovarem, como já indicam os números do instituto Paraná Pesquisas, ele pode até conquistar a vaga no segundo turno, como Paulo Maluf em 1998, mas não vence as eleições. A não ser que os adversários sejam Alckmin ou Bolsonaro, cenário em que o jogo estaria totalmente embolado.
O instituto Paraná Pesquisas não se limitou a medir o grau de aversão aos candidatos. Para tentar identificar quem potencialmente pode vir a encarnar o anti-Lula, aquele com mais condições de derrotá-lo, o levantamento fez a simulação de “Lula contra todos” individualmente. Neste cenário, os mais bem sucedidos foram Jair Bolsonaro e João Doria, com 32,3% e 32,2% respectivamente – situação de empate técnico. Em seguida apareceram Joaquim Barbosa (31,1%), Marina Silva (29%) e Alckmin (26,9%). A exemplo do que ocorria com Maluf, em 1998, Lula também supera os adversários nas pesquisas de segundo turno – o “fator rejeição” em geral se faz menos presente nesse tipo de simulação. Como Lula, Maluf também demonstrava não só musculatura eleitoral como favoritismo nos levantamentos prévios de segundo turno. Quando a disputa foi para valer, à vera, por assim dizer, a rejeição se impôs e inviabilizou suas chances de vitória.
Nos levantamentos de primeiro turno, realizados pela Paraná Pesquisas, Lula lidera com 26,1% no cenário em que o candidato do PSDB é Geraldo Alckmin. Em segundo lugar, aparece Bolsonaro com 20,8%, Joaquim Barbosa 9,8%, Alckmin 7,3%, Marina Silva 7%, Ciro Gomes 4,5% e Álvaro Dias 4,1%. Quando o candidato tucano é João Doria, o petista toma a dianteira com 25,8%, seguido por Bolsonaro com 18,7%, Doria 12,3%, Joaquim Barbosa 8,7%, Marina Silva 7,1%, Ciro 4,5% e Álvaro Dias 3,5%. O instituto ouviu 2020 pessoas estratificadas segundo sexo, faixa etária, escolaridade e posição geográfica entre os dias 24 e 27 de julho. A margem de erro é de 2%. Como falta mais de um ano para a eleição, a sucessão presidencial está em aberto – indicam os números. Ainda estão rolando os dados.3030
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AS LIÇÕES DE DOMINGO

Da ISTOÉ
Domingo Alzugaray deixa lições para as pessoas, individualmente, e para o País, como um todo – não lições dadas com ares professorais de quem se julgava dono da verdade, mas ensinamentos, isso sim, que eram transmitidos a conta gotas no dia a dia, em conversas simples e plenas de humor. Domingo cumprimentava e falava com todos na editora, da turma da limpeza ao diretor de redação, e tal atitude já se fazia, por si só, uma marcante lição com desdobramentos pessoais e sociais, sobretudo para alguns profissionais de comunicação que “confundem o fato de fazer jornalismo com trazer o rei na barriga” (a frase é de Domingo). Variações sobre o mesmo tema, há nesse mesmo diapasão e nesse mesmo tom outra lição que calça feito luva em determinados políticos e em diversos teóricos da comunicação: “quando uma pessoa acha que é o centro do poder, alguma coisa começa a falhar”. Ou, então: “o poder nunca foi o objetivo. O objetivo é ter publicações de informação influentes”.
Foi nessa linha, a de mostrar àqueles que se acham eternos que todos nós somos mortais, e que carisma vem no sangue e não se compra em shopping, que rolou muita risada e muito alto astral em um dos tantos almoços que ele oferecia na sede da editora a dirigentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Falava-se da arrogância do ex-presidente Fernando Collor logo após o seu impeachment. Domingo disparou: “o Rei Sol teria sido mais claro e ensolarado se não tivesse chamado a si mesmo de Sol”. Convenhamos, a humildade é uma lição e tanto. Vale para governar bem uma nação, vale para provocar com boa intenção os amigos em uma conversa informal, vale para amar e se fazer amado em um único, feliz e eterno casamento.
Quase tudo que Domingo Alzugaray dizia cotidianamente tinha um lado pessoal, outro lado político e social – e ambos se combinavam. Exemplo disso é quando algum funcionário da editora, algum amigo e até algum desafeto o procurava triste e desanimado — sim, ele alentava até os adversários, característica de quem tem, como dizia, “o melhor signo do mundo, que é o de sagitário”. Assim, se alguém o procurava triste ou desanimado, tchau desânimo. Domingo tinha a rara qualidade de caráter de falar olhando nos olhos do interlocutor, e dizia ao deprimido: “dá uma chance para eu ver se estou certo. Pensa no que estou falando, faz o teste para ver se não dá certo”. E completava: “há momentos em que se fica deprimido. Mas é preciso reagir rápido, não podemos nos dar ao luxo de ficar desanimados” (eta, sagitariano!). Essa frase foi dita, claro, a diversas pessoas e especificamente numa entrevista. Mas mude-se uma palavara aqui, outra ali, foi isso que ele ensinou a um editor muito jovem e muito atônito que acabara de perder o pai. Valendo-se do jornalista, cronista, poeta, locutor de futebol e compositor Antonio Maria, pode-se dar a Domingo Alzugaray a mesma definição que tornou famoso o artista e virou até nome de show, escrito por Paulo Pontes e estrelado por Clara Nunes e Paulo Gracindo – “Domingo Alzugaray, profissão: esperança”.
Falou-se acima do caráter de Domingo de conversar olhos nos olhos (só isso já é uma grande lição, sabiam?), já falou-se de seu caráter em refletir sobre o Brasil, pensar um Brasil, a ponto de certa vez declarar”: “do que planejei, devo ter realizado não mais que trinta ou quarenta por cento, e isso porque o Brasil também não andou trinta ou quarenta por cento”. Pois bem, eis então duas lições exemplares de caráter (que ultrapassam os limites do jornalismo) que ele nos legou. Corria setembro de 1994, corria a eleição presidencial, e igualmente muito corrido estava um repórter de política recém-desembarcado na redação de ISTOÉ.
