quinta-feira, 31 de agosto de 2017

A IMPORTÂNCIA DO VOTO

O artigo "Votar" de Rachel de Queiroz foi publicado na revista O Cruzeiro, em 11 de Janeiro de 1947, com o objetivo de alertar os eleitores de então, quanto a importância do voto, continua contemporâneo.
Não sei se vocês têm meditado como devem no funcionamento do complexo maquinismo político que se chama governo democrático, ou governo do povo. Em política a gente se desabitua de tomar as palavras no seu sentido imediato. No entanto, talvez não exista, mais do que esta, expressão nenhuma nas línguas vivas que deva ser tomada no seu sentido mais literal: governo do povo. Porque, numa democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVERNO.
Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de tempo.
Escolhem-se pelo voto aqueles que vão modificar as leis velhas e fazer leis novas - e quão profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e nos pode tirar tudo, até o ar que se respira e a luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.
Escolhemos igualmente pelo voto aqueles que nos vão cobrar impostos e, pior ainda, aqueles que irão estipular a quantidade desses impostos. Vejam como é grave a escolha desses "cobradores". Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos chupar a última gota de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bolso.
E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só aqueles que vão receber, guardar e gerir a fazenda pública, mas também se escolhem aqueles que vão "fabricar" o dinheiro. Esta é uma das missões mais delicadas que os votantes confiam aos seus escolhidos.
Pois, se a função emissora cai em mãos desonestas, é o mesmo que ficar o país entregue a uma quadrilha de falsários. Eles desandam a emitir sem conta nem limite, o dinheiro se multiplica tanto que vira papel sujo, e o que ontem valia mil, hoje não vale mais zero.
Não preciso explicar muito este capítulo, já que nós ainda nadamos em plena inflação e sabemos à custa da nossa fome o que é ter moedeiros falsos no poder.
Escolhem-se nas eleições aqueles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático. E, circunstância mais grave e digna de todo o interesse: dá-se aos representantes do povo que exercem o poder executivo o comando de todas as fôrças armadas: o exército, a marinha, a aviação, as polícias.
E assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um voto para o Sr. Fulaninho que lhes fez um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável, parou o automóvel, lhes deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio - lembrem-se de que não vão proporcionar a esses sujeitos um simples emprego bem remunerado.
Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso, vão fazê-los reis; vão lhes dar soldados para eles comandarem - e soldados são homens cuja principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes que lhe dá o povo. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos, passando-lhes procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fossem.
Entregamos a esses homens tanques, metralhadoras, canhões, granadas, aviões, submarinos, navios de guerra - e a flor da nossa mocidade, a eles presa por um juramento de fidelidade. E tudo isso pode se virar contra nós e nos destruir, como o monstro Frankenstein se virou contra o seu amo e criador.
Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é assunto indiferente, é questão pessoal, e quanto! Escolham com calma, pesem e meçam os candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se estivessem escolhendo uma noiva.
Porque, afinal, a mulher quando é ruim, dá-se uma surra, devolve-se ao pai, pede-se desquite. E o governo, quando é ruim, ele é que nos dá a surra, ele é que nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da boca dos nossos filhos e nos faz apodrecer na cadeia. E quando a gente não se conforma, nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo.
E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto.
Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à fôrça, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno".
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MEMÓRIA MONETÁRIA

Quem tem menos de 20 anos provavelmente nunca pegou uma nota de 100 cruzeiros nas mãos. Nos anos 90, era uma cédula amarelada, com o rosto da poetisa Cecília Meireles estampado. As mães davam aos filhos para comprar cigarrinhos de chocolate Pan na padaria e coisa e tal.
O rol de ilustres que estiveram em notas de dinheiro brasileiras, a propósito, é bem heterogêneo: há escritores, pintores, médicos, biólogos, educadores, presidentes e imperadores (nas fotos e legendas da galeria aqui em cima, a gente conta quem foi cada um deles).
Tivemos, no Brasil, oito alterações de padrão monetário. Em 1942, durante o Estado Novo, o presidente Getúlio Vargas mudou a moeda de réis (usada desde quando o Brasil era colônia de Portugal) para cruzeiro, com o objetivo de uniformizar a grana em circulação. Em seguida, tivemos cruzeiro novo, cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro (mais uma vez), cruzeiro real e, finalmente, real (que não tem famoso algum estampado, blergh!).
Do Vírgula, UOL
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A ALIENISTA

Tente entender alguma coisa do conjunto de frases reproduzido nas linhas que se seguem. Elas foram ditas exatamente como estão no texto abaixo, de uma enfiada só e pela mesma pessoa. Não há nenhum corte, nem mudança de palavras, nem acréscimo. O que se lê é o que foi dito.
Bom, eu estou vendo com, com, é, muita preocupação. Eu acho que o golpe que… um belo dia eles deram o golpe… nós sabemos as razões. E a chamada, é, u, né, o reino da selvageria. A gente tá vendo tudo isso… esse golpe tem desdobramento. Eu acho que um dos desdobramentos desse golpe é u… u… o juiz que vai julgar, de absurdos. Esse processo ele, ele tem também uma pessoa. Eles erraram de pessoa. Tem um erro de pessoa. Porque eles foram mexer com uma pessoa porque não lhes dão, não lhes dá a justiça do Power Point, ele, ele… o inocente.
Sim, a autora dessa oração é ela mesma, Dilma Rousseff, numa espécie de reunião-entrevista em torno do ex-presidente Lula, divulgada há pouco pela internet. A primeira reação é: e daí? Nada disso faz nenhum nexo, é claro, mas que importância pode ter mais esse angu de palavras, ruídos e nenhuma ideia? É só a Dilma falando de novo. Alguma vez foi diferente do que é agora? Não, mas a cada vez que ela aparece com uma performance do tipo transcrito acima, vai dando uma aflição cada vez maior na gente. Basta pensar dois minutos. Durante cinco anos e meio, para não falar no que já vinha de antes, o Brasil viveu a ficção de que era presidido por uma pessoa basicamente normal. Meio atrapalhada, é óbvio, esquisitona, com uns apagões repentinos no caminho que vai dos circuitos cerebrais até a voz. Às vezes parecia engraçada – não seria um número humorístico? Na maioria das vezes, quando falava em estoques de vento ou na conjugação da mandioca com o milho, a reação de quem ouvia era: “Travou. Surtou. Descolou da nave-mãe”. Mas fazia-se de conta, o tempo todo, que estava tudo bem.
Se isso é um comportamento normal por parte de uma presidente da República, então alguma coisa está profundamente errada com quem acha que não é. Dá o que pensar. E se Dilma estiver certa e todos os que não entendem coisa nenhuma do que ela diz estiverem errados? De quem é o desvario? O caso lembra a situação do dr. Simão Bacamarte, o herói de “O Alienista” de Machado de Assis. O bom doutor, como se sabe, acaba por colocar no hospício a população inteira de Itaguaí, por ter chegado à conclusão que todo mundo tinha ficado louco – exceto ele próprio, o único apto a viver solto. Estamos todos loucos e só Dilma está certa? Tudo é possível. Sempre vale a pena lembrar, em todo caso, que no fim da história o dr. Simão acaba aceitando a lógica das coisas e muda de ideia: manda soltar todo mundo, prende a si mesmo e passa a ser o único morador do hospício.
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CADÊ O ASFALTO ?

Do G1, TO
Os moradores reclamam da obra de asfalto que a prefeitura afirma ter concluído no setor Morada do Sol I, na região sul da capital. A reivindicação é antiga e apenas metade da avenida foi asfaltada. Mesmo assim, a Prefeitura de Palmas afirmou que havia terminado o serviço no local.
O asfalto que a prefeitura diz ter concluído só foi feito em um dos lados da avenida. Além disso, parou na metade. “Estou procurando o asfalto, mas não estou vendo não. Só vejo barro. Não falaram que estava asfaltado? Cadê? Não tem nada asfaltado aqui, a não ser que esteja invisível e a gente não está vendo”, disse uma moradora.
“Só estou vendo muita poeira, asfalto aqui passou longe. A situação está crítica, porque dizem que foi feito o asfalto, mas estamos procurando e não conseguimos ver”, disse a moradora Maria de Fátima.
Ao ser procurada novamente, a prefeitura disse que a obra prevista era a duplicação e pavimentação apenas de trecho da avenida Ipanema para atender a rota dos caminhões, que levam resíduos para o aterro sanitário de Palmas. O outro lado, segundo a administração pública, será feito com recursos da Caixa e de outras fontes que estão sendo negociadas com o governo federal.
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quarta-feira, 30 de agosto de 2017

UMA GRANDE FAMÍLIA

Da ISTOÉ
A “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade, cada dia descreve com mais exatidão o que ocorre nos tribunais de contas do País. “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili”. Reproduzindo em versos livres: a ministra do Tribunal de Contas da União (TCU), Ana Arraes, era filha do governador Miguel Arraes (PE), que era avô do governador Eduardo Campos (PE), que era primo do conselheiro do Tribunal de Contas de Pernambuco, João Henrique. E a estrofe continua: Marcos Loreto, que não tinha entrado na história, e é primo de Renata Campos, que era mulher de Eduardo Campos, virou Conselheiro do Tribunal de Contas de Pernambuco.
A nobreza política hereditária tem outros casos exemplares. Um deles é o do Conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte, Paulo Alves. Ele é irmão do senador e ex-governador Garibaldi Alves, sobrinho do ex-governador Aluizio Alves, primo do ex-presidente da Câmara Henrique Alves e do prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves.
Mas os Alves não estão sós no TC do Rio Grande do Norte. O conselheiro Tarcísio Costa, foi indicado pelo irmão e deputado estadual Vivaldo Costa; Renato Dias é irmão do deputado estadual e ex-presidente da Assembleia Álvaro Dias; Poti Cavalcante é ex-deputado estadual e irmão do ex-deputado Alexandre Cavalcanti, assim como tio do atual vice-prefeito de São Gonçalo do Amarante, Poti Neto.
Esses Tribunais oferecem bons salários para seus ocupantes. Os ministros do TCU recebem o mesmo que os ministros do STJ. Estes ganham 95,25% dos salários dos ministros do STF, que é de R$ 33.700,00, o que dá para os conselheiros do TCU a bagatela de R$ 32 mil. Mas é claro que não estão contabilizados aí os escandalosos penduricalhos individuais, como auxílio moradia, gratificação por função, férias de 60 dias, entre outras coisas. Os conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais recebem o mesmo que os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados, que correspondem a 90,25%, dos R$ 33.700,00 dos ministros do STF, ou um total de R$ 30 mil.
Um conjunto de grandes famílias controlam as finanças públicas dos Tribunais da União e dos Estados. A Transparência Brasil fez um levantamento, em 2015, e constatou que entre os 233 conselheiros dos Tribunais de Contas, 73 deles tinham chegado lá pelo parentesco com pesos pesados da política: governadores, senadores, ministros de governo, secretários de estado, ministros de Tribunais Superiores e deputados. Competência à parte, eles chegaram lá pela estratégia do elevado QI (Quem Indica).
Ponto final
A revolta contra essa política de grande família se amplia na opinião pública à medida que ela vai tomando conhecimento desta ação entre amigos. Por isso, surgem vários movimentos para mudar o processo de indicação de conselheiros e ministros de Tribunais de Contas. A palavra de ordem é a da redução dos apadrinhamentos. As associações de classe de procuradores e técnicos de contas atuam para diminuir o número de nomeações feitas pelo Congresso, Assembléias Legislativas e governantes.
No TCU, as vagas do Legislativo cairiam de seis para quatro e o presidente da República não faria mais nenhuma indicação. Hoje faz uma. A maioria passaria a ser de nomeações técnicas.
Nos Tribunais de Contas Estaduais, as Assembleias indicariam três, e não quatro como hoje. Os governadores também perderiam sua vaga.
O porta-voz da mudança é o senador Cássio Cunha Lima (PSDB). Ele é autor da Proposta de Emenda Constitucional que pretende colocar um ponto final nas nomeações de políticos e parentes para os Tribunais de Contas. Por ora, o espeto é de pau na casa do ferreiro Cunha Lima: para o TC da Paraíba, ele nomeou um primo, Arthur Lima, e um tio, Fernando Catão.
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APOSENTADORIA IRREGULAR

