sábado, 30 de novembro de 2019

PARA AJUDAR A AMAZÔNIA

Artigo de Marina Silva, ECOA, UOL
Tanto se fala da importância da Amazônia que se tornou comum chamá-la de "pulmão do mundo". Mas, na verdade, ela é um gigantesco, complexo e delicado sistema de vida que abriga a mais rica biodiversidade do planeta e guarda o impressionante estoque de 100 bilhões de toneladas de carbono (cerca de uma década de emissões globais). Destruí-la significa, dentre outras coisas, exterminar incontáveis seres vivos e lançar na atmosfera esse carbono na forma de CO2 com implicações gravíssimas para a vida no planeta.
Não faltam razões éticas, econômicas e sociais para preservar a Amazônia. Mas, para os países que a têm em suas fronteiras — especialmente o Brasil, que tem nela 60% de seu território —, há algo essencial à vida, valioso demais para ser negligenciado: água. Segundo o documento "Marcos Científicos para Salvar a Amazônia", apresentado no Sínodo da Amazônia pelo Dr. Carlos Nobre, em nome de um grupo de grandes cientistas, "cerca de 70% do PIB da América do Sul deriva da zona de influência da chuva produzida pela Amazônia".
Quem não se rende às razões do coração deve ceder aos apelos da razão científica e do bom senso: a economia depende da Amazônia preservada. Os serviços ecológicos de suas florestas fornecem insumos tangíveis e intangíveis para tornar o Brasil uma potência energética, agrícola e cultural. Mas o desconhecimento ou desprezo por essa realidade mantém um modelo político e econômico que promove uma tripla destruição: da floresta e seus povos originários, das bases naturais do desenvolvimento e do equilíbrio ecológico que assegura a continuidade da vida na Terra.
 Temos que substituir o modelo vigente, de uso predatório dos recursos da Amazônia, por um modelo de conservação orientado pela ciência e inspirado nos conhecimentos tradicionais de seus povos originários. Devemos ter senso de urgência, diante da ameaça de etnocídio e de caos ambiental contida na visão dos governos e empresas que tratam a floresta como inimiga do desenvolvimento.
 O Brasil sabe o que fazer. Conhecimentos acumulados em três décadas de políticas públicas e ações da sociedade estão à disposição dos governos e empresas. Podemos dividir em três grupos esse acervo de propostas e experiências, algumas já testadas e bem-sucedidas:
1.     1 . Ações de comando e controle para evitar ou punir grilagem de terras públicas, desmatamento e queimadas, mineração e exploração de madeira ilegais. Por exemplo, o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, lançado em 2004, baseava-se num tripé: combate às práticas ilegais, ordenamento territorial/fundiário e apoio à produção sustentável. Obteve reconhecido sucesso ao reduzir em 83% o desmatamento na Amazônia brasileira de 2004 a 2012, mesmo em período de crescimento econômico.
2.  2.     Propostas estruturantes, de implementação em médio e longo prazos, para promover um modelo sustentável de desenvolvimento. Exemplos são o 'Plano Amazônia sustentável', de 2008, e o mais recente 'Amazônia 4.0', coordenado pelo Dr. Carlos Nobre, que visa à criação de uma bioeconomia com agregação de valor aos produtos da biodiversidade e com sistemas agroflorestais e agroindustriais de base comunitária, frutos da integração entre o conhecimento técnico-científico da biociência e os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas e locais.
3.      3. Num terceiro grupo podemos reunir as ações que classifico como "de suporte", divididas em dois eixos complementares:
- O eixo das iniciativas que ajudam a fundamentar a tomada de decisões, avaliar e corrigir ações. Um bom exemplo é o recém-criado Painel Científico sobre a Amazônia, nos moldes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, lançado no dia 21 de setembro, na sede da ONU, em Nova York, que procura mapear os riscos de destruição e identificar ações e meios para preservar.
- O eixo das iniciativas que buscam viabilizar recursos humanos, técnicos e financeiros para projetos compatíveis com a preservação. São recursos essenciais na transição para um novo modelo, capaz de gerar um novo ciclo de prosperidade com preservação da floresta, proteção às populações indígenas e combate às iniquidades sociais. Esse é o eixo com maior dificuldade, basta ver a desproporção entre a dimensão dos problemas e a quantidade dos recursos para enfrentá-los.
Recentemente, tive a oportunidade de dialogar com Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz. Tratamos da recente crise ambiental na Amazônia e concluímos que nossa consciência do desastre não pode ficar hibernando após o fogo ser apagado pelas chuvas, aguardando ser despertada no próximo ano, quando um desastre ainda maior se anuncia na continuação da política antiambiental do atual governo. Mas o que fazer?
Falando aos jovens de um dos programas liderados pelo professor Yunus, sugeri criar uma espécie de Plano Marshall dos países da Amazônia, para financiar ações que possibilitem transitar para uma economia sustentável. Diferentemente do Plano Marshall, criado no pós-guerra pelos Estados Unidos para ajudar na restauração da Europa, o plano para evitar a destruição da Amazônia se originaria, de forma independente, na própria região. Seus nove países reuniriam os recursos iniciais, de doações voluntárias, sem recusar aportes de pessoas e governos de outras regiões que concordassem com os objetivos e diretrizes por eles soberanamente estabelecidas. Esses recursos financiariam iniciativas da sociedade, empresas, instituições de pesquisa, a governança ambiental, o monitoramento, a gestão de áreas protegidas e terras indígenas.
Criaríamos, assim, mais um instrumento de proteção da maior floresta tropical do mundo. Seria efetivo, garantindo recursos financeiros, e inteiramente democrático, pela participação voluntária. E com rigoroso sistema de compliance, auditorias independentes e informações acessíveis a todos os doadores e à sociedade em geral.
Existem milhões de pessoas dispostas a ajudar no esforço para passar das ideias à prática. As populações dos países amazônicos saberão aproveitar a ajuda com inteligência e sabedoria. E a humanidade inteira — especialmente as futuras gerações — ganhará o imenso benefício de uma Amazônia sustentável: economicamente próspera, socialmente justa, culturalmente diversa, politicamente democrática e ambientalmente preservada.
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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA CONTRA A IMPRENSA

Carlos Andreazza, O GLOBO
O presidente Jair Bolsonaro falou ontem, referindo-se à administração pública, que tem dificuldades seríssimas em muitas áreas. Nós sabemos.
Aliás, nesta ocasião, referiu-se ao Tribunal de Contas da União como se parte de sua mesma equipe; como se não fosse o TCU um órgão de controle externo, que opera com autonomia. Não se trata de novidade. Já estendera essa visão privatizadora (para si) do Estado, por exemplo, à Polícia Federal – que enxerga (ou deseja) como uma instituição subordinada a seu governo, e não como um organismo de Estado com autonomia funcional. É assim mesmo. Bolsonaro ainda não entendeu – nunca entenderá – a ideia de República.
Por isso, claro, tem também dificuldades seríssimas em compreender o papel da imprensa e a impessoalidade republicana. Muitos dos atos de flagrante inconstitucionalidade perpetrados pelo presidente derivam de seu inconformismo em não haver sido eleito para imperar, com mandato para moldar o Estado de acordo com suas vontades, afetos e desafetos.
É comum que governantes não gostem de jornalistas e reclamem da atividade jornalística. Em Jair Bolsonaro, no entanto, esta hostilidade escalou. Integra um discurso. Constitui-se mesmo num dos pilares do projeto de poder autoritário bolsonarista. Como a lógica sectária que fundamenta o fenômeno personalista do bolsonarismo exige adesão incondicional, toda e qualquer instituição que exerça algum grau de independência será uma ameaça a ser emparedada.
O bolsonarismo não aceita – não admite – autonomia que não a sua.
Isto serve para o Parlamento, para o Supremo; e também para a imprensa. Que deve ser desqualificada, ter a credibilidade artificialmente esvaziada, sufocada – para que o governante, líder populista, faça prosperar a farsa de que o filtro intermediário jornalístico é prescindível, descartável, e que ele pode falar ao povo diretamente ou por meio dos canais a seu serviço. Afinal, como sabemos, o presidente – um governante – não mente…
A cruzada personalista de Jair Bolsonaro contra a Folha de S. Paulo – e usando o aparelho de Estado para tanto – não é contra o jornal; mas contra o jornalismo e, portanto, contra a liberdade de imprensa. Não se pode calar diante disto.
Não se pode calar ante um presidente que constrange empresários com alertas sobre anunciar em certos jornais e emissoras. Isto é crime de responsabilidade.
Ao cumprir uma promessa de imperador eleito e excluir a Folha – sem qualquer base técnica, a partir de inaceitável questão pessoal – de um processo de licitação para fornecimento de acesso digital ao noticiário da imprensa, o presidente não atentou somente, e gravemente, contra a impessoalidade republicana, mas turbinou, valendo-se novamente da máquina estatal, sua campanha autocrática contra a atividade jornalística e, por consequência, contra o Estado Democrático de Direito.
Não interessa que Jair Bolsonaro se sinta perseguido pela imprensa; vítima do jornalismo. Ele é o presidente. Fala como presidente. Age como presidente. Não existe Jair Bolsonaro, o homem e seus desafetos, quando se expressa via (musculatura da) máquina federal.
Já passou da hora de uma medida cautelar – pedagógica – sustar esse processo licitatório e colocar o presidente e suas vontades imperiais no cercadinho dos limites da República.
Estamos ainda ao 11º mês do primeiro ano do governo Bolsonaro. Nunca, desde a redemocratização, tal volume de ataques à imprensa – por um governante, o próprio presidente – foi disparado. Difícil supor que não vá piorar.
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GOVERNANDO COM ÓDIO