Esse repórter recebeu a informação de que o presidenciável Eneás (digamos que folclórico, com direito a poucos segundos no horário eleitoral, ocupando esse tempo para dizer rapidamente “meu nome é Enéas”), acabava de ultrapassar nas pesquisas o ex-governador paulista Orestes Quércia. Sem dúvida era notícia. Mas como publicar isso em uma revista que, segundo se dizia na ocasião, teria o próprio Quércia como sócio oculto? Com menos de uma semana na casa, o repórter é levado à sala de Domingo, fato jamais imaginado em redações pelas quais já tinha passado (lembrem do começo desse texto, quando se falou que Domingo detestava a arrogância no jornalismo). Com paciência chinesa, ele tomou conhecimento da notícia e, diante da angústia do repórter, colocou naquele instante, sem nada impor, uma espécie de manual seguido ao longo dos anos.
“Quércia não tem participação nessa editora. Me ajudou quando precisei, mas é mentira que seja sócio. O que tenho com o governador Quércia é uma relação de amizade. E amizades precisam ser preservadas. Isso não significa que iremos privar o leitor de uma informação relevante. O que não faremos, de maneira alguma, é tratar um amigo com deboche. Publicaremos a notícia com o respeito que o leitor e os amigos merecem”, ensinou ele. Nas décadas seguintes, por diversas vezes o repórter voltou à sala de Domingo com informações que envolviam conhecidos do editor e em todas elas a sua posição se manteve. O rigor da apuração, a relevância da notícia e o respeito com os envolvidos sempre prevaleceram. Domingo era leal com os amigos. Domingo sucumbia diante do jornalismo.
Otimismo e generosidade compunham seu DNA. Essas características foram decisivas para a construção de um ser absolutamente sedutor. Mas havia em sua personalidade outro traço: a capacidade de tratar com contundente ironia os seus desafetos. Há cerca de sete anos, ele foi réu em um processo cível absurdo movido por um pequeno empresário, dono de um extinto instituto de pesquisas. O instituto chegou a fazer parceria com ISTOÉ para o levantamento de enquetes eleitorais, mas passou a agir de forma pouco republicana e o compromisso foi rompido. O cidadão processou Domingo. Perdeu a ação. Mas o dono de ISTOÉ, já com a saúde debilitada, precisou comparecer a uma audiência. Um jornalista, testemunha, estava no fórum quando ele chegou, acompanhado da advogada e de um enfermeiro. Os quatro aguardavam a chamada do juiz, quando o tal empresário chegou. Com entusiasmo estendeu a mão para Domingo, que estava sentado.
“Que prazer revê-lo”, disse ele. Domingo olhou fixo em seus olhos e respondeu: “Você está bem. Está mais magro. Está mais bonito, mais atlético…”. “Obrigado”, emendou o empresário já com suor correndo pelo rosto. “Mas continua sem nenhum caráter”, concluiu Domingo. O tempo andou. Domingo foi absolvido; o empresário, condenado a indenizá-lo.
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LAVANDERIA INFLAMÁVEL

Da ISTOÉ
O "laranja" do posto da Lava Jato
É uma pessoa muito humilde, sem vaidade e ostentação. Esse é seu Sebastião Corrêa, segundo seu advogado. De fato, ele é um homem de idade avançada, que mora num apartamento de um hotel decadente em Brasília, o Bay Park, no qual a PF encontrou “mobiliários simples e um tanto desorganizados”, além de “poucas peças de roupas puídas e manchadas”. Mas foi lá também que os policiais tiveram uma surpresa. Em meio à bagunça do lugar, a PF apreendeu US$ 25 mil e R$ 129 mil em dinheiro vivo num cofre, moedas pelo chão e uma caixa com R$ 5 mil em notas de R$ 2, assim como um revólver 38 com seis balas. Foi com esse paradoxo que a PF descreveu Sebastião Corrêa em seu relatório de busca e apreensão realizada em 26 de abril, quando o prendeu em flagrante por posse irregular de arma de fogo – ele foi solto no mesmo dia após pagar fiança de R$ 1 mil.
Os agentes da PF foram até o Bay Park, à beira do Lago Paranoá, no Setor de Hotéis e Turismo Norte em Brasília, como parte da Operação Perfídia, que investiga a atuação empresarial do genro de Sebastião Alves Corrêa, Tony Chater, e a irmã dele, Cláudia Chater – ambos são primos do doleiro Carlos Habib Chater, condenado a dez anos de prisão pelo juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato. Chater é dono do Posto da Torre, em Brasília, onde funcionava uma casa de câmbio e um lava jato de automóveis, que acabou emprestando o nome para a Operação Lava Jato, a maior devassa ao meio político da história do País. No hotel, os agentes encontram o empreendimento em situação de “abandono” e “com mais da metade do complexo desativado”, de acordo com relatório obtido por ISTOÉ. Apesar disso, nove prédios com total de 810 apartamentos estão em construção no local.
A Operação Perfídia investiga documentos apreendidos com a família Chater que apontam que eles “lavaram” mais de U$ 2 bilhões para políticos de Brasília, cujos nomes ainda estão sendo investigados. E a PF quer saber porque o Bay Park, que aparece nessa investigação, está em nome de Sebastião, um homem que ainda usa uma velha TV com tubo em seu apartamento. Para a PF, ele é “laranja” dos familiares do dono do Posto da Torre.
Mas, afinal, o que é o Bay Park? A reportagem obteve documentos da PF revelando que ao menos quatro empresas funcionam no mesmo endereço do Setor de Hoteis e têm o nome fantasia ou endereço eletrônico indicando “Bay Park” perante a Receita Federal: Brasil Hospedagens, Correia Hospedagem, Marina Tour e Lago Paranoá. As duas primeiras estão em nome de Sebastião e a terceira já esteve em nome dele. A Marina está em nome de Arolita, a filha de Sebastião, e do marido dela, Tony Chater. A Lago Paranoá está registrada em nome de Arolita e da prima Raimunda Neves. O emaranhado de empresas logo foi percebido pela PF. “Foi constatado que a família possui um estranho hábito de constituir empresas e alternar seus quadros sociais entre os familiares, encerrando e criando razões sociais distintas para explorar o mesmo segmento com o mesmo nome fantasia”, analisa o relatório do delegado Renato Pagotto.
Quem é dono do Bay Park?
