Delfim Netto, poderoso ministro do regime militar,
signatário do AI-5,
e depois conselheiro de Lula, é injusto e cínico quando fala em “lado
iluminado”, em contraposição a um “lado sombrio”, para definir o campo em que
estaria situada a equipe econômica do governo Bolsonaro.
O “lado sombrio” não está apenas na estratosfera ou nos
gabinetes dos ministérios da Educação, da Justiça e Segurança Pública e das
Relações Exteriores. Tudo se mistura.
Conspirar contra o meio ambiente e a liberdade sexual,
desmantelar o incentivo à cultura e a capacidade das instituições criadas para
fiscalizar atos administrativos, estimular violência e ódio nas polícias,
perseguir artistas e jornais, como acontece com a quase centenária Folha
de S.Paulo, nada disso, em princípio, é bom para os negócios.
Exceção feita às indústrias de armas e de equipamentos para
vigilância e espionagem, que, de fato, encontram solo fértil para um
futuro promissor, não há motivo para o mercado se encantar com a cruzada
mesquinha e moralista de Jair Bolsonaro.
No entanto, agentes econômicos atentos a sinais tênues de
recuperação, como se fossem consequência da dinâmica bolsonarista, acreditam
que a fórmula mágica da erosão de direitos é essencial para a salvação do país.
Paulo Guedes não tem perfil de homem público. É rude,
falastrão, amoral e pernicioso —como revelam as manifestações sobre
Brigitte Macron, mulher do presidente da França, sobre a ditadura de
Pinochet ou sobre o AI-5, formuladas para bajular a família presidencial.
A taxação do seguro-desemprego por medida provisória não é
só sinal de indisfarçável falta de sensibilidade política. É escárnio. A
eliminação de barreiras impostas ao empreendedorismo daninho estabelece senhas
nefastas para a retomada do crescimento.
Em regimes democráticos, o ímpeto discricionário dos
governantes é contido pela tradição constitucional, pelo respeito às leis,
pela independência dos poderes, pela existência de forças políticas antagônicas
disputando eleições e se revezando nos cargos, pelo entrechoque de interesses
corporativos e pela presença incômoda de imprensa livre, persistente,
soberana.
O objetivo de Bolsonaro é a autocracia. Paulo Guedes
acalenta o mesmo desejo: governar sem freios e limites, conforme o roteiro das
planilhas e das “ideias muito boas” do seu pessoal.
É um sonho impossível e inadmissível, mas faz sentido
o saudosismo
retórico do AI-5,
verbalizado pelo filho do presidente e pelo ministro da Economia.
Em dezembro de 1968, para alegria dos porões da repressão
política e da equipe de Delfim Netto, o governo militar adquire um arsenal
extraordinário de poderes institucionais que permitiria remover obstáculos,
dissolver o Legislativo, emparedar o Judiciário, cassar mandatos, aposentar
juízes e censurar
manifestações adversas.
manifestações adversas.
O projeto autoritário de Jair Bolsonaro é ainda embrionário.
Tem a favor o descrédito da representação partidária tradicional, a desmoralização
do Supremo e a perplexidade política das oposições.
Com sangue nos olhos, a Presidência da República festeja o
golpe de 64, homenageia torturadores e religiosos, ridiculariza jornalistas e
abate seus adversários. Defende imunidade penal para soldados que reprimem
protestos e para policiais que atiram a esmo.
Nem a perspectiva constitucional do impeachment inibe a
caminhada odiosa de Jair Bolsonaro e seus filhos e asseclas e capangas.
Luís Francisco Carvalho Filho
Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e
Desaparecidos Políticos (2001-2004).
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