Luís Francisco Carvalho Filho, Folha de S.Paulo
Delfim Netto, poderoso ministro do regime militar, signatário do AI-5, e depois conselheiro de Lula, é injusto e cínico quando fala em “lado iluminado”, em contraposição a um “lado sombrio”, para definir o campo em que estaria situada a equipe econômica do governo Bolsonaro.
O “lado sombrio” não está apenas na estratosfera ou nos gabinetes dos ministérios da Educação, da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores. Tudo se mistura.
Conspirar contra o meio ambiente e a liberdade sexual, desmantelar o incentivo à cultura e a capacidade das instituições criadas para fiscalizar atos administrativos, estimular violência e ódio nas polícias, perseguir artistas e jornais, como acontece com a quase centenária Folha de S.Paulo, nada disso, em princípio, é bom para os negócios.
Exceção feita às indústrias de armas e de equipamentos para vigilância e espionagem, que, de fato, encontram solo fértil para um futuro promissor, não há motivo para o mercado se encantar com a cruzada mesquinha e moralista de Jair Bolsonaro.
No entanto, agentes econômicos atentos a sinais tênues de recuperação, como se fossem consequência da dinâmica bolsonarista, acreditam que a fórmula mágica da erosão de direitos é essencial para a salvação do país.
Paulo Guedes não tem perfil de homem público. É rude, falastrão, amoral e pernicioso —como revelam as manifestações sobre Brigitte Macron, mulher do presidente da França, sobre a ditadura de Pinochet ou sobre o AI-5, formuladas para bajular a família presidencial.
A taxação do seguro-desemprego por medida provisória não é só sinal de indisfarçável falta de sensibilidade política. É escárnio. A eliminação de barreiras impostas ao empreendedorismo daninho estabelece senhas nefastas para a retomada do crescimento.
Em regimes democráticos, o ímpeto discricionário dos governantes é contido pela tradição constitucional, pelo respeito às leis, pela independência dos poderes, pela existência de forças políticas antagônicas disputando eleições e se revezando nos cargos, pelo entrechoque de interesses corporativos e pela presença incômoda de imprensa livre, persistente, soberana.
O objetivo de Bolsonaro é a autocracia. Paulo Guedes acalenta o mesmo desejo: governar sem freios e limites, conforme o roteiro das planilhas e das “ideias muito boas” do seu pessoal.
É um sonho impossível e inadmissível, mas faz sentido o saudosismo retórico do AI-5, verbalizado pelo filho do presidente e pelo ministro da Economia.
Em dezembro de 1968, para alegria dos porões da repressão política e da equipe de Delfim Netto, o governo militar adquire um arsenal extraordinário de poderes institucionais que permitiria remover obstáculos, dissolver o Legislativo, emparedar o Judiciário, cassar mandatos, aposentar juízes e censurar
manifestações adversas.
O projeto autoritário de Jair Bolsonaro é ainda embrionário. Tem a favor o descrédito da representação partidária tradicional, a desmoralização do Supremo e a perplexidade política das oposições.
Com sangue nos olhos, a Presidência da República festeja o golpe de 64, homenageia torturadores e religiosos, ridiculariza jornalistas e abate seus adversários. Defende imunidade penal para soldados que reprimem protestos e para policiais que atiram a esmo.
Nem a perspectiva constitucional do impeachment inibe a caminhada odiosa de Jair Bolsonaro e seus filhos e asseclas e capangas.
Luís Francisco Carvalho Filho
Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004).
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VÁRIAS PRESSÕES SOBRE O DÓLAR

Míriam Leitão, O GLOBO
O déficit comercial do setor de manufaturas subiu em três anos de zero para US$ 30 bilhões. E isso sem o Brasil crescer. Com capacidade ociosa e desvalorização cambial, a indústria não consegue exportar. É o que alerta o economista Samuel Pessoa, do Ibre, ao falar da atual pressão cambial. O economista Manoel Pires, também do Ibre, lembra que o aumento do déficit em transações correntes para 3% do PIB também é preocupante. São sinais de que o dólar continuará pressionado. Os dois fizeram fortes críticas à fala de Paulo Guedes sobre o AI-5.
Os ruídos criados pelo governo pioram a situação, mas há fatores concretos, diz Samuel:
— Em janeiro do ano passado, o dólar estava a R$ 3,10. Com toda essa desvalorização, a indústria não se mexe. Nas outras recessões, o setor exportador ajudou a tirar a economia do buraco.
Manoel Pires diz que o pano de fundo — o contexto da guerra comercial, as frustrações dos leilões de petróleo, a queda das taxas de juros — tem levado o dólar a outro patamar:
— O câmbio de equilíbrio, aquele que estabiliza o déficit, é muito mais alto.
Sobre o limite à taxa de juros do cheque especial, os dois economistas, que entrevistei ontem no meu programa na Globonews, têm visões diferentes. Manoel Pires acha que o Banco Central acabou ampliando a base de arrecadação dos bancos e, ao permitir a tarifa mesmo de quem não entra no cheque especial, está reduzindo a transparência. Samuel Pessoa diz que há experiência internacional de limites máximos para os juros do cheque especial. Diz que “não é muito ortodoxo”, mas outros países fazem.
Perguntei a Manoel Pires, que foi secretário de Política Econômica do governo Dilma, o que ocorreria se naquela época fosse adotada tal medida:
— Acho que o pessoal iria reclamar bastante.
O governo Dilma deixou a economia em recessão, desemprego crescente e déficit. Após três anos e meio de política econômica liberal, os problemas não foram superados. Perguntei aos dois que lado tem que fazer autocrítica:
— Acho que todo mundo faz, cada um a seu modo, mas às vezes ela acirra o debate com cada um apontando o dedo para o outro. O importante é saber se a autocrítica foi suficiente para se apresentar um plano consistente, uma agenda para gerar crescimento e mais emprego. A minha impressão é que o debate econômico hoje está levando a mais consenso.
Samuel acha que a política liberal está colhendo alguns resultados:
— Uma parte já veio. Juros mais baixos, inflação mais baixa. Tem um problema maior que está dificultando a aprovação de medidas importantes no Congresso que é de natureza política. Temos um presidente que quis inventar, criar uma nova maneira de fazer a gestão da relação entre executivo e legislativo. O Congresso é o mais reformista que tivemos, mas é muito difícil o investimento voltar forte com essa incerteza.
Manoel Pires discorda da velha dicotomia entre ajuste fiscal e estímulos ao crescimento, porque no dia a dia é preciso lançar mão de vários instrumentos para conter a despesa corrente e abrir espaço para o investimento público. Ele acha, contudo, que o teto de gastos é insustentável, Samuel acredita que um pequeno conjunto de reformas é suficiente para sustentar o teto.
Os dois fizeram duras críticas às declarações de Guedes sobre AI-5.
— Estamos vivendo um momento em que o governo está explorando os limites implícitos da democracia. Vejo o ministro do Meio Ambiente com dificuldade para lidar com a agenda do meio ambiente, o das Relações Exteriores, da Cidadania. Há um movimento generalizado dentro do governo. É um processo que não sabemos onde vai parar. Mas a gente que forma opinião tem que estabelecer nossos limites: isso eu não aceito — afirmou Manoel Pires.
— Fiquei muito preocupado, o ministro Paulo Guedes é uma pessoa inteligente, belo currículo profissional, fala muito bem. Uma pessoa com toda essa capacidade falar algo tão grave e logo depois de o próprio filho do presidente já ter falado, num governo sobre o qual já há suspeição, isso afeta a economia. Para o investimento voltar, a gente precisa de ter certeza na questão tributária, mas também do regime político. Uma declaração dessas coloca um manto de incertezas sobre o país, dificulta a retomada da economia. Acho péssimo — diz Samuel Pessoa.
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BIFE À MODA DE AI-5

Vinicius Torres Freire, Folha de S.Paulo
Alguém aí ainda se lembra do pacotão das medidas fiscais de emergência? Foi visto pela última vez faz três semanas, quando chegou ao Congresso, mas seu paradeiro é ignorado, assim como anda desaparecida a arenga reformista.
Entende-se. O governo andou ocupado promovendo a Aliança pelo AI-5, a licença para matar manifestantes de rua e gente sem luz e lustro para postos de relevo na Cultura.
Além do Flamengo, os assuntos são o dólar caro, o preço do bife e um novo surto de ameaças de morte do governo contra cidadãos oposicionistas e instituições da democracia.
O pacotão era um calhamaço de reformas constitucionais para cortar salário de servidor etc., início de uma campanha urgente a fim de evitar que as contas do governo mergulhem no vinagre na virada de 2020 para 2021. Era o começo da segunda onda de reformas, que contaria também com um pacote de emprego, que praticamente foi abortado.
Desde então, o governo e o governismo parecem ter mudado de estação, parece mais surtado com o transe nas ruas sul-americanas, caído depois do relativo vexame do leilão do petróleo e ainda mais desorientado na política partidária.
O governo não parece se abalar com a sequência de derrotas no Congresso —vetos que caem, projetos que caducam. Parece, sim, ainda mais disparatado, como na política e declarações sobre câmbio ou com essa atitude de tabela juros bancários por decreto.
Apela ao realismo político de segunda quando engavetou sine die a reforma administrativa, aparentemente por temer “Lula Livre” (aliás sumido e algo desorientado também) e a chapa quente dos “terroristas” nas ruas da América do Sul.
No entanto, o ano parlamentar de 2019 está para terminar e o de 2020 será curto, por causa da eleição municipal, acabando por volta de junho ou julho, no mais tardar.
Deputados e senadores, de resto, estarão menos propensos a aprovar reformas ou “reformas”, aquelas que arrancam o resto do couro do povo. Há o risco de o bolsonarismo passar vexame nas urnas.
Qual é então o plano do governo, se algum?
Espera que uma dose de reforma da Previdência e juros baixos tire a economia da estagnação, o bastante para evitar que o prestígio de Jair Bolsonaro vá abaixo de um terço do país? O bastante para dar impulso para a mudança de patamar da pregação autoritária, como se vê com essa história de “excedente de ilicitude” para tropas pretorianas que atirem no povo nas ruas?
Talvez tenha de se preocupar com problemas novos, ao vai da valsa.
O Supremo acaba de desengavetar, na prática, as investigações sobre as rachunchos de Flavio Bolsonaro, derrotando de resto o aliado acidental de Bolsonaro na Corte, Dias Toffolli, aquele do “pacto entre os Poderes (dele com o presidente da República)”.
O preço do bife por ora ainda é meme irado de rede insociável, mas não convém desprezar os desprazeres da carne —a arroba do boi gordo subiu mais de 50% em um ano.
Alguém aí se lembra da inflação do tomate, no início de 2013? A combinação de escassez de carne no mercado mundial com a alta do dólar pode não dar em aumento sistemático de preços, talvez nem dos preços da comida, mas convém prestar atenção.
Inflação de alimentos emagrece o prestígio dos governantes. Aumentos pontuais de preços da vidinha diária, carne, gasolina e pão, são suficientemente irritantes, mesmo sem inflação de fato.
O governo não parece ligar muito.
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EDUCAÇÃO PERDIDA