Segundo a PF, Sebastião “tem ou já teve participação societária na maioria das empresas do grupo” investigado na Operação Perfídia. A hipótese dos agentes e delegados é que ele “supostamente participa da abertura de empresas de fachada e da movimentação financeira do grupo”. No relatório de busca e apreensão, os policiais afirmam que Sebastião “controla precariamente a contabilidade da empresa Bay Park Hotel”. No mesmo dia 26 de abril, houve buscas contra o filho dele, Airam Corrêa. “Ficou evidente que o padrão de vida ostentado por ambos os alvos de investigação é infinitamente inferior ao volume de recursos movimentados pela família e suas empresas”.
E quem é o dono do Bay Park? O advogado de Sebastião, Arolita e Airam, Luiz Philipe Resende, diz que o hotel é da empresa Lago Paranoá, pertencente à mulher de Tony. Sebastião administra essa firma? “Diretamente não”, responde o advogado. Segundo ele, o homem leva vida simples e não tem nenhum sócio ou investidor informal. “Ele trabalha 24 horas, é incansável, tudo o que ganha é reinvestido”, descreve. “Ele não tem vaidade, tem vontade de trabalhar e fazer patrimônio. É isso que tem feito a vida toda”. Mas, para a PF, a situação de Sebastião não é bem essa. Ele é suspeito de ser “laranja” da família Chater e de estar sendo usado para “lavar” dinheiro de operações fraudulentas, que encobrem quem mandou para o exterior pelo menos U$ 2 bilhões nos últimos tempos.
Sebastião é sogro de Tony Chater, acusado de movimentar dinheiro ilegal. PF desconfia que seja laranja
A PF tenta descobrir qual a relação do Bay Park com o resto da Operação Perfídia. Philipe Resende e o advogado de Tony e Cláudia, Ennio Bastos, dizem que não há ligação. Na casa de Cláudia, foram encontrados documentos mencionando o envio de cerca de US$ 5 bilhões da Venezuela para a Dinamarca. Mas Bastos afirma que aquilo era apenas um “modelo de contrato” que se encontra na internet. A assessoria da PF afirmou à ISTOÉ que a Perfídia “é uma investigação em andamento e na qual foram encontrados documentos que carecem de explicação”. Cláudia Chater foi solta pelo juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara, em 6 de julho. Segundo Bastos, ela e o irmão foram envolvidos indevidamente no caso. “É uma peça de ficção científica”, critica. Por telefone, Tony Chater negou quaisquer ilegalidades e afirmou que a Operação Perfídia não tem provas contra ele. A PF diz que este caso da família Chater pode se transformar numa nova operação, tão importante como foi a Lava Jato. É esperar para ver.
• Ao menos quatro empresas funcionam no mesmo endereço e têm o nome fantasia ou o endereço eletrônico indicando “Bay Park”: Brasil Hospedagens, Corrêa Hospedagem, Marina Tour e Lago Paranoá. Duas estão em nome de Sebastião Corrêa, uma já esteve em nome dele, duas estão em nome da filha dele, uma está em nome também de seu genro Tony Chater
• No apartamento de Sebastião, a PF encontrou “mobiliários simples e um tanto desorganizados”, além de “peças de roupas simples, puídas e manchadas”, um revólver 38 com seis balas, sistema de segurança com câmeras, US$ 25 mil e R$ 125 mil em dinheiro vivo
• Para a PF, Sebastião “controla precariamente a contabilidade da empresa Bay Park Hotel, mas “o padrão de vida ostentado” foi considerado “infinitamente inferior ao volume de recursos movimentados pela família e suas empresas”
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sexta-feira, 28 de julho de 2017

A MÁQUINA DE GASTAR

Artigo de Fernando Gabeira
Ao decretar o aumento do imposto da gasolina, Temer rompeu com uma das mais importantes expectativas criadas pelo impeachment de Dilma. Na época em que ela caiu não se discutiam apenas as pedaladas, razão formal, mas todo o conjunto do movimento da bicicleta: uma dispendiosa máquina de governo pesando insuportavelmente nas costas da Nação.
Verdade que Temer conseguiu aprovar a lei que impõe limite aos gastos públicos. Mas a a vida real está mostrando que uma simples lei não resolve se não houver mudança no comportamento do governo. Temer, por exemplo, decreta aumenta de impostos e libera verbas para deputados, algo que não é essencial no Orçamento. Ele vive uma contradição paralisante: governar para a sociedade ou para o Congresso?
Sua cabeça depende de ambos. Mas no momento ele teme mais os deputados, que têm o poder de cortá-la, aceitando a denúncia de corrupção passiva. A decisão de aumentar impostos não o enfraquece apenas na sociedade, mas também no próprio Congresso, que está em recesso, portanto, teoricamente mais próximo da vida real.
A escolha de usar um decreto, driblando uma decisão congressual, vai desgastá-lo. Está implícito na escolha que nem o Congresso aceitaria esse caminho. Mas as contradições não param aí. Embora não aceite o aumento de imposto, o próprio Congresso, no jogo de trocas com Temer, não trabalha com reduções nos gastos.
As contradições estendem-se ao projeto de demissões voluntárias. É um movimento legítimo, mas toca funcionários concursados. Economiza R$ 1 bilhão depois de aumento de salários que chegam a R$ 22 bilhões. Os próprios procuradores, cujo trabalho apoiamos, querem mais 16% em 2018 . Aqui, na planície, quem tem a sorte de trabalhar se contenta apenas em não perder para a inflação.
O departamento de cargos em comissão continua de vento em popa. Em especial neste momento em que o Congresso tem o destino de Temer nas mãos.
Ao dizer que o povo iria compreender o aumento do imposto, Temer acabou expressando um desejo. Nesse campo prefiro a Dilma, com seu desejo de não ter meta e dobrá-la ao atingir esse intraduzível marco.
Todo mundo sabe que paga imposto. Ainda mais quanto incide sobre a gasolina. Mesmo os habitantes do interior do Nordeste que trocaram os jegues por motocicletas compreenderam imediatamente que foram atingidos.
O aumento de impostos tem força no imaginário histórico brasileiro: luta pela independência, derramas coloniais, Tiradentes esquartejado. Nos últimos anos os empresários acharam no pato amarelo uma versão pop de sua luta contra a pesada carga tributária.
