Tanto se fala da importância da Amazônia que se tornou comum
chamá-la de "pulmão do mundo". Mas, na verdade, ela é um gigantesco,
complexo e delicado sistema de vida que abriga a mais rica biodiversidade do
planeta e guarda o impressionante estoque de 100 bilhões de toneladas de
carbono (cerca de uma década de emissões globais). Destruí-la significa, dentre
outras coisas, exterminar incontáveis seres vivos e lançar na atmosfera esse
carbono na forma de CO2 com implicações gravíssimas para a vida no planeta.
Não faltam razões éticas, econômicas e sociais para
preservar a Amazônia. Mas, para os países que a têm em suas fronteiras —
especialmente o Brasil, que tem nela 60% de seu território —, há algo essencial
à vida, valioso demais para ser negligenciado: água. Segundo o documento
"Marcos Científicos para Salvar a Amazônia", apresentado no Sínodo da
Amazônia pelo Dr. Carlos Nobre, em nome de um grupo de grandes cientistas,
"cerca de 70% do PIB da América do Sul deriva da zona de influência da chuva
produzida pela Amazônia".
Quem não se rende às razões do coração deve ceder aos apelos
da razão científica e do bom senso: a economia depende da Amazônia preservada.
Os serviços ecológicos de suas florestas fornecem insumos tangíveis e
intangíveis para tornar o Brasil uma potência energética, agrícola e cultural.
Mas o desconhecimento ou desprezo por essa realidade mantém um modelo político
e econômico que promove uma tripla destruição: da floresta e seus povos
originários, das bases naturais do desenvolvimento e do equilíbrio ecológico
que assegura a continuidade da vida na Terra.
Temos que substituir
o modelo vigente, de uso predatório dos recursos da Amazônia, por um modelo de
conservação orientado pela ciência e inspirado nos conhecimentos tradicionais
de seus povos originários. Devemos ter senso de urgência, diante da ameaça de
etnocídio e de caos ambiental contida na visão dos governos e empresas que
tratam a floresta como inimiga do desenvolvimento.
O Brasil sabe o que
fazer. Conhecimentos acumulados em três décadas de políticas públicas e ações
da sociedade estão à disposição dos governos e empresas. Podemos dividir em
três grupos esse acervo de propostas e experiências, algumas já testadas e
bem-sucedidas:
1. 1 . Ações de comando e controle para evitar ou punir
grilagem de terras públicas, desmatamento e queimadas, mineração e exploração
de madeira ilegais. Por exemplo, o Plano de Prevenção e Controle do
Desmatamento da Amazônia, lançado em 2004, baseava-se num tripé: combate às
práticas ilegais, ordenamento territorial/fundiário e apoio à produção
sustentável. Obteve reconhecido sucesso ao reduzir em 83% o desmatamento na
Amazônia brasileira de 2004 a 2012, mesmo em período de crescimento econômico.
2. 2. Propostas
estruturantes, de implementação em médio e longo prazos, para promover um
modelo sustentável de desenvolvimento. Exemplos são o 'Plano Amazônia
sustentável', de 2008, e o mais recente 'Amazônia 4.0', coordenado pelo Dr.
Carlos Nobre, que visa à criação de uma bioeconomia com agregação de valor aos
produtos da biodiversidade e com sistemas agroflorestais e agroindustriais de
base comunitária, frutos da integração entre o conhecimento técnico-científico
da biociência e os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas e locais.
3.
3. Num terceiro grupo podemos reunir as ações
que classifico como "de suporte", divididas em dois eixos
complementares:
- O eixo das iniciativas que ajudam a
fundamentar a tomada de decisões, avaliar e corrigir ações. Um bom exemplo é o
recém-criado Painel Científico sobre a Amazônia, nos moldes do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, lançado no dia 21 de
setembro, na sede da ONU, em Nova York, que procura mapear os riscos de
destruição e identificar ações e meios para preservar.
- O eixo das iniciativas que buscam
viabilizar recursos humanos, técnicos e financeiros para projetos compatíveis
com a preservação. São recursos essenciais na transição para um novo modelo,
capaz de gerar um novo ciclo de prosperidade com preservação da floresta,
proteção às populações indígenas e combate às iniquidades sociais. Esse é o
eixo com maior dificuldade, basta ver a desproporção entre a dimensão dos
problemas e a quantidade dos recursos para enfrentá-los.
Recentemente, tive a oportunidade de
dialogar com Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz. Tratamos da recente crise
ambiental na Amazônia e concluímos que nossa consciência do desastre não pode
ficar hibernando após o fogo ser apagado pelas chuvas, aguardando ser
despertada no próximo ano, quando um desastre ainda maior se anuncia na
continuação da política antiambiental do atual governo. Mas o que fazer?
Falando aos jovens de um dos programas
liderados pelo professor Yunus, sugeri criar uma espécie de Plano Marshall dos
países da Amazônia, para financiar ações que possibilitem transitar para uma
economia sustentável. Diferentemente do Plano Marshall, criado no pós-guerra
pelos Estados Unidos para ajudar na restauração da Europa, o plano para evitar
a destruição da Amazônia se originaria, de forma independente, na própria
região. Seus nove países reuniriam os recursos iniciais, de doações
voluntárias, sem recusar aportes de pessoas e governos de outras regiões que
concordassem com os objetivos e diretrizes por eles soberanamente
estabelecidas. Esses recursos financiariam iniciativas da sociedade, empresas,
instituições de pesquisa, a governança ambiental, o monitoramento, a gestão de
áreas protegidas e terras indígenas.
Criaríamos, assim, mais um instrumento de
proteção da maior floresta tropical do mundo. Seria efetivo, garantindo
recursos financeiros, e inteiramente democrático, pela participação voluntária.
E com rigoroso sistema de compliance, auditorias independentes e informações
acessíveis a todos os doadores e à sociedade em geral.
Existem milhões de pessoas dispostas a
ajudar no esforço para passar das ideias à prática. As populações dos países
amazônicos saberão aproveitar a ajuda com inteligência e sabedoria. E a
humanidade inteira — especialmente as futuras gerações — ganhará o imenso
benefício de uma Amazônia sustentável: economicamente próspera, socialmente
justa, culturalmente diversa, politicamente democrática e ambientalmente
preservada.
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