Editorial Folha de S.Paulo
Embora enfrente concorrência acirrada, a educação talvez seja, dentre todas as áreas de governo, aquela em que a inépcia da administração Jair Bolsonaro se apresenta de modo mais evidente.
Comandado desde abril pelo boquirroto Abraham Weintraub, após a breve e caótica passagem de Ricardo Vélez, o MEC chega ao fim do ano tendo feito pouco ou nada para combater os problemas que mais afligem o ensino nacional.
O péssimo desempenho foi esmiuçado por uma comissão da Câmara dos Deputados, cujo relatório, revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo, aponta para um estado de paralisia da pasta, tanto no planejamento quanto na implementação de políticas públicas.
Exemplo claro disso é a nova Política Nacional de Alfabetização. Única meta específica estabelecida pelo ministério nos primeiros cem dias de governo, a iniciativa até o momento carece de um plano de ação, bem como de um prazo para chegar às escolas.
O documento da Câmara assinala ainda o atraso na implementação de projetos prioritários, como o Plano Nacional de Educação, conjunto de 20 objetivos a serem cumpridos até 2024, e a Base Nacional Comum Curricular.
O baixo índice de execução orçamentário é outro problema registrado pelo relatório. De janeiro a julho, período analisado pela comissão, diversas ações de apoio à educação básica não receberam recursos, por exemplo. Nesse ponto, ao menos, o MEC pode se escudar nas restrições financeiras que afligem toda a Esplanada.
Entre as causas do pífio desempenho, afirma o documento, encontra-se a alta rotatividade nos cargos comissionados, que persistiu até setembro e se mostra maior que em governos anteriores.
Enquanto relega o enfrentamento das principais mazelas da educação a segundo plano, Weintraub se dedica a promover projetos de agrado do bolsonarismo, como as escolas cívico-militares, e a adular o setor privado, propondo elevar a nota de instituições superiores em troca da cessão de espaço para atividades de ensino básico.
Isso quando não se ocupa de cruzadas ideológicas obscurantistas, propagando seu histrionismo pelas redes sociais, ou se desgasta em ataques retóricos às universidades.
Tudo somado e subtraído, este 2019 configura um ano perdido para a já precária educação pública brasileira. Trata-se de um luxo que o país não pode se permitir.
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VOCÊ NÃO ACHA, GUEDES ?

José Manuel Diogo, ISTOÉ
Se a economia do Brasil der certo, Bolsonaro será reeleito e a esquerda vai enfrentar dias (ainda) mais difíceis. Se a economia não der certo, Bolsonaro perderá o apoio dos empresários (que ainda acreditam nele) e a esquerda vai renascer como movimento (de protesto). Isso é mau para o Brasil.
Um dia, o escritor português Eça de Queiroz falou que a luta pelo dinheiro é santa — porque é, no fundo, a luta pela liberdade —, mas até uma certa soma. Passado o limite, é a tristonha e baixa gula do ouro. O mais importante nesta luta anunciada — entre um Lula agora livre, apoiado num PT com vontade de vingança, e um Bolsonaro que fala demais e quase não tem partido — é garantir que essa vil e baixa gula do ouro não faça perigar a democracia. E esses perigos são muitos e estão por toda parte. Eles crescem nas gargantas de governantes, senadores, deputados e congressistas despreparados para comunicar, que não conhecem o poder do silêncio e ignoram o perigo das palavras.
Eles vivem nos excessos táticos, a que os maus políticos em busca de poder sacrificam a boa estratégia. Eles brotam da boca dos apresentadores de rádio e televisão que, na esperança de aumentar sua fama e auditório, incitam ao confronto. Eles se escondem na miséria e na pobreza, sempre se alimentando da ignorância. Eles estão por todas as parte e são, nesta altura, os maiores desafios que o Brasil tem para vencer.
Por isso, o ministro Paulo Guedes tem razão quando pede a todos que sejam responsáveis e pratiquem a democracia. Ele tem todo fundamento quando fala que convocar as pessoas para a rua é uma insanidade. Mais ainda quando diz que é preciso prestar atenção na sequência de acontecimentos nas nações vizinhas para ver se o Brasil não tem nenhum pretexto que estimule manifestações do gênero. Quando a América Latina se apresenta como um barril de pólvora prestes a explodir, o Brasil tem a obrigação de se mostrar ao mundo como uma referência de estabilidade na região.
A questão não é a crise chegar ao Brasil. A questão é o Brasil ajudar a acabar com a crise dos outros. Prever que a tragédia na Venezuela, os protestos no Chile e na Bolívia ou a crise na Argentina possam se alastrar ao Brasil também é uma insanidade, pois coloca essa ideia na cabeça das pessoas. Como também é uma insanidade se referir o AI-5 como uma possibilidade, mesmo que remota.
Há palavras que políticos com responsabilidade não podem dizer.
E alguém tem de ser responsável no Brasil. Você não acha, Paulo Guedes?
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DOURANDO A BALA

Thais Bilenky, PIAUÍ

Um militante vestido de homem-bomba, com calça camuflada do Exército e uma placa na cabeça em que escreveu PSL – Para Sair Logo, gritava palavras de ordem num alto-falante. Outro, com barba farta e cabeça raspada, ao estilo do lendário candidato a presidente Enéas Carneiro (1938-2007), circulava com seu bordão adaptado: “Meu nome é Neves.” Homens vestidos de preto faziam gestos de armas com as mãos, outros empurravam um carrinho com uma placa com o nome do novo partido, Aliança pelo Brasil, e seu logo, toda feita de projéteis de armas de fogo. Dezenas de apoiadores vestindo verde e amarelo gritavam ofensas à mídia e ao STF (Supremo Tribunal Federal). 

A convenção do novo partido do presidente da República, Jair Bolsonaro, na última quinta-feira (21), em um hotel em Brasília, era o ambiente propício. O chefe do Executivo aproveitou o público entusiasmado com sua retórica bélica para anunciar a sua décima primeira tentativa de emplacar o polêmico excludente de ilicitude na legislação brasileira. Outros nove projetos com teor similar foram apresentados por ele enquanto era deputado federal e um décimo, já no Executivo, foi rejeitado pela Câmara.

No palanque da convenção da Aliança pelo Brasil, Bolsonaro discursava que não adiantava nada um cidadão estar “bem de vida” se teme ser assassinado por um ladrão de celular. Aí emendou com o aviso de que enviara para a Câmara dos Deputados o projeto que beneficiaria agentes das Forças Armadas e das polícias que atuam em operações de GLO (garantia da lei e da ordem). Se ferirem ou matarem em legítima defesa não sofrerão sanções a menos que haja “excesso doloso” (proposital). Neste caso, o agente poderá ser processado e eventualmente punido. O projeto proíbe prisão em flagrante.

A GLO é decretada pela Presidência da República quando se considera “o esgotamento das forças tradicionais” ou “grave situação de perturbação da ordem” – as Forças Armadas têm poder de polícia para atuar por tempo determinado para debelar uma situação e garantir a preservação da ordem pública. Foi o caso da intervenção federal decretada pelo então presidente Michel Temer em 2017 no Rio de Janeiro, justificada pelo governo federal como uma tentativa de conter o crime organizado.

Nesta segunda-feira (25), Bolsonaro afirmou que pretende enviar ao Congresso um projeto de lei que dê ao governo a prerrogativa de decretar GLO em casos de reintegração de posse em propriedades rurais. Defendeu também que proprietários armados ajam livremente se tiverem o domicílio invadido, sem estarem passíveis de punição. O presidente disse que enviaria outro projeto de lei com esse teor. Ambas as propostas já foram apresentadas por Bolsonaro quando era deputado e, como as demais, não avançaram na Câmara. Juntos numa mesma reintegração de posse, a GLO e o excludente de ilicitude abririam caminho para ações ainda mais violentas no campo. 

“O que é excludente de ilicitude? Em operação, você responde, mas não tem punição”, definiu o presidente no evento de quinta passada. “Vamos depender agora, meus parlamentares, deputados e senadores, de aprovar isso lá [no Congresso]. Será uma grande guinada no combate à violência no Brasil.” 

O ministro da Justiça, Sergio Moro, incluiu o excludente de ilicitude no projeto anticrime que apresentou ao Congresso em fevereiro. O texto previa prerrogativas a agentes de segurança que cometam excessos por “medo, surpresa ou violenta emoção”. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chamou a iniciativa de perigosa e ela acabou excluída do pacote de Moro em setembro pelo grupo de trabalho que a analisou. A nova versão do projeto concentra o excludente de ilicitude apenas nas operações de GLO.

“A insistência vem de longa data, mas ele nunca conseguiu aprovar esse projeto, exatamente porque não faz o menor sentido. Aumenta a capacidade letal de um estado que já é um dos que mais mata no mundo inteiro”, criticou o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), integrante do grupo que derrubou a proposta de Moro.

