Aos poucos e discretamente, mais uma política do governo
Bolsonaro sucumbe diante da realidade. As relações carnais com os Estados
Unidos, que marcaram a estratégia externa desde a campanha eleitoral e tiveram
seu ápice no “I love you!” presidencial a Donald Trump, em solo americano, já
não são as mesmas. Parte do desencanto tem a ver com um desastre familiar.
Naufragou o projeto de enviar Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington,
uma má ideia que não precisou nem passar pelo crivo dos senadores: o 03 foi
abatido por sua própria língua ferina.
Mas a maior causa do afastamento brasileiro do governo
populista dos Estados Unidos tem a ver com razões bem concretas. O Brasil não é
prioridade para a administração Trump, que deixou isso bem claro em uma série
de episódios constrangedores para Bolsonaro: ignorou o pedido brasileiro de
ingresso na OCDE, recebeu benesses que não retribuiu, como a queda nas taxas de
importação de etanol e a liberação de vistos, e saudou com entusiasmo o novo
presidente argentino, contrariando as declarações públicas antikirchneristas do
presidente brasileiro. Trump não despreza apenas o Brasil. Também isolou os
Estados Unidos da Europa, de seu principal aliado, o Reino Unido, e dos
estratégicos parceiros do Oriente Médio. A falta de visão tática do atual
mandatário americano faz a China e a Rússia ampliarem sua projeção
internacional de maneira inédita e fragiliza as democracias liberais, que foram
o pilar do crescimento mundial nos últimos 150 anos.
No Brasil, a nova ordem internacional forçou o governo
Bolsonaro a se reaproximar da China, que é de fato nosso maior parceiro
comercial. Ficaram para trás as ameaças de campanha contra o domínio chinês,
substituídas pela promessa da chegada de investimentos bilionários e pela
introdução no País da rede 5G, que é liderada pelos chineses e promete ser a
nova revolução industrial. A cúpula do Brics, recém-encerrada em Brasília, foi
assim um fiasco bem-sucedido. Como previsto pelo próprio criador desse
acrônimo, o economista britânico Jim O’Neill, o grupo de países emergentes não
tem uma real função geopolítica. Sua finalidade é mais acadêmica e estatística.
Não no caso brasileiro, paradoxalmente. A majestosa passagem do chinês Xi
Jinping por uma Brasília deserta, na semana passada, selou uma guinada em nossa
política externa. A diplomacia nacional voltou aos trilhos movida pela
realidade e por benefícios palpáveis. Os verdadeiros interesses estratégicos e
o saudável princípio da reciprocidade entraram, finalmente, no radar do
Itamaraty bolsonariano. Antes tarde do que nunca.
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