Da ISTOÉ
Lobista com 30 anos de experiência no submundo da Petrobras,
Jorge Luz prepara uma bomba de potencial devastador para ser detonada em breve.
Ao lado de seu filho Bruno Luz, o operador está em estágio avançado de
negociação com o Ministério Público Federal para celebrar um acordo de delação
premiada. Nos últimos dias, Jorge e Bruno Luz, presos desde fevereiro,
compartilharam com a Polícia Federal informações, documentos e arquivos
eletrônicos que compõem o arcabouço daquilo que irão revelar. O MP sabia, até então,
que a família Luz era useira e vezeira em operar propinas na Petrobras em favor
de expoentes do PMDB, PP e PT. No PT, o elo com o esquema arquitetado pelos Luz
era o deputado e ex-líder do PT na Câmara Cândido Vaccarezza, preso pelo juiz
Sergio Moro há duas semanas. O material entregue à PF acrescenta personagens de
proa da política nacional ao enredo de desvios na estatal intermediados por
Jorge e Bruno Luz. O principal deles é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. A julgar pelo que contam os lobistas, o petista, hoje réu em seis
processos e condenado em primeira instância a nove anos e seis meses de prisão,
coloca suas digitais nessa nova vertente do escândalo do Petrolão: a que apura
negócios criminosos operacionalizados pela “Brasil Trade”, uma sociedade
composta por corruptos, corruptores e operadores de propinas criada para
desviar recursos de contratos com a Petrobras.
Mais um propinoduto
Em material entregue ao MPF, delatores falam de reunião
entre Lula e Vaccarezza para tratar do esquema Trafigura/Brasil Trade. Segundo
os Luz, ex-presidente avalizou operação
Desde a semana passada, a Polícia Federal tem em seu poder
anotações fornecidas pelos lobistas que indicam um encontro de Vaccarezza, o
intermediário dos Luz no esquema, com Lula. Na reunião com o então líder do PT,
segundo informaram os delatores à PF, o ex-presidente deu aval a uma negociata
nada republicana entre a Petrobras e a Trafigura – que, de 2003 a 2015, ou
seja, durante a era petista no poder, movimentou US$ 8,6 bilhões em compras e
vendas de derivados de petróleo. Segundo a proposta de delação, hoje na mesa do
MPF, em 2010, último ano de Lula na Presidência, a “Brasil Trade” de Jorge Luz,
com ajuda de Vaccarezza, fazia o diabo para tentar celebrar um dos contratos
entre a estatal e a Trafigura, dona de escritórios em 58 países. Para a
negociação sair, teve de envolver, segundo os informes da família Luz, as três
principais diretorias da Petrobras. Elas eram controladas pelo PT, o PMDB e o
PP. Os petistas sustentavam Renato Duque, na diretoria de Serviços. Os
peemedebistas Jorge Zelada, que sucedeu Nestor Cerveró, na diretoria
Internacional. E a bancada do PP, com as bênçãos dos senadores do PMDB,
mantinham Paulo Roberto Costa, na diretoria de Abastecimento.
Pelo acordo, os partidos endossariam a tramóia e, em
contrapartida, se beneficiariam financeiramente do negócio. Leia-se: seriam
contemplados com polpudas propinas. Para concretizar a operação, Vaccarezza
participou pessoalmente da articulação. Mas não agiu sozinho: contou com o
sinal verde do ex-presidente Lula. Os manuscritos fornecidos pelos Luz à PF
contém relatos de que, no encontro com o ex-presidente Lula, Vaccarezza
comunicou-lhe que as três legendas concordaram com a operação ilegal. Ao que
Lula aquiesceu. ISTOÉ teve acesso ao documento no qual a PF reproduz a anotação
dos delatores. A Polícia Federal ainda tenta arrancar mais detalhes dos
encontros com o ex-presidente petista. O que os investigadores já são capazes
de concluir é que Vaccarezza atuava como uma espécie de pombo-correio de Lula.
Era por meio dele que o ex-presidente, hoje hexa-réu, acompanhava de perto as
negociatas na Petrobras de interesse dos partidos integrantes de sua base de
apoio.
Para cumprir a tarefa, Vaccarezza era bem aquinhoado. De
acordo com os delatores, o líder petista era contemplado com R$ 400 mil. A
propina era entregue a Vaccarezza em espécie, em geral, em restaurantes: um self-service
localizado no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo e em um estabelecimento em
Campinas, no interior paulista. Segundo os lobistas, Vaccarezza chegou a pedir,
em determinado momento, R$ 100 milhões, para fazer deslanchar inúmeros negócios
na Petrobras.
Nas últimas semanas, a Lava Jato começou a fechar o cerco
sobre a “Brasil Trade”, que intermediou a transação entre a Petrobras e a
Trafigura, com a providencial contribuição de Vaccarezza e a anuência de Lula.
Os investigadores acreditam que a empresa seja uma complexa organização
destinada a sangrar a Petrobras – e desviar dinheiro para partidos. De acordo
com as apurações preliminares, na distribuição do butim , 40% do total de
propinas caberiam a PT e PMDB.