Depois de tantos escândalos de corrupção, do espetáculo de políticos de costas para o povo, as pessoas começam a perceber que tudo isso é financiado por seu trabalho. E para simbolizar a revolta quando ela chega ao cotidiano, o pato é pinto. As coisas podem ser muito mais graves.
Temer arriscou tudo nesse aumento. Tenta o suicídio numa hora em que sua energia está concentrada em sobreviver.
Não houve, depois do impeachment, um esforço sério para conter os gastos da máquina. O déficit orçamentário previsto já era generoso, em torno dos R$ 130 bilhões. Neste momento, muitos se perguntam: por que financiar a máquina oficial, corrupta e incompetente na entrega dos serviços essenciais?
Quem se lembra das manifestações de 2013 reconhece nelas uma aspiração a serviços decentes em troca dos impostos pagos. Os serviços pioraram de lá para cá. E os impostos aumentam. Isso não quer dizer que estejamos às vésperas de manifestações do tipo de 2013. Mas quem autoriza os estrategistas de Temer a supor que o decreto não trará sérias consequências?
Estrategistas podem até pensar em jogar todas as cartas no Congresso, subestimando a reação da sociedade. Mas têm de levar em conta que há um momento em que o próprio Congresso salta do barco se a pressão social o empurrar.
É um exercício retórico falar em estrategistas. A máquina tem uma lógica própria. Ele não pode mudar o rumo porque nela está ancorado um sistema político-partidário.
O desdobramento da máquina é cruel para os que pagam impostos e ao mesmo tempo é autodestrutivo. Temer apenas deu mais um passo na direção do abismo, não necessariamente pessoal, mas do próprio sistema político, em degradação. Mas é um passo que enfraquece as perspectivas de soluções políticas com mudanças em 2018. E favorece a entrada numa zona de turbulência perigosa para a própria retomada econômica.
Mas como definir outro caminho? A máquina tem seus desígnios, ela se desloca como um iceberg que se desprende do continente. Temer já era impopular. Pode-se tornar detestável. Como um iceberg que se respeita, a máquina de governo quer fazer do Brasil o seu próprio Titanic.
Ultimamente, porém, o degelo é mais rápido. Um aumento de impostos como o da gasolina terá poder pedagógico e vai aquecer muito as aspirações por um reforma política que reflita diretamente nos rumos da máquina de gastar.
Nunca se pagou tanto por espetáculo tão desolador. Os atores contam com a tolerância da plateia, clichês como a cordialidade do brasileiro. Creio que o futuro próximo vai desvendar a natureza da máquina. O que funciona hoje como marcha da esperteza pode revelar-se amanhã a marcha da estupidez: um sistema político em extinção.
A opção de aumentar impostos abriu uma nova conjuntura, sem os lances sensacionais de uma delação premiada, mas com potencial corrosivo tão ácido como ela. Piores dias levando a melhores dias: está chegando a hora de a sociedade ajustar as contas não só com a máquina de gastar, mas com o sistema político que a anima.
Não é apenas pelos 20 centavos, dizia-se nos protestos de 2013. O aumento da gasolina representa R$ 11 bilhões por ano. Ainda assim, não serão apenas 43 centavos por litro. É toda uma forma de governar que está em jogo.
Artigo publicado no Estadão em 28/07/2017
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quinta-feira, 27 de julho de 2017

PRISÃO TEMPORÁRIA

Do G1, Paraná
O ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine foi preso na 42ª fase da Operação Lava Jato deflagrada pela Polícia Federal (PF) na manhã desta quinta-feira (27) no Distrito Federal, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Bendine foi preso em Sorocaba. A ação foi batizada de Cobra.
O publicitário André Gustavo Vieira da Silva, que é representante de Bendine, e Antônio Carlos Vieira da Silva Júnior também foram presos.
Os três foram presos temporariamente. A prisão tem prazo de cinco dias e pode ser prorrogada pelo mesmo ou convertida para preventiva, que é quando o investigado não tem prazo para deixar a cadeia. A operação também cumpre 11 mandados de busca e apreensão.
Segundo depoimento de delação feito por Marcelo Odebrecht e Fernando Reis, Bendine solicitou e recebeu R$ 3 milhões para auxiliar a empreiteira em negócios com a Petrobras. Conforme os delatores, o dinheiro foi pago em espécie através de um intermediário. Aparentemente, de acordo com a PF, estes pagamentos somente foram interrompidos com a prisão de Marcelo Odebrecht.
Em 2015, Bendine era braço direito da então presidente Dilma Rousseff. E deixou o banco com a missão de acabar com a corrupção na petroleira, alvo da Lava Jato. Mas, segundo os delatores, ele já cobrava propina no Banco do Brasil, e continuou cobrando na Petrobras.
Os presos serão levados para a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
Investigações
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), há evidências indicando que, numa primeira oportunidade, um pedido de propina no valor de R$ 17 milhões foi realizado por Aldemir Bedine à época em que era presidente do Banco do Brasil, em 2014, para viabilizar a rolagem de dívida de um financiamento da Odebrecht AgroIndustrial.
No entanto, Marcelo Odebrecht e Fernando Reis teriam negado o pedido de solicitação de propina porque entenderam que Bendine não tinha capacidade de influenciar no contrato de financiamento do Banco do Brasil, segundo o MPF.
Na véspera de assumir a presidência da Petrobras, o que ocorreu em 6 de fevereiro de 2015, Aldemir Bendine e um de seus operadores financeiros novamente solicitaram propina a Marcelo Odebrecht e Fernando Reis. O pedido foi feito para que a Odebrecht não fosse prejudicada na Petrobras, inclusive em relação às consequências da Operação Lava Jato, apontam os procuradores do MPF.
Em decorrência do novo pedido e com receio de ser prejudicada na estatal petrolífera, a Odebrecht, conforme depoimentos de colaboradores, optou por pagar a propina de R$ 3 milhões através do Setor de Operações Estruturadas. O valor foi repassado em três entregas em espécie, no valor de R$ 1 milhão cada, em São Paulo.
Ainda de acordo com o MPF, em 2017, um dos operadores financeiros que atuavam junto a Bendine, confirmou que recebeu a quantia de R$ 3 milhões da Odebrecht, mas tentou atribuir o pagamento a uma suposta consultoria que teria prestado à empreiteira para facilitar o financiamento junto ao Banco do Brasil. Todavia, a investigação revelou que a empresa utilizada pelo operador financeiro era de fachada, destaca o MPF.
