O déficit comercial do setor de manufaturas subiu em três
anos de zero para US$ 30 bilhões. E isso sem o Brasil crescer. Com capacidade
ociosa e desvalorização cambial, a indústria não consegue exportar. É o que
alerta o economista Samuel Pessoa, do Ibre, ao falar da atual pressão cambial.
O economista Manoel Pires, também do Ibre, lembra que o aumento do déficit em
transações correntes para 3% do PIB também é preocupante. São sinais de que o
dólar continuará pressionado. Os dois fizeram fortes críticas à fala de Paulo
Guedes sobre o AI-5.
Os ruídos criados pelo governo pioram a situação, mas há
fatores concretos, diz Samuel:
— Em janeiro do ano passado, o dólar estava a R$ 3,10. Com
toda essa desvalorização, a indústria não se mexe. Nas outras recessões, o
setor exportador ajudou a tirar a economia do buraco.
Manoel Pires diz que o pano de fundo — o contexto da guerra
comercial, as frustrações dos leilões de petróleo, a queda das taxas de juros —
tem levado o dólar a outro patamar:
— O câmbio de equilíbrio, aquele que estabiliza o déficit, é
muito mais alto.
Sobre o limite à taxa de juros do cheque especial, os dois
economistas, que entrevistei ontem no meu programa na Globonews, têm visões
diferentes. Manoel Pires acha que o Banco Central acabou ampliando a base de
arrecadação dos bancos e, ao permitir a tarifa mesmo de quem não entra no
cheque especial, está reduzindo a transparência. Samuel Pessoa diz que há
experiência internacional de limites máximos para os juros do cheque especial.
Diz que “não é muito ortodoxo”, mas outros países fazem.
Perguntei a Manoel Pires, que foi secretário de Política
Econômica do governo Dilma, o que ocorreria se naquela época fosse adotada tal
medida:
— Acho que o pessoal iria reclamar bastante.
O governo Dilma deixou a economia em recessão, desemprego
crescente e déficit. Após três anos e meio de política econômica liberal, os
problemas não foram superados. Perguntei aos dois que lado tem que fazer
autocrítica:
— Acho que todo mundo faz, cada um a seu modo, mas às vezes
ela acirra o debate com cada um apontando o dedo para o outro. O importante é
saber se a autocrítica foi suficiente para se apresentar um plano consistente,
uma agenda para gerar crescimento e mais emprego. A minha impressão é que o
debate econômico hoje está levando a mais consenso.
Samuel acha que a política liberal está colhendo alguns
resultados:
— Uma parte já veio. Juros mais baixos, inflação mais baixa.
Tem um problema maior que está dificultando a aprovação de medidas importantes
no Congresso que é de natureza política. Temos um presidente que quis inventar,
criar uma nova maneira de fazer a gestão da relação entre executivo e
legislativo. O Congresso é o mais reformista que tivemos, mas é muito difícil o
investimento voltar forte com essa incerteza.
Manoel Pires discorda da velha dicotomia entre ajuste fiscal
e estímulos ao crescimento, porque no dia a dia é preciso lançar mão de vários
instrumentos para conter a despesa corrente e abrir espaço para o investimento
público. Ele acha, contudo, que o teto de gastos é insustentável, Samuel
acredita que um pequeno conjunto de reformas é suficiente para sustentar o
teto.
Os dois fizeram duras críticas às declarações de Guedes
sobre AI-5.
— Estamos vivendo um momento em que o governo está
explorando os limites implícitos da democracia. Vejo o ministro do Meio
Ambiente com dificuldade para lidar com a agenda do meio ambiente, o das
Relações Exteriores, da Cidadania. Há um movimento generalizado dentro do
governo. É um processo que não sabemos onde vai parar. Mas a gente que forma
opinião tem que estabelecer nossos limites: isso eu não aceito — afirmou Manoel
Pires.
— Fiquei muito preocupado, o ministro Paulo Guedes é uma
pessoa inteligente, belo currículo profissional, fala muito bem. Uma pessoa com
toda essa capacidade falar algo tão grave e logo depois de o próprio filho do
presidente já ter falado, num governo sobre o qual já há suspeição, isso afeta
a economia. Para o investimento voltar, a gente precisa de ter certeza na
questão tributária, mas também do regime político. Uma declaração dessas coloca
um manto de incertezas sobre o país, dificulta a retomada da economia. Acho
péssimo — diz Samuel Pessoa.
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