Não é a primeira vez que a área de trading de combustíveis e
derivados do petróleo aparece na Lava Jato. Em suas delações premiadas, o
ex-diretor Internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró, e o ex-senador Delcídio
Amaral relataram que essa área era um “terreno fértil para ilicitudes”, pois os
preços poderiam variar artificialmente gerando uma “margem para propina”.
Durante colaboração à Lava Jato, Cerveró disse que a Trafigura era uma das
principais empresas atuantes no setor e que como o volume de dinheiro envolvido
era muito grande apenas “os centavos” das negociações diárias podiam “render
milhões de dólares ao final do mês em propina”. Documentos apreendidos na
residência de Paulo Roberto Costa também já faziam referência aos negócios
envolvendo a Trafigura. Num dos relatórios que o doleiro Alberto Youssef
trocava com Paulo Roberto, ele tece críticas à Trafigura. “Está inadimplente em
2013”, escreveu. “Estou cobrando o Mariano. Disse que resolveu, mas ainda não
tive confirmação do banco.” Mariano é o empresário Mariano Marcondez Ferraz,
executivo do grupo Trafigura preso em outubro de 2016 pela Lava Jato, acusado
de corrupção e lavagem de dinheiro. Para solucionar o impasse, Costa recorreu
aos lobistas.
Paulo Roberto Costa era mesmo muito próximo da família Luz.
A relação se estreitou entre 2005 e 2006, quando Costa (ex-diretor de
Abastecimento) e Nestor Cerveró (ex-diretor da área Internacional) estiveram
ameaçados nos respectivos cargos. Para mantê-los em plena operação, era
necessário o apoio político de cabeças coroadas do PMDB, entre os quais os
senadores Renan Calheiros (AL), Jader Barbalho (PA) e o ex-ministro Silas
Rondeau. O apoio só foi alcançado, no entanto, mediante o pagamento de R$ 11,5
milhões em propinas a Renan e seus aliados no PMDB. Em recente depoimento ao
juiz Sergio Moro em Curitiba, Jorge Luz admitiu as transações. Na delação, os
lobistas se propõem a detalhar como foram efetuados esses repasses. Na última
semana, Renan recepcionou Lula em caravana a Alagoas. Trocaram afagos e posaram
juntos para fotos. A julgar pelo que vem por aí na delação de Jorge e Bruno
Luz, a imagem tem tudo para vir a se tornar o retrato mais bem acabado do
abraço de afogados.
FIGURA CARIMBADA
Aos 73 anos, Jorge Luz é um velho conhecido do mundo
político. Sua atuação na Petrobras remonta à década de 80. Para o Ministério
Público Federal, a participação do operador não está limitada à Petrobras e
inclui outros setores e áreas do governo ainda pendentes de uma investigação
mais detalhada. Como os Luz viraram figuras importantes para o desenlace da
Lava Jato, são grandes as chances de a delação premiada sair do papel. O acordo
ainda não foi assinado, mas conforme apurou ISTOÉ há interesse de ambas as
partes, investigadores e defesa, e as conversas avançam a cada átimo de tempo.
Discreto, mas dono de uma sinceridade ímpar, Luz promete
delatar pessoas e empresas que ele mesmo angariou para integrar esquemas
ilícitos. Pois mais do que um operador financeiro, responsável por fazer o
meio-campo entre corruptores e corrompidos, Luz também cooptava participantes para
ampliar o alcance das propinas. “Há uma diferença do Jorge Luz em relação ao
Alberto Youssef, por exemplo, que era eminentemente um doleiro. Luz tinha um
papel maior, de angariar empresas e pessoas para esse tipo de negociata”,
resumiu o procurador Paulo Roberto Galvão, integrante da força-tarefa da Lava
Jato no MPF do Paraná.
Nesse contexto, conforme apurou ISTOÉ, quem também merecerá
um capítulo especial na delação é o senador Edison Lobão (PMDB), ex-ministro de
Minas e Energia do governo Dilma. Os lobistas detalharam aos investigadores a
atuação de Murilo Barbosa Sobrinho na Petrobras, uma espécie de representante
dos assuntos de interesse de Lobão.
Hoje, Jorge Luz é réu em um único processo conduzido pelo
juiz Sérgio Moro, mas que está em fase final de julgamento, com a sentença
prestes a ser proferida. Na iminência de ser condenado, sujeito a caneta pesada
do juiz da 13ª Vara de Curitiba, o lobista não vê outra alternativa senão
partir para a colaboração com a Justiça. O interesse aumentou à medida que as
investigações avançaram na direção da família. Seu filho, Bruno, também está
preso, acusado de atuar junto com ele nos esquemas de repasses de propina. A
filha, Fernanda, também é investigada. Jorge, no entanto, tenta minimizar a
responsabilidade dos filhos. À Polícia Federal, disse que “Bruno não decidia
nada”, apenas cuidava de questões burocráticas e operacionais, como
movimentações de contas no exterior, confirmações de pagamentos e confecção de
documentos. O lobista assim resumiu a divisão de tarefas na organização: “Jorge
era a cabeça. Bruno os braços”. Independentemente de como eles se articulavam,
o MPF negocia para que a dupla lance luz sobre fatos até agora obscuros para a
Lava Jato. Pelo cardápio apresentado até agora, Luz não será problema.
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