Para Freixo, a nova tentativa, desta vez apresentada pelo Ministério da Defesa, que comanda as Forças Armadas, tem uma particularidade. “Tem a ver com os acontecimentos da América Latina. O que acontece agora na Colômbia, aconteceu no Chile, a derrota do [presidente Mauricio] Macri na Argentina, na verdade o que acontece na América do Sul é a derrota de um projeto econômico, de redução do estado, de uma agenda neoliberal, da flexibilização das leis trabalhistas. É a mesma agenda do Paulo Guedes [ministro da Economia de Bolsonaro]”, comparou Freixo, citando países com protestos massivos recentes.

“O que o Bolsonaro está prevendo é que, com esta agenda econômica do governo dele aqui e com o que está acontecendo no entorno da América Latina, ele está de alguma maneira precavendo a possibilidade de o Estado ser brutalmente violento. Esse talvez seja o AI-5 que Eduardo Bolsonaro falou quando tratava da questão do Chile”, seguiu Freixo, em referência à declaração do filho do presidente que é deputado federal e defendeu a reedição de uma medida repressiva como a da ditadura militar para conter protestos. 

“Talvez não seja o texto do AI-5 fechando o Congresso, até porque deixaria os filhos dele desempregados, mas pode estar vindo aí uma medida de estado de exceção”, concluiu o deputado do Psol.

“Não queremos o retorno do AI- 5, ninguém pensa sequer em fechar o Congresso Nacional. Só dizemos que esse tipo de ato que acontece no Chile, de terrorismo e vandalismo, está dentro da esfera criminal e merece a repulsa com muita energia por parte dos agentes do governo”, disse Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), nesta terça-feira (26) na Câmara.

Ele explicou o que quer dizer com “medida energética”: “Não quero que policial dê tiro de borracha e responda por lesão corporal. A violência é legítima por parte do Estado, tem violência até boa. Legitima defesa. Se alguém tentar te estuprar e um terceiro matar esse estuprador essa violência é válida”.

“Nosso Código Penal já garante a legítima defesa. O que nós queremos é dar um plus, uma segurança jurídica maior para o policial, seja em GLO seja em operações até mesmo rotineiras da polícia em que seja necessário o uso da força”, prosseguiu Eduardo.

Para ele, a dificuldade encontrada no passado por seu pai e ele para aprovar projetos com esse teor foi superada. “A gente está vivendo o Congresso mais conservador das últimas décadas, agora eu vejo que existe espaço para isso.”

Aimunidade de agentes de segurança foi uma das mais barulhentas promessas de campanha de Bolsonaro em 2018. Fazia parte de um pacote que o então candidato a presidente prometia para combater a violência com mais violência, facilitando a posse e o porte de arma, entre outras medidas.

Durante seus sete mandatos como deputado federal, Bolsonaro insistiu no excludente de ilicitude. Os últimos projetos que apresentou com esse intuito visavam beneficiar policiais, que foram sua principal base eleitoral na Câmara. Em momentos anteriores, ele aproveitou para emplacar a ideia em tempos de clamor popular contra, por exemplo, arrastões nas praias do Rio de Janeiro ou com assaltos violentos.

O primeiro projeto de lei (6.162/2005) foi apresentado em novembro de 2005. O texto acrescentava um trecho ao Estatuto do Desarmamento para estabelecer que disparo de arma de fogo em caso de legítima defesa própria ou de outra pessoa não configuraria mais crime inafiançável. Argumentou que, “muitas vezes, o disparo de arma de fogo pode servir como meio de evitar a ocorrência de mal maior”. Como o Código Penal já prevê a legítima defesa, seu projeto não foi para a frente: foi arquivado pouco mais de um ano depois. O projeto passaria por um périplo de tramitação: foi desarquivado pelo proponente e arquivado outras duas vezes até ser apensado (incluído) em outras matérias em 2015.

Em 2014, Bolsonaro tentou dois projetos para alterar o Código Penal, estratégia que voltaria a usar nos anos seguintes. O primeiro (7.105/2014), apresentado em fevereiro, pretendia mudar a definição de “legítima defesa”, retirando dela a expressão “usando moderadamente dos meios necessários”, porque, sustentou o então deputado, “isso se constitui em um mecanismo de proteção ao marginal”. O texto também deixaria de punir “o excesso culposo” (não intencional) de quem age em legítima defesa própria. “Quem repele injusta agressão não pode ser punido por eventual excesso, pois não é cabível exigir, de uma pessoa comum, prudência, perícia ou habilidade específica no calor de um acontecimento adverso”, argumentou. Ficou nos escaninhos da Câmara, até o início deste ano, ressuscitado por então aliados do hoje presidente da República.

O segundo projeto de 2014 (7.104/2014) e outro de 2015 (2.832/2015) propunham dois acréscimos ao Código Penal. O artigo 23 já exclui a ilicitude (não considera crime) quando o agente atua “em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”, mas faz uma ressalva: “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.”

De acordo com o texto de 2014, a legislação eximiria quem reagisse a uma invasão de domicílio. “A alteração tem por objetivo resguardar o ambiente domiciliar do cidadão de bem que comumente se vê surpreendido pelo ingresso de assaltantes que, além de prejuízos materiais, por vezes, atentam contra sua integridade física e de seus familiares”, defendeu Bolsonaro. Está tramitando desde então.

A proposição seguinte incluía uma nova circunstância para excluir a ilicitude: “Em defesa do patrimônio próprio ou de outrem, quando vítima de crime perpetrado mediante violência ou grave ameaça.” Era uma tentativa de reforçar a garantia de quem reage a um assalto, por exemplo. “O conceito de legítima defesa se confronta com o chamado ‘excesso’, ocasionando transtornos àqueles que legitimamente usaram recursos para sua proteção e de seu patrimônio”, justificou. “A reação de terceiros contra criminosos no momento da prática de um roubo pode evitar que a situação evolua para a ocorrência de um latrocínio [roubo seguido de morte ou grave lesão corporal], o que desde já justifica a defesa praticada.”

Ao discursar na Câmara em defesa de seu projeto, fez menção aos arrastões nas praias do Rio de Janeiro e criticou a decisão da Justiça de proibir apreensão de adolescente senão em flagrante. Naqueles dias, muitas reportagens mostravam a frequência com que adolescentes agiam em bando para roubar objetos de banhistas desprevenidos. Em alguns casos, moradores reagiam prendendo e agredindo os menores. “Um policial militar não pode mais exercer o seu trabalho preventivo no Rio de Janeiro, em especial nos fins de semana, quando hordas de menores vão às praias. O que vem acontecendo? A população está simplesmente atônita, porque há arrastões, roubos, lesões corporais etc. E a população não pode reagir, porque, se reagir, vai acabar respondendo por lesão corporal ou até mesmo homicídio, caso venha a matar um menor desses aí, que não tem qualquer responsabilidade”, revoltou-se o então deputado.

Não funcionou. O texto foi apensado a outro e não avançou.

Ainda em 2015, ele fez nova tentativa (3.582/2015) de isentar quem reagisse a uma invasão de domicílio, alterando outro artigo do Código Penal, mas o projeto terminou arquivado.

Em maio de 2017, Bolsonaro e o filho Eduardo, deputado federal, propuseram dois textos para alterar o Código Penal. Um deles (7.711/2017) estabelecia que, em um crime cometido por um grupo de pessoas, a vítima ou um terceiro que se defendesse atacando mais de um bandido estivesse resguardada pela legítima defesa. O outro projeto conjunto de pai e filho (7.712/2017) previa que, se um dos criminosos sofresse lesão corporal ou morresse por reação da vítima ou outrem, a pena dos demais deveria ser aumentada de metade a dois terços. 

Ambos os projetos ficaram na gaveta até junho deste ano, com Bolsonaro já presidente, quando deputados aliados os recuperaram, e agora estão em tramitação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). 

Em novembro de 2017, a dupla voltou ao tema com uma proposta (9.064/2017) desta vez para alterar o Código de Processo Penal e o Código de Processo Penal Militar. Eles queriam que o policial que matasse ou machucasse um criminoso fosse beneficiado pela excludente de ilicitude a priori (“a presunção da legalidade de seus atos”), “afastando inicialmente a possibilidade de prisão em flagrante quando no exercício de seu dever legal”. Caso fosse comprovada ilegalidade por parte do agente público, aí a Justiça poderia mandar prendê-lo. O projeto não foi para a frente.

Bolsonaro faria sua nona e última tentativa, enquanto deputado federal, em fevereiro de 2018, já pré-candidato a presidente. Dias depois de o então presidente Michel Temer (MDB) decretar intervenção federal no Rio de Janeiro, o então deputado e seu filho propuseram (9.564/2018) que os agentes que atuam em situações como essa fossem beneficiados pelo excludente de ilicitude. Novamente, não tiveram sucesso.

