sábado, 30 de novembro de 2019

VÁRIAS PRESSÕES SOBRE O DÓLAR

Míriam Leitão, O GLOBO
O déficit comercial do setor de manufaturas subiu em três anos de zero para US$ 30 bilhões. E isso sem o Brasil crescer. Com capacidade ociosa e desvalorização cambial, a indústria não consegue exportar. É o que alerta o economista Samuel Pessoa, do Ibre, ao falar da atual pressão cambial. O economista Manoel Pires, também do Ibre, lembra que o aumento do déficit em transações correntes para 3% do PIB também é preocupante. São sinais de que o dólar continuará pressionado. Os dois fizeram fortes críticas à fala de Paulo Guedes sobre o AI-5.
Os ruídos criados pelo governo pioram a situação, mas há fatores concretos, diz Samuel:
— Em janeiro do ano passado, o dólar estava a R$ 3,10. Com toda essa desvalorização, a indústria não se mexe. Nas outras recessões, o setor exportador ajudou a tirar a economia do buraco.
Manoel Pires diz que o pano de fundo — o contexto da guerra comercial, as frustrações dos leilões de petróleo, a queda das taxas de juros — tem levado o dólar a outro patamar:
— O câmbio de equilíbrio, aquele que estabiliza o déficit, é muito mais alto.
Sobre o limite à taxa de juros do cheque especial, os dois economistas, que entrevistei ontem no meu programa na Globonews, têm visões diferentes. Manoel Pires acha que o Banco Central acabou ampliando a base de arrecadação dos bancos e, ao permitir a tarifa mesmo de quem não entra no cheque especial, está reduzindo a transparência. Samuel Pessoa diz que há experiência internacional de limites máximos para os juros do cheque especial. Diz que “não é muito ortodoxo”, mas outros países fazem.
Perguntei a Manoel Pires, que foi secretário de Política Econômica do governo Dilma, o que ocorreria se naquela época fosse adotada tal medida:
— Acho que o pessoal iria reclamar bastante.
O governo Dilma deixou a economia em recessão, desemprego crescente e déficit. Após três anos e meio de política econômica liberal, os problemas não foram superados. Perguntei aos dois que lado tem que fazer autocrítica:
— Acho que todo mundo faz, cada um a seu modo, mas às vezes ela acirra o debate com cada um apontando o dedo para o outro. O importante é saber se a autocrítica foi suficiente para se apresentar um plano consistente, uma agenda para gerar crescimento e mais emprego. A minha impressão é que o debate econômico hoje está levando a mais consenso.
Samuel acha que a política liberal está colhendo alguns resultados:
— Uma parte já veio. Juros mais baixos, inflação mais baixa. Tem um problema maior que está dificultando a aprovação de medidas importantes no Congresso que é de natureza política. Temos um presidente que quis inventar, criar uma nova maneira de fazer a gestão da relação entre executivo e legislativo. O Congresso é o mais reformista que tivemos, mas é muito difícil o investimento voltar forte com essa incerteza.
Manoel Pires discorda da velha dicotomia entre ajuste fiscal e estímulos ao crescimento, porque no dia a dia é preciso lançar mão de vários instrumentos para conter a despesa corrente e abrir espaço para o investimento público. Ele acha, contudo, que o teto de gastos é insustentável, Samuel acredita que um pequeno conjunto de reformas é suficiente para sustentar o teto.
Os dois fizeram duras críticas às declarações de Guedes sobre AI-5.
— Estamos vivendo um momento em que o governo está explorando os limites implícitos da democracia. Vejo o ministro do Meio Ambiente com dificuldade para lidar com a agenda do meio ambiente, o das Relações Exteriores, da Cidadania. Há um movimento generalizado dentro do governo. É um processo que não sabemos onde vai parar. Mas a gente que forma opinião tem que estabelecer nossos limites: isso eu não aceito — afirmou Manoel Pires.
— Fiquei muito preocupado, o ministro Paulo Guedes é uma pessoa inteligente, belo currículo profissional, fala muito bem. Uma pessoa com toda essa capacidade falar algo tão grave e logo depois de o próprio filho do presidente já ter falado, num governo sobre o qual já há suspeição, isso afeta a economia. Para o investimento voltar, a gente precisa de ter certeza na questão tributária, mas também do regime político. Uma declaração dessas coloca um manto de incertezas sobre o país, dificulta a retomada da economia. Acho péssimo — diz Samuel Pessoa.
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