"Buscando dar aparência lícita para os recursos, o operador financeiro, após tomar ciência das investigações, efetuou o recolhimento dos tributos relacionados à suposta consultoria, cerca de dois anos após os pagamentos, com o objetivo de dissimular a origem criminosa dos valores. Há indícios que a documentação também foi produzida com intuito de ludibriar e obstruir as investigações", afirmaram os procuradores.
Em junho deste ano, o juiz Sérgio Moro, que é responsável pelos processos da Lava Jato, autorizou abertura de inquérito para investigar Bendine.
O nome da operação
O nome da operação é uma referência ao codinome dado ao principal investigado nas tabelas de pagamentos de propinas apreendidas no chamado Setor de Operações Estruturadas da Odrebrecht durante a 23ª fase da operação.
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quarta-feira, 26 de julho de 2017

AS VOZES DA DITADURA

Da ÉPOCA
Às 9 horas da manhã de 15 de dezembro de 1976, os papéis da Apelação 41.098 chegaram ao plenário do Superior Tribunal Militar, em Brasília. Chegavam a uma sala ampla, austera, adornada tão somente com uma bandeira do Brasil e um crucifixo grande sobre a cadeira do presidente da Corte. Chegavam, como a vasta maioria das apelações naqueles tempos, agonizando, prestes a virar um cadáver jurídico. Naquele túmulo frio do regime, os ministros entravam por uma porta e a lei saía pela outra. Entre o aparato legal da ditadura e as conveniências dos militares, os 15 ministros não hesitavam. Votavam com os interesses políticos do regime – com os próprios interesses. Naquela manhã, produziriam mais uma vítima. Uma vítima que, anos antes, lograra enfurecer os militares a ponto de alterar o destino do regime.
Moreira Alves foi cassado e expurgado da vida política. Exilado, ele ainda respondia a um processo na Justiça Militar. O ex-deputado fora absolvido em primeira instância. A denúncia do Ministério Público Militar dizia que o ex-deputado “sempre procurou demonstrar claramente suas tendências de esquerda” e “estabelecer a cizânia entre o Povo e a Revolução”. O conteúdo subversivo de seus discursos causava tal emoção na nação que, por conta desse tom, dizem os procuradores, foi desencadeada “a nova fase da Revolução” – o AI-5. Naquela manhã de dezembro de 1976, o caso atingia a última instância da Justiça Militar. Das 15 altas e imponentes cadeiras de madeira destinadas aos magistrados, três estavam vagas.
Terminada sua sustentação oral, Sussekind foi convidado a se retirar do plenário, no 2º andar do STM – prédio inaugurado em Brasília em 1973. A discussão do caso ocorreria em uma sessão secreta. Era a legislação da época. Por 40 anos, os debates e os fundamentos que justificaram a condenação de Moreira Alves a dois anos e três meses de prisão pelo STM ficaram trancados num arquivo de quatro gavetas, numa sala contígua ao pleno do STM. Não só os desse caso. Foram mantidos em segredo os áudios de todos os julgamentos secretos do tribunal. Após uma determinação do Supremo Tribunal Federal em uma ação movida pelo advogado e pesquisador Fernando Fernandes, as históricas gravações do STM foram liberadas e obtidas por ÉPOCA. (Ouça ao fim do texto o áudio do julgamento de Moreira Alves.)
Em 1998, ÉPOCA já revelara a íntegra das gravações da sessão do Conselho de Segurança Nacional, que, na tarde de 13 de dezembro de 1968, apagou qualquer vestígio de democracia no Brasil. Os áudios publicados agora demonstram, pela primeira vez e com a força que somente gravações fornecem, como os ministros do STM ignoravam conscientemente a lei para proferir condenações que agradavam ao regime militar. Tomavam cotidianamente decisões de acordo com suas convicções pessoais. Tratavam com ironia e descaso as denúncias de maus-tratos a presos. Davam de ombros às alegações de que depoimentos haviam sido prestados sob tortura. O valioso registro em áudio é um pacote com mais de 10 mil horas de gravação de sessões secretas e não secretas a partir de 1975.
ÉPOCA analisou mais de 150 horas de sessões secretas realizadas entre 1975 e 1978 no STM. No período, com o general Ernesto Geisel na Presidência da República, começava-se a discutir uma abertura política. Mas alas radicais das Forças Armadas seguiam torturando presos políticos e cometendo crimes endossados pelo Estado. Como o Superior Tribunal Militar era a última instância recursal da Justiça Militar, era nos ombros e na consciência daqueles juízes que estava depositada qualquer esperança de reparação, de equilíbrio – de Justiça, afinal.
O STM não entregou justiça a Moreira Alves. Os ministros presentes naquela manhã reconheceram que a lei tornava impossível a condenação de um deputado por discursos feitos durante seu mandato. Mas aquele ex-parlamentar, traidor da pátria, não podia ficar impune. Um a um, os magistrados, com desassombro e tranquilidade, foram criando artifícios retóricos para ignorar a legislação.
De origem civil, o ministro Amarílio Salgado foi o relator do processo. Ao defender que Moreira Alves fosse condenado, justificou: “É, infelizmente, adepto da foice e do martelo esse homem”. Seguiu-se uma discussão na qual os ministros abandonaram as aparências de equidistância legal. General do Exército, dez medalhas no peito, o ministro Rodrigo Octávio diz que aquele colegiado devia agir como um “tribunal de segurança”, não um “tribunal de Justiça”. “Condená-lo em bases jurídicas é completamente inexequível. Agora, nós vamos tomar, eu vou tomar uma decisão revolucionária. Estamos hoje preservando o regime revolucionário, a irreversibilidade dos objetivos revolucionários, não podemos de maneira nenhuma deixar de fazer isso”, explicou-se.
O voto surpreende porque Rodrigo Octávio passou para a história como um general relativamente liberal. A atuação de Rodrigo Octávio incomodava a linha-dura militar. Ele chegou ao STM em 1973. Em março de 1977, defendeu, no plenário, a revogação parcial do AI-5, o mesmo ato institucional no qual se baseara para condenar Moreira Alves meses antes. Para o historiador Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e estudioso da ditadura militar, essa ambivalência era característica do tribunal. O STM era acusado pelos opositores do regime de ser um tribunal de exceção; e, pela linha-dura militar, de ser uma Corte benevolente. A atuação do STM nesse período é marcada por essa contradição entre se ater à letra da lei, mesmo à lei da ditadura, ou julgar os processos de acordo com os interesses políticos e de sobrevivência dos militares.