*

Reportagem atualizada às 16h50 do dia 26 para incluir a entrevista do deputado Eduardo Bolsonaro

THAIS BILENKY (siga @thais_bilenky no Twitter)

Repórter na piauí. Na Folha de S.Paulo, foi correspondente em Nova York e repórter de política em São Paulo e Brasília

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EUA: O AMOR ACABOU

Marcos Strecker, ISTOÉ
Aos poucos e discretamente, mais uma política do governo Bolsonaro sucumbe diante da realidade. As relações carnais com os Estados Unidos, que marcaram a estratégia externa desde a campanha eleitoral e tiveram seu ápice no “I love you!” presidencial a Donald Trump, em solo americano, já não são as mesmas. Parte do desencanto tem a ver com um desastre familiar. Naufragou o projeto de enviar Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington, uma má ideia que não precisou nem passar pelo crivo dos senadores: o 03 foi abatido por sua própria língua ferina.
Mas a maior causa do afastamento brasileiro do governo populista dos Estados Unidos tem a ver com razões bem concretas. O Brasil não é prioridade para a administração Trump, que deixou isso bem claro em uma série de episódios constrangedores para Bolsonaro: ignorou o pedido brasileiro de ingresso na OCDE, recebeu benesses que não retribuiu, como a queda nas taxas de importação de etanol e a liberação de vistos, e saudou com entusiasmo o novo presidente argentino, contrariando as declarações públicas antikirchneristas do presidente brasileiro. Trump não despreza apenas o Brasil. Também isolou os Estados Unidos da Europa, de seu principal aliado, o Reino Unido, e dos estratégicos parceiros do Oriente Médio. A falta de visão tática do atual mandatário americano faz a China e a Rússia ampliarem sua projeção internacional de maneira inédita e fragiliza as democracias liberais, que foram o pilar do crescimento mundial nos últimos 150 anos.
No Brasil, a nova ordem internacional forçou o governo Bolsonaro a se reaproximar da China, que é de fato nosso maior parceiro comercial. Ficaram para trás as ameaças de campanha contra o domínio chinês, substituídas pela promessa da chegada de investimentos bilionários e pela introdução no País da rede 5G, que é liderada pelos chineses e promete ser a nova revolução industrial. A cúpula do Brics, recém-encerrada em Brasília, foi assim um fiasco bem-sucedido. Como previsto pelo próprio criador desse acrônimo, o economista britânico Jim O’Neill, o grupo de países emergentes não tem uma real função geopolítica. Sua finalidade é mais acadêmica e estatística. Não no caso brasileiro, paradoxalmente. A majestosa passagem do chinês Xi Jinping por uma Brasília deserta, na semana passada, selou uma guinada em nossa política externa. A diplomacia nacional voltou aos trilhos movida pela realidade e por benefícios palpáveis. Os verdadeiros interesses estratégicos e o saudável princípio da reciprocidade entraram, finalmente, no radar do Itamaraty bolsonariano. Antes tarde do que nunca.
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FANTASIA DE IMPERADOR

Editorial Folha de S.Paulo
Jair Bolsonaro não entende nem nunca entenderá os limites que a República impõe ao exercício da Presidência. Trata-se de uma personalidade que combina leviandade e autoritarismo.
Será preciso então que as regras do Estado democrático de Direito lhe sejam impingidas de fora para dentro, como os limites que se dão a uma criança. Porque ele não se contém, terá de ser contido —pelas instituições da República, pelo sistema de freios e contrapesos que, até agora, tem funcionado na jovem democracia brasileira.
O Palácio do Planalto não é uma extensão da casa na Barra da Tijuca que o presidente mantém no Rio de Janeiro. Nem os seus vizinhos na praça dos Três Poderes são os daquele condomínio.
A sua caneta não pode tudo. Ela não impede que seus filhos sejam investigados por deslavada confusão entre o que é público e o que é privado. Não transforma o filho, arauto da ditadura, em embaixador nos Estados Unidos.
Sua caneta não tem o dom de transmitir aos cidadãos os caprichos da sua vontade e de seus desejos primitivos. O império dos sentidos não preside a vida republicana.
Quando a Constituição afirma que a legalidade, a impessoalidade e a moralidade governam a administração pública, não se trata de palavras lançadas ao vento numa “live” de rede social.
A Carta equivale a uma ordem do general à sua tropa. Quem não cumpre deve ser punido. Descumpri-la é, por exemplo, afastar o fiscal que lhe aplicou uma multa. Retaliar a imprensa crítica por meio de medidas provisórias.
Ou consignar em ato de ofício da Presidência a discriminação a um meio de comunicação, como na licitação que tirou a Folha das compras de serviços do governo federal publicada na última quinta (28).

Igualmente, incitar um boicote contra anunciantes deste jornal, como sugeriu Bolsonaro nesta sexta-feira (29), escancara abuso de poder político.
A questão não é pecuniária, mas de princípios. O governo planeja cancelar dezenas de assinaturas de uma publicação com 327.959 delas, segundo os últimos dados auditados. Anunciam na Folha cerca de 5.000 empresas, e o jornal terá terminado o ano de 2019 com quase todos os setores da economia representados em suas plataformas.
Prestes a completar cem anos, este jornal tem de lidar, mais uma vez, com um presidente fantasiado de imperador. Encara a tarefa com um misto de lamento e otimismo.
Lamento pelo amesquinhamento dos valores da República que esse ocupante circunstancial da Presidência patrocina. Otimismo pela convicção de que o futuro do Brasil é maior do que a figura que neste momento o governa.
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A MULHER QUE VEIO COM A CHUVA

