O presidente Jair Bolsonaro falou ontem, referindo-se à
administração pública, que tem dificuldades seríssimas em muitas áreas. Nós
sabemos.
Aliás, nesta ocasião, referiu-se ao Tribunal de Contas da
União como se parte de sua mesma equipe; como se não fosse o TCU um órgão de
controle externo, que opera com autonomia. Não se trata de novidade. Já
estendera essa visão privatizadora (para si) do Estado, por exemplo, à Polícia
Federal – que enxerga (ou deseja) como uma instituição subordinada a seu
governo, e não como um organismo de Estado com autonomia funcional. É assim
mesmo. Bolsonaro ainda não entendeu – nunca entenderá – a ideia de República.
Por isso, claro, tem também dificuldades seríssimas em
compreender o papel da imprensa e a impessoalidade republicana. Muitos dos atos
de flagrante inconstitucionalidade perpetrados pelo presidente derivam de seu
inconformismo em não haver sido eleito para imperar, com mandato para moldar o
Estado de acordo com suas vontades, afetos e desafetos.
É comum que governantes não gostem de jornalistas e reclamem
da atividade jornalística. Em Jair Bolsonaro, no entanto, esta hostilidade
escalou. Integra um discurso. Constitui-se mesmo num dos pilares do projeto de
poder autoritário bolsonarista. Como a lógica sectária que fundamenta o
fenômeno personalista do bolsonarismo exige adesão incondicional, toda e
qualquer instituição que exerça algum grau de independência será uma ameaça a
ser emparedada.
O bolsonarismo não aceita – não admite – autonomia que não a
sua.
Isto serve para o Parlamento, para o Supremo; e também para
a imprensa. Que deve ser desqualificada, ter a credibilidade artificialmente
esvaziada, sufocada – para que o governante, líder populista, faça prosperar a
farsa de que o filtro intermediário jornalístico é prescindível, descartável, e
que ele pode falar ao povo diretamente ou por meio dos canais a seu serviço.
Afinal, como sabemos, o presidente – um governante – não mente…
A cruzada personalista de Jair Bolsonaro contra a Folha de
S. Paulo – e usando o aparelho de Estado para tanto – não é contra o jornal;
mas contra o jornalismo e, portanto, contra a liberdade de imprensa. Não se
pode calar diante disto.
Não se pode calar ante um presidente que constrange
empresários com alertas sobre anunciar em certos jornais e emissoras. Isto é
crime de responsabilidade.
Ao cumprir uma promessa de imperador eleito e excluir a
Folha – sem qualquer base técnica, a partir de inaceitável questão pessoal – de
um processo de licitação para fornecimento de acesso digital ao noticiário da
imprensa, o presidente não atentou somente, e gravemente, contra a
impessoalidade republicana, mas turbinou, valendo-se novamente da máquina
estatal, sua campanha autocrática contra a atividade jornalística e, por
consequência, contra o Estado Democrático de Direito.
Não interessa que Jair Bolsonaro se sinta perseguido pela
imprensa; vítima do jornalismo. Ele é o presidente. Fala como presidente. Age
como presidente. Não existe Jair Bolsonaro, o homem e seus desafetos, quando se
expressa via (musculatura da) máquina federal.
Já passou da hora de uma medida cautelar – pedagógica –
sustar esse processo licitatório e colocar o presidente e suas vontades
imperiais no cercadinho dos limites da República.
Estamos ainda ao 11º mês do primeiro ano do governo Bolsonaro.
Nunca, desde a redemocratização, tal volume de ataques à imprensa – por um
governante, o próprio presidente – foi disparado. Difícil supor que não vá
piorar.
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