Um aparato constitucional formulado pela ditadura – a Constituição de 1967 – ainda garantia algumas liberdades democráticas (como a necessidade de autorização da Câmara para processar um parlamentar). Esse aparato foi alterado pelos atos institucionais. “O STM ficou o tempo todo nessa corda bamba. Em alguns momentos, ele pôde e teve de observar apenas a Constituição. Em outros, teve de se render ao AI-2 ou o AI-5”, diz Fico. “E houve casos como o de Moreira Alves. Estivessem ou não os atos institucionais em vigor, a decisão seria eminentemente política, como de fato foi.”
A ambiguidade de Rodrigo Octávio revelada nos áudios inéditos é reflexo disso e mostra a importância de conhecer o interior das instituições que sustentavam a ditadura. “Essa busca por atalhos na Constituição para resolver os problemas do país é flagrante nas discussões do STM”, diz Fico. “A divulgação desses áudios é essencial. Por meio deles, concebemos, com clareza, os debates que resultaram na moldura institucional do regime militar.”
Àquela altura do julgamento, o STM já havia resolvido condenar Márcio Moreira Alves. O ministro Jacy Pinheiro, civil, ressaltou os riscos de uma absolvição para a segurança nacional: “Um homem desta natureza, que agiu dentro do país e fora do país, nestas circunstâncias, com tamanha agressividade política, ele poderia retornar perfeitamente à sua terra, o que seria um verdadeiro escárnio para nós. Dentre os males, eu prefiro o menor”. Seu colega de toga, o almirante de esquadra da Marinha Octávio José Sampaio Fernandes utilizou a frase de um antigo integrante da Corte para se justificar: “O que se procura aqui é fazer a justiça, evidentemente dentro da lei. Mas o saudoso ministro Alcides Carneiro já teve aqui uma vez uma expressão ‘se se trata de fazer justiça, mesmo que ela fira a lei, deve-se fazer justiça’. No caso em apreço, a condenação desse moço, no meu entendimento, é um ato de justiça”.
A noção de justiça do ministro Fernandes e de seus colegas não constou da ata daquela sessão, único documento público sobre o julgamento. No papel, o STM optou por um registro que apontava o cumprimento da lei: “Combatido com a lei e pela lei o crime desses que tramam contra a tradição democrática, que conspiram contra a unidade moral e espiritual desta grande nação”. Assinam a ata os 12 ministros que participaram do julgamento. Condenado, Moreira Alves ficou impossibilitado de voltar ao Brasil, sob risco de ser preso. Manteve o exílio, passando por Chile, França, Cuba e Portugal. Só voltou para casa depois da aprovação da Lei da Anistia, em 1979. Tentou se reeleger deputado federal em 1982 e 1986, mas não conseguiu. Dedicou-se ao jornalismo, foi colunista de O Globo. Morreu em 2009, sem saber mediante quais argumentos fora impedido, pelo STM, de regressar ao país.
O STM e a legitimidade do regime
O uso da máquina judiciária para legitimar as prisões na ditadura ajudou a perpetuar a visão de que no Brasil a repressão não havia sido tão dura. No livro Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, Chile e Argentina, o brasilianista americano Anthony Pereira diz que, nas ditaduras chilena e argentina, os ritos eram sumários e a maioria dos presos não teve um julgamento formal. Aqui, havia um verniz de falsa legalidade. Promotores do Ministério Público acusavam pessoas por crimes de segurança nacional, e estes eram julgados num sistema misto, no qual juízes civis atuavam em cortes militares.
Esse sistema, e a aparência de devido processo legal destinada a engrupir o país e o mundo, ajudou na defesa da repressão brasileira e impediu reformas no Judiciário depois da ditadura. “A roupagem judiciária ajudou a formalizar as prisões. Os juízes diziam que apenas cumpriam a lei. Os áudios agora invertem a questão, confirmam aquilo que sempre se tentou demonstrar”, diz o procurador da República Marlon Weichert, estudioso da ditadura. Segundo ele, ao contrário do  que ocorreu na Argentina e no Chile, o Judiciário brasileiro nunca fez uma autocrítica em relação a seu papel na ditadura.
Mais do que isso. Os áudios são uma prova de que o STM aderiu à violação de direitos humanos durante o regime militar. “Sempre houve falta de provas de que o Judiciário lavou as mãos durante a ditadura”, diz o procurador. Marlon foi um dos responsáveis por organizar na internet o acervo do projeto Brasil: Nunca Mais, que colocou na rede 707 processos julgados no STM durante o regime. Em muitos deles, fica registrada a prática da tortura pelos militares. Mas a conivência dos juízes com essa prática e as decisões com fins políticos, ao arrepio da lei, não ficavam explícitas nos processos.
Tribunal mais antigo do Brasil, criado em 1808, o STM é a segunda e última instância da Justiça Militar. Hoje, cabe a ele processar e julgar crimes das Forças Armadas (Aeronáutica, Exército e Marinha), de seus membros e crimes cometidos por civis contra esses militares ou em áreas militares. Durante a ditadura militar, suas atribuições se expandiram. O Ato Institucional no 2 (AI-2), de 1965, autorizou o STM a julgar governadores, secretários de Estado e civis que atentassem contra a “segurança nacional”. O AI-2 também alterou a composição do STM, que passou a ser constituído por 15 ministros vitalícios: quatro oficiais-generais da ativa do Exército, três da Marinha, três da Aeronáutica e cinco civis. Sob o conceito de “segurança nacional”, o Decreto-Lei 314, de 1967, estabeleceu como crimes, por exemplo, distribuir material de propaganda política (pena de um a cinco anos) e divulgar notícia “tendenciosa” ou “deturpada” para indispor o povo com suas autoridades (seis meses a um ano). Todos esses e muitos outros ficavam sob a alçada do STM. Opositores do regime, fossem eles moderados ou fanáticos, lutassem eles com o verbo ou com a bomba, sofressem eles perseguição política ou sevícias nos porões, fossem, enfim, inocentes ou culpados do que quer que seja, tinham no STM uma última e vã instância de súplica por absolvição e liberdade.