A festa hoje é para a guerreira que não foge à luta, Luiza Erundina, a mulher que veio com a chuva. Sinônimo de competência, coerência e luta pelos direitos humanos.  O trabalho parlamentar de Erundina é uma referência na política nacional. A honestidade e responsabilidade tem norteado a vida pública dessa paraibana que tem uma força e fé inabalável. Erundina nos enche de orgulho, é um ser humano fantástico.
Biografia – Luiza Erundina de Souza, nasceu no dia 30 de novembro de 1934 na cidade de Uiraúna, Paraíba. É a sétima de dez filhos de um artesão de selas e arreios de couro. Começa a trabalhar ainda na infância, vendendo bolos feitos pela mãe.
Repete a 5ª série duas vezes para não parar de estudar, uma vez que a cidade não tinha curso ginasial. Vai morar em Patos, com uma tia, em 1948, para cursar o ginásio. Forma-se em Serviço Social na Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa, em 1967, e segue para São Paulo em 1971 para fazer mestrado na Escola de Sociologia e Política. Luíza Erundina sonhava ser médica, contudo, por dificuldades de ordens diversas, viu-se obrigada a suspender os seus estudos durante nove anos. Mesmo assim, ajudaria a fundar, em Campina Grande, a Faculdade de Serviço Social.
Por vias da militância católica, ela assumiria, em 1958, o seu primeiro cargo público: aos 24 anos de idade, tornar-se-ia diretora de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal de Campina Grande. E, em 1964, seria nomeada secretária de Educação e Cultura dessa cidade.
Erundina graduou-se como assistente social, em 1966, pela Universidade Federal da Paraíba; e, em 1970, concluiu o mestrado em Ciências Sociais, pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Vale registrar que, em Campina Grande, na década de 1970, ela iniciava a sua atuação na esfera política, participando das Ligas Camponesas e fazendo oposição ao Golpe Militar. E que, naquela cidade e período histórico, a participação de mulheres nordestinas, na política, praticamente inexistia. Por essa razão, ela passaria a sofrer perseguições.
Foi em 1971 que Erundina decidiu se transferir para São Paulo em definitivo; e, ainda nesse ano, foi aprovada em um concurso público para assistente social da Prefeitura, indo trabalhar com os nordestinos migrantes nas favelas da periferia da cidade.
É aprovada em concurso para a Secretaria do Bem-Estar Social da prefeitura paulistana e logo depois passa a colaborar com movimentos de periferia que reivindicam moradia e ocupam terrenos públicos abandonados, muitas das vezes em associação com as Comunidades Eclesiais de Base. Em 1980, é convidada pelo então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva a ser uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores (PT), pelo qual se elege vereadora em 1982 e deputada estadual constituinte em 1986. Em 1985, é escolhida pelo partido para ser a vice-prefeita na chapa do candidato Eduardo Suplicy por ocasião das eleições municipais daquele ano. Suplicy fica em terceiro no pleito, vencido por Jânio Quadros (PTB), mas a expressiva votação recebida pelo PT (cerca de 19% dos votos) impulsiona o crescimento do partido na cidade. Em 1987, já como deputada estadual, é agredida pela Polícia Militar durante uma manifestação de funcionários públicos contra o governo do estado (à época comandado por Orestes Quércia) promovida pelo PT.
Integrante da ala considerada mais radical do PT, ligada ao trotskismo, Luiza Erundina candidata-se em 1988 às prévias do partido para a decisão do candidato à prefeitura de São Paulo nas eleições daquele ano. O outro candidato das prévias é o deputado federal constituinte Plínio de Arruda Sampaio, oriundo do setor majoritário e moderado da legenda e apoiado por suas maiores lideranças: Lula, José Genoíno e José Dirceu. Erundina vence Plínio na disputa interna e se lança, com efeito, à corrida municipal, concorrendo com o ex-prefeito e ex-governador Paulo Maluf (PDS), com o secretário estadual João Oswaldo Leiva (PMDB), apoiado pelo governador Orestes Quércia e pelo prefeito Jânio Quadros, com o deputado federal José Serra (PSDB), com o jornalista e secretário municipal de Jânio, João Mellão Neto (PL), e com o ex-secretário municipal e genro de Jânio Quadros, Marco Antônio Mastrobuono (PTB).
De início em terceiro nas pesquisas eleitorais (atrás de Maluf e Leiva), com uma campanha caracterizada pelos baixos recursos, pela militância pesada do partido nos bairros (sobretudo periféricos, que se converteriam nos grandes redutos eleitorais de Erundina naquele ano) e pelos eloquentes ataques, durante o Horário Eleitoral Gratuito, à administração de Jânio Quadros e aos demais candidatos, vistos todos como representantes dos setores mais conservadores e elitistas da sociedade, Luiza Erundina foi crescendo aos poucos na eleição, beneficiada pela insatisfação generalizada da sociedade com o poder público, pela, à época, diferenciada proposta representada pelo PT, pela alta rejeição a Maluf e pelo baixo cacife eleitoral de Leiva, tido por muitos como um candidato-fantoche. Durante o processo, Erundina ainda agregou o apoio de demais siglas de esquerda, como o PDT e o PCdoB, chegando, na penúltima semana do pleito (na época não havia segundo turno), em situação de empate técnico com Leiva e atrás de Maluf.
A greve na Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda, ocorrida nas proximidades da eleição e que terminou com a morte de três operários devido à truculenta ação do Exército, ajudou a opinião pública a se sensibilizar acerca das reivindicações do movimento sindicalista e a rejeitar ainda mais o poder constituído de então. Alguns analistas políticos consideram que a repercussão da greve ajudou na vitória de Erundina em 15 de novembro de 1988, com 33% dos votos válidos, ante 24% de Maluf e 14% de Leiva, desmentindo as pesquisas dos dias anteriores, que davam vitória a Maluf. O próprio candidato do PDS, quando informado da vitória da petista por um jornalista da Rádio Jovem Pan, chegou a declarar que contestaria o resultado da eleição junto ao TRE. Contudo, tal intenção não foi concretizada. Após a totalização dos votos, descobriu-se que a Rede Globo não divulgou uma pesquisa do Ibope, concluída na véspera do dia da votação, que já indicava a vitória de Erundina. As circunstâncias da eleição de Erundina para a prefeitura da maior cidade do país causaram grande impacto, sobretudo pelo alto grau de surpresa, pelo próprio perfil pessoal da nova prefeita (solteira, migrante nordestina e ativa militante de esquerda) e pela significativa mudança em relação ao sistema administrativo outrora constituído.
Trajetória política
Prefeitura de São Paulo
Luiza Erundina foi prefeita do município de São Paulo entre 1989 e 1993, eleita pelo PT.
Na sua gestão elaborou ações importantes nas áreas de educação (os responsáveis pela pasta eram os educadores Paulo Freire e, depois, Mário Sérgio Cortella, reconhecidos internacionalmente) e saúde, como o aumento do salário e da capacitação dos professores da rede municipal, a melhoria na distribuição e qualidade da merenda escolar, a criação dos MOVAs (Movimentos de Alfabetização, centros de alfabetização e instrução de adultos) e a implantação de serviços de fonoaudiologia e neurologia, entre outros, nos postos da cidade, além do desenvolvimento de políticas sociais mais voltadas para a periferia.
A gestão de Erundina colocou a problemática habitacional como prioridade ao apoiar a implantação habitação de interesse social por mutirão autogerido, o que ajudou a diminuir o déficit habitacional no município. A prática do mutirão foi descontinuada por seus sucessores, como Paulo Maluf, os quais priorizaram a construção de edifícios de apartamentos por métodos convencionais, visto que os mutirões proporcionavam um certo nível de organização política aos envolvidos, assim como possibilitavam sua mobilização com relação ao atendimento de suas demandas, o que não ocorria nos projetos habitacionais de Maluf e dos demais prefeitos.
No setor de esportes, junto a seu secretário Juarez Soares, conseguiu trazer de volta a Fórmula 1 para a cidade, abrigando-a no circuito de Interlagos. Na área da cultura (comandada pela filósofa Marilena Chauí) foi responsável pela construção do Sambódromo do Anhembi e pela restauração das grandes bibliotecas do centro da cidade, como a Biblioteca Mário de Andrade. Também sancionou a lei de incentivo fiscal à cultura do município, a Lei Mendonça. Nos transportes públicos investiu na modernização da frota da CMTC e incentivou as empresas particulares a fazerem o mesmo, principalmente através de subsídios governamentais às tarifas. No transporte individual, Erundina foi bastante criticada por não ter dado continuidade em algumas obras viárias de seu antecessor Jânio Quadros, como os túneis sob o Rio Pinheiros e o Lago do Parque do Ibirapuera, empreitadas que foram retomadas por Paulo Maluf.
O ponto mais polêmico de sua gestão foi a tentativa de mudança nas regras da cobrança do IPTU, naquilo que se chamou de "IPTU progressivo": pelo projeto, apresentado em 1992 (último ano de sua gestão), proprietários de imóveis de maior valor teriam um aumento no imposto (ao mesmo tempo em que outros imóveis, isentos da cobrança, voltariam a contribuir), ao passo que imóveis menores teriam os custos diminuídos até a isenção. Tal medida foi duramente rechaçada pela Câmara dos Vereadores (de maioria oposicionista) e por setores da imprensa, até ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, que considerou a iniciativa da prefeitura inconstitucional. Pela campanha deflagrada contra a atitude da prefeita e pela mesma potencialmente também atingir alguns setores da classe média, a administração de Luiza Erundina sofreu uma sensível queda em sua popularidade.
Durante seu período na prefeitura foi considerada uma das principais lideranças de esquerda no país, mas não conseguiu constituir um sucessor. O candidato de seu partido, Eduardo Suplicy, perdeu as eleições de 1992 para Paulo Maluf. Em 1996, 2000 e 2004, Erundina candidatou-se novamente ao cargo de prefeita, sem obter sucesso em nenhuma delas (apesar de ter disputado o segundo turno em 1996).
Ministra da Administração Federal
Com o advento do impeachment do presidente Fernando Collor, em 1993, logo após dar posse a Paulo Maluf na prefeitura de São Paulo, Luiza Erundina seria convidada, pelo vice de Collor e seu sucessor Itamar Franco (1992-1994), a se tornar ministra-chefe da Secretaria da Administração Federal, dentro dos esforços de Itamar Franco em constituir um governo de coalizão política (coalizão à época chamada de "política de entendimento nacional"), abrigando no primeiro escalão políticos e lideranças de diferentes correntes. Por ter aceitado o cargo, contrariando a orientação do partido, o Diretório Nacional do PT decidiu suspender, por um ano, todos os seus direitos e deveres partidários. Na ocasião, segundo uma nota divulgada pelo PT, a deputada teria rompido com a disciplina partidária, ao não consultar a legenda sobre o assunto, e ao desrespeitar a decisão do partido de fazer oposição a Itamar. Dessa maneira, em 1997 (mesmo após se candidatar pelo partido à prefeitura de São Paulo no ano anterior e ao Senado Federal em 1994), depois de 17 anos de militância, ela sairia do PT, posto que o episódio constituiu um desgaste progressivo seu com as demais lideranças da legenda. Em maio de 1993 deixou a Secretaria da Administração Federal principalmente devido a divergências com o Ministro da Casa Civil, Henrique Hargreaves, sendo substituida pelo general-de-brigada Romildo Canhim.
Saída do PT e entrada no PSB
Em 1998, Erundina transfere-se para o Partido Socialista Brasileiro (PSB); nesse ano, se elege deputada federal para a legislatura 1999-2003. No ano 2000, ela se candidata novamente à Prefeitura de São Paulo, mas perde a eleição para Marta Suplicy (PT). Em contrapartida, é reeleita deputada federal em 2002, para a legislatura 2003-2007, apoiando a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República.
Deputada federal
Em 1994 foi candidata ao Senado ficando em 3º lugar com mais de 4 milhões de votos, sendo derrotada por José Serra (PSDB) e Romeu Tuma (PL). Perdeu a eleição municipal de 1996 no segundo turno para Celso Pitta e, após uma série de desentendimentos com o partido, deixou o PT para filiar-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), representando por esse partido, a partir de 1999, o estado de São Paulo no Congresso Nacional em Brasília, como deputada federal.
Em 2002 e em 2006 foi novamente eleita para o posto. Nessas últimas eleições conseguiu obter expressiva votação, ficando entre os quinze parlamentares mais bem votados do estado. Em 2006, quando se reelege, faz oposição ao governo Lula.
Ainda em 2006, Erundina protestou contra o aumento de 91% nos salários dos parlamentares.
Em 2008 foi convidada para ser a vice na chapa encabeçada por Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo, o que era de seu interesse, mas não de seu atual partido. O vice da campanha de Marta acabou sendo Aldo Rebelo do PC do B, apesar de o PSB ter decidido apoiar Marta.
Nas eleições de 2010, discorda do apoio de seu partido ao empresário Paulo Skaf para a disputa do governo de São Paulo e consegue, mais uma vez, se eleger para o Congresso Nacional, conquistando assim o quarto mandato seguido como deputada federal, sendo a décima mais votada do estado com 214.144 (1%), à frente de políticos como Arlindo Chinaglia, Márcio França, José Aníbal.
Candidatura a vice-prefeita de São Paulo
Luiza Erundina em anuncio para ocupar o cargo de vice-prefeita na campanha de Fernando Haddad para prefeito de São Paulo.
Em junho de 2012, tornou-se pré-candidata a vice-prefeita de São Paulo na chapa de Fernando Haddad (PT), composição muito celebrada pelo próprio PT por considerar que o nome de Luiza Erundina impulsionaria a campanha, já que Haddad, apesar de ter sido Ministro da Educação de Lula e Dilma Rousseff por mais de 6 anos, ainda era um nome pouco conhecido pela população como um todo. Entretanto, após a aliança do PT com Paulo Maluf e seu Partido Progressista também para a candidatura Haddad, firmada até mesmo com uma visita do ex-presidente Lula à residência de Maluf (em um ato político amplamente divulgado pela imprensa), Erundina anuncia seu declínio à candidatura. É substituída por Nádia Campeão, do Partido Comunista do Brasil. Contudo, Luiza Erundina continua a apoiar o nome de Fernando Haddad nas eleições, que se converteria no vencedor do pleito.
RAiZ - Movimento Cidadanista[editar | editar código-fonte]
Em 22 de janeiro de 2016,a deputada lança em Porto Alegre no Fórum Social Temático, um novo partido, o RAiZ - Movimento Cidadanista. O RAiZ tem com base os princípios do ecossocialismo, ubuntu e teko porã, e se inspira nas novas experiências dos círculos cidadanistas e de partidos-movimentos como o espanhol Podemos (Espanha).
Saída do PSB e entrada no PSOL[editar | editar código-fonte]
Em março de 2016, após 19 anos Erundina deixa o Partido Socialista Brasileiro (PSB), por esse apoiar o impeachment da presidente Dilma Roussef, e transfere-se, no período da janela partidária sem perda de mandato, ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) numa filiação transitória, até que a RAiZ - Movimento Cidadanista obtenha registro definitivo.
Candidata do PSOL, a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) concorreu à presidencia da Câmara dos deputados do Brasil, na votação de 13 de julho de 2016, em substituição a Eduardo Cunha, que havia renunciado uma semana antes por conta das denúncias que lhe eram feitas acerca do escândalo da Lava Jato. Erundina afirmou que a eleição da Câmara é uma oportunidade de “renovação” e afirmou que é chegado o momento de uma mulher assumir o comando da Casa. A deputada foi a 9ª a registrar candidatura à presidência da Câmara após a renúncia do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do cargo de presidente. Ela também prometeu “radical mudança”, se assumir o posto, e criticou o processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. Erundina criticou os retrocessos do Governo Temer e as manobras de Eduardo Cunha. Há apenas 2 projetos em disputa: "a manutenção de uma Câmara desmoralizada, manobrada pelo fantasma de Eduardo Cunha, e do outro lado aqueles que lutaram pelo afastamento de Cunha"; em seu discurso, ela ressaltou que é necessário uma nova Câmara a um novo tempo e defendeu a eleição de uma mulher ao cargo: “essa eleição é uma oportunidade para a Câmara pagar uma dívida histórica com as mulheres. Nenhuma mulher ocupou a presidência desta Casa, e poucas foram eleitas para cargos de titular da Mesa Diretora. Isso se deve à sub-representação feminina dos espaços de poder, inclusive do Parlamento”, disse. A candidata disse que é preciso discutir questões que são de “real interesse do País”, como a reforma política, a reforma tributária, a regulamentação dos dispositivos constitucionais sobre comunicação social, a reforma agrária e urbana. Quanto ao andamento dos trabalhos, prometeu fortalecer o trabalho das comissões e a participação do Colégio de Líderes. Para além dos 6 representantes de seu partido na Câmara, Erundina recebeu 22 votos nominais. Deputada há 5 mandatos, Erundina é suplente da atual Mesa Diretora. No momento em que Erundina fazia seu pronunciamento de candidatura, a hashtag #ErundinaEntraCunhaSai foi o assunto mais comentado do Twitter, mundialmente.
Candidatura à Prefeitura de São Paulo em 2016
Em outubro de 2016 foi candidata pela quinta vez à Prefeitura de São Paulo, desta vez pelo PSOL, tendo Ivan Valente como candidato a vice-prefeito. O PSOL quis evitar as primárias fazendo a decisão da escolha por um consenso. As movimentações pré-campanha ocorrem num contexto de crise política envolvendo um pedido de impeachment do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, do PT.
Em 24 de julho, o PSOL oficializou a candidatura de Luiza Erundina ao cargo de prefeita de São Paulo, com Ivan Valente como vice. Durante o evento, foi revelada a primeira aliança da chapa: o PCB formando a coligação "Os Sonhos Podem Governar". Em 30 de julho, houve o anúncio da segunda aliança: o PPL.
Com informações da Wikypedia
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sexta-feira, 29 de novembro de 2019