Da VEJA
Na manhã de 1 de setembro de 2016, o ex-ministro da Previdência Carlos Gabas e uma secretária pessoal da ex-presidente Dilma Rousseff entraram pela porta dos fundos de uma agência da Previdência na Asa Sul, em Brasília. No dia anterior, o Senado havia formalmente cassado o mandato de Dilma Rousseff. Gabas, já ex-ministro do moribundo governo petista, chamou a atenção dos funcionários da repartição ao surgir na porta e logo se isolar na sala do chefe da agência. O que o ex-ministro da Previdência faria ali? Vasculhando o sistema do INSS, um grupo de servidores logo descobriu algo errado: no intervalo de poucos minutos que o ex-ministro e a secretária de Dilma estiveram na agência, o processo de aposentadoria da ex-presidente foi aberto no sistema e concluído sigilosamente. Graças ao lobby de Gabas e a presença da secretária, que tinha procuração para assinar a papelada em nome da petista, em poucos minutos, Dilma deixou a condição de recém-desempregada para furar a fila de milhares de brasileiros e tornar-se aposentada com o salário máximo de 5 189 reais. Ao tomar conhecimento do caso, o governo abriu uma sindicância para investigar a concessão do benefício.
Nesta sexta-feira, VEJA obteve as conclusões dessa investigação. No momento em que o PT trava uma luta contra a reforma da previdência, os achados da sindicância não poderiam ser mais desabonadores à ex-presidente petista. Segundo a investigação, aposentada pelo INSS desde setembro do ano passado, Dilma Rousseff foi favorecida pela conduta irregular de dois servidores do órgão que manipularam o sistema do INSS para conseguir aprovar seu benefício e ainda usaram influência política para furar a fila de benefícios. Despacho assinado pelo ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, aplica punições ao ex-ministro Carlos Gabas, responsável por Dilma ter furado a fila do INSS, e à servidora Fernanda Doerl, que manipulou irregularmente o sistema do INSS para regularizar o cadastro da petista.
Por ter usado da influência de ex-ministro da Previdência para furar a fila de agendamentos do INSS a fim de acelerar o processo de aposentadoria de Dilma, Carlos Gabas foi suspenso do serviço público por 10 dias. Servidor de carreira do órgão, Gabas está cedido para o gabinete do petista Humberto Costa (PE), líder da minoria no Senado. Com a punição assinada pelo ministro Osmar Terra, ele não poderá trabalhar nesse período e terá o salário descontado em folha. “As apurações demonstraram que as ações do indiciado (Gabas) contribuíram para agilizar a concessão do benefício, assegurando seu deferimento em condições mais favoráveis ou benéficas que o usual”, registra o relatório final da sindicância: “O servidor atuou como intermediário junto à repartição pública, fora das exceções permitidas em lei, em atitude incompatível com a moralidade administrativa”, complementa.
Examinando a papelada apresentada pela ex-presidente Dilma Rousseff ao INSS e os procedimentos adotados pela servidora no sistema do órgão, os integrantes da sindicância concluíram que Fernanda Doerl considerou, para efeitos de cálculo de tempo de serviço de Dilma, informações que a ex-presidente não comprovava com documentos. Como todo brasileiro que procura o balcão dos mortais no INSS costuma aprender de maneira dolorosa, não ter documentos é uma falha que inviabiliza a concessão de aposentadoria. Para Dilma, no entanto, isso não foi um problema. O cadastro de Dilma foi aprovado em um dia mesmo sem contar com todos os papeis necessários. “A não observância à norma legal e regulamentar nos autos presentes, foi materializada na medida em que se deixou de exigir documentação necessária para a alteração cadastral da segurada Dilma Vana Rousseff”, diz a sindicância. Para se ter uma ideia do favorecimento que Dilma teve, dados do INSS mostram que os brasileiros que estão com toda a documentação regular esperam pelo menos 90 dias — entre apresentação e a concessão — para obter o benefício. Números atualizados nesta semana mostram que pelo menos 400 000 brasileiros estão com processos de aposentadoria represados no INSS nessa situação.
Segundo o regulamento do INSS, ao verificar que a papelada de Dilma Rousseff estava irregular, a servidora do INSS deveria ter se recusado a proceder com o benefício. Aos constatar as falhas, Fernanda Doerl, que levou a pena de advertência por não ter atuado com “zelo”, “dedicação” e sem “observar as normas legais” no episódio, tinha a obrigação, diz a sindicância, de “alertar (Dilma) acerca das impropriedades e que o seguimento do pleito só se daria a partir da apresentação, por completo, de todo o contexto documental exigido e necessário”.
Ironicamente, apesar de apontar irregularidades e reconhecer condutas impróprias no caso dos servidores, a sindicância justifica as penas brandas aplicadas alegando que não verificou “intenção clara” dos investigados em beneficiar Dilma Rousseff. Já sobre a própria ex-presidente a sindicância limita-se a cobrar a devolução de 6 188 reais, referentes a um mês de salário que teria sido pago irregularmente pelo INSS. Apesar da concessão irregular de aposentadoria por falta de documentos, a sindicância constatou que o valor do benefício da petista é compatível com o determinado. Dilma Rousseff está recorrendo para não ter que devolver o dinheiro.
Para justificar a aplicação de advertência a Fernanda Daerl, os integrantes da sindicância registram que a servidora, embora tenha atuado de maneira displicente, não agiu de má-fé. “Foram demonstrados o descumprimento das normas regulamentares e a falta de zelo da servidora. Por outro lado, não há qualquer indício de que tenha havido má-fé da servidora. Não houve qualquer contato indevido entre a indiciada e a segurada (Dilma) ou qualquer preposto seu”, registra o relatório. Já Gabas, teve a punição atenuada por ter “bom comportamento e bons antecedentes” enquanto servidor.
Ao prestar depoimento na sindicância, Gabas negou que tivesse favorecido Dilma Rousseff ao cuidar pessoalmente do processo na agência da Previdência em Brasília. Gabas alegou aos investigadores que “o atendimento diferenciado de pessoas públicas era comum e tinha o objetivo de assegurar a integridade física e moral dos demais segurados”. Já Fernanda Daerl sustentou durante todo o processo que agiu de acordo com a lei e que se guiou por normas do INSS para aprovar os dados cadastrais de Dilma.
Por meio de sua assessoria, a ex-presidente Dilma Rousseff divulgou nota sobre a investigação. Dilma se diz vítima de perseguição por parte do governo do presidente Michel Temer e ataca VEJA por divulgar os resultados de uma sindicância oficial. A ex-presidente não explica, porém, como conseguiu obter a aposentadoria, em questão de minutos, sem sequer ter realizado o agendamento formal de seu processo no INSS, uma obrigação imposta a todos os brasileiros. Atualmente, cerca de 400 000 pessoas estão na fila do INSS há mais de 90 dias aguardando o desfecho do processo de aposentadoria.
Veja a íntegra da nota da ex-presidente Dilma Rousseff:
NOTA À IMPRENSA
Sobre a matéria de “Veja”
A propósito da matéria “Investigação confirma aposentadoria irregular de Dilma”, veiculada por Veja a partir de sexta-feira, 18, a Assessoria de Imprensa de Dilma Rousseff esclarece:
Veja volta a executar o velho Jornalismo de Guerra ao dar ares de escândalo à aposentadoria da presidenta eleita Dilma Rousseff. O escândalo está na perseguição que a revista promove e não na aposentadoria em si.
Depois de 36 anos, 10 meses e 21 dias de serviços prestados – comprovados documentalmente – aos 68 anos de idade, Dilma Rousseff se aposentou com vencimentos pouco acima de R$ 5 mil — o teto do INSS. Ela nada recebe como ex-presidenta da República ou anistiada política. O benefício segue os rigores da lei. Tampouco se valeu de subterfúgios para o recebimento de valores indevidos ou excessivos, como ocorre com Michel Temer e ministros do governo golpista.
Afastada da Presidência pelo golpe construído a partir do impeachment fraudulento, Dilma Rousseff recebeu em agosto de 2016 seu primeiro benefício como aposentada.
Inicialmente, o governo golpista se recusara a reconhecer o tempo de serviço dela, com base nos efeitos da anistia. É que, além de ter sido encarcerada pela ditadura no início de 1970, Dilma Rousseff foi obrigada, a partir de 1977, a se afastar de seu trabalho, na Fundação de Economia e Estatística, por integrar a chamada lista do General Frota. Só no final dos anos 1980, foi anistiada.
Por isso, Dilma Rousseff pleiteou para a sua aposentadoria o reconhecimento pelo INSS do período de anistia de aproximadamente dez anos. O governo golpista negou-lhe os efeitos da anistia com o evidente objetivo de prejudicá-la. Alegou que tentava fraudar a previdência, procurando se aposentar antes da hora. A ação foi frustrada porque Dilma Rousseff havia trabalhado por todo esse período e podia facilmente comprová-lo. Como o fez.
Na sequência, o INSS apontou que uma anotação equivocada por parte de uma funcionária — sem interferência da presidenta eleita —, ensejou a concessão do benefício em agosto e não em setembro, como seria o correto. A própria autarquia avaliou, no entanto, que não houve má-fé por parte da servidora.
A defesa da presidenta eleita — a cargo dos advogados Bruno Espiñera Lemos e Victor Minervino Quintiere — deixou claro que não era possível exigir de Dilma Rousseff que soubesse tratar-se de equívoco por parte do sistema do INSS. Isso porque o procedimento passou pelos devidos trâmites regimentais.
Dilma Rousseff está recorrendo da devolução. A jurisprudência dos tribunais superiores considera incabível a cobrança pelo erário dos valores recebidos de boa-fé. Ela vê na atitude do governo golpista uma clara tentativa de prejudicar funcionários de carreira criando uma “falsa denúncia” para punição abusiva.
A sindicância mencionada por Veja reforça a tese da defesa da ex-presidente de que não houve “intenção clara dos investigados em beneficiar Dilma Rousseff”.
Veja dá cores de denúncia ao que é sanha de um governo usurpador, tomado pelo objetivo de perseguição política e de diversionismo dos escândalos de corrupção do grupo no poder. Devia era explicar as aposentadorias precoces do presidente ilegítimo e de seus associados.
A revista também não cumpre a exigência fundamental do jornalismo isento, ao deixar de procurar a defesa da ex-presidente ou sua assessoria de imprensa. Não há desculpas ou explicações que justifiquem a parcialidade e o proselitismo político da revista.
Esse é o retrato dos nossos tempos, em que a democracia se mantém sufocada pelos interesses inconfessáveis de uma elite insensível ao bem-estar da população e ao respeito dos direitos democráticos, como a liberdade de imprensa.
Assessoria de Imprensa
Dilma Rousseff
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terça-feira, 29 de agosto de 2017