Em 1969, o Código de Processo Penal Militar estabeleceu que os julgamentos no STM ocorreriam em sessões secretas. A partir de 1975, com acesso a equipamento adequado, o tribunal passou a gravar essas sessões. O material, armazenado em centenas de fitas de rolo em um arquivo no subsolo do prédio, foi digitalizado pelo STM em 2015. As sessões secretas só deixaram de existir com a Constituição de 1988.
Os julgamentos começavam com a sustentação oral dos advogados de defesa. Depois, todos eram obrigados a se retirar para que os ministros iniciassem as sessões secretas. Os debates quase sempre chegavam a um fácil consenso. Ninguém se exaltava; o tom de voz era constante – frio como o plenário e os homens que nele decidiam o que era justiça num regime de exceção. As discussões jurídicas não se aprofundavam. Os magistrados reafirmavam a validade das provas colhidas pela polícia, mesmo quando apresentados a alegações de que confissões eram obtidas sob as mais cruéis formas de tortura. Um silêncio conivente se ouvia dos ministros.
Na maioria dos casos, mantinha-se a sentença de primeira instância. O fato de as sessões ocorrerem secretamente deixava os ministros à vontade para expor opiniões pessoais e prejulgamentos, muitas vezes desrespeitosos aos réus. Em um dos debates sobre o ex-governador Leonel Brizola, alvo de 32 processos na Corte, à época exilado no Uruguai, o ministro Lima Torres chega a comentar que “não queria dar de graça uma absolvição”. “Eu acho ele sempre mais culpado do que os outros”, afirmou, em sessão realizada em setembro de 1976. Com a promulgação da Lei da Anistia, em 1979, o tribunal militar foi perdendo sua importância, já que os crimes políticos foram perdoados.
A luta pela transparência
O acervo com as sessões secretas quase foi destruído pelo Superior Tribunal Militar nos anos 1990. Preservou-se graças à sagacidade e à perseverança do advogado e pesquisador Fernando Fernandes. Seu pai, o advogado Tristão Fernandes, defendeu presos políticos durante a ditadura e foi, ele próprio, preso naquela época. Em 1996, Fernandes, o filho, então um estudante de Direito de 23 anos inspirado pela trajetória do pai, iniciou uma pesquisa nos processos físicos da Corte. Papeando com o advogado Lino Machado, que atuara no STM, ficou sabendo que algumas sessões haviam sido gravadas. Até ali, pouquíssimas pessoas de fora das arcadas militares sabiam que havia áudios de sessões do tribunal. Quanto mais registros de reuniões secretas.
Bem-humorado, Fernandes foi se aproximando dos funcionários do tribunal e descobriu, por descuido de um servidor, a existência de um acervo escondido numa sala contígua ao plenário. O advogado logo foi alertado de que não poderia ter acesso aos áudios. Fernandes e Machado formalizaram um pedido ao STM e, para sua surpresa, o jovem recebeu autorização. Comprou dois aparelhos antigos de som capazes de reproduzir as antigas fitas de rolo carretel. Passou dias inteiros trancado numa salinha daquele prédio, sempre vigiado por um funcionário, escutando as vozes dos ministros que julgavam e condenavam sem muita cerimônia no tratamento da lei. Apesar da autorização que recebera, o clima era permanentemente tenso. “Havia uma preocupação deles. Por mais que não soubessem exatamente o que tinha ali, sabiam que era algo delicado”, lembra.
Temendo que o acesso aos arquivos fosse revogado a qualquer momento, Fernandes encarnou um espião da Guerra Fria. Enfiou sorrateiramente dentro de uma de suas pastas de couro os índices com dados dos processos que estavam nas gravações. Correu ao prédio em frente ao tribunal e tirou uma cópia dos documentos. Depois, com seus dois aparelhos de reprodução das fitas, conseguiu copiar uma das gravações, escolhida aleatoriamente. Escondeu a fita atrás do vaso sanitário, na parte oca, no banheiro próximo a sua sala de pesquisa. E seguiu ouvindo os áudios diante de seu vigia como de costume. “Comecei a entender que as fitas se dividiam em públicas e secretas. O que estava secreto, ele (o funcionário que o acompanhava) não queria me deixar examinar de jeito nenhum. Mas botei a secreta no gravador. Quando ouvi as discussões dos ministros, e ali tinha uma questão sobre a morte do (Carlos) Mariguella (guerrilheiro da Aliança Libertadora Nacional), o cara desligou o gravador: ‘Você hoje está suspenso’”, diz Fernandes. Seu receio de uma nova censura ia se concretizando.
No dia seguinte, na sala onde fazia a pesquisa, os ministros do STM se reuniram para escutar a tal fita. Montou-se até um pequeno auditório, com o gravador no meio. Fernandes flagrou a cena. Apressou-se em buscar sua cópia no banheiro e saiu rapidamente do prédio. E da cidade. Voou imediatamente para o Rio de Janeiro. Era quase como se ainda vivesse numa ditadura. Fernandes saiu tão açodado que deixou para trás uma de suas pastas de couro, protegida por cadeado e senha, com o índice dos áudios secretos dentro. Quando ele chegou ao Rio de Janeiro, já havia um aviso dos militares de que sua pesquisa estava suspensa e uma ordem para que ele abrisse a pasta esquecida no tribunal. Diante da negativa do pesquisador, os militares arrombaram a pasta – mas tiveram de registrar o ato num “auto de arrombamento”.
Fernandes protocolou com seu pai, Tristão, um mandado de segurança no STM, solicitando a pasta de volta e o acesso aos áudios públicos e secretos. “Como meu pai disse, a democracia é um problema sério. A partir daquilo, eles tiveram de tombar, numerar e judicializar a questão da abertura. O arquivo não era mais secreto”, conta. O STM negou o pedido, sob a justificativa de resguardar a intimidade dos processados. Foi no julgamento desse pedido, em 1997, que Fernandes fez sua primeira sustentação oral como advogado. Ao lado de seu pai.
O assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal porque os arquivos corriam um real risco de extinção. “Eles me intimaram avisando que iam apagar o arquivo. Já imaginou? Apagar, sumir”, diz Fernandes. O advogado obteve do Supremo uma liminar impedindo a trágica iniciativa. Quase dez anos depois, em 2006, a Segunda Turma do Supremo determinou que o STM abrisse o acesso aos arquivos. O Superior Tribunal Militar insubordinou-se e desobedeceu à ordem. Em 2011, Fernandes moveu uma nova ação argumentando que o STM permitira apenas acesso aos áudios das sessões públicas. Finalmente em 16 de março deste ano, em uma sessão histórica, o plenário do Supremo entendeu, por unanimidade, que o tribunal militar descumpriu a ordem anterior e determinou expressamente o acesso irrestrito aos áudios secretos. Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso e presidente do Supremo, diz que “tem-se como injustificável juridicamente a resistência que o STM tentou opor ao cumprimento da decisão emanada deste Supremo Tribunal, que taxativamente afastou os obstáculos erigidos para impedir que fossem trazidos a lume a integralidade dos atos processuais ali praticados, seja na dimensão oral ou escrita, cujo conhecimento cidadãos brasileiros requereram para fins de pesquisa histórica e resguardo da memória nacional”. O decano Celso de Mello respaldou a ministra. “Não se pode impor óbice à busca da verdade e à preservação da memória histórica em torno dos fatos ocorridos no período em que o país, o nosso país, foi dominado pelo regime militar.” Terminava uma batalha judicial de 21 anos. Questionado sobre o descumprimento da primeira decisão do Supremo, o STM afirmou que houve uma “falha administrativa” em não informar o advogado Fernando Fernandes de que o material já estava digitalizado e disponível para consulta desde 2015.
O desdém dos ministros
As gravações lançam luz, pela primeira vez, sobre a visão não somente jurídica, mas também política dos ministros de apoio ao regime. Havia discussões frequentes nos processos envolvendo torturas e desrespeitos aos direitos humanos. Com dados dos próprios processos do STM, o projeto Brasil: Nunca Mais calculou que ao menos 1.843 pessoas foram submetidas a torturas no período e avisaram à Justiça Militar sobre o fato, que pouco ou nada fez. Os ministros eram alertados de que os depoimentos prestados à polícia pelos réus ocorriam mediante submissão aos maus-tratos. Em juízo,
os mesmos réus negavam o que haviam dito à polícia e contavam que foram coagidos a dar aquelas versões. Os ministros optavam, na maioria das vezes, por ignorar essas graves acusações.
Foi o que aconteceu, por exemplo, na 49ª sessão secreta de 1976, de 18 de junho daquele ano. O julgamento era de dois militantes da organização guerrilheira Molipo (Movimento de Libertação Popular), Pedro Rocha Filho e José Carlos Giannini, acusados de incendiar um ônibus. Em sustentação oral, o advogado José Roberto Leal alertou aos ministros que os réus estavam sendo torturados no DOI-Codi, órgão subordinado ao Exército, e que eles eram coagidos durante os depoimentos ao Dops, outro órgão da repressão. “O Dops não bate. Só diz o seguinte: ‘Ou você confessa hoje ou você volta para o DOI’. Acaso teriam eles coragem de dizer que não tinham feito isso?”, questionou o advogado. Formado em Direito e ministro do STM desde 1969 na cota dos civis, o relator desse caso, ministro Waldemar Torres da Costa, avaliou que as alegadas torturas não eram um problema para esse julgamento. “Não encontrei motivos para invalidar o que (os réus) relataram perante a autoridade policial. Essas declarações se apresentam aceitáveis e nada indica que não correspondam à verdade”, justificou em seu voto, para condená-los a 12 anos de prisão – o resultado desse julgamento foi pela absolvição dos réus, por seis votos a cinco.
Nas sessões secretas ouvidas por
ÉPOCA, houve só um caso em que a Corte admitiu a possibilidade de tortura e determinou uma investigação para apurar o assunto. Foi na 76a sessão secreta de 1977, realizada em 19 de outubro. Era um processo contra Paulo José de Oliveira Moraes, acusado de assaltos a banco. O ministro relator Gualter Godinho admitiu: “Não é fácil apreciarmos o problema da sevícia”. Acrescentou que, naquele caso, o abuso “ficou evidentemente demonstrado”.  “Não importa saber e tratar-se de um elemento já tarimbado no campo da subversão e que já tenha recebido outras condenações. Trata-se apenas de examinar o aspecto homem, que infelizmente nesse caso ficou demonstrado que a polícia agiu realmente de forma brutal e contra todos os princípios de respeito ao direito humano”, discursou o relator. Moraes foi absolvido. Em uma entrevista ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV (Fundação Getulio Vargas), o ex-ministro do STM Júlio de Sá Bierrenbach, que entrara havia poucos meses na Corte, diz que foi o melhor serviço que eles prestaram à sociedade. Pela primeira vez, eram estampados nas manchetes dos jornais títulos como “STM comprova e condena tortura”.
Os áudios secretos comprovam como essa foi uma exceção. As gravações revelam o descaso com o qual os ministros normalmente tratavam as denúncias que recebiam de desrespeitos aos direitos humanos. Na 91a sessão secreta de 1977, o então presidente da Corte, Hélio Ramos de Azevedo Leite, suscita uma discussão com seus pares sobre o tema da greve de fome de presos em Pernambuco – parlamentares iriam visitá-lo para tratar do assunto. A opinião dos ministros era que o STM não devia se meter em assuntos penitenciários. Um deles, que não se identifica ao falar, diz em voz baixa: “Devia ser estimulada a greve de fome, assim liberava mais vaga nos presídios”. A chacota segue. Almirante de esquadra da Marinha, o ministro Hélio Ramos chegou a fazer críticas públicas contra o excesso de prazo das prisões do regime militar e defender o abrandamento do regime. Mas, naquele 1o de dezembro de 1977, por volta das 14 horas, diante de seus pares e sem nenhuma plateia, Hélio Ramos não se constrangeu de fazer pouco caso das denúncias de tortura. “Eu por dia recebo cerca de dez ou 15 ofícios, cartas, e Anistia Internacional, e não sei o que da Dinamarca... Eu diariamente recebo um monte. Agora eu nem leio mais, eu mando botar num envelope.” Outro ministro replica: “É bom guardar os selos para coleção”. Todos riem, provavelmente sem se atentar que estavam entrando para a coleção de barbaridades do regime ditatorial que ajudaram a manter.
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