Artigo de Fernando Gabeira
Gilmar Mendes rides again. Há um mês escrevi que ele foi
padrinho de casamento da Dona Baratinha. Numa mensagem em que condenava meus
textos sobre ele, afirmou que não foi o padrinho mas acompanhou sua mulher,
madrinha do noivo.
Se ele afirmava que não foi o padrinho, estava disposto a
escrever isso, limitando-me a informar que ele foi apenas para prestigiar a
festa no Copacabana Palace, que terminou em pancadaria e presença policial.
Apesar de sua flor branca na lapela do terno, Gilmar sabe
melhor que eu se foi ou não padrinho. Para mim a presença de Ministro do
Supremo naquele lugar e naquele momento é o problema.
As manifestações na festa de Dona Baratinha não foram um
relâmpago em céu azul. Há décadas circulavam notícias de corrupção dos
politicos pelas empresas de transporte dos Barata.
Não era uma corrupção qualquer. Houve rumores de
distribuição de dinheiro pelo próprio presidente da Assembleia, na época Sérgio
Cabral, num dos banheiros da casa.
Na Câmara Municipal, houve também entrega de dinheiro repassada
pelo próprio presidente. Era, portanto, uma corrupção das instituições
democráticas de cima para baixo.
Os Baratas compravam politicos porque queriam maiores
lucros, as vezes sintetizados em preços altos e precárias condições de
conforto. Era uma corrupção que repercutia no cotidiano tornando-o mais áspero
e caro.
Agora, Gilmar Mendes concede um habeas corpus em tempo
recorde para Jacob Barata Filho. Confesso que, como quase todo mundo, fiquei
estupefato.
No mês passado, achava que Gilmar Mendes era inimigo de
Rodrigo Janot e isto estava repercutindo negativamente não só nos rumos da Lava
Jato e também na própria imagem da justiça que realmente se desgasta com
choques pessoais no topo dada instituição.
Estava equivocado porque mesmo com a saida de Janot, Gilmar
Mendes não será conquistado para o campo dos que apoiam o desmonte do
gigantesco esquema de corrupção no Brasil.
Ao libertar Barata, passou da hostilidade aos procuradores à
proteção aberta aos acusados de corrupção.
Lamento porque Gilmar Mendes é inteligente e corajoso. Não é
mais um adversário a ser neutralizado, mas derrotado.
Sua assessoria, segundo os jornais, confirmou que foi
padrinho (aquele flor branca na lapela) mas informou também que o casamento não
durou mais do que seis meses.
As pessoas estavam se referindo apenas à cerimônia e não à
estabilidade do casamento. Não cabe ao padrinho mencionar esse tema em público.
Em defesa de Gilmar, o advogado Sérgio Bermudes, dono banca
onde trabalha a mulher de Gilmar, fez uma defesa que não me convence.
Ela é corretamente abstrata quando descreve os limites da
lei e afirma que parantescos longínquos, laços de amizade se fossem impedimento
acabariam reduzindo muito a produtividade da justiça.
Mas a defesa que me parece abstratamente correta não toca
num ponto central: quem é o juiz, quem é o réu, em que circunstâncias
históricas eles são envolvidos?
Declarar-se suspeito é uma forma de entender a lei. E ela
foi feita para os especialistas em leis. O Ministro Edson Fachin declarou-se
suspeito num processo porque foi padrinho de casamento do filho de um dos
advogados da defesa.
Gilmar costuma dizer que não teme os clamores da multidão.
Mas dito dessa forma supõe-se uma turba enfurecida. Mas não é isso que acontece
agora onde cerca de um milhão de pessoas assinam uma petição pelo seu
impeachment.
Pessoas que questionam o trabalho de um Ministro do Supremo
e utilizam esse instrumento são, de um modo geral, cidadãos com um nível de
consciência política superior ao das multidões.
No seu destemor, Gilmar tornou-se o anti Lava Jato. Todas as
esperanças de impunidade passam por ele e os ministros de sua turma.
Ele costuma citar um jurista português para quem a lei no
Brasil é usada com malandragem.
Ele devia refletir um pouco se está mesmo passando boa
imagem internacional da justiça brasileira.
Durante vários dias menções a ele ocupam os postos de temas
mais comentados na Internet. E negativamente.
Quem examinar o Brasil através da rede, é isso que fazem a
maioria dos estrangeiros, vai perceber que existe uma rejeição nacional ao
trabalho de um ministro do STF.
Carmem Lúcia vai decidir se Gilmar é ou não suspeito para
atuar no caso de Jacob Barata. Ela terá todos os dados da relação, do casamento
onde as pessoas jogavam objetos nos manifestantes, do patrocinio de Barata ao
Instituto de Gilmar, enfim dados que podem o não preencher os requisitos da
lei.
Mas ela sabe que estará julgando algo muito mais importante.
É a própria imagem do Supremo, num momento em que, não só pelas interferências
políticas mas pela sua resistência à luta contra corrupção, a opinião pública
quer Gilmar fora do STF.
Na troca de mensagens, Gilmar foi muito agressivo. Na minha
idade e na atual situação catastrófica do país, não acho adequado trocar
insultos com ninguém.
Por isso, continuo a vê-lo de uma forma política. Assim como
pensei que fosse possivel neutralizá-lo passada a fúria anti Janot,
cordialmente agora peço o seu impeachment.
Reconheço a coragem para enfrentar a opinião pública. A
opinião pública `as vezes erra, `as vezes acerta. Estar contra ela no momento
que defende suas melhores aspirações, é uma escolha audodestrutiva.
Daí o advérbio cordialmente ao lado da minha assinatura pelo
impeachment. Quantos milhões a mais serão necessários para Gilmar compreender
que não se trata de uma opinião difusa mas de uma quase unanimidade?
Poderíamos dar uma ajuda. E não seria nada raivoso, nada
parecido com choques de esquerda e direita, apenas uma campanha humanitária:
Vamos salvar Gilmar de Gilmar.
Se as autoridades andassem na rua, veriam que além de abaixo
assinados, Gilmar desperta também os piores instintos.
Artigo publicado no Estadão em 25/08/2017
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