BOLETIM MÉDICO

O agravamento da diabetes levou o ex-governador do DF Joaquim Roriz, 81 anos, a ter dois dedos do pé amputados. O procedimento cirúrgico ocorreu no Hospital do Coração do Brasil, na Asa Sul, no último sábado (26/8). O político ficou internado durante a semana passada. Roriz passa bem, segundo a assessoria de comunicação de sua filha caçula, a deputada distrital Liliane Roriz (PTB). A equipe médica que acompanha o político optou pela amputação dos dedos para evitar o comprometimento da circulação, o que poderia levar a necrose dos membros.
Em setembro passado, o político passou por um procedimento para melhorar circulação com o aumento da quantidade de oxigênio transportado pelo sangue. O quadro clínico chegou a melhorar com a implantação de um stent, para desobstruir as artérias.
Doente renal crônico há mais de uma década, Roriz tem que se submeter a sessões diárias de hemodiálise para filtrar o sangue. Em 2015, Roriz passou mal em casa. Os médicos diagnosticaram uma isquemia cardíaca, o que levou à necessidade de um cateterismo. Além disso, cinco anos atrás teve de implantar três pontes de safena.
Roriz tem dificuldade para caminhar. Em distâncias maiores, precisa usar cadeira de rodas. Aos 81 anos, o ex-governador mantém uma vida reclusa desde as eleições de 2010, quando teve de sair do páreo e colocar a mulher, Weslian, em seu lugar, por causa da Lei da Ficha Limpa. A ex-primeira-dama ainda conseguiu levar a disputa para o segundo turno, mas acabou derrotada por Agnelo Queiroz (PT).
Joaquim Roriz não participa de eventos públicos desde 2015, quando recebeu o título de Cidadão Honorário de Brasília. Nos últimos dois anos, passou por pelo menos três internações de longo período. O político goiano governou o DF por 14 anos, foi vereador de Luziânia, deputado estadual por Goiás e ministro da  Agricultura e Reforma Agrária em 1990, no governo do ex-presidente Fernando Collor de Melo.
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segunda-feira, 28 de agosto de 2017

CONTA RECUPERADA

Do G1
O vídeo de "K.O." voltou para o canal de Pabllo Vittar no YouTube após invasores terem excluído o videoclipe e feito outras modificações nesta segunda-feira (28). O clipe tem mais de 130 milhões de visualizações.
Após a invasão do canal, uma foto do deputado Jair Bolsonaro (PSC-SP) sem camisa foi colocada no lugar da imagem de exibição do perfil. A imagem permanecia lá até a publicação deste texto.
Após a ação dos invasores, a cantora publicou uma mensagem em sua conta no Twitter: "Me aceita!". Apesar de não fazer menção à ação dos hackers, ela incluiu no post o clipe de "K.O.".
Em nota, a assessoria da cantora informou que está tomando "providências legais e técnicas para regularização" do canal no YouTube.
Além do canal no YouTube, a conta de Pabllo no Gmail vinculada à plataforma de vídeos também foi invandida por hackers, de acordo com a assessoria.
O canal da cantora drag queen foi alterado entre domingo (27) e esta segunda-feira (28).
Além da exclusão do videoclipe de sucesso, os invasores incluíram três outros vídeos. “Meu Caterpie” e “O Cancro (feat. Inês & Bolsonaro)” já contavam com mais de 65 mil visualizações.
“Mansão Loli (Feat Alok & Ivete Sangalo)” mostra imagens da música “Open Bar”, de Vittar, mas teve o áudio modificado. A letra da canção substituta foi incluída na página. Há estrofes ofensivas e que fazem referência a pedofilia, como esta: "Pergunta pra ela que ela responde sem caô: / Prefere um de 12 anininhos / Ou um pedofag com ficha de abusador".
A descrição dos vídeos “Meu Caterpie”, que faz refereência a um Pokémon, e “O Cancro”, diz que a página foi hackeada pelo grupo @Sh4dowNetwork.
Em seu perfil no Twitter, no entanto, o Sh4dowNetwork afirmou nesta segunda não ter relação com a invasão: “Não tenho nenhum envolvimento com o canal do Pabllo Vittar ‘ownado’. Fizeram e botaram meu nome apenas”. E continuou: “Amanhã nois caça quem foi que fez essa porra e botou no meu nome (sic)”.
Momento depois, o perfil publicou dados de conexão de alguém que seria o suposto autor da invasão.
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CANAL HACKEADO

O canal no YouTube da drag queen Pabllo Vittar foi invadido na manhã desta segunda-feira (28/8) por hackers que se identificam como Sh4dowNetwork. A foto de perfil da cantora foi substituído por uma do deputado federal Jair Bolsonaro (PP) sem camisa, segurando um peixe, e o vídeo da música K.O., que já passava dos 100 milhões de visualizações, foi excluído. Além disso, dois vídeos intitulados Meu catierpe e O cancro (feat. Inês Brasil e Bolsonaro) foram publicados e posteriormente removidos.
Nas redes sociais, fãs se mobilizaram para prestar apoio a Pabllo e levantaram a hashatg #TodosComPablloVittar, que figurou como o assunto mais comentado do Brasil e do mundo no Twitter. As demais redes sociais da cantora maranhense, nas quais acumula milhões de seguidores, permaneceram sem novas publicações desde o último domingo (27).
Phabullo Rodrigues da Silva, de 22 anos, superou RuPaul Charles e se tornou a drag queen mais famosa do mundo. Ela se tornou conhecida no Brasil após a repercussão da música Todo dia, em parceria com Rico Dalasam. Depois, o single K.O. perpetuou o sucesso do álbum Vai passar mal. Recentemente, a cantora alcançou projeção internacional ao estrelar, ao lado de Anitta, o clipe da faixa Sua cara, de Major Lazer, gravado no Marrocos.
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UM POLÍTICO AMORAL

Há 20 anos, o humorista Chico Anysio apresentava, com seu personagem Justo Veríssimo, a caricatura de um político amoral, sem qualquer pudor, corrupto e com total desprezo pelo povo. Ele mesmo dizia: "Quero que se exploda!"
Hoje, ao revermos os quadros, é inevitável não vir à mente uma reflexão... "Pensávamos que era brincadeira..."
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domingo, 27 de agosto de 2017

GOVERNADOR TAMPÃO

Do G1, AM
Amazonino Mendes, do PDT, foi eleito o novo governador do Amazonas neste domingo (27). Ele venceu Eduardo Braga (PMDB) no segundo turno, em eleição convocada após a cassação de José Melo (PROS). É a quarta vez que ele ocupará o cargo no estado.
A apuração começou a ser divulgada às 18h (horário local) e, às 18h32, Amazonino estava "matematicamente eleito", sem poder mais ser alcançado por Braga, com 91,41% dos votos apurados. Com 100% das urnas apuradas, Amazonino obteve 782.933 (59,21% ) votos, contra 539.318 (40,79% ) de Braga.
Logo após ser anunciado o vencedor, Amazonino disse à Rede Amazônica: "Nossa preocupação é uma só: arrumar o que está desarrumado, dando valor ao mérito e não aos costumes políticos. Nós vamos reconstruir o Estado do Amazonas. Isso começa logo, mesmo antes de assumir". Na coletiva pós-vitória, afirmou que, "se venceu uma eleição não esperada, entende que essa oportunidade é para fazer uma enorme reflexão". "Importante é o mérito, é o Amazonas, é o seu povo, é sua gente. É esta a nossa bandeira. Nossa bandeira não é grupo político."
O político retorna ao poder após cinco anos longe da vida pública - seu último cargo havia sido o de prefeito de Manaus (2009-2012). Ele não tentou a reeleição ao fim do mandato. Amazonino já ocupou outras três vezes o cargo de governador (foi eleito em 1986 e em 1994, sendo reeleito em 1998). Também foi prefeito de Manaus em outras três oportunidades, além de ter conquistado o mandato de senador da República.
O vice dele é Bosco Saraiva (PSDB), deputado estadual. Sua coligação é formada pelos partidos PDT, DEM, PV, PSDB, PSD, PRB e PSC. No primeiro turno, Amazonino teve 38,77% dos votos válidos. Ele irá ficar no cargo pelo período tampão, até o fim de 2018, já que José Melo, eleito em 2014, foi cassado por compra de votos.
De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas, a diplomação do novo governador e vice vai ocorrer no dia 2 de outubro.
Perfil
Amazonino Armando Mendes, de 77 anos, nasceu em Eirunepé, no interior do estado. Em 1983, chegou pela primeira vez à Prefeitura de Manaus. Em 1986, após o término do seu mandato de prefeito, foi eleito pela primeira vez governador do Amazonas. Em 1990, o político chegou ao Senado. Dois anos após ser eleito senador, Amazonino retornou à Prefeitura de Manaus. Desta vez, o mandato do político durou somente dois anos. Isso porque, em 1994, ele deixou o cargo para assumir, pela segunda vez, a função de governador do estado. Ele ficou no cargo por oito anos, pois foi reeleito em 1998.
Em 2004, tentou candidatura à Prefeitura de Manaus, mas foi derrotado por Serafim Corrêa (PSB). Em 2006, amargou outra derrota, desta vez para o governo do Estado. Foi vencido por Eduardo Braga (PMDB), novamente seu adversário agora, ainda no primeiro turno. Em 2008, Amazonino voltou a se candidatar à Prefeitura, sendo eleito no 2º turno. Após o fim do mandato, não tentou a reeleição e chegou a descartar novas candidaturas políticas.
Campanha
A campanha foi marcada por trocas de acusações de ambos os lados. Com o início do segundo turno, os candidatos tiveram duas semanas para convencer o eleitorado de suas propostas e intenções. A propaganda eleitoral gratuita para o 2º turno teve início no dia 12 e se estendeu até a sexta-feira (25).
Em programas de TV e rádio, Braga afirmou que Amazonino deixou obras inacabadas enquanto prefeito, de 2009 a 2012, e que o candidato não tinha propostas para combater o índice de violência no estado. Amazonino, por sua vez, revidou, apresentando um programa eleitoral dedicado ao assunto.
Amazonino afirmou sofrer ataques infundados de Eduardo Braga. Ele, inclusive, deixou de comparecer ao debate da emissora Rede Amazônica, na sexta-feira (25). Em nota divulgada horas antes do início do programa, advogados do governador eleito comunicaram a ausência dele. “Com um adversário desleal, que faz o jogo sujo da velha política, um debate sincero, honesto e propositivo não é possível."
No segundo turno, Amazonino seguiu com os mesmos apoiadores de campanha: Omar Aziz, Pauderney, Silas Câmara e Artur Neto, atual prefeito de Manaus.
Propostas
Entre as principais propostas de campanha, Amazonino Mendes destacou que pretende reordenar o orçamento e a aplicação de recursos com foco em três áreas:
Educação: ele disse que a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) voltará a ter recursos e atuará por meio de parcerias para ofertar cursos de qualificação para suprir a demanda do Polo Industrial
Saúde: ele disse que irá garantit o funcionamento pleno de toda a rede hospitalar
Segurança: ele disse que fará uma parceria com as Forças Armadas e a Polícia Federal e trocará informações estratégicas com os outros estados para aumentar a segurança, a prevenção e repressão a crimes
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NOTAS SOBRE A DECADÊNCIA

Artigo de Fernando Gabeira
A crise brasileira é tão brava que, às vezes, nos esquecemos de que existe uma outra mais ampla nos envolvendo: a decadência dos valores ocidentais. Alguns escritores franceses teorizam sobre a decadência da civilização judaico-cristã e chegam a prever a futura dominação muçulmana. Michel Onfray acha que os muçulmanos tendem a predominar, entre outras coisas, porque estão dispostos a morrer por sua crença.
Não tenho a mesma certeza da força da fé, sobretudo no universo político. Sem conhecimentos tecnológico e científico, tática e estratégia adequadas, a disposição de morrer por uma causa pode representar um autoextermínio em grande escala.
O que me atrai nisso tudo é estabelecer um nexo entre a crise ocidental e a brasileira; a mesma realidade, só que em dimensões diferentes.
No final do século, a European Science Foundation realizou uma ampla pesquisa e publicou cinco livros sobre ela. Um deles tem o título “O impacto dos valores”. A tese dos sociólogos e pesquisadores envolvidos no trabalho era que estava havendo uma mudança de valores. Esta mudança não era compreendida pelos governos que insistiam apenas em falar de melhorias materiais e mais riquezas, quando despontavam aspirações novas: desejos não materiais e emancipatórios. Isso acontece no Brasil em alguma escala, quando se defende qualidade de vida ou se constata o crescimento da espiritualidade.
Mas a crise ocidental, pelo menos no meu estudo ainda precário, acabou sendo atropelada, no Brasil, pelo colapso material e pela vulgaridade com que os valores são negados. A crise de valores no Ocidente refere–se à ausência de um sentido numa vida confortável e relativamente bem administrada.
No Brasil vivem-se a escassez e a roubalheira, o que nos dá a impressão de estarmos em outro compartimento; e só alcançaremos as angústias ocidentais quando sairmos do singular sufoco.
No Brasil, deputados se articulam para criar um esquema de sobrevivência eleitoral que inclui um fundo milionário. Juízes como Gilmar Mendes desandam a soltar corruptos, apesar de seus visíveis laços de amizade com eles. Basta ver um pouco de televisão para observar como o caos se espalhou: assaltam até velhos em cadeira de rodas.
Discordo quando se fala em ausência total de valores no Ocidente e insinua-se a possibilidade de uma supremacia muçulmana. Quando acontecem atentados terroristas, governos e sociedade são unânimes em defender um valor essencial: a liberdade. Para ser mais preciso, as vítimas do terrorismo morreram porque vivem num mundo em que a democracia e a liberdade prevalecem.
Essa ideia de morrer por uma causa, que Onfray destaca nos muçulmanos, é romântica e já a adotei na juventude. Mas é inferior à ideia de viver humildemente por uma causa. Valores não materiais e emancipatórios combinam com a democracia e podem significar um avanço na sua inacabada trajetória. É uma aposta no futuro.
Por enquanto, no Brasil, vivemos ainda o que pode ser chamado de fase selvagem da decadência. A lei não vale para todos. Políticos nos assaltam de cara limpa. A elite nacional se recusa, por preconceito, a examinar o grave problema da violência urbana.
Os valores cambiantes na Europa já se anunciavam nos anos 60 e alguns acabaram se materializando na diversidade de lutas e no politicamente correto. Tudo isso tem um impacto bem grande no Novo Mundo. Nos Estados Unidos, a vitória de Trump representou uma espécie de antídoto ao politicamente correto. No Brasil, Bolsonaro encarna esta corrente conservadora, assustada com as ameaças voluntaristas à estabilidade da família.
Na verdade, a família hoje já está bem distante do modelo que os conservadores têm na cabeça. Mas ela existe e não pode ser ignorada, como querem alguns, impondo cartilhas de cima para baixo, avançando, sem diálogos num campo da educação que era exclusivo dela.
Creio que levarei muito tempo ainda para estabelecer todas as conexões entre a crise singular do Brasil e a crise envolvente dos valores ocidentais. O grande problema das duas, tanto aqui como lá, é que tornam atraentes as soluções autoritárias. Soluções externas, como o avanço muçulmano, ou de dentro, sofisticados sistemas de dominação tecnológica.
Um jovem executivo do Facebook já abandonou o trabalho e foi para um bunker se defender de um apocalipse que ele supõe ser o destino do avanço do mundo digital.
O fato de termos problemas anteriores a toda essa agitação crepuscular nos dá um fôlego para vivermos como no Velho Oeste, desejando que os xerifes expulsem os bandidos em todas as esferas em que atuam.
Mas será preciso fazer um esforço adicional para compreender o Brasil dentro do Ocidente. Sair da decadência galopante para a decadência elegante é uma rima, mas, como dizia o poeta Drummond, não é uma solução.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 27/08/2017
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DE VOLTA ÀS URNAS

Os 2.338.037 eleitores do Amazonas retornam às urnas neste domingo (27) para eleger, em segundo turno, os novos governador e vice-governador do estado. Os eleitores digitarão seus votos em 6.668 urnas eletrônicas, distribuídas em seções eleitorais em 1.508 locais de votação. Do total de eleitores, 1.533.848 cidadãos serão identificados por meio da impressão digital, uma vez que já fizeram o cadastramento biométrico.
A apuração dos resultados da eleição para governador do Amazonas no dia 6 de agosto revelou que nenhum dos candidatos alcançou mais de 50% dos votos válidos, o que levou a disputa para o segundo turno entre os dois mais votados. No caso, Amazonino Mendes (PDT), que conseguiu 577.397 votos (38,77% do total), e Eduardo Braga (PMDB), que obteve 377.680 votos (25,36% do total).
Uma nova eleição para governador do Amazonas foi necessária porque o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou, no dia 4 de maio, os mandatos do governador do Amazonas, José Melo (Pros), e de seu vice, José Henrique de Oliveira (SD), por compra de votos na eleição de 2014. Na ocasião, a Corte Eleitoral determinou ao Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) que realizasse nova eleição direta para os cargos.
* Assessoria de Comunicação do Tribunal Superior Eleitoral
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O POLÊMICO TASSO