DEMOCRACIAS SOB ESTRESSE

Do Blog do Noblat, VEJA
Bolsonaro retalia jornal
Onde ficam os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência que devem nortear a administração pública como manda a Constituição quando o governo, por ordem do presidente da República, exclui do edital para renovação de assinaturas de jornais o que tem o maior número de leitores?
Foi o que aconteceu com a Folha de S. Paulo. Bolsonaro não gosta da imprensa que o critica, e ao seu governo. Não gosta especialmente da Folha que já chamou de “desonesta”. Chamou de coisas piores a TV Globo, mas dado à sua grande audiência sente-se obrigado a aturá-la. Decidiu então retaliar a Folha.
Não imagina que com isso o jornal mudará sua linha editorial, amenizando as críticas. Não. Segue apenas o exemplo do seu ídolo, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. No mês passado, Trump cancelou as assinaturas dos jornais The New York Times e Washington Post, os que mais lhe fazem oposição.
O dever número um dos jornalistas é com a verdade, mesmo que ela não seja algo facilmente identificável. O dever número dois é com a independência do seu ofício. O número três é com os cidadãos. Não se deve ter vergonha de tomar partido deles. O quarto dever é com sua própria consciência.
Bolsonaro e Trump são governantes autoritários. Se pudessem, se eternizariam no poder como tentou Evo Morales, o presidente da Bolívia que acabou fugindo para o México. Por mais antiga e testada, a democracia americana é mais resiliente do que a brasileira. Mas ambas têm sofrido o diabo nas mãos dos dois.
E assim será até que Trump e Bolsonaro não passem de uma triste memória na história dos seus povos. Enquanto isso não acontecer, uma vez que foram eleitos de acordo com as leis, só resta suportá-los, vigiando seus passos e combatendo todos os seus excessos. Uma das vantagens da democracia é a alternância no poder.
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SENADOR EXTREMISTA

Bruno Boghossian, Folha de S. Paulo
Paraguai ensina uma lição ao expulsar senador extremista
Quando senadores paraguaios abriram o primeiro processo contra Payo Cubas, em abril, um parlamentar fez um alerta. Ele disse que o colega tinha as características do fascismo, do autoritarismo e da intolerância. Acrescentou que, se nenhuma medida fosse tomada, aquele “monstrinho” cresceria.
Cubas foi suspenso do Senado por dois meses. Ele recebeu a punição por ter xingado outros legisladores e por ter atirado copos d’água no chefe da Polícia Nacional e no ministro do Interior durante uma reunião.
Depois das férias forçadas, sem receber salário, a criatura voltou ainda mais abominável. Nesta quinta (28), ele foi cassado por ter defendido o assassinato de “pelo menos 100 mil brasileiros” que vivem no país e por ter dado um tapa num policial.
Os paraguaios ensinam uma lição. Cubas é o típico agitador que explora o marketing do ódio como ferramenta política. Os senadores preferiram expulsá-lo do Parlamento a permitir que abusasse do cargo para chafurdar nos próprios desatinos.
No Brasil, políticos boquirrotos fazem fama até chegar ao topo do poder. Deputados com discursos racistas ficam protegidos pelo recurso à imunidade parlamentar.
O caso mostra que não se deve aplicar leniência a agentes públicos que, a distância, podem parecer meros polemistas. O senador já havia tentado chamar a atenção quando ameaçou jogar uma banana num colega ou quando atirou água de uma garrafa noutro. Agora lançou uma propaganda nitidamente extremista.
Cubas é membro do Movimento Cruzada Nacional. O repórter Fábio Zanini, que contou a história da cassação, destaca que uma das bandeiras do partido é o combate à presença estrangeira no Paraguai. Nessa onda, Cubas disse que brasileiros deveriam ser mandados ao “paredão”.
O senador cassado ainda tentou surfar no episódio. Escreveu que deixava o “Parlamento sombrio” rumo ao “país que todos merecemos”. Alguns paraguaios lhe deram apoio. Caberá aos eleitores evitar o crescimento de outros monstrinhos.
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UM ESPANTO !

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
Um negro que nega o racismo, uma índia contrária aos movimentos indígenas, um diretor da Funai aliado aos ruralistas, a estrutura de Meio Ambiente descolada do Meio Ambiente, um secretário de Cultura que xinga Fernanda Montenegro, uma secretária de Audiovisual distante do cinema e da televisão. Sem falar em ministros.
O que que é isso, minha gente? O presidente Jair Bolsonaro vive criticando os antecessores pelo “excesso de ideologia” e rejeita indicações de políticos eleitos tão democraticamente quanto ele próprio, mas não faz outra coisa senão nomear pessoas que simplesmente se classificam “de direita”, mesmo que não tenham nada a ver com os cargos. Boa governança?
O que dizer de Sérgio Camargo, que foi nomeado para a Fundação Palmares, apesar de negar o racismo, atacar a “negrada militante” e reduzir a injustiça e as humilhações contra os negros a um “racismo nutella?” Até o próprio irmão desse senhor, o músico e produtor cultural Oswaldo Camargo Júnior, abriu um abaixo-assinado contra a nomeação. Para Oswaldo, Sérgio é um “capitão do mato”. Um capitão do mato na Fundação Palmares…
Assim como pinçou um negro para desqualificar os movimentos negros, Bolsonaro levou para a abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, a youtuber índia Ysani Kalapalo, que vive entre São Paulo e sua aldeia no Xingu (MT). Isso tem nome: “Lugar de fala”. Brancos não podem atacar os movimentos, mas um negro contra negros e uma índia contra índios faz toda a diferença.
Tratada como troféu, a jovem se diz “80% de direita”, considera as queimadas “um acidente” e ataca os líderes como “índios esquerdistas que fazem baderna em Brasília”. Exultante, Bolsonaro decretou o fim do “monopólio do sr. Raoni”. Referia-se a um ícone, indicado para o Prêmio Nobel da Paz.
Famoso por chamar Fernanda Montenegro de “sórdida e mentirosa”, o diretor de teatro Roberto Alvim foi nomeado secretário de Cultura e não apenas define a política cultural como nomeia direitistas por serem direitistas. Exemplo: Katiane Gouveia, da Cúpula Conservadora das Américas, manda na estratégica área de audiovisual.
No prestigiado ICMBio, o PM Homero de Giorge Cerqueira. Na resistente Funai, o delegado da PF Marcelo Augusto Xavier, com apoio da bancada ruralista – amiga de Bolsonaro, inimiga das comunidades indígenas. Ele substituiu o general Franklimberg Freitas, que é indígena.
O embaixador júnior Ernesto Araújo virou chanceler depois de sabatinado pelo filho do presidente e jurar que é a favor de Deus, da família e de Trump e contra o “globalismo” e a China (que, segundo ele, quer destruir os valores cristãos do Ocidente).
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi escolhido por conhecer pouco o setor, não saber nada de Amazônia e se comprometer a entupir o ministério de militares da reserva, escanteando ambientalistas atuando há décadas em mares, rios, florestas e reservas. Ruralistas e parte do empresariado estão felizes. Não se pode dizer o mesmo de especialistas e da comunidade internacional.
Damares Alves deu um salto de uma obscura assessoria do Congresso para um ministério que reúne Direitos Humanos, família, mulher e sei lá mais o quê. Assim, roda o mundo com visões muito peculiares, não raro estranhas, sobre família, gênero, educação infantil. Todos eles têm a mesma credencial poderosa: são “de direita”.
Na era Lula e PT, “nós contra eles”, “cumpanheirismo”, ideologia e aparelhamento do Estado, que deu no que deu: desmandos, incompetência, corrupção. Saiu o aparelhamento de esquerda, entrou o de direita. A esquerda pela esquerda, a direita pela direita. Pobre Brasil.
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OS FANTASMAS ATACAM DE NOVO

Artigo de Fernando Gabeira
De repente o fantasma do AI-5 volta a assombrar. É como se tivéssemos entrado na máquina do tempo e ela nos levasse, célere, para 13 de dezembro de 1968. Zuenir Ventura escreveu um livro chamado 1968, o Ano que Não Acabou. O título pode ter sido mal interpretado, pois não fala em momento algum que o tempo correria para trás.
Estamos em 2019, que, por sinal, está quase acabando. Muita coisa mudou nestas seis décadas. Hoje, na sombra do AI-5, há outro mais assustador: as demonstrações no Chile. Ele estava embutido nas ameaças de Eduardo Bolsonaro, parcialmente apoiadas pelo general Heleno, e ressurge agora na entrevista de Paulo Guedes. É sempre o mesmo fantasma arrastando correntes nas névoas de uma miopia histórica.
Tanto o governo como Lula partem de um pressuposto equivocado: o de que um movimento como o chileno é provocado por exortações nos palanques ou inibido por ameaças de virar a mesa democrática. Tivemos grandes movimentos populares em 2013 e ninguém falou no AI-5. Mesmo no Chile, o que se vê é o horizonte de um novo acordo social.
O Financial Times disse que os acontecimentos no Chile foram uma ducha de água fria no governo Bolsonaro. Afinal, os mesmos objetivos econômicos fazem parte de sua agenda liberal. E o mesmo Paulo Guedes trabalhou no Chile sob Pinochet e reaparece agora conduzindo o processo no Brasil. Iria um pouco mais longe. Os acontecimentos no Chile abalaram a confiança do governo Bolsonaro e o que vemos desde então não passa de sinais de insegurança sobre os rumos da agenda liberal.
Lula, é verdade expressou no palanque o desejo de ver algo no Brasil como o que aconteceu no Chile. Mas talvez saiba que as exortações têm poder limitado, revoltas desse tipo são fermentadas por múltiplos fatores e não se fazem de cima para baixo.
Surpreendido pela eclosão do movimento em 2013, quando era governo, o PT tenta se antecipar a ele, na oposição. Se acontecer, pode dar a ilusão de que foi o grande personagem.
Não é verdade, entretanto, que Lula tenha exortado a violência, como disse Guedes nos EUA. Ele tem experiência para saber que a violência é um fator que desagrega um movimento, assusta as pessoas que querem demonstrar pacificamente.
Houve focos de violência tanto no Brasil em 2013 como no Chile agora. Eles não conseguiram esvaziar o movimento chileno. Mas o preço foi alto: mais de 200 pessoas cegas inteira ou parcialmente por balas de borracha, a maioria delas manifestantes pacíficos.
Bolsonaro voltou a insistir na chamada exclusão de ilicitude, que na prática é a liberação da porrada. Ainda não conhecemos bem o que virá por aí, como os ingredientes fermentam, que tipo de estopim pode provocar a explosão, quaisquer 20 centavos a mais. Mas uma coisa aprendemos tanto em 2013 como no Chile: é importante superar a crise sem golpear a democracia.
Diriam: Piñera decretou estado de sítio. Mas sua primeira promessa em seguida foi precisamente anular o estado de sítio. Essa trajetória seria suficiente para as pessoas saírem da máquina do tempo, rasgarem seu AI-5 de estimação, caírem em 2019 e trabalharem exclusivamente com saídas democráticas.
Os generais que fizeram o AI-5 tinham um pé na realidade, tanto que o consumaram com êxito. As pessoas que insistem em usar o velho instrumento num mundo transfigurado me intrigam. Ser mais velho tem alguma utilidade. Posso lembrar que não havia internet na época do AI-5. O estado de exceção é uma espécie de estado de espírito que parecem carregar por todos os momentos históricos.
Paul Guedes, entre outros, tem a tarefa de manter o curso da economia mais ou menos protegido dos sobressaltos políticos. Ele fez o contrário, sobressaltou a economia com sua miopia política ao reviver o AI-5 como uma possibilidade.
Lembro-me do AI-5 nas vésperas do Natal, panfletagens na porta de igrejas, sinos, o embrulho dos presentes. Não simpatizo com a terraplanismo, muito menos acho Trump salvador do Ocidente. No entanto, os arautos do AI-5 de certa forma me devolvem a juventude, ter algo obsessivo e prioritário para fazer na vida: derrubar o governo. Não há heroísmo nessa fantasia. Outra utilidade de ser velho é distinguir as épocas: desta vez eles cairiam bem mais rápido e os heróis seriam coletivos.
Algo me impressionou no jogo Flamengo x River Plate: a torcida que empurrou o time brasileiro até o ultimo minuto. Sem ela dificilmente haveria aquele feito histórico. Não creio que haja uma força no Brasil capaz de instalar um estado de exceção e segurar o tranco, nacional e internacional. Mas já que insistem tanto no tema, talvez merecessem paciência; que façam o AI-5 e aguentem as consequências. O problema é que sua aventura seria devastadora para o Brasil.
A democracia permite a defesa de ditaduras tanto à direita quanto à esquerda. Às vezes somos tentados a legislar sobre isso. Mas não creio que isso resolva. O melhor mesmo é uma reação em cadeia cada vez que invocam o fantasma da ditadura.
No meio desse fogo cruzado, o Parlamento, com todos os seus defeitos, faz outra leitura do Chile. Ele não se contenta em levar apenas a agenda liberal, mas se dispõe a combiná-la com iniciativas sociais. Na minha cabeça nem sempre essas agendas estão separadas. Convergem, por exemplo, no saneamento básico, campo em que abertura econômica e aumento do bem-estar caminham ombro a ombro. Como foi a privatização da telefonia.
De qualquer forma, o caminho do Congresso parece ser mais realista, contribui para conter os extremos. Diria um caminho do centro. No entanto, o centro do Brasil, em alguns quesitos, como a corrupção, consegue ser tão ou mais vulnerável que os extremos. Esse é um dos motivos que o afastam da sociedade. Em síntese, não empolga a torcida.
Mas pode, pelo menos, não se acovardar diante de ameaças de AI-5. Lembram-se do que aconteceu com o Congresso, a censura entrando de corpo presente nos jornais? Vale algo mais que simples declarações de praxe.
Artigo publicado no Estadão em 29/11/2019
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NOVO ARRANJO INSTITUCIONAL

Murillo de Aragão, VEJA
A Presidência da República sempre foi, historicamente, o ponto focal da política brasileira. Os demais poderes atua¬vam, salvo momentos de exceção, como coadjuvantes. Uma soma extraordinária de poderes dava ao presidente uma situação hegemônica.
Além de poder editar medidas provisórias, cuja validade como lei é imediata, o presidente controla não apenas mais de 50% do sistema bancário, como também algumas das maiores empresas do país. Ainda pode nomear mais de 25 000 cargos de confiança e, até há pouco tempo, possuía um elevado poder discricionário sobre o Orçamento da União.
Para assegurar tal hegemonia, afora os instrumentos existentes, as relações políticas eram formatadas por meio do conhecido “presidencialismo de coalizão”, com indicações políticas para cargos, distribuição de verbas e acesso à formulação de políticas públicas.
Quando funcionava bem, o presidente conseguia uma maioria para aprovar parte expressiva de sua agenda e ficar protegido de tentativas de desestabilização. Quando não funcionava, terminava em impasses ou em impeachment.
De alguns anos para cá, contudo, o Congresso Nacional foi ganhando terreno e ocupando espaços políticos predominantes. As liberdades de edição de medidas provisórias foram limadas. As emendas parlamentares ao Orçamento da União, que eram instrumento central do toma lá dá cá, passaram a ter sua implementação obrigatória.
Temos um fato novo na política nacional: dois núcleos de poder que transitaram entre o conflito e o consenso em 2019
Mais recentemente, o Orçamento como um todo passará a ter sua implementação mandatória, o que poderá reduzir ainda mais a liberdade do Executivo. O que for aprovado pelo Congresso terá de ser executado. Em tese, sem uma maioria para proteger seus interesses, toda proposta orçamentária poderá ser modificada pelos parlamentares.
Mas a questão — definida por alguns parlamentares como o reencontro do Legislativo com suas prerrogativas — não para por aí. Historicamente, o Poder Executivo tinha o controle e a iniciativa da agenda. Hoje nem tanto.
Neste ano, o governo Bolsonaro assistiu, imóvel, à perda de validade de oito medidas provisórias e à rejeição de uma. É o maior nível de ineficácia de gestão de medidas provisórias verificado desde a criação do instrumento. O Congresso não estará sempre na mesma página da agenda do governo.
A reforma previdenciária aprovada foi a que o Congresso quis, e não a que o Executivo queria. O mesmo se dará com a reforma tributária e a admi¬nis¬tra-tiva. Ambas serão sobretudo expressão do Congresso a respeito do tema.
Temos um fato novo na política nacional: dois núcleos de poder que, no uso de suas prerrogativas, transitaram entre o conflito e o consenso em 2019. É uma nova realidade, que causa certa estranheza. No entanto, o mesmo quadro deve se apresentar em 2020.
Independentemente de como funciona o novo arranjo institucional, o desejo dos brasileiros é que o equilíbrio e o bom-¬senso prevaleçam nos debates que estão por vir. E que ambos os poderes saibam honrar suas responsabilidades com plena consciência de suas competências e limites e, sobretudo, prossigam na agenda de reformas de que o país tanto necessita.
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