Da ISTOÉ
O “galeguinho dos olhos azuis”, apelido do presidente nacional do PSDB e senador Tasso Jereissati (CE), sacudiu seu partido. Colocou no ar uma inserção de 30 segundos, onde pela primeira vez em sua história, os tucanos admitiram que cometeram erros. O partido vive, desde então, um vendaval interno. No início da semana, os aecistas estavam enfurecidos. Para eles, o programa tinha sido uma estocada desnecessária no senador Aécio Neves (MG), que foi afastado da presidência do partido, desde que mergulhou na Lava Jato. “O PSDB acertou quando criou o plano Real, mas agora errou”, diz o partido na abertura da inserção.”O PSDB errou e tem que fazer uma autocrítica”, explicou a locutora. Os governistas da legenda também envergaram a pluma. Não à toa. Um dos trechos do programa dizia que o governo Temer adotava um sistema “presidencialista de cooptação”. Ou seja, dando a entender que os tucanos que apóiam o governo o fazem por interesses não republicanos. Foi o estopim para a crise.
A ala dos insatisfeitos elevou o tom e pediu a saída imediata de Tasso da presidência do PSDB. Fiel a Aécio Neves, o deputado Marcus Pestana (MG) foi o primeiro a disparar contra o senador cearense. “Nós fizemos uma auto flagelação em 30 segundos na TV. Há entre nós os que avaliam que tudo faliu. Estão convencidos que o PSDB acabou”. O ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (SP), chegou a dizer que Lula e o PT deviam estar “soltando gargalhadas”. O publicitário Einhart Jácome da Paz, que produziu o conteúdo do programa tendo como base pesquisas de opinião, preferiu refugiar-se no silêncio. Pediu à sua equipe para fazer o mesmo, apesar do resultado altamente positivo verificado nas pesquisas qualitativas. Nelas, pequenos grupos, reagem na hora exata da exibição do programa. Um deles, lacônico, apenas comentou: “É muito difícil que as pessoas não concordem quando um partido diz que errou”. Na queda-de-braço, ao fim e ao cabo, prevaleceu a força dos tucanos de São Paulo, governador Geraldo Alckmin à frente, interessados na permanência do senador cearense no comando da legenda.
Na quinta-feira 24, após reunião com o próprio Tasso, Aécio abaixou as armas. “As divergências foram superadas e nós continuaremos na nossa trilha de construir um projeto para o País, e isso pressupõe um PSDB unido. E a unidade se dará em torno da interinidade do senador Tasso até o mês de dezembro, onde, aí sim, o PSDB elegerá uma nova direção representando todos os segmentos do partido”, afirmou.
Entre mortos e feridos, nem todos se salvaram. Os próprios paulistas que defenderam a manutenção de Tasso na presidência não gostaram da reação de alguns, como o senador Ricardo Ferraço, que chamou os tucanos de linha auxiliar do governo Temer. “Ele acaba de entrar no partido. Era do PMDB. É um desrespeito”, teria dito o ex-senador José Aníbal numa roda de parlamentares.
Presidencialismo de cooptação
Tasso quer tirar o pó das roupas do PSDB antes de enfrentar as eleições presidenciais do ano que vem. Como resume um senador tucano: “Todos achamos que é preciso descolar o partido de práticas combatidas pela sociedade, como a corrupção”. Os tucanos pretendem conquistar parcela dos movimentos que apostam na antipolítica. A ideia é alinhar ao seu candidato ao Palácio do Planalto organizações como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua, que lideraram a luta pelo impeachment, tomando a Avenida Paulista com mais de um milhão de pessoas. Um serrista chegou a dizer: “Quando o presente é inconciliável, temos que fugir para o futuro”.
Mas nem tudo são flores. Fazer autocrítica não resolve a crise política enfrentada pelo País. Nem defender o parlamentarismo, como o programa liderado por Tasso fez, com a supervisão de caciques partidários, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que deu sustentação ideológica para a elaboração do programa. Os críticos de Tasso dizem que o partido não falou como irá enfrentar o drama dos 14 milhões de desempregados, entre outras coisas. Acham que o programa deveria ter dito que a crise do desemprego foi fomentada pelos governos petistas. Para os tucanos de mais peso hoje, o grande desafio é escolher um candidato a presidente da República, com reais perspectivas de vitória. E esse anúncio pode sair em dezembro, quando o PSDB faz sua convenção nacional. Até lá, deve permanecer o cabo de guerra entre os dois lados, com Tasso Jereissati na corda bamba.
“Não existem donos de partido”
O senhor esperava tanta repercussão quando criticou o “presidencialismo de cooptação”?
Esperava porque eu sabia que as pessoas iriam se surpreender com o programa em que o partido reconhece erros e procura fazer uma autocrítica. As pessoas não estão acostumadas com isso e, evidentemente, iriam se chocar.
O PSDB está dividido?
O PSDB não está dividido. Questões de divergências pontuais acontecem em todos os partidos, principalmente num partido como o nosso, que sempre foi democrático. Não existem donos de partido ou donos da verdade.
O senhor cogita sair da presidência?
Não existe essa cogitação. Nós vamos cumprir todo o programa que nos dispusemos a montar. Um deles é o cronograma de renovação das executivas estaduais, regionais e nacional até dezembro.
Como o senhor tem recebido as críticas à sua gestão?
Faz parte do jogo democrático da política
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RENOVAÇÃO PARTIDÁRIA ?

Da ISTOÉ
O efeito generalizado da Lava Jato, em que os políticos passaram por intenso descrédito, está provocando um salve-se quem puder nos partidos. A maioria pretende se apresentar com ares de renovação para a opinião pública. Mudam de nome. Mudam de sigla. Lançam nomes novos para substituir velhos caudilhos. Prometem modernizar e reciclar suas propostas. Outros, como o PT, em que os dirigentes foram abatidos por graves denúncias de corrupção, ameaçam voltar ao passado e adotar discursos radicais que os tornaram palatáveis aos descamisados há 30 anos. A maquiagem varia de sigla para sigla, mas só será possível avaliar quais terão sucesso nessa estratégia após a abertura das urnas em 2018. Agremiações tradicionais cogitam sucumbir a uma tendência à moda dos anos 60 de abolir a palavra “Partido”. O nome virou palavrão no Brasil e está associado a atos ilegais e à prática de corrupção. O PMDB quer voltar a ser MDB. Embora isso não tenha resolvido no caso do PFL, que virou DEM, e de militantes do PV que se abraçaram a Marina Silva e teceram a Rede.
O PT está de volta ao passado, ressuscitando o radicalismo de seu líder Lula. Importantes lideranças do partido, como o ex-ministro Tarso Genro, falam em “refundar” a legenda, reconhecer os erros e pedir desculpas à sociedade, mas Lula impede qualquer processo de depuração. Além de não admitir erros, o ex-presidente promete radicalizar ainda mais o discurso caso volte a assumir a presidência, controlando os veículos de comunicação e mandando “prender” juízes e procuradores que o processaram por corrupção. Uma volta ao passado do PT sindicalista, que desejava incendiar fábricas, como se isso melhorasse a vida dos metalúrgicos. Há muito tempo ele abandonou o “Lula paz e amor” que o elegeu presidente por dois mandatos.
Roupa nova
A troca de camisas promete ser uma rotina. O senador Álvaro Dias que já tinha saído do PSDB, agora abandonou o PV. Mudou-se para o Podemos, que até recentemente se chamava Partido Trabalhista Nacional (PTN), e quer concorrer à Presidência da República em 2018 por essa nova agremiação.
De olho na janela aberta pela insatisfação, o DEM, partido do presidente da Câmara Rodrigo Maia (RJ), está com projeto de cooptar deputados que são apresentados como de esquerda, para dar um novo ar a um partido que já foi considerado mais à direita. Seus quadros estão de olho em políticos do PSB que preparam a debandada geral. O PFL, que era comandado pelo senador Antonio Carlos Magalhães (ACM), já falecido, foi a primeira legenda a retirar a palavra “partido” de sua sigla, mas isso não resolveu. Sua bancada na Câmara caiu de 105 em 1998 para 65 em 2006. Para evitar o pior, em 2007 virou DEM, mas continua ladeira abaixo. Elegeu 43 em 2010 e 21 em 2014. Nem sempre colocar uma roupa nova significa renovar o partido.
Tudo se copia
A corrida ao cartório eleitoral para a mudança de nome é incorporada por outras siglas. Um dos partidos mais atingidos na Lava Jato, o PP, deve se dirigir à Justiça Eleitoral para alterar sua nomenclatura. Herdeiro da Arena, que sustentou a ditadura militar, está cogitando passar a se chamar Progressistas. O nanico PEN, do qual poucos ouviram falar, vai alterar seu nome para Patriotas. E, depois, vai entrar no mercado político para oferecer a legenda para o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSC).
O lendário apresentador Chacrinha dizia na TV que no Brasil nada se cria, tudo se copia. Pode ser exagero, mas há partidos que buscaram inspiração lá fora. É o caso do PTN, que hoje é o Podemos. O nome foi clonado do homônimo partido da Espanha. Alguns anos antes do Podemos, o sindicalista Paulo Pereira da Silva (Paulinho) foi buscar inspiração lá fora para criar o seu Solidariedade. Quem não lembra do movimento “Solidarnos”, fundado pelo futuro presidente da Polônia, Lech Valessa, para contestar o governo do Partido Comunista na década de 80? Algumas mudanças já correm o risco de naufragar, antes mesmo de serem testadas nas urnas. É o caso do Avante, nome adotado pelo PTdoB. Com a prisão do ex-petista Cândido Vaccarezza, o partido caiu na vala comum soterrado pela Lava Jato.
Para o doutor em ciência política da Universidade de Brasília Leonardo Barreto “estão tentando só escapar do peso que a Lava-Jato impôs sobre eles. E mudam onde é mais fácil, já que mudar de hábitos é mais difícil”.
O professor da Universidade de Salamanca (Espanha), Carlos Manhanelli, é ainda mais eloquente ao desmistificar a mudança, que ele chama de perfumaria: “É uma questão mais de propaganda que de ideologia política. O grande problema no Brasil é esse: nenhum partido segue qualquer ideologia. São nomes puramente mercadológicos”. Pelo jeito, irá prevalecer a máxima de Lampedusa: algo deve mudar para tudo permanecer como está.
Metamorfose ambulante
> O PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) quer voltar a ser MDB (Movimento Democrático Brasileiro)
> O Democratas era PFL (Partido da Frente Liberal)
> O PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) nasceu de um racha no PMDB
> O Podemos já foi PTN (Partido Trabalhista Nacional)
> O PP (Partido Progressista) quer se chamar apenas Progressistas
> O PEN (Partido Ecológico Nacional) pretende se chamar Patriotas
> O Solidariedade nasceu de um racha no PDT (Partido Democrático Trabalhista)
> O Avante chamava-se PTdoB (Partido Trabalhista do Brasil)
> O Partido Novo nasceu para pregar o rompimento com a política tradicional, inclusive renegando o fundo partidário
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sábado, 26 de agosto de 2017

A DELAÇÃO DO DECANO DAS PROPINAS

Da ISTOÉ
Lobista com 30 anos de experiência no submundo da Petrobras, Jorge Luz prepara uma bomba de potencial devastador para ser detonada em breve. Ao lado de seu filho Bruno Luz, o operador está em estágio avançado de negociação com o Ministério Público Federal para celebrar um acordo de delação premiada. Nos últimos dias, Jorge e Bruno Luz, presos desde fevereiro, compartilharam com a Polícia Federal informações, documentos e arquivos eletrônicos que compõem o arcabouço daquilo que irão revelar. O MP sabia, até então, que a família Luz era useira e vezeira em operar propinas na Petrobras em favor de expoentes do PMDB, PP e PT. No PT, o elo com o esquema arquitetado pelos Luz era o deputado e ex-líder do PT na Câmara Cândido Vaccarezza, preso pelo juiz Sergio Moro há duas semanas. O material entregue à PF acrescenta personagens de proa da política nacional ao enredo de desvios na estatal intermediados por Jorge e Bruno Luz. O principal deles é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A julgar pelo que contam os lobistas, o petista, hoje réu em seis processos e condenado em primeira instância a nove anos e seis meses de prisão, coloca suas digitais nessa nova vertente do escândalo do Petrolão: a que apura negócios criminosos operacionalizados pela “Brasil Trade”, uma sociedade composta por corruptos, corruptores e operadores de propinas criada para desviar recursos de contratos com a Petrobras.
Mais um propinoduto
Em material entregue ao MPF, delatores falam de reunião entre Lula e Vaccarezza para tratar do esquema Trafigura/Brasil Trade. Segundo os Luz, ex-presidente avalizou operação
Desde a semana passada, a Polícia Federal tem em seu poder anotações fornecidas pelos lobistas que indicam um encontro de Vaccarezza, o intermediário dos Luz no esquema, com Lula. Na reunião com o então líder do PT, segundo informaram os delatores à PF, o ex-presidente deu aval a uma negociata nada republicana entre a Petrobras e a Trafigura – que, de 2003 a 2015, ou seja, durante a era petista no poder, movimentou US$ 8,6 bilhões em compras e vendas de derivados de petróleo. Segundo a proposta de delação, hoje na mesa do MPF, em 2010, último ano de Lula na Presidência, a “Brasil Trade” de Jorge Luz, com ajuda de Vaccarezza, fazia o diabo para tentar celebrar um dos contratos entre a estatal e a Trafigura, dona de escritórios em 58 países. Para a negociação sair, teve de envolver, segundo os informes da família Luz, as três principais diretorias da Petrobras. Elas eram controladas pelo PT, o PMDB e o PP. Os petistas sustentavam Renato Duque, na diretoria de Serviços. Os peemedebistas Jorge Zelada, que sucedeu Nestor Cerveró, na diretoria Internacional. E a bancada do PP, com as bênçãos dos senadores do PMDB, mantinham Paulo Roberto Costa, na diretoria de Abastecimento.
Pelo acordo, os partidos endossariam a tramóia e, em contrapartida, se beneficiariam financeiramente do negócio. Leia-se: seriam contemplados com polpudas propinas. Para concretizar a operação, Vaccarezza participou pessoalmente da articulação. Mas não agiu sozinho: contou com o sinal verde do ex-presidente Lula. Os manuscritos fornecidos pelos Luz à PF contém relatos de que, no encontro com o ex-presidente Lula, Vaccarezza comunicou-lhe que as três legendas concordaram com a operação ilegal. Ao que Lula aquiesceu. ISTOÉ teve acesso ao documento no qual a PF reproduz a anotação dos delatores. A Polícia Federal ainda tenta arrancar mais detalhes dos encontros com o ex-presidente petista. O que os investigadores já são capazes de concluir é que Vaccarezza atuava como uma espécie de pombo-correio de Lula. Era por meio dele que o ex-presidente, hoje hexa-réu, acompanhava de perto as negociatas na Petrobras de interesse dos partidos integrantes de sua base de apoio.
Para cumprir a tarefa, Vaccarezza era bem aquinhoado. De acordo com os delatores, o líder petista era contemplado com R$ 400 mil. A propina era entregue a Vaccarezza em espécie, em geral, em restaurantes: um self-service localizado no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo e em um estabelecimento em Campinas, no interior paulista. Segundo os lobistas, Vaccarezza chegou a pedir, em determinado momento, R$ 100 milhões, para fazer deslanchar inúmeros negócios na Petrobras.
Nas últimas semanas, a Lava Jato começou a fechar o cerco sobre a “Brasil Trade”, que intermediou a transação entre a Petrobras e a Trafigura, com a providencial contribuição de Vaccarezza e a anuência de Lula. Os investigadores acreditam que a empresa seja uma complexa organização destinada a sangrar a Petrobras – e desviar dinheiro para partidos. De acordo com as apurações preliminares, na distribuição do butim , 40% do total de propinas caberiam a PT e PMDB.
Não é a primeira vez que a área de trading de combustíveis e derivados do petróleo aparece na Lava Jato. Em suas delações premiadas, o ex-diretor Internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró, e o ex-senador Delcídio Amaral relataram que essa área era um “terreno fértil para ilicitudes”, pois os preços poderiam variar artificialmente gerando uma “margem para propina”. Durante colaboração à Lava Jato, Cerveró disse que a Trafigura era uma das principais empresas atuantes no setor e que como o volume de dinheiro envolvido era muito grande apenas “os centavos” das negociações diárias podiam “render milhões de dólares ao final do mês em propina”. Documentos apreendidos na residência de Paulo Roberto Costa também já faziam referência aos negócios envolvendo a Trafigura. Num dos relatórios que o doleiro Alberto Youssef trocava com Paulo Roberto, ele tece críticas à Trafigura. “Está inadimplente em 2013”, escreveu. “Estou cobrando o Mariano. Disse que resolveu, mas ainda não tive confirmação do banco.” Mariano é o empresário Mariano Marcondez Ferraz, executivo do grupo Trafigura preso em outubro de 2016 pela Lava Jato, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. Para solucionar o impasse, Costa recorreu aos lobistas.
Paulo Roberto Costa era mesmo muito próximo da família Luz. A relação se estreitou entre 2005 e 2006, quando Costa (ex-diretor de Abastecimento) e Nestor Cerveró (ex-diretor da área Internacional) estiveram ameaçados nos respectivos cargos. Para mantê-los em plena operação, era necessário o apoio político de cabeças coroadas do PMDB, entre os quais os senadores Renan Calheiros (AL), Jader Barbalho (PA) e o ex-ministro Silas Rondeau. O apoio só foi alcançado, no entanto, mediante o pagamento de R$ 11,5 milhões em propinas a Renan e seus aliados no PMDB. Em recente depoimento ao juiz Sergio Moro em Curitiba, Jorge Luz admitiu as transações. Na delação, os lobistas se propõem a detalhar como foram efetuados esses repasses. Na última semana, Renan recepcionou Lula em caravana a Alagoas. Trocaram afagos e posaram juntos para fotos. A julgar pelo que vem por aí na delação de Jorge e Bruno Luz, a imagem tem tudo para vir a se tornar o retrato mais bem acabado do abraço de afogados.
FIGURA CARIMBADA
Aos 73 anos, Jorge Luz é um velho conhecido do mundo político. Sua atuação na Petrobras remonta à década de 80. Para o Ministério Público Federal, a participação do operador não está limitada à Petrobras e inclui outros setores e áreas do governo ainda pendentes de uma investigação mais detalhada. Como os Luz viraram figuras importantes para o desenlace da Lava Jato, são grandes as chances de a delação premiada sair do papel. O acordo ainda não foi assinado, mas conforme apurou ISTOÉ há interesse de ambas as partes, investigadores e defesa, e as conversas avançam a cada átimo de tempo.
Discreto, mas dono de uma sinceridade ímpar, Luz promete delatar pessoas e empresas que ele mesmo angariou para integrar esquemas ilícitos. Pois mais do que um operador financeiro, responsável por fazer o meio-campo entre corruptores e corrompidos, Luz também cooptava participantes para ampliar o alcance das propinas. “Há uma diferença do Jorge Luz em relação ao Alberto Youssef, por exemplo, que era eminentemente um doleiro. Luz tinha um papel maior, de angariar empresas e pessoas para esse tipo de negociata”, resumiu o procurador Paulo Roberto Galvão, integrante da força-tarefa da Lava Jato no MPF do Paraná.
Nesse contexto, conforme apurou ISTOÉ, quem também merecerá um capítulo especial na delação é o senador Edison Lobão (PMDB), ex-ministro de Minas e Energia do governo Dilma. Os lobistas detalharam aos investigadores a atuação de Murilo Barbosa Sobrinho na Petrobras, uma espécie de representante dos assuntos de interesse de Lobão.
Hoje, Jorge Luz é réu em um único processo conduzido pelo juiz Sérgio Moro, mas que está em fase final de julgamento, com a sentença prestes a ser proferida. Na iminência de ser condenado, sujeito a caneta pesada do juiz da 13ª Vara de Curitiba, o lobista não vê outra alternativa senão partir para a colaboração com a Justiça. O interesse aumentou à medida que as investigações avançaram na direção da família. Seu filho, Bruno, também está preso, acusado de atuar junto com ele nos esquemas de repasses de propina. A filha, Fernanda, também é investigada. Jorge, no entanto, tenta minimizar a responsabilidade dos filhos. À Polícia Federal, disse que “Bruno não decidia nada”, apenas cuidava de questões burocráticas e operacionais, como movimentações de contas no exterior, confirmações de pagamentos e confecção de documentos. O lobista assim resumiu a divisão de tarefas na organização: “Jorge era a cabeça. Bruno os braços”. Independentemente de como eles se articulavam, o MPF negocia para que a dupla lance luz sobre fatos até agora obscuros para a Lava Jato. Pelo cardápio apresentado até agora, Luz não será problema.
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O FIM DA MAMATA ESTATAL

Da ISTOÉ
Arrivistas acostumados ao bem-bom gritam contra a nova safra de privatizações que coloca dinheiro no Tesouro ao mesmo tempo em que entrega eficiência a quaisquer das empresas colocadas à venda. Que desde logo fique claro: repassar estatais à iniciativa privada não é – como alguns tentam fazer crer – entregar bens públicos que farão falta ao Estado. É, antes de tudo, se desfazer de bens dos políticos, deixando órfãos apenas aqueles velhos conhecidos dependentes de mamatas.
A cambada de fisiologistas, seus apaniguados, detentores da máquina para usufruto próprio, funcionários públicos ineficientes que mostram horror a cobranças e gangues partidárias que adoram aparelhar o sistema com sindicalistas que lhe prestam vassalagem e enchem suas burras de dinheiro com o desvio inescrupuloso de recursos estão na linha de frente da chiadeira. Não querem de maneira nenhuma perder o privilégio que viceja no ambiente estatal. Temem o princípio da meritocracia. Assustam-se com o desemprego dos ocupantes de cargos-fantasmas.
Há de se convir que, faz muito tempo, várias estatais se transformaram em verdadeiros cabides de funcionários custosos, pouco preparados e improdutivos. Boa parte deles ali alocados por indicação de padrinhos partidários – esses sim os autênticos CEOs das companhias. Vamos ser realistas: são majoritariamente os políticos que não gostam de privatizações.
E a razão é simples: por que afinal eles irão brigar lá na frente quando não mais existir esses sugadores de verbas para seus esquemas? A Eletrobrás será vendida pouco depois de quase ser destruída pela desastrosa administração da ex-presidente Dilma que, em um rompante de devaneio, decidiu baixar na marra as tarifas de energia como medida populista para ganhar as eleições. Irresponsável ao extremo, ela foi depois destituída do cargo antes mesmo de dar fim a essa joia da coroa. Desde épocas imemoriáveis siglas de aluguel e ONGs que atuam movidas por intento corporativista levantam resistência à desestatização.
Ocorreu assim também, por exemplo, quando a telefonia foi privatizada. A mesma ladainha de grupelhos alertando para “o perigo de se perder o controle sobre uma área estratégica” entrou em voga. Vale lembrar: na ocasião telefone era coisa de rico. Quase ninguém possuía. Pagava-se linha em dólar. O “bem” era declarado no Imposto de Renda. Menos de 20 milhões de brasileiros detinham a prerrogativa de possuir um aparelho em casa. A maioria dependia de “orelhões” – para quem não está familiarizado com a expressão, tratava-se dos telefones públicos instalados nas ruas, funcionando à base de ficha. De lá para cá, cada brasileiro passou a ter ao menos um celular.
São mais de 300 milhões de linhas disponíveis atualmente. O case de sucesso deveria inspirar os demais setores. Não importa apenas o total do valor pago por uma estatal posta à venda. O benefício disseminado é o que conta. Logo a seguir ao anúncio da privatização a Eletrobrás experimentou uma valorização de seus ativos da ordem de R$ 10 bilhões, ou cerca de um terço a mais de sua cotação anterior. Para o mercado, privatização é palavra que soa muito bem. Pitoresco foi ter de assistir Dilma Rousseff pontificando nas redes sociais sobre o risco de “se abrir mão da segurança energética”. Logo ela, que fez o diabo na área e deixou por um fio a sobrevivência da atividade, quase rompendo com a tal “segurança energética”.
 Dilma hoje pode ser encarada como uma espécie de garota-propaganda às avessas. Deve-se fazer o contrário do que a mandatária deposta aconselha. Se ela considera condenável o programa de concessão de ativos da União é porque a saída está correta. Nesse caminho, o Governo Temer decidiu ampliar o projeto para além da Eletrobrás. Entraram na lista aeroportos, portos e até a Casa da Moeda. Quem sabe, ao fim e ao cabo, a era das mamatas estatais ficará para trás, esquecida como um pesadelo que passou.
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Da ISTOÉ
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sexta-feira, 25 de agosto de 2017

O FATOR GILMAR MENDES

Artigo de Fernando Gabeira
Gilmar Mendes rides again. Há um mês escrevi que ele foi padrinho de casamento da Dona Baratinha. Numa mensagem em que condenava meus textos sobre ele, afirmou que não foi o padrinho mas acompanhou sua mulher, madrinha do noivo.
Se ele afirmava que não foi o padrinho, estava disposto a escrever isso, limitando-me a informar que ele foi apenas para prestigiar a festa no Copacabana Palace, que terminou em pancadaria e presença policial.
Apesar de sua flor branca na lapela do terno, Gilmar sabe melhor que eu se foi ou não padrinho. Para mim a presença de Ministro do Supremo naquele lugar e naquele momento é o problema.
As manifestações na festa de Dona Baratinha não foram um relâmpago em céu azul. Há décadas circulavam notícias de corrupção dos politicos pelas empresas de transporte dos Barata.
Não era uma corrupção qualquer. Houve rumores de distribuição de dinheiro pelo próprio presidente da Assembleia, na época Sérgio Cabral, num dos banheiros da casa.
Na Câmara Municipal, houve também entrega de dinheiro repassada pelo próprio presidente. Era, portanto, uma corrupção das instituições democráticas de cima para baixo.
Os Baratas compravam politicos porque queriam maiores lucros, as vezes sintetizados em preços altos e precárias condições de conforto. Era uma corrupção que repercutia no cotidiano tornando-o mais áspero e caro.
Agora, Gilmar Mendes concede um habeas corpus em tempo recorde para Jacob Barata Filho. Confesso que, como quase todo mundo, fiquei estupefato.
No mês passado, achava que Gilmar Mendes era inimigo de Rodrigo Janot e isto estava repercutindo negativamente não só nos rumos da Lava Jato e também na própria imagem da justiça que realmente se desgasta com choques pessoais no topo dada instituição.
Estava equivocado porque mesmo com a saida de Janot, Gilmar Mendes não será conquistado para o campo dos que apoiam o desmonte do gigantesco esquema de corrupção no Brasil.
Ao libertar Barata, passou da hostilidade aos procuradores à proteção aberta aos acusados de corrupção.
Lamento porque Gilmar Mendes é inteligente e corajoso. Não é mais um adversário a ser neutralizado, mas derrotado.
Sua assessoria, segundo os jornais, confirmou que foi padrinho (aquele flor branca na lapela) mas informou também que o casamento não durou mais do que seis meses.
As pessoas estavam se referindo apenas à cerimônia e não à estabilidade do casamento. Não cabe ao padrinho mencionar esse tema em público.
Em defesa de Gilmar, o advogado Sérgio Bermudes, dono banca onde trabalha a mulher de Gilmar, fez uma defesa que não me convence.
Ela é corretamente abstrata quando descreve os limites da lei e afirma que parantescos longínquos, laços de amizade se fossem impedimento acabariam reduzindo muito a produtividade da justiça.
Mas a defesa que me parece abstratamente correta não toca num ponto central: quem é o juiz, quem é o réu, em que circunstâncias históricas eles são envolvidos?
Declarar-se suspeito é uma forma de entender a lei. E ela foi feita para os especialistas em leis. O Ministro Edson Fachin declarou-se suspeito num processo porque foi padrinho de casamento do filho de um dos advogados da defesa.
Gilmar costuma dizer que não teme os clamores da multidão. Mas dito dessa forma supõe-se uma turba enfurecida. Mas não é isso que acontece agora onde cerca de um milhão de pessoas assinam uma petição pelo seu impeachment.
Pessoas que questionam o trabalho de um Ministro do Supremo e utilizam esse instrumento são, de um modo geral, cidadãos com um nível de consciência política superior ao das multidões.
No seu destemor, Gilmar tornou-se o anti Lava Jato. Todas as esperanças de impunidade passam por ele e os ministros de sua turma.
Ele costuma citar um jurista português para quem a lei no Brasil é usada com malandragem.
Ele devia refletir um pouco se está mesmo passando boa imagem internacional da justiça brasileira.
Durante vários dias menções a ele ocupam os postos de temas mais comentados na Internet. E negativamente.
Quem examinar o Brasil através da rede, é isso que fazem a maioria dos estrangeiros, vai perceber que existe uma rejeição nacional ao trabalho de um ministro do STF.
Carmem Lúcia vai decidir se Gilmar é ou não suspeito para atuar no caso de Jacob Barata. Ela terá todos os dados da relação, do casamento onde as pessoas jogavam objetos nos manifestantes, do patrocinio de Barata ao Instituto de Gilmar, enfim dados que podem o não preencher os requisitos da lei.
Mas ela sabe que estará julgando algo muito mais importante. É a própria imagem do Supremo, num momento em que, não só pelas interferências políticas mas pela sua resistência à luta contra corrupção, a opinião pública quer Gilmar fora do STF.
Na troca de mensagens, Gilmar foi muito agressivo. Na minha idade e na atual situação catastrófica do país, não acho adequado trocar insultos com ninguém.
Por isso, continuo a vê-lo de uma forma política. Assim como pensei que fosse possivel neutralizá-lo passada a fúria anti Janot, cordialmente agora peço o seu impeachment.
Reconheço a coragem para enfrentar a opinião pública. A opinião pública `as vezes erra, `as vezes acerta. Estar contra ela no momento que defende suas melhores aspirações, é uma escolha audodestrutiva.
Daí o advérbio cordialmente ao lado da minha assinatura pelo impeachment. Quantos milhões a mais serão necessários para Gilmar compreender que não se trata de uma opinião difusa mas de uma quase unanimidade?
Poderíamos dar uma ajuda. E não seria nada raivoso, nada parecido com choques de esquerda e direita, apenas uma campanha humanitária: Vamos salvar Gilmar de Gilmar.
Se as autoridades andassem na rua, veriam que além de abaixo assinados, Gilmar desperta também os piores instintos.
Artigo publicado no Estadão em 25/08/2017 
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quarta-feira, 23 de agosto de 2017

MARCA NEGATIVA

Do UOL
Enquanto o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), era homenageado por uma plateia de políticos e empresários em Natal, na última quarta-feira (16), a Câmara de Vereadores paulistana votava na sessão do dia um pacote de 28 projetos de lei e de decretos legislativos, de autoria dos vereadores, com homenagens e criação de datas comemorativas. Único projeto do Executivo na ordem do dia, a concessão do estádio do Pacaembu à iniciativa privada teve a discussão retirada da pauta –o projeto sobre o estádio é um dos dez encaminhados pela administração municipal à Câmara em oito meses de mandato.
Um projeto de lei pode ser apresentado à Câmara tanto pelo prefeito como pelos vereadores. Depois de criado, ele é discutido na Câmara dos Vereadores da cidade, onde será aprovado ou rejeitado. Se aprovado, ele segue para sanção ou veto do prefeito.
 Em São Paulo, o número de projetos que têm como autoria o Executivo é o menor desde a gestão Jânio Quadros (1985-1988), segundo dados do portal da Câmara compilados pelo UOL. Para o levantamento, foram consideradas as matérias enviadas aos vereadores de São Paulo até o dia 8 de agosto do primeiro ano de cada mandato.
Em 1985, Jânio enviou aos vereadores 123 projetos – 56 deles foram encaminhados até 8 de agosto daquele ano; no mesmo período, Doria enviou uma dezena. A marca de Doria é ultrapassada com folga também no mandato seguinte ao de Jânio pelos 33 projetos enviados por Luiza Erundina (1989-1992), quando a então prefeita pelo PT, hoje deputada pelo PSOL, esteve na chefia do Executivo municipal. Naquele ano, foram 115 proposições à Câmara.
 Total de projetos até 8 de agosto do 1º ano de cada mandato*
Jânio Quadros (1985 a 1988): 56 projetos
Luiza Erundina (1989 a 1992): 33 projetos
Paulo Maluf (1993 a 1996): 86 projetos
Celso Pitta (1997 a 2000): 33 projetos
Marta Suplicy (2001 a 2004): 46 projetos
José Serra/Gilberto Kassab ** (2005 a 2008): 13 projetos
Gilberto Kassab (2009 a 2012): 18 projetos
Fernando Haddad (2013 e 2016): 25 projetos
João Doria (2017): 10 projetos
* A data se refere à do último envio de projetos do Executivo à Câmara até esta segunda (21) ** Serra renunciou na metade do mandato para se eleger governador de SP em 2006
Os dez projetos de Doria representam pouco mais de 11% dos 86 que Paulo Maluf (1993-1996) apresentou até meados de agosto de 1993, ano em que mandou ao Legislativo 142 matérias. A marca fica abaixo também do afilhado político de Maluf, Celso Pitta (1997-2000), que, dos 56 projetos de seu primeiro ano de mandato, destinou à Casa 33 deles nos sete primeiros meses.
"Certamente o Executivo tem a leitura de que esse não é um momento bom para enviar projetos à Câmara, já que, mesmo tendo ganho a eleição com uma boa maioria, isso não se reflete ainda na base dele na Câmara; há um atrito.  Isso gera um desgaste forte para a imagem dele, e, nesse cenário, é comum que se retarde o envio de matérias até se recompor essa base pela votação de projetos prioritários", afirma o cientista político Renato Eliseu Costa, professor de políticas públicas na Fesp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).
Marta, Serra, Kassab e Haddad superam tucano
Segunda prefeita de São Paulo eleita pelo PT, a hoje senadora pelo PMDB Marta Suplicy (2001-2004) assinou 75 projetos em seu primeiro ano de mandato, 46 deles até o começo de agosto. A gestão de José Serra e Gilberto Kassab (2005-2008), que contou com a mudança de chefia –Serra renunciou ao cargo em 2006 para se eleger governador --, registrou 32 matérias em 2005, 13 delas nos primeiros oito meses. Reeleito (2009-2012), Kassab também propôs mais que Doria em seu primeiro ano de mandato completo (2009): 27 projetos, 18 deles até 8 de agosto.
Derrotado por Doria na tentativa de reeleição, em 2016, Fernando Haddad (2013-2016) apresentou aos vereadores 25 projetos no período equivalente ao do rival. Em seu primeiro ano, o petista mandou ao legislativo, ao todo, 43 matérias.
Projetos polêmicos no primeiro ano
Apesar da diferença na oferta de propostas, tanto Doria como seus antecessores mais recentes protocolaram, nos oito meses iniciais do mandato, projetos que despertaram polêmica dentro ou fora da Câmara de Vereadores.
 Dos dez projetos do atual prefeito, por exemplo, três integram o PMD (Plano Municipal de Desestatização) e preveem a concessão de equipamentos e serviços municipais à iniciativa privada. Segundo a administração, o pacote  de concessões pode gerar cerca de R$ 5 bilhões de receita. O tucano conseguiu ainda a aprovação do projeto que cria o Conselho Municipal de Desestatização e Parcerias. Estudantes chegaram a ocupar o plenário da Câmara por dois dias em protesto contra as privatizações.
 Com Haddad, o projeto de lei que alterava a legislação tributária relativa ao IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) – com aumento progressivo do imposto – até passou pelos vereadores, mas sofreu reveses judiciais até o prefeito, no ano seguinte, desistir do reajuste.
Com Kassab, o primeiro ano da gestão teve em 2009 aprovação da Câmara para a terceirização da Nova Luz – por meio de concessão urbanística que permitiria à prefeitura transferir à iniciativa privada o processo de desapropriações na região da cracolândia. Considerado inviável economicamente pela gestão de Haddad, o plano acabou engavetado.
Prefeito "precisa estreitar a relação", diz analista político
No discurso de posse feito na Câmara, em 1º de janeiro, Doria prometeu prestigiar o Legislativo com visitas mensais, o que vem sendo feito, desde então. Para o cientista político Renato Eliseu Costa, professor da Fesp, no entanto,  o número de projetos abaixo do já apresentado em primeiros anos de gestões anteriores pode revelar "falta de experiência" no trato com os vereadores –o que já fica mais claro, segundo ele, na dificuldade do Executivo em aprovar as concessões de espaços públicos mesmo entre membros de sua base.
"A fala constante do prefeito de que não é político, mas gestor, mostra falta de experiência em um relacionamento com a Câmara de Vereadores, que, no nosso modelo político, é sempre uma força política muito forte – a ponto de conseguir, por exemplo, vetar ações do Executivo. Doria ainda não conseguiu lidar com essa relação, mesmo tendo prometido fazer visitas mensais à Casa", observou.
Na análise do cientista político, o tucano "enfrenta oposição dentro do próprio partido". "O PSDB não tem se mostrado contente com as ações do prefeito, tanto que, na votação dos projetos de concessões, não foi só a oposição que se manifestou contrariamente", disse Costa, para ressalvar: "Mas o PSDB não é 100% coeso, e isso desde as prévias [que definiram Doria como o candidato da sigla]."
Marcas da gestão Doria não demandam autorização legislativa
Para Costa, o baixo número de projetos em comparação com outros prefeitos indica que resoluções internas ou atos administrativos da prefeitura --que não passam pelo Legislativo-- conseguem organizar o cotidiano da administração.  "As principais ações do prefeito, até agora, se deram no campo da gestão, não necessariamente sob a necessidade de serem aprovadas como lei", afirma o cientista político. "Basta ver o Diário Oficial da cidade para constatar isso", diz Costa, citando o programa de zeladoria urbana "Cidade Linda", uma das principais bandeiras do prefeito, e o aumento dos limites de velocidade nas marginais, promessa de campanha.
Indagado sobre a queda no volume de propostas ao longo das décadas, o cientista político destacou a forma como se desenhou a campanha passada, com o prefeito eleito despontando entre os primeiros na reta final da disputa. "Como Doria falava mais de gestão, e não tanto de obras, pode ser também que esse número inferior agora de projetos que mexam com o Orçamento seja reflexo das promessas – diferentemente do que propunha, por exemplo, Paulo Maluf. Doria não propôs nenhuma grande obra", comparou.
Relação com os vereadores
Cientista político da UnB (Universidade de Brasília), Ricardo Whrendorff Caldas discorda do colega paulistano: para ele, não é o número de projetos que serve de base para se medir a eficiência no trato com o Legislativo, mas a capacidade de a prefeitura aprovar e fazer tramitar essas matérias.
"Não é relevante o número de projetos para definir a capacidade de articulação de um prefeito, mas o de projetos que foram aprovados. O mesmo raciocínio vale para deputados e senadores – salientando que, se forem projetos de peso, é natural que demorem um pouco mais para serem aprovados", definiu.
Sob a condição de hipótese, Caldas afirmou que a redução do número de projetos ao longo das décadas pode indicar um "elemento de prudência" por parte do mandatário. "Projeto encaminhado e parado, sem andar nas comissões, pode indicar insucesso ou falta de prestígio do administrador público. Porque, se não há falta de articulação, as coisas costumam caminhar dentro do previsto", finalizou.
"Parcimônia", diz líder do governo
Líder do governo na Câmara, o vereador Aurélio Nomura (PSDB) defendeu que "a produtividade do governo não se mede pelo número de projetos do Executivo à Câmara".
"Se a gente olha as gestões anteriores, vai ver que muitos dos projetos aprovados, pelo menos 80%, não foram efetivados; muitos sequer tiveram o decreto pertinente regulamentando a lei", citou.  "Os projetos de melhoria urbana da gestão passada, por exemplo, previam desapropriar mais de 10 mil residências na zona leste e um plano de melhorias na zona norte. Não foram implementados", afirmou.
 De acordo com o tucano, "Doria tem trabalhado com parcimônia" em relação ao envio de projetos, "mesmo porque, temos leis demais, mas nem sempre aplicadas".
"Ele vem focando na apresentação projetos que efetivamente quer e vão ser aprovados. E não acho que os projetos não vêm detalhados ou que haja racha no partido: os projetos das concessões apresentados pelo prefeito foram votados, e estamos realizando audiências públicas sobre eles."
Nomura afirmou ainda que, até o final do ano, o Executivo deve apresentar à Câmara os projetos de concessão à iniciativa privada do Autódromo de Interlagos e do Anhembi. "Um número grande de projetos é uma grande ilusão. O que temos que nos perguntar é: quantos dos projetos já apresentados foram de fato implementados?"
"Gestão rasa", afirma líder do PT
Já para o líder do PT na Câmara, vereador Antonio Donato, "a produção legislativa do Executivo é baixa" porque "reflete a falta de projetos para a cidade que poderiam se materializar em projetos de lei".
"O projeto que criminaliza a pichação [de autoria parlamentar, e protocolado em 2005] que foi aprovado este ano tem baixo impacto; é de importância inócua frente aos problemas da cidade. E agora os projetos de privatização que o Executivo mandou são vagos, genéricos, o que explica a dificuldade de se concretizar a aprovação deles", relatou.
 Segundo o petista, o número de proposições de Doria à Câmara reflete uma eleição "muito particular" vencida em primeiro turno –a primeira vez que isso acontece na história da capital paulista. "O debate programático foi muito rebaixado, de modo que foi exigido do atual prefeito propor projetos estruturantes para a cidade. O que ele apresentou na campanha foi um plano de concessões e privatizações que, por meio de projetos absolutamente vagos, têm agora uma dificuldade imensa de ver construída a discussão em segundo turno", definiu. "É uma produtividade fruto de uma gestão rasa, com uma visão superficial e que não se materializa sobre a cidade.”
"Quem faz projetos é o Legislativo", diz prefeito
 O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), minimizou nesta quarta-feira (23) o fato de ser o líder de Executivo que menos enviou projetos à Câmara de Vereadores paulistana nos últimos 32 anos.
"Quem faz projetos é Legislativo, não é Executivo. Isso é bom. Se tem um Legislativo valorizado, cabe a ele legislar, e ao Executivo, executar. Não há nenhuma razão de perplexidade diante disso", afirmou o prefeito João Doria ao UOL, pouco antes de embarcar para Vitória, onde receberá, nesta tarde, o título de "Cidadão Vilavelhense" –a quinta homenagem em um intervalo de 15 dias.
Segundo o levantamento, a marca de dez projetos enviados pelo atual Executivo à Câmara, entre janeiro e 8 de agosto, foi superada por todos os prefeitos anteriores desde Jânio Quadros (1985-1988), em igual período de cada primeiro ano de mandato. Ainda de acordo com os dados, o hoje deputado federal pelo PP Paulo Maluf foi o campeão de envio de matérias, 86, em pouco menos de oito meses do primeiro ano de gestão (1993-1996).
"Se nós temos um bom Legislativo, e nós temos, cabe a ele a execução de projetos de lei", defendeu o prefeito de São Paulo, para quem a Câmara paulistana tem "uma boa representatividade". "Os vereadores têm uma composição muito boa  e muito diversificada em seus campos de atuação –são pessoas especializadas; gente da habitação, da habitação popular, da cidadania, do transporte e da cultura", salientou.
Indagado sobre as dificuldades para aprovação, mesmo entre vereadores de sua base, de projetos do PMD (Plano Municipal de Desestatização), considerados essenciais pela atual administração e que preveem conceder à iniciativa privada  equipamentos e espaços públicos, o prefeito afirmou: "Tudo isso será aprovado dentro desses próximos 30 dias. Estamos muito confiantes no bom trabalho que a Câmara tem feito", concluiu.
 Um projeto de lei pode ser apresentado à Câmara tanto pelo prefeito como pelos vereadores. Há projetos, entretanto, que são de responsabilidade exclusiva do prefeito, como os que alteram o Orçamento.  Depois de criado o texto, ele é discutido no legislativo municipal, onde será aprovado ou rejeitado. Se aprovado, segue para sanção ou veto